Apêndice

Além das manifestações poéticas, muitas e variadas maneiras foram usadas por prisioneiros e perseguidos para levar suas vidas avante e superar os maus momentos por que passavam. Por seu dramatismo e exemplo, trazemos três delas: a carta do raptado Dirceu Messias desde o Es­tádio Nacional do Chile; a carta do sequestrado Sargento Raimundo Soares, desde a Ilha do Presídio; e os rabiscos da sequestrada Vera Ligia Durão nas paredes da cela do DOPS em Porto Alegre. Por certo não têm voo poético, mas são verdadeiros hinos de amor à vida e à esperança.
 
Dirceu Luis Messias
Natural de Porto Alegre, trabalhador ativista do Sindicato dos Eletricitários de Porto Alegre, procurou refú­gio no Chile democrático da Unidade Popular. Nos dias imediatos ao golpe de estado de 1973, foi detido junto a co­legas da Manutenção Industrial Gemo, passando por todo tipo de sevicias. No Ginásio Chile, presenciou maus tratos ao músico Victor Jara, e já no Estádio Nacional padeceu jun­to aos demais 120 brasileiros e milhares de outros cidadãos novos períodos de padecimento.
 
Carta desde el Estadio Nacional de Chile, setembro de 1973
Querida Gorda
Hoy despertamos a las 6 de la mañana, lo que ocur­rió con todos los detenidos del Estadio. Formamos un gru­po dentro de la cancha y se dividió el grupo de los chilenos y el de los extranjeros. Posteriormente fuimos todos traslada­dos al Setor Norte Poniente, donde hubo nueva división – el camarin 3 tocó a los de Justicia Militar y los restantes a los que deben abandonar el pais y ser expulsados. Ayer (17) fué un dia no muy bueno para mi; fui interrogado nuevamente y recebi la noticia de la muerte del brasileño Wanio, ocurri­do en el Hospital de Campaña del Estadio.
 
Manoel Raimundo Soares

Manoel Raimundo Soares

Nascido em Belém do Pará, Manoel mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou no Exército em 1955, sendo transferido em 1963 para o Mato Grosso como represália por suas posições políticas. Após abril de 1964, teve a prisão decretada e passou a viver na clandestinidade, no Sul, vinculado ao Movimento Revolucionário 26 de Março, que planejava ações de resistência ao regime. A partir de seu sequestro em março de 1966, suportou vários meses de torturas em diferentes dependências repressivas conforme relato de outros prisioneiros, ficando um período com destino ignorado, provavelmente no sitio clandestino chamado “Dopinha”. Após reaparecer no DOPS, em 24 de agosto, cinco meses depois de sua prisão, seu corpo foi encontrado boiando no Rio Jacuí com as mãos amarradas às costas. Este famoso “caso das mãos amarradas” foi objeto de CPI da Assembléia Legislativa, que indicou mandantes e executores civis e militares, ainda impunes. A viúva Elizabeth Chalup conservou algumas cartas enviadas por Manoel, durante seus últimos meses de vida. O nome de Manoel designa atualmente dezenas de logradouros e escolas em todo o Brasil.
 
Carta de Manoel Raimundo Soares a sua esposa Elizabeth Soares, em 1966
Estou vivo. Estou calmo. Tão logo eu seja posto em liberdade, e isto ainda vai demorar, vamos ter uma nova lua de mel. Aproveito para lembrar-te que meu pensamento é só para ti. Durante todas as horas dos últimos dias, não sais do meu pensamento. O banquinho na cozinha, os beijos nos olhos, tudo aquilo que liga meu corpo à tua alma.
Mil beijos e um caminhão de abraços”.
Raimundo.
 
Vera Lígia Huebra Neto Saavedra Durão
Nasceu em Laginha, pequena cidade da Zona da Mata, de Minas Gerais. Estudou em Belo Horizonte, onde terminou o segundo grau. Lutou contra a ditadura e foi presa em Porto Alegre, em junho de 1970. Casou-se em 1971 com Jorge Eduardo Saavedra Durão, companheiro de clandestinidade. Concluiu o curso de jornalismo na UFF, em Niterói, após sair da prisão em 1974. Trabalhou em diversos jornais do país, como Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil e Valor Econômico. Vive no Rio de Janeiro junto ao marido, com quem têm duas filhas, Mariana e Carolina, as quais compartilham os valores democráticos e da defesa do Estado de Direito contra a volta dos regimes autoritários em todo Mundo.
Texto esculpido a estilete (talvez com um grampo de cabelo), com letra de forma impecável, na parede da cela nº 1 – masmorra chamada “fossa”, do DOPS de Porto Alegre, resgatado na memória de um preso subsequente, e identificado por associação de nomes e épocas:
“Abraços aos companheiros que por aqui passarem. Que a confiança na revolução socialista não os deixe sucumbir os incentive a lutar e a vencer.”
Vera Lucia (VAR-Palmares).

Deixe uma resposta