GERALDO HASSE/Balanço parcial do estrago

Muita gente se consola dizendo que o atual presidente foi eleito pelo voto da maioria, portanto, nada se pode fazer até a eleição de 2022.

É verdade, houve uma vitória eleitoral incontestável em 2018, mas a sacralidade do voto não pode servir como biombo para justificar o valetudo que se estabeleceu a partir do impeachment da presidenta Dilma em 2016.

É cada mais válida a percepção de que houve um golpe contra os princípios normalmente aceitos como democráticos. Avulta também a revolta, para não dizer repugnância, contra os métodos esdrúxulos do atual mandatário e sua atenção subserviente a contraventores do Rio. Há até quem tente puxar o coro do impedimento presidencial alegando que falta ao titular do Planalto o discernimento para o exercício do cargo.

É claro que não adianta chorar sobre o leite derramado. Bem ao contrário, é preciso olhar pra frente, tentando enxergar os caminhos possíveis para deter o processo de deterioração social, cultural, política e econômica do país.

Vamos convir que as coisas pioraram bastante para a maioria (os 100 milhões de brasileiros que compõem a população economicamente ativa) e melhoraram para a minoria que apostou no golpe e dele vem tirando benefícios, embora ainda não esteja satisfeita com as vantagens auferidas.

Num balanço simples, podemos dizer que estão sendo apagados direitos humanos e destruídos valores civilizatórios colocados no papel pela Revolução Francesa de 1789, resumidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e consagrados pela Constituição Federal de 1988, que avançou especialmente no direito ambiental e na salvaguarda dos direitos das minorias, especialmente índios e quilombolas.

Não bastassem esses crimes de lesa-humanidade, o governo liderado (!) pelo presidente Jair Bolsonaro trabalha incessantemente para entregar ativos nacionais e riquezas naturais brasileiras à potência hegemônica situada na América do Norte.

Agora que estamos vendo a dimensão dos estragos feitos, é importante deixar claro que o mal não tem sido praticado apenas pelo tresloucado detentor do Poder Executivo. Na realidade, ele é apenas o polarizador da aliança subversiva que, em nome de uma série de reformas sucessivamente adiadas, fez o Brasil virar de ponta cabeça um processo democrático que marchava relativamente bem.

É bom que se registre, portanto, quem são os agentes do vilipêndio ao frágil edifício democrático brasileiro:

# Os partidos do centro à direita, que atuam como agências eleitorais sempre prontas para fazer quaisquer negócios

# A maioria parlamentar forjada sabe-se lá por que injunções

# Boa parcela do Judiciário, que deu corda para a Operação Lava Jato, ponta de lança do golpe

# A mídia, com destaque para a revista Veja, a Rede Globo de TV e os três maiores jornais do país: O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, que abastecem com notícias e opinião a maioria dos jornais regionais

# O Mercado, ou seja, os empresários de todos os setores e seus executivos, consultores, assessores e marqueteiros

# As redes sociais manipuladas por fake news produzidas sob orientação de agentes estrangeiros mancomunados com os controladores dos equipamentos de comunicação digital

# As forças de segurança públicas, privadas e clandestinas

# As igrejas

# A maçonaria

# Um eleitorado tremendamente desinformado, volúvel e manipulável

# Por fim, mas não em último lugar, os Estados Unidos e seus aliados internacionais

LEMBRETE DE OCASIÃO

“Faça como o avestruz: pra não tomar conhecimento da realidade, ele enfia a cabeça na televisão” (Millor Fernandes)

 

 

 

ELMAR BONES/ A nova política

É reveladora a entrevista do ex-secretário do Esporte, general Décio Brasil,  à Folha de S. Paulo, postada na madrugada do sábado, na coluna Painel.

O general diz que foi exonerado por relutar em nomear Marcelo Magalhães, padrinho de casamento do senador Flávio Bolsonaro, para um cargo na secretaria.

No mesmo ato da demissão dele, Bolsonaro nomeou o apadrinhado do filho para o cargo.

“Talvez tenha desagradado o presidente”, cogita o general na entrevista publicada na coluna Painel, sem destaque.

