Pelo menos três representações já foram levadas ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas contra a aplicação que o prefeito Nelson Marchezan vem fazendo da verba de publicidade de R$ 34,9 milhões aprovada para este ano em Porto Alegre.
A primeira representação foi protocolada no dia 29 de janeiro de 2020, pela Associação dos Juristas pela Democracia (Ajurd) com a assinatura de quinze juristas e advogados.
Não mereceu sequer um registro no noticiário local e o MP não dá qualquer informação. Na internet, o processo aparece como inteiramente sigiloso.
“Em quase seis meses, não obtivemos sequer um parecer”, disse ao JÁ o advogado Mário Madureira, presidente da Ajurd.
“É um caso absolutamente estranho, pois a representação não precisa de instrução, se baseia em provas documentais”, disse o jurista Lenio Streck, também signatário da representação.
No dia 10 de julho, uma nova representação foi levada ao Ministério Público de Contas, desta vez pelo Conselho Municipal de Saúde, que acusa o prefeito de estar usando recursos do Fundo Municipal de Saúde para fazer publicidade de sua gestão .
O procurador Geraldo Da Camino, do MPC, em seguida, pediu ao Tribunal que suspenda a campanha em andamento e instaure inquérito para apurar as denúncias. O Tribunal não se pronunciou até o momento e nem informa sobre o andamento do processo.
“O silêncio de mídia a respeito do assunto, a gente entende: o prefeito é um grande anunciante. Mas a posição do Ministério Público não dá para entender”, diz Madureira.
Anúncios em São Paulo
O alvo da primeira representação é uma série de anúncios da campanha “As reformas que o Brasil precisa Porto Alegre já fez” veiculada no final de dezembro de 2019, “em diversos meios, inclusive em jornais que não possuem circulação no Município, como Valor Econômico, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo”.
A Ajurd denuncia o prefeito Nelson Marchezan Jr. por propaganda ilegal e crime de responsabilidade, pedindo inclusive, seu afastamento.
A representação é assinada pelos juristas Lenio Luiz Streck, Gabriel Pauli Fadel, Mario Luiz Madureira, Jorge Buchabqui, Maritânia Dallgnoll, Jorge Luis Garcia de Souza, Luciane Toss, Jucemara Beltrame, Leonardo Kauer Zinn, Ramiro Goulart, Daniel Severo Schiites e Luísa Stern.
Aponta “crime de responsabilidade em razão dos gastos de verbas públicas com publicidade em desacordo com a Lei Orgânica do Município e as Constituições Estadual e Federal”.
As peças de propaganda, veiculadas em jornais de São Paulo, foram consideradas “de cunho eleitoral” na decisão judicial proferida pela Juíza Keila Silene Tortelli em 2 de janeiro, tendo a magistrada determinado a suspensão da publicidade governamental.
Na Representação, a AJURD pede:
[1] a instauração do processo penal diante da prática, em tese, de crime de responsabilidade;
[2] o afastamento do Prefeito do exercício do cargo durante a instrução criminal; e
[3] a apuração do montante dos gastos indevidos com a publicidade ilegal, com vistas ao ressarcimento aos cofres públicos.
A representação invoca a Constituição Federal, no artigo 37 que trata dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dispõe o seguinte sobre o tema:
“§ 1º – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
E a Constituição Estadual, no Art. 19, que estabelece:
“§ 1.º A publicidade dos atos, programas, obras e serviços, e as campanhas dos órgãos e entidades da administração pública, ainda que não custeadas diretamente por esta, deverão ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, nelas não podendo constar símbolos, expressões, nomes,“slogans” ideológicos político-partidários ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou de servidores públicos”.
Também a Lei Orgânica do Município, equivalente à de uma Constituição Municipal, é invocada no artigo 125, que estabelece:
“§ 2º – Ficam proibidas a publicidade e a propaganda de órgão da administração direta e indireta fora do Município, seja qual for o objetivo, exceto aquelas referentes à atividade turística.
[…]
§ 8º – O não-cumprimento do disposto neste artigo implicará crime de responsabilidade, sem prejuízo da suspensão da propaganda ou publicidade e da instauração imediata de procedimento administrativo para apuração do ilícito”.
Crimes de responsabilidade cometidos por Prefeitos Municipais e Vereadores estão enquadrados no Artigo 1º do Decreto-Lei 201/1967 e são julgados pelo “Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores.
Na representação, a Ajurd informa que, em tese, o Prefeito incorreu nos seguintes crimes [artigo 1º do Decreto]:
“III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes;
XIV – Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;”.
Rito de julgamento de crime de responsabilidade
Caso o Ministério Público acolha a Representação da Ajurd, denunciará o Prefeito Municipal, que então terá de responder a processo criminal na Justiça.
O juiz pode acatar o pedido da Ajurd de afastar o Prefeito Marchezan Júnior do exercício do cargo durante a instrução criminal, como prevê o inciso II do artigo 2º do Decreto-Lei 201/1967. Além disso, o artigo 2º estabelece:
“I – Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo.
II – Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos.