Tiago Baltz
“A situação é terrível”. É assim, de forma direta, que Lilia Ricciardi, atual diretora da Gazeta de Alegrete, resume a situação do centenário impresso da cidade da fronteira oeste do Rio Grande do Sul.
O jornal Gazeta de Alegrete, com 137 anos de existência, é o mais antigo em circulação no Rio Grande do Sul, e o terceiro no Brasil, ficando atrás apenas do “Diário de Pernambuco” e de “O Estado de São Paulo”.
Tudo começou em 1882, com uma campanha em pró da absolvição dos escravos negros.

O jornal foi fundado por Jesuíno Melquíades de Souza, José Celestino Prunes e Luís de Freitas Vale, que em 1888 foi condecorado pela Princesa Isabel como Barão de Ibirocay, justamente pela sua campanha abolicionista.
De lá pra cá o jornal viu a República nascer, passou pela pandemia da gripe espanhola em 1919 e viu em suas páginas textos de políticos como Oswaldo Aranha e Demétrio Ribeiro e do poeta Mário Quintana. Foi ainda na Gazeta que começaram nomes como Nico Fagundes e Sérgio Faraco.
O jornal viu a passagem de um novo século, até uma nova pandemia determinar o momento mais difícil de sua existência. “Estamos apenas com o dinheiro das publicações legais da prefeitura e alguns antigos apoiadores. Com a nova crise econômica as empresas estão cancelando seus contratos pois não estão vendendo e infelizmente a mídia do Governo Federal não chega aos jornais do interior”, diz a atual proprietária, Lilia Ricciardi, que consegue manter apenas mais três funcionários e uma tiragem semanal mínima.
A família Ricciardi está no jornal desde os anos 50, quando o pai de Lilia, o poeta Hélio Ricciardi comandava a publicação, então diária. Desde 1970 o jornal passou a ser de propriedade do jornalista e poeta. Foi também Hélio Ricciardi que criou os Cadernos do Extremo Sul, importante publicação literária que contou com textos de Mário Quintana, Laci Osório, Sérgio Faraco e Nico Fagundes, muitos dos poemas e contos, antes de serem publicados nos Cadernos eram veiculados pela Gazeta.

O poeta da aldeia, como se autodefinia e cujo nome completo era Hélio Irajá Ricciardi dos Santos, foi diretor do jornal até 2003, quando passou o serviço para a filha Lilia, mas manteve uma coluna até sua morte em 2015.

No início dos anos 90, com o fechamento da gráfica própria, a Gazeta deixou de ser diária, com os anos passou de bissemanal para semanal, e com o novo século acabou perdendo leitores, principalmente entre os mais jovens. No auge, chegou a ter mais de 40 funcionários.
Em 2020, ano de uma nova pandemia, o jornal ocupa uma pequena loja, com apenas dois computadores. É impresso em Ijuí, e distribuído aos sábados, com doze páginas e um preço de capa de R$ 2,50. Além de Lilia, há mais três funcionários, sendo que um é jornalista.
O jornal fez parte da Associação dos Diários do Interior (Adjori), mas segundo Lilia, não havia nenhum retorno da entidade e optou-se pela saída do grupo.
Durante dois anos houve um site, que está desativado: “Não há ganho financeiro que justifique um site”, coloca a proprietária.
Em 1978 foi inaugurado o Grupo Gazeta de Comunicações, formado pelo Jornal Gazeta de Alegrete, pela Rádio Gazeta AM e pela Rádio Cultura FM. A Rádio Cultura FM foi posteriormente vendida para um grupo de Santa Maria e seu nome fantasia passou a ser Nativa. A rádio Gazeta continua no ar, mas a operação da emissora e do jornal Gazeta é separada.
Em 2016, a história do jornal começou a ganhar novo capítulo com o processo coordenado pela PUC para digitalização do acervo completo. A Gazeta de Alegrete é possivelmente o maior acervo público da cidade, um patrimônio. Mas apenas um terço do trabalho foi concluído, ainda faltam recursos para o restante do trabalho.
“Em cada página, em cada edição, estão registrados os hábitos e costumes da nossa gente, tudo que resultou ao que hoje somos como cidade. A Gazeta é a cara de Alegrete. Folhear as Gazetas antigas é viajar pelo tempo”, define Lilia. A ideia é que após a digitalização completa as edições antigas passem para um memorial. O futuro é incerto, mas ao menos, a memória poderá ser assim preservada.



Oxalá digitalizem as edições . Que não se perca a história . Nós brasileiros torcemos para que este jornal da cidade continentina, plantado no pampa imenso, de pôr-de-sol sem igual, esta jóia engastada no Brasil meridional, sobreviva aos desencantos que destróem a imprensa tradicional.
Interessantíssima a trajetória deste jornal. E ligado a nomes consagrados como o de Mário Quintana, Nico Fagundes e Sérgio Faraco. Os jornais de papel de há muito estão sofrendo com o avanço das novas mídias. Sofrem os grandes grupos e ainda mais os pequenos. Enquanto jornalista, que começou a carreira em jornal pequeno, torço para que a Gazeta de Alegrete sobreviva e viva muito mais. Como dito no artigo, os jornais são fontes primorosas da memória da vida cotidiana de um povo. E não faz História com H sem as miudezas do dia-a-dia.
Faço votos que a Gazeta de Alegrete supere este momento e ganhe novo fôlego, ampliando o significado de ser o jornal mais antigo do Estado. É patrimônio do Estado e por isso precisa ser preservada. Talvez um dos caminhos seja o de receber voluntários alegretenses e de outras querências interessados em colaborar nas diversas áreas.
Por gentileza, necessito acesso ao acervo do jornal nos anos 30 e 40.
Meu e-