O general não vê outro motivo para a sua exoneração: “Fui surpreendido com a exoneração. Não esperava. Nosso trabalho ia bem.  Acho que o principal motivo foi o fato de eu ter sido reticente na nomeação do Marcelo Magalhães para o escritório do Rio, que administra o Parque Olímpico da Barra”.

O general não conhecia Marcelo e relutou em nomeá-lo. “Precisava de alguém da minha confiança lá porque a documentação ia do Rio para Brasília, para ordenar despesas”.

Bolsonaro, segundo o general, garantiu que o indicado era da confiança dele.

O general Décio aceitou nomear o indicado, mas conta que teve problemas na relação com Marcelo: “Ele disse que não ia me dar satisfação, mas ele me devia satisfação, porque o escritório do Rio é subordinado à secretaria. Ele falou que não ia conversar comigo, que só ia conversar com o ministro, com o presidente ou com o senador”.

“Ele tomou posse dia no dia 5 de fevereiro, eu chamei ele pra uma reunião, ele não foi. Nunca vi ele pessoalmente”, revelou o general.

Marcelo Magalhães substituiu o general Décio Brasil como Secretário de Esportes no dia 28 de fevereiro. E lá permanece.

É a nova política a todo vapor.

 

ELMAR BONES/ Grave denúncia

O prefeito e seus aliados, obviamente, vão desqualificar o estudo feito pelo  Instituto Idea sobre a situação das finanças públicas de Porto Alegre.

Vão argumentar que os autores são notórios petistas e  que produziram uma peça para a campanha eleitoral deste ano.

Tudo isso é verdade, mas não toca no essencial: na realidade dos fatos que os números apresentados e analisados no estudo resumem.

Os autores reuniram dados oficiais – de instituições de pesquisa, como o IBGE, de órgãos do governo, como o a Secretaria da Fazenda – que revelam uma situação das finanças municipais muito discrepante da que é apresentada reiteradamente pelo prefeito e sua equipe.

Se os dados e gráficos apresentados no estudo não forem contestados ponto a ponto, será inevitável concluir que a situação das finanças apresentada pelo prefeito e seus aliados é, como diz o estudo, “um simulacro de crise”.

Nesse caso, não é mais uma questão partidária ou eleitoral.

É algo muito mais grave: trata-se de mentir sobre o orçamento público, que é o instrumento mais importante da administração municipal. Pior ainda: para justificar decisões que impactam a administração pública e os serviços prestados à população.

A mídia comercial não  se interessou pelo assunto, é provável que se limite a um registro secundário.

Afinal, não é pequeno o poder emoliente de R$ 30 milhões, que é o valor estimado das verbas publicitárias que a prefeitura dispõe este ano.

Nem por isso deixa de ser uma questão que deveria inclusive ser esclarecida pelo Ministério Público, para que não se dilua num embate eleitoral uma denúncia tão grave como  essa.

 

 

 

RODRIGO MARONI/ Transgêneros, epidemia?

Que doença teria um evangélico, ou melhor, evangélica? Acredito que nenhuma.

No entanto, muitas deixam seus cabelos até a bunda, saias até os pés e, reza a lenda, muitas  não se depilam.

Na minha opinião, nada demais. Absolutamente nada, são escolhas.

Aí me pergunto: imaginem uma psiquiatra querer explicar por que algumas pessoas se reúnem para adorar alguém que não conhecem?

A “epidemia dos evangélicos” soa estranho, não é?

E as pessoas que se tatuam, raspam ou, ainda, pintam os cabelos, como eu?

Enfim, nosso presidente tem um corte para o lado, que lembra Hittler. Problema? Nenhum.

Embora o estilo do nosso atual presidente me remeta a lembranças terríveis, a escolha é dele.

Um outro presidente do Brasil deixava a barba grande na década de 80. Sujeito sujo? De forma alguma.

São meras escolhas. Do que te faz feliz. De como se sente confortável. Ponto.

Pois não é que fiquei surpreso ao ver que na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul haverá a seguinte palestra no dia 18 de março, às 19h:

“Epidemia de Transgêneros”.

E o mais incrível: a psiquiatra, dra. Akemi Shiba, é a principal convidada!

Observando mais atentamente o convite que chegou às minhas mãos, a palestra – no mínimo – infeliz na escolha do título, uma suposta “escola sem doutrinação” é a responsável pelo evento.

Então ser transgênero seria uma epidemia? Uma doença infecciosa?

Eu respeito a opinião de todos.

Agora, ministrar uma palestra intitulada como “epidemia de transgênero” é duro de engolir.

Gostaria de saber quem irá sair de suas casas, ir até a Assembleia Legislativa, em uma quarta-feira à noite, para ouvir sobre a “epidemia” de quem faz escolhas diferentes para viver as SUAS vidas?

Será que não seria mais fácil as pessoas se preocuparem em ter saúde mental? E entenderem seus desejos ao invés de reprimi-los?

Vejo muitos religiosos se segurando para não explodir em desejo. Nem por isso os julgo. Cada um tem seu tempo.

Vejo que até mesmo na carreira militar, não há como deter a tal “epidemia” e, dentro da corporação, alguns não conseguem esconder seus ímpetos sexuais pelos seus pares. Não vejo nada de mal.

Então, como faço parte da casa legislativa que promoverá o debate, pondero: Será que vale a pena perder algo precioso como o tempo analisando a vida dos outros?

Se acharem que sim, sugiro debatermos homens com barba, bigode, mulheres morenas, brancas, pretas, solteiros, casados…

E, por fim, chegaremos à conclusão de que há um universo individual dentro de cada ser humano e, em todas épocas – de alguma forma – queremos interferir nas escolhas do outro.

Ainda não aprendemos a respeitar as diferenças, mesmo após lutas históricas da humanidade para garantir o direito de escolha.

Como sou uma pessoa otimista, quem sabe entendi mal, e o teor da palestra é chegar à conclusão de que a liberdade de escolha é o que nos diferencia, e que escolher diferente não tem nada a ver com doença infecciosa?

Caso contrário, é muita falta do que fazer.

*Rodrigo Maroni (Podemos/RS)  é deputado estadual.

ALDO REBELO/Jesus na goiabeira x Jesus da Mangueira: O Brasil excluído da agenda identitária

ALDO REBELO

A agenda identitária nega os interesses coletivos e a centralidade da questão nacional.

O escritor Sergio Porto, que assinava artigos e crônicas com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, compôs em 1966 o famoso Samba do Criolo Doido para ironizar a decisão do governo do antigo estado da Guanabara de tornar obrigatório o uso de temas da história do Brasil nos enredos do carnaval carioca.

O que Sergio Porto não poderia imaginar é que o mesmo carnaval décadas depois estaria submetido a uma outra obrigação igualmente descabida: a imposição do politicamente correto e dos enredos identitários nos desfiles das escolas de samba.

O tema deste ano foi o Jesus identitário e politicamente correto da Mangueira. A tradicional escola levou ao sambódromo um Jesus com recorte de raça e de gênero como está na moda. Nada parecido com a preocupação social e de caráter misericordioso e universal dos evangelhos e da própria mensagem do Cristo. Não. Nada das aspirações coletivas, nacionais ou gerais. Tudo pela fragmentação, pela dispersão dos traços biológicos dos indivíduos substituindo suas identidades coletivas e universais.

O Jesus politicamente correto e “progressista” da Mangueira não deixa de ser em certo sentido o contraponto de outro Jesus também identitário, o “conservador” avistado na goiabeira pela escolhida ministra Damares Alves.

O que une os identitários “progressistas” e “conservadores” é a valorização absoluta da agenda dos costumes e dos temas do comportamento. Assim não é de estranhar que ambas as correntes excluam completamente de seus horizontes a preocupação com o Brasil e com os brasileiros.

A ministra Damares viu Jesus na goiabeira e perdeu de vista o interesse nacional.

Hoje pouco importa se alguém se declara de esquerda ou trabalhista convicto se não se aliar incondicionalmente aos grupos identitários “progressistas” na sua agenda de comportamento e de costumes, da mesma maneira que não adianta um liberal declarar lealdade incondicional ao mercado se destoar dos grupos “conservadores” nas suas crenças em relação aos costumes e comportamento. Aí as coisas se invertem: os primeiros serão tidos como incorrigíveis conservadores, e os segundos acusados de perigosos progressistas. Mas todos continuarão indiferentes aos dramas e ao futuro do povo e da Nação.

Aldo Rebelo é jornalista, foi presidente da Câmara dos Deputados; ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência e Tecnologia e Inovação e da Defesa nos governos Lula e Dilma.

 

MÁRCIA TURCATO/ Precisamos dos indecisos

Eles não votaram em ninguém nas eleições de 2018. Os eleitores não conseguiam definir seu voto entre Lula, Ciro e Bolsonaro, que estavam à frente das pesquisas, se diziam desiludidos com os três e decidiram não eleger ninguém.
Agindo assim, abriram mão do seu poder de decisão alegando que não havia candidato que os representasse. Várias pessoas publicaram exatamente isso nas redes sociais: nenhum candidato me representa!
Pois bem, agora somos representados por Bolsonaro. Ele não me representa, representa você eleitor indeciso? Claro que a resposta é não, se você ama a democracia e respeita as instituições.
Precisamos da força dos indecisos e dos desiludidos. Eles definem as eleições e eles podem defender o Estado de Direito Democrático contra o golpe do dia 15 de março convocado por Bolsonaro e seu bando.
O carnaval de todo o Brasil e, em especial do Rio de Janeiro, mostrou para o planeta a insatisfação popular contra o governo Bolsonaro. As escolas de samba fizeram a dramatização da tragédia vivida por negros, pobres, gays e mulheres nesse governo. Foi o carnaval da crítica social contra a exclusão.
O que seu viu no carnaval não pode ficar restrito a uma representação cenográfica, estética e de crítica social. Precisamos capitalizar a mobilização contra o governo, exposta no carnaval, contra o golpe do dia 15 e a favor do Estado Democrático de Direito.
Precisamos da participação dos indecisos, dos carnavalescos, dos foliões e de todos que defendem a democracia e as instituiçẽos que protegem nossa Constituição.
 

ALDO REBELO/ A flauta do Congresso e os sapos dançarinos do Planalto

Aldo Rebelo
O desabafo do ministro Augusto Heleno contra o Congresso – acusado por ele de chantagista e insaciável – revela muito mais que o grave vitupério da autoridade que tem a obrigação da palavra cuidadosa mesmo nos julgamentos severos.
O que há de mais preocupante na fala do general é a escalada da disputa entre os poderes Executivo e Legislativo, na qual já se conhece um perdedor: o Brasil.
A vocação do Congresso é, por natureza, federalista, e mais que federalista municipalista. Deputados e senadores não são eleitos pela União, são representantes dos estados, e não só dos estados, dos municípios, onde dependem de apoio dos prefeitos e de lealdades locais.
A agenda dos deputados e senadores, com poucas exceções, está voltada para reivindicações de sua aldeia ou, no máximo, corporativas ligadas a interesses de grupos como agricultores, professores, servidores públicos, entre outros.
Daí que os interesses da União na partilha dos recursos federais e das responsabilidades dela decorrentes exijam o protagonismo forte do Executivo na disputa com os demais entes federativos e as corporações.
A batalha recente em torno do orçamento impositivo reduz drasticamente a capacidade da União e, portanto, do Executivo de arbitrar discricionariamente os desajustes regionais, sociais e os demais desequilíbrios próprios de uma nação marcada pelas desigualdades.
O governo do presidente Bolsonaro colhe a tempestade dos ventos semeados no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, quando o Congresso foi estimulado a encurralar o Poder Executivo como parte da estratégia oposicionista contra o mandato da governante deposta.
O Parlamento tomou gosto pelo empoderamento estimulado e agora tira proveito da inaptidão e desorientação do atual Executivo na relação com o mundo da política, no qual os amadores, mais cedo ou mais tarde, inapelavelmente naufragam.
É desalentador que diante de uma agenda que inclui temas de grande relevância para a União, como as reformas Tributária e Administrativa, o Executivo tenha como estratégia a tentativa de intimidação do Legislativo.
Aliás, em um governo cheio de militares não custa lembrar o princípio segundo o qual na guerra de guerrilhas esta não precisa triunfar contra um exército regular. A vitória da guerrilha consiste em sobreviver, em não se deixar esmagar.
Os estrategistas do Planalto devem considerar que é o governo que precisa aprovar os seus projetos e reunir maioria para tal propósito. O Congresso não precisa derrotar tais projetos. Não votar, a qualquer pretexto, já seria um fracasso do governo. A disputa em torno da responsabilidade pelo insucesso dificilmente excluiria um dos protagonistas.
Registre-se que apesar das demonstrações recorrentes de desapreço de integrantes do governo pela política e pelo Parlamento, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia e do Senado Federal Davi Alcolumbre têm concorrido com várias demonstrações de boa vontade para uma correta e cooperativa relação do Congresso com o Executivo em torno de uma pauta de temas de interesses comuns, principalmente aqueles ligados às aspirações do mercado.
O presidente Bolsonaro faria bem em observar outra lição oferecida pelo imperador persa Ciro, o Grande, e descrita mais uma vez pelo historiador grego Heródoto em sua obra História, aqui já citada em artigo anterior.
Conta Heródoto que, depois da conquista da Lídia, Ciro recebeu mensageiros dos Jônios e Eólios, povos tributários do país conquistado, que reivindicavam ser acolhidos como súditos do imperador persa nas mesmas condições em que o foram de Creso, o rei derrotado da Lídia.
Ciro respondeu com o apólogo que narra a história de um tocador de flauta que imaginou atrair os peixes do mar à terra tocando seu instrumento. Vendo frustrado seu intento, lança então uma rede ao mar, apanhando uma grande quantidade de peixes que deposita no chão e vendo-os então saltar, disse: cessai, cessai agora de dançar, peixes, pois não quisestes vir a mim ao som da minha flauta.
Deu essa resposta aos Jônios e Eólios, pois tendo concitado os primeiros a segui-lo não foi ouvido, e só agora via-os dispostos a obedecer no momento de graves dificuldades.
O governo faz ouvidos moucos aos flautistas do Congresso. Qualquer dia poderá ser surpreendido pelo baque da rede na água em lugar do som mavioso da flauta. E aí será tarde para dançar.
Aldo Rebelo é jornalista, foi presidente da Câmara dos Deputados; ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência e Tecnologia e Inovação e da Defesa nos governos Lula e Dilma.
 

