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João Alberto Wohlfart*
Como se não bastasse, o Brasil passou por um longo e obscuro período de ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985. As experiências mais horrorosas a que foi submetido o povo durante este período, como torturas, prisões, mortes, desaparecimento de familiares e neutralização da consciência histórica, fez ecoar o grito: ditadura nunca mais. Com a retomada da Democracia em 1985 e outros eventos democráticos posteriores afastaria para sempre qualquer possibilidade de nova ditadura. Para as gerações mais jovens, qualquer noção de ditadura apenas no imaginário da experiência de um passado mais ou menos longínquo ou a partir da memória mais viva das gerações passadas. A realidade da Democracia foi conquistada com muito suor, sacrifício, sangue e morte de tantos heróis do passado.
De forma quase inesperada e muito rápida, eclodiu uma nova ditadura no Brasil, com indicações de que esta é pior que aquela vivida nestes anos sombrios. Arquitetada por uma mídia oligárquica que serve aos interesses do grande capital, por setores ultraconservadores do judiciário e do ministério público federal, por partidos políticos de direita e por uma classe de bandidos políticos espalhados por todos os poderes da república. Inconformados com os avanços sociais dos últimos anos, por múltiplas formas de manifestações democráticas e pela ascensão social de milhões de brasileiros historicamente excluídos, de pobres que começaram a viajar de avião e de negros que chegaram às Universidades, as elites conservadoras da sociedade se enfureceram porque viram os seus espaços de domínio absoluto “invadidos” por uma massa de “vagabundos”.
A nova ditadura brasileira é oriunda do refluxo do neoliberalismo ultraconservador que tem na privatização das empresas e das riquezas, o domínio vertical norte/sul, a especulação financeira, o domínio do grande capital estrangeiro das riquezas nacionais, a monopolização do empresariado do agronegócio e dos grandes monopólios produtivos os seus dogmas mais absolutos. O grande capital internacional está de olho no Brasil porque ainda possuímos riquezas naturais inexistentes no primeiro mundo de que o sistema capitalista necessita para o giro do lucro, comprometido pela atual grande crise do capitalismo internacional. Os representantes internos deste sistema, apoiados por grandes monopólios econômicos nacionais e transnacionais, formados pelo judiciário, pelos partidos de direita e pela grande mídia, orquestraram derrubar a Presidente Dilma Rousseff para impor ao país os seus espúrios interesses, completamente alheios à vida e às necessidades do povo.
Internamente este espetáculo foi orquestrado nos constantes ataques da mídia conservadora ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-Presidente Lula como se fossem os culpados da corrupção e nos ataques do judiciário às lideranças de esquerda especialmente dirigidos para prender as suas principais lideranças. Nesta investida, os próprios meios de comunicação e o corrompido judiciário conseguiram ocultar a grande corrupção que gira neles próprios e nas tendências políticas de direita ultraconservadora que fazem da política uma legitimação dos grandes interesses econômicos do empresariado e das corporações capitalistas. Com a furiosa articulação de ataques ao povo, à Democracia, às forças políticas de esquerda e às conquistas sociais, estão impondo o seu poderio absoluto para privatizar a sociedade em função de seus interesses.
A presença intensa da nova ditadura parlamentar/jurídico/midiática, fica cada vez mais visível diante dos olhos. O julgamento promovido pela câmara dos deputados e pelo senado federal pareceu um verdadeiro tribunal de inquisição e de exceção, com expressões de patriarcalismo, coronelismo, machismo, fascismo e com homenagem aos torturadores da ditadura militar. Aos promotores destes sentimentos antipatrióticos e antidemocráticos não pesa nenhuma punição e se transformam em heróis do golpe. Aos líderes populares e defensores da Democracia pesa o estereótipo de agitadores do povo e baderneiros da ordem pública.
Com o processo de impedimento da Presidente Dilma Rousseff, além de uma violação cínica e hipócrita do Estado de Direito, da Constituição e da Democracia, há um clima sistemático de ditadura disseminado por toda a sociedade. Quando nas Universidades públicas se discute golpe e Democracia, as Instituições de Ensino Superior são duramente reprimidas por câmaras de vereadores e pelo ministério público, quando a sua plena autonomia dá a liberdade para realizarem estes atos. O clima de ódio e intolerância seletivamente orientado para determinadas pessoas e grupos da sociedade constitui um indício claro de ditadura, algo impensável numa sociedade livre e democrática.
Os golpistas que usurparam ditatorialmente o poder central, estão promovendo um desmonte dos direitos sociais conquistados com muita luta, sangue e mortes de tantos heróis da Democracia. Em lugar das conquistas sociais estamos vendo um espetáculo de privatizações destinadas a atender aos interesses de uma pequena elite política e econômica que sempre mandou no país e que nunca permitiu que os seus privilégios fosses minimizados. Há claras promessas de repressão contra manifestações populares e contra expressões da opinião pública que sustentam uma visão diferente da oficial protagonizada pela oligarquia do neoliberalismo nacional. Há indícios claros de repressão policial aos movimentos sociais que se organizam para barrar o golpe e assegurar a Democracia tão duramente conquistada.
Além da precarização do trabalho e dos direitos sociais, o que fica evidente é a subordinação das riquezas nacionais aos interesses do grande capital internacional. A entrega do pré-sal, a última grande descoberta do Brasil de um futuro promissor para o nosso povo, está ameaçado escapar de nossas mãos. As riquezas naturais, a imensa biodiversidade e os grandes ecossistemas estão ameaçados pela mentalidade privatizadora dos golpistas. Este ataque à soberania nacional e à liberdade do povo caracteriza um golpe porque implanta um projeto não almejado pelo povo brasileiro.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de filosofia.
A Pertinência da reflexão do Prof. João nos mostra com clareza porque no Brasil ainda se preservam muitos resquícios da ditadura, como a militarização da polícia, a estrutura fundiária favorável ao latifúndio, o pagamento da dívida pública, a injusta anistia aos torturadores e assassinos do regime militar, impunes até hoje. Meus cumprimentos pela brilhante e corajosa reflexão que dá ânimo para apostar no futura da demacracia.
Um abraço prof. André