Mais antigo diário do RS chega aos 130 anos apostando no futuro digital

Jornal com mais tempo em circulação diária no Rio Grande do Sul e um dos mais antigos do Brasil, o “Diário Popular”, de Pelotas, completa 130 anos neste mês de agosto.

Enfrenta uma crise sem precedentes em sua edição impressa, enquanto busca no meio digital um caminho para o futuro.

“Temos que repensar o jornalismo. Hoje, visamos a qualidade da informação e a interação com o público, não é mais uma simples corrida pelo furo”, diz o editor chefe Jarbas Tomaschewsk.

O jornal se empenha em usar e entender as ferramentas da comunicação moderna para aproximar-se de um novo público leitor.

Atualmente, 85% do conteúdo do seu site, criado em 1999, é acessado via smartphones. Neste ano, o site alcançou até julho 3,7 milhões de acessos.

Uma média de 500 mil acessos por mês e com 80% de novos visitantes. Parece bom, mas longe de sustentar solidamente uma estrutura jornalística profissional.

Há investimentos nas redes sociais e uma abertura de conteúdo do site, com a transição de modelo paywall (com conteúdo acessado apenas por assinantes), para um acesso liberado na maioria das notícias, numa tentativa de reposicionar o Diário Popular em sítios de buscas, como o Google. É uma aposta da direção, atualmente comandada pela superintendente Virgínia Fetter.

No Facebook foi criado há um ano o canal da Comunidade, grupo que serve como divulgação e discussão de fatos da cidade. Segundo o DP, as redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn), possuem mais de 360 mil seguidores.

Outras formas de atrair leitores são mais tradicionais, como o Clube Premium, o velho é bom cupom de descontos para o assinante no comércio local. E ainda há uma base de assinantes do impresso, mas que diminui ano a ano, apesar do jornal ainda circular em 23 municípios da Zona Sul.

Enquanto no jornal impresso a faixa etária da maioria dos leitores fica acima dos 35 anos, a maioria dos visitantes do portal de notícias está na casa entre 25 e 34 anos.

Fim da gráfica própria

A gráfica fo desativado no último mês de abril. Reprodução

Se no meio digital o Diário Popular se equilibra, o modelo impresso sofre uma grande transformação. Desde 24 de abril passado, foi fechada a gráfica do jornal. Para se ter a noção da sua importância, o nome oficial da empresa é Gráfica Diário Popular Ltda, localizada há décadas na Rua XV de Novembro, bem no Centro de Pelotas.

Sede do Jornal, na rua XV de novembro, centro de Pelotas. Arquivo DP

O parque gráfico, que já contou com mais de 200 funcionários e há vinte anos ainda imprimia edições com mais de 100 páginas, demitiu seus últimos 23 trabalhadores em março.

A diretora lembra que o processo foi adiado por anos, na tentativa de preservar empregos. Mas a queda da publicidade chegou a um ponto irreversível. “Infelizmente, não tivemos como realocá-los em outros setores, uma vez que eles atuavam há anos no industrial, o que desativamos”, lamenta.

Com isso, o Diário Popular passou a ser impresso na gráfica Uma, do grupo RBS, e passa a aumentar o número de páginas coloridas.

A importância do jornal se consolidou junto com o desenvolvimento do parque gráfico na cidade de Pelotas, na primeira metade do século XX.

Sendo uma região portuária, próxima ao porto de Rio Grande, viu chegar máquinas e novas tecnologias e, também, possibilitou a aquisição de papéis e tintas advindos da França, Inglaterra e outros países europeus.

O Diário Popular otimizou a produção gráfica de periódicos, em Pelotas, através da aquisição de máquinas, motores e tipos móveis e aos poucos o processo de impressão passou a ser mais rápido, possibilitando a prestação de serviços a outros jornais e empresas da região.

Mas adquiriu muito de seu maquinário já usado, de outras empresas. Como um exemplo, a máquina Marinoni, fabricada na França, comprada em 1938 pelo jornal, imprimiu primeiramente o jornal La Prensa, posteriormente A Noite (RJ), e ainda o jornal A manhã de Porto Alegre, para então chegar ao Diário Popular.

Entre os anos 40 e 60, além do DP, havia uma edição vespertina, chamada Opinião Pública. Em 1984 o jornal adquiriu novo maquinário, com uma impressora rotativa “off-set”. Agora, no ano da pandemia, chegou ao fim a história da centenária gráfica.

De Simões Lopes Neto a OVNIs na Lagoa dos Patos

Nestes 130 anos, as páginas do Diário Popular já contaram muitas histórias e a trajetória da região sul do estado.

O impresso foi fundado por Theodósio Menezes, em 27 de agosto de 1890, sob forte supervisão do coronel Pedro Osório, chefe do Partido Republicano Rio-grandense local. Até a década de 30, o jornal foi um veículo do partido.

A identificação do jornal como órgão republicano em seus primeiros anos. Acervo da Biblioteca Pública de Pelotas

Ainda nos seus primeiros anos, além da doutrinação partidária, possuiu colunas literárias e crônicas.

Entre os colunistas estava o escritor Simões Loes Neto, que no DP escreveu “Balas de Estalo”, crônicas e comentários satíricos sobre a sociedade pelotense em forma de versos e alguns trabalhos que mais tarde fariam parte da coletânea dos Contos Gauchescos.

Desses primeiros anos também reza a lenda que o jornal era “impresso em um galinheiro”.  Isso porque a “impressora usada na época teria sido usada como poleiro de galinhas numa fazenda nos arredores da cidade”.

Até 1930 o jornal servia como porta-voz do Partido Republicano, colaborando na campanha de Getúlio Vargas e apoiando a tomada de poder do gaúcho no Rio de Janeiro.

Com o encerramento das atividades do banco Pelotense, em 1931, que era o principal financiador do partido, e do jornal, o DP teve que mudar sua postura, adotando um viés mais comercial e noticioso, e menos opinativo.

Anúncio do banco pelotense da década de 20. Acervo da Biblioteca Pública de Pelotas

Desde 1938, o DP pertence a uma sociedade por quotas. Os principais societários são da família Fetter, pecuaristas e políticos da região. Até hoje a família detêm a maioria do capital. A atual diretora, Virgínia Fetter, é da terceira geração da família a frente do jornal.

Entre milhares de histórias, o jornal viu nascer a Fenadoce, em 1986, hoje principal evento turístico da cidade. E teve coberturas curiosas. Em 1996 foi o primeiro a noticiar o caso Westendorff, relato feito pelo empresário e piloto Haroldo Westendorff, que teria visto uma gigantesca pirâmide flutuante sobre a Lagoa dos Patos. “O objeto tinha uma base do tamanho de um estádio de futebol, com a forma de um cone. O aviador e pessoas do centro de controle de voos dizem ter vido o OVNI”, lembra o editor Jarbas, na época repórter que cobriu o caso.

Capa do Dário sobre a tragédia do Brasil de Pelotas, janeiro de 2009. Reprodução do acervo do DP

Já em 2010, a história foi trágica, um acidente com ônibus do clube de

futebol Brasil de Pelotas, ocorrido às 23h30 na noite de 15 de janeiro de 2009, que deixou três mortes, entre ele o maior ídolo do clube, o uruguaio Cláudio Millar.

E agora mais uma nova etapa a ser cumprida, com a cobertura da pandemia do coronavírus. “O impresso não será mais o mesmo, mas esperamos continuar contando a nossa história”, diz Jarbas.

Edição de 1928. Acervo Biblioteca Pública de Pelotas
Edição de 27/08/1940. Acervo DP
Edição de 27 de agosto de 2009. Reprodução

Jornal mais antigo do Estado, terceiro no país, a Gazeta de Alegrete luta para salvar a memória

Tiago Baltz

“A situação é terrível”. É assim, de forma direta, que Lilia Ricciardi, atual diretora da Gazeta de Alegrete, resume a situação do centenário impresso da cidade da fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

O jornal Gazeta de Alegrete, com 137 anos de existência, é o mais antigo em circulação no Rio Grande do Sul, e o terceiro no Brasil, ficando atrás apenas do “Diário de Pernambuco” e de “O Estado de São Paulo”.

Tudo começou em 1882, com uma campanha em pró da absolvição dos escravos negros.

Barão de Ibirocay, ganhou o título por sua vertente abolicionista / Reprodução

O jornal foi fundado por Jesuíno Melquíades de Souza, José Celestino Prunes e Luís de Freitas Vale, que em 1888 foi condecorado pela Princesa Isabel como Barão de Ibirocay, justamente pela sua campanha abolicionista.