GERALDO HASSE/ O lixo e o jornalismo

Geraldo Hasse
Dias atrás o Jornal do Comércio de Porto Alegre publicou interessante matéria sobre reciclagem de lixo. O repórter ouviu os responsáveis oficiais pela gestão dos trabalhos, levantou alguns valores, falou de custos e de volumes movimentados, mas não foi ao fundo da questão, presente em qualquer cidade grande ou pequena.
Para chegar ao fundo da lata do lixo, seria preciso seguir os catadores individuais em seu trabalho pelas ruas. Feito formiguinhas, eles vasculham contêineres e juntam material reciclável separado por zeladores generosos ou interessados num quinhão dos “desvios” citados pela autoridade ouvida pela reportagem.
Ora, desvios! A reportagem mostrou o viés econômico e descartou o aspecto social da reciclagem. Também ignorou o lado ambiental. Aliás, tem sido assim a maior parte do trabalho apresentado em jornais, rádios e TVs: só se focaliza o lado econômico exibido pelos donos dos negócios. E o “outro lado”, o que está por trás do negócio?
Para dar o serviço completo, com tempo e paciência, o repórter teria de chegar ao chão batido dos galpões particulares de reciclagem, que pagam merrecas por quilo de latinhas, papelão e plástico — os três materiais mais comuns na reciclagem de lixo.
Sim, o negócio é grande, como o das carnes, mas dele faz parte também o osso manipulado pelos sem emprego, os desvalidos, os desgarrados, os carentes, os entregues-à-própria-sorte. “Esses vagabundos…”, como são definidos por muita gente. Como se fosse por opção que eles estejam nessa M.
Quando havia cinco milhões de desempregados no Brasil, a reciclagem do lixo mobilizava um exército estimado de 600 mil a 1,6 milhões de pessoas. Agora que os desempregados são 12 milhões, podemos talvez dizer que o número de catadores dobrou. Ou não?
Há uma lógica nesses números. Na mesma época dos 5 milhões de desempregados, havia 1,6 milhões de trabalhadores em segurança privada, desses que tomam conta de portarias, fazem ronda noturna, trabalham como zeladores de patrimônios públicos ou privados etc. Será que o número de seguranças aumentou? Pela lógica, sim. Nos galpões da iniciativa privada estabelecida no ramo da reciclagem, também há guardas pois, apesar de feios, sujos e mal cheirosos, esses locais são um elo da economia e não podem ser ignorados.
Daí a conclusão: se quisermos manter acesa a chama do jornalismo, precisamos mandar os repórteres às ruas e deixar de publicar press releases que chegam à redação pela internet. No mínimo, devemos reciclar os releases, produzidos para atender a interesses particulares.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Jornalismo é uma atividade de interesse público, faz parte da cadeia de sustentação da democracia.

