Clientes somem das lojas na mesma proporção da defasagem dos salários

O projeto de lei 237/2021, protocolado na Assembleia Legislativa RS pelo governo de Eduardo Leite (PSDB), em julho passado, prevê a alteração do piso regional e a nova tabela de salário regional para 2021, fixando um reajuste de 2,73% sobre a tabela do ano anterior.

Assim, o trabalhador inserido na menor faixa salarial receberá R$ 1.270,92. Uma redução no poder de compra, pois o percentual de reposição equivale a 50% da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2020. No ano passado, o parlamento gaúcho já tinha aprovado reajuste zero ao piso devido a pandemia.

O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Gabriel Souza (MDB), havia tratado dessa pauta em agosto com entidades representativas dos trabalhadores. Na semana passada, a videoconferência foi com representantes da Fiergs, Fecomércio e Farsul.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) há anos se posiciona pela extinção do Piso Regional. Durante o encontro on-line, o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, disse que “o piso regional foi criado em 2001, em um contexto de salário mínimo nacional defasado. Nas últimas décadas, o cenário mudou, com expressivos reajustes, levando à extinção da conjuntura que justificaria e sustentaria a existência de um piso regional diferenciado.”

Na realidade, em 2021, o salário mínimo nacional está valendo em torno de US$ 200 (1.100 reais), abaixo de US$ 327,00 (1.800 reais), no período do PT na Presidência da República.

As entidades empresariais tratam a pauta salarial de forma ideológica, fortalecendo a concentração de renda. Não importa que a pesquisa encomendada pela Assembleia Legislativa RS aponte como principal impacto da pandemia de Covid-19 a queda da renda, que afetou 44,3% dos gaúchos desde março de 2020.

Pequenos negócios fecham

A Pesquisa de Monitoramento dos Pequenos Negócios na Crise, realizada pelo Sebrae RS entre 16 de agosto e 3 de setembro, aponta a elevação do número de pequenas empresas fechadas no Estado. Segundo a pesquisa, 25% das companhias gaúchas dessa natureza não se encontravam mais em funcionamento, ou seja, uma em cada quatro, enquanto o registrado em julho foi de 12%.

Como o Rio Grande do Sul tem em torno de 2,7 milhões de pequenos negócios, cerca de 675 mil deixaram de operar. E um dado ainda pior: 16%, ou aproximadamente 108 mil, não previam abrir novamente as suas portas. Como a média de empregados que giram em torno dos pequenos negócios é de cinco pessoas, o Sebrae RS calcula um impacto potencial em cerca de meio milhão de gaúchos, que terão sua renda comprometida.

Entre as principais razões para as empresas deixarem de funcionar está a falta de clientes (39%). Portanto, é óbvio que o salário movimenta a economia e não pode ser visto como despesa, mas a salvação dos negócios.

Karl Marx escreveu que o sistema capitalista tende a gerar um excedente permanente de mão de obra, que resulta em redução do poder de barganha dos trabalhadores e consequente baixa dos salários. Com um exército de desempregos e informais, em torno de 60 milhões de trabalhadores, é o que acontece no Brasil atual.

Centrais sindicais querem mais

A representação das centrais sindicais dos trabalhadores defendeu a reposição de 10,3% no salário mínimo regional, no espaço da Tribuna Popular na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. O índice corresponde à variação do INPC em 2019 e 2020.

O presidente da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, da Assembleia Legislativa, deputado Zé Nunes (PT), lembrou que no Rio Grande do Sul o piso regional não recebe reajuste desde fevereiro de 2019, fazendo com que uma parcela enorme da população com renda baixa perca poder de compra. “Ao contrário do que o governo do Estado do RS diz, o salário mínimo regional não causa desemprego, mas distribui renda, auxilia no desenvolvimento regional e traz qualidade de vida para a população, aquecendo e movimentando a economia”.

O presidente do Capítulo Brasileiro do Conselho Empresarial da América Latina, Ingo Plöger, no artigo “O liberalismo mal-entendido”, publicado no jornal Valor Econômico, escreveu que a discussão agora é como vamos sair da pandemia, inserindo na recuperação econômica as classes menos favorecidas. “No Brasil…é o contrário – assustador e preocupante – em termos de políticas de médio e longo prazo. Fortalecemos a riqueza e não estamos sendo capazes de transformar a pobreza, trazendo para a população uma realidade de bem-estar compartilhado.”

E finaliza seu artigo: “Um país tão desigual como o Brasil não pode continuar a favorecer de maneira sistêmica o mais rico e desconsiderar o mais pobre.”