De lá pra cá o jornal viu a República nascer, passou pela pandemia da gripe espanhola em 1919 e viu em suas páginas textos de políticos como Oswaldo Aranha e Demétrio Ribeiro e do poeta Mário Quintana. Foi ainda na Gazeta que começaram nomes como Nico Fagundes e Sérgio Faraco.

O jornal viu a passagem de um novo século, até uma nova pandemia determinar o momento mais difícil de sua existência. “Estamos apenas com o dinheiro das publicações legais da prefeitura e alguns antigos apoiadores. Com a nova crise econômica as empresas estão cancelando seus contratos pois não estão vendendo e infelizmente a mídia do Governo Federal não chega aos jornais do interior”, diz a atual proprietária, Lilia Ricciardi, que consegue manter apenas mais três funcionários e uma tiragem semanal mínima.

A família Ricciardi está no jornal desde os anos 50, quando o pai de Lilia, o poeta Hélio Ricciardi comandava a publicação, então diária. Desde 1970 o jornal passou a ser de propriedade do jornalista e poeta. Foi também Hélio Ricciardi que criou os Cadernos do Extremo Sul, importante publicação literária que contou com textos de Mário Quintana, Laci Osório, Sérgio Faraco e Nico Fagundes, muitos dos poemas e contos, antes de serem publicados nos Cadernos eram veiculados pela Gazeta.

O poeta Mario Quintana com Hélio Ricciardi, também escritor e jornalista que comandou a Gazeta por mais de 40 anos / Arquivo pessoal

O poeta da aldeia, como se autodefinia e cujo nome completo era Hélio Irajá Ricciardi dos Santos, foi diretor do jornal até 2003, quando passou o serviço para a filha Lilia, mas manteve uma coluna até sua morte em 2015.

Na antiga gráfica da Gazeta de Alegrete / Reprodução

No início dos anos 90, com o fechamento da gráfica própria, a Gazeta deixou de ser diária, com os anos passou de bissemanal para semanal, e com o novo século acabou perdendo leitores, principalmente entre os mais jovens. No auge, chegou a ter mais de 40 funcionários.

Em 2020, ano de uma nova pandemia, o jornal ocupa uma pequena loja, com apenas dois computadores. É impresso em Ijuí, e distribuído aos sábados, com doze páginas e um preço de capa de R$ 2,50. Além de Lilia, há mais três funcionários, sendo que um é jornalista.

O jornal fez parte da Associação dos Diários do Interior (Adjori), mas segundo Lilia, não havia nenhum retorno da entidade e optou-se pela saída do grupo.

Durante dois anos houve um site, que está desativado: “Não há ganho financeiro que justifique um site”, coloca a proprietária.

Em 1978 foi inaugurado o Grupo Gazeta de Comunicações, formado pelo Jornal Gazeta de Alegrete, pela Rádio Gazeta AM e pela Rádio Cultura FM. A Rádio Cultura FM foi posteriormente vendida para um grupo de Santa Maria e seu nome fantasia passou a ser Nativa. A rádio Gazeta continua no ar, mas a operação da emissora e do jornal Gazeta é separada.

Em 2016, a história do jornal começou a ganhar novo capítulo com o processo coordenado pela PUC para digitalização do acervo completo. A Gazeta de Alegrete é possivelmente o maior acervo público da cidade, um patrimônio. Mas apenas um terço do trabalho foi concluído, ainda faltam recursos para o restante do trabalho.

“Em cada página, em cada edição, estão registrados os hábitos e costumes da nossa gente, tudo que resultou ao que hoje somos como cidade. A Gazeta é a cara de Alegrete. Folhear as Gazetas antigas é viajar pelo tempo”, define Lilia. A ideia é que após a digitalização completa as edições antigas passem para um memorial. O futuro é incerto, mas ao menos, a memória poderá ser assim preservada.

Capa de 1 de outubro de 1982, quando o jornal completou 100 anos / Reprodução
16 de junho de 1964
18 de junho de 1942

As máquinas estão parando: crise dos jornais impressos atinge em cheio o Interior

Pelo menos sete impressoras rotativas estão paradas e empacotadas no interior do Rio Grande do sul.