ELMAR BONES/Uma guerra para Bolsonaro

É grave a crise com a Polícia Militar no Ceará, não há dúvida. Não só pelo potencial de violência local que se acumula, como pelo risco de contágio para outros Estados.
Mas Bolsonaro extrapola ao falar em “guerra urbana” e sugerir uma ação truculenta das forças do Exército que vão garantir a lei e a ordem no Ceará.
Logo após assinar o decreto de intervenção das Forças Armadas no Estado, Bolsonaro voltou a defender o “excludente de ilicitude”, isto é, a situação em que militares ficarão isentos de punição, mesmo que matem.
“Os militares têm que ter excludente de ilicitude. Ou seja, acabou a missão, ele [militar] vai para casa”, afirmou o presidente na rede social.
Em seguida,  declarou que será o “responsável pelos militares que atuarão no Ceará”.
Quer mais claro? O presidente está instigando os militares que vão intervir no Ceará, garantindo-lhes a impunidade em caso de “excessos”.
Entende-se, um conflito seria uma saída para desviar as atenções neste momento em que o presidente está acuado. Mas essa da “guerra urbana” no Ceará, onde o governo é do PT, parece caricatura.
Estará a ditadura se repetindo como farsa?

CID BENJAMIN/ Os celulares de Adriano

Diante da atuação inacreditavelmente pusilânime do governador da Bahia, Rui Costa, diante do episódio do assassinato de Adriano da Nóbrega, Bolsonaro está tentando virar o jogo num assunto que poderia ser-lhe muito incômodo.
Tão incômodo, aliás, que ele passou os primeiros dias na muda, esquivando-se do tema.
Afinal, Bolsonaro, sua família e os chefes milicianos são unha e carne.
Mas, agora, o presidente não só acusa o governo petista da Bahia pela inegável queima de arquivo, como já defende a federalização das investigações do caso, para que ele fique nas mãos de Sérgio Moro. É uma medida de precaução e tanto para alguém que tem o rabo preso.
Bolsonaro vai, ainda, mais longe e diz claramente que quer ter o controle da perícia dos 13 celulares encontrados com Adriano.
Vamos ver de perto o que isso significa.
Primeiro: para comprar um celular, a pessoa tem que se identificar e mostrar CPF e atestado de residência. Assim, pode ser identificado quem comprou cada um dos celulares de Adriano. Um primeiro passo importante nas investigações.
Segundo: de posse de um celular (ou apenas de seu número) uma investigação pode saber para que números ele ligou e quando. Da mesma forma, pode-se saber que números ligaram para ele, e quando. Isso traria novas pistas importantes na investigação sobre a vida e atividades de Adriano.
Terceiro: qualquer ligação feita por um celular ou recebida por ele passa por uma torre retransmissora. Assim, basta rastrear o uso dos celulares de Adriano para se saber com razoável precisão por onde ele andava no momento de cada ligação. Caso a ligação tenha sido feita pelo wifi de uma residência ou recebida por seu intermédio, pode-se ter o endereço preciso em que ele estava. Desnecessário mostrar a importância disso.
Quarto: mesmo que os 13 celulares não tenham sido usados, o que é improvável, se suas baterias não tiverem sido retiradas, pode-se saber onde eles estiveram desde a sua aquisição.
Enfim, para as investigações, a perícia nos celulares de Adriano é um tesouro.
Resta saber se quem está com eles vai querer investigar alguma coisa seriamente.

  • Jornalista, autor do livro, “O Estado policial – Como sobreviver”, lançado recentemente pela Editora Civilização Brasileira.