São máquinas potentes e modernas capazes de imprimir milhares de exemplares em poucas horas, mas que, de repente, perderam a função: os jornais impressos estão fechando ou reduzindo tiragens e periodicidade, as impressoras estão ociosas.

Uma das alternativas que resta aos donos dessas máquinas é vendê-las para a Siderúrgica Gerdau, como sucata, para fundir e fazer aço.

Um dos casos emblemáticos é o do maior diário do interior do Estado, o Diário Popular de Pelotas, fundado em 1890, que desativou o seu parque gráfico e passou a ser impresso em Porto Alegre, na gráfica da Zero Hora.

O mesmo fez há mais tempo A Plateia, de Santana do Livramento, com mais de 90 anos, que já foi o principal diário da Fronteira Oeste, com circulação em vários municípios da região. Passou a cobertura diária para o digital, desativou o parque gráfico e tornou semanal a edição em papel, impressa em Porto Alegre.

Na mesma região, a Gazeta de Alegrete, que é o terceiro mais antigo do Brasil, fundado em 1882, mantém-se por conta dos editais da prefeitura local, com escassas chances de sobrevivência. A gráfica local foi desativada ainda nos anos 90, quando o secular jornal passou a ser semanal.

Em Bento Gonçalves, na industrializada Serra Gaúcha, onde circulavam dois jornais diários, um fechou e o outro virou semanário. Em Caxias, o diário Folha de Caxias virou semanário, e outro mantém-se com cortes. O tradicionalíssimo Correio Riograndense suspendeu sua edição impressa e se mantém no online.

Em Santa Maria, o jornal A Razão sucumbiu ante a crise e a concorrência do Diário de Santa Maria, que a RBS lançou na cidade em 2002. Com mais de 80 anos, um rotativa própria e um grupo que chegou a ter 90 funcionários, A Razão fechou as portas em 2017. Tinha então 12 jornalistas na Redação.

Quando a crise apertou, também a RBS vendeu o Diário de Santa Maria para um grupo de empresários locais.

Em Santa Cruz, a poderosa Gazeta do Sul tenta se reinventar. Reduziu cadernos para compensar a perda de anúncios, mas criou páginas temáticas e busca manter-se como parque gráfico regional que chegou a ter mais de 50 títulos impressos em sua rotativa de 25 metros, capaz de imprimir 20 mil exemplares de 40 páginas, por hora.

O tamanho real desta crise ainda não pode ser medido, os números são imprecisos, as mudanças estão acontecendo. Nem a Associação dos Jornais do Interior, a Adjori, tem os dados exatos.

Estima-se que tenham registro cerca de 400 jornais nos 525 municípios do Rio Grande do Sul. Quantos sumiram, quantos reduziram a tiragem ou o número de páginas ou simplesmente sumiram do mapa?

A Adjori, que tem 70 sócios ativos, estima que no total uns 190 jornais ainda estão em atividade no Estado, a maioria apenas na internet.

A Associação dos Diários do Interior, que reúne os jornais de cidades-polo, hoje tem 24 membros, e espera a inscrição da Folha de São Borja e Diário de Santa Maria. Até o final do mês o grupo pretende realizar um encontro virtual e debater alternativas ao momento de crise.

A professora Beatriz Dornelles, da PUC-RS, que pesquisa o assunto há 20 anos, calcula que pelo menos dez jornais impressos deixaram de circular este ano no Rio Grande do Sul.

Quantos diários, quantos semanários, quantos bi-semanários? São dados que a professora está levantando para um livro.

A crise econômica prolongada, a expansão da internet e das redes sociais, já haviam ferido de morte o jornal impresso. A pandemia do coronavírus está dando o golpe final.

A maioria já migrou ou está migrando para o meio digital. A perda com o fechamento dos jornais impressos em cidades médias e pequenas pode  ser estimada pela redução dos profissionais nas redações.

O sindicato ainda está consolidando os números, mas há indicativos bem claros: redações onde trabalhavam 20 jornalistas, restaram apenas quatro. Sem contar que os remanescentes estão com os salários e jornadas reduzidos em até 70%.

No caso dos parques gráficos que estão sendo desmontados, ainda há que somar os trabalhadores especializados ocupados na cadeia que moviam estas impressoras agora paradas.