Previdência e capitalização

Às vésperas de completar 96 anos de existência, em 24 de janeiro, as ameaças de reforma na previdência social brasileira estão fazendo seu idealizador, Eloy Chaves, falecido em São Paulo, em abril de 1964, se remexer no túmulo.
Tendo como modelo o tsunami privatizante do Chile nos anos 80, o novo governo anuncia transformar drasticamente o seguro social brasileiro que abrange, nos setores público e privado, mais de 120 milhões de cidadãos, entre contribuintes e beneficiários,
E a mudança se inspira, a exemplo do que ocorreu em território chileno, no ideário de um dos maiores defensores do liberalismo econômico no século passado, o economista americano Milton Friedman (1912-2006), mentor dos Chicago Boys, e de quem o atual superministro da Economia brasileiro parece ser um ferrenho discípulo.
Pelo modelo que está sendo gestado segundo os balões de ensaio diários lançados
atabalhoadamente na mídia, há três possibilidades sobre a mesa dos novos inquilinos da Esplanada dos Ministérios e do Palácio do Planalto.
Em todos os anúncios, fala-se em pauperizar definitivamente a previdência pública
transformando-a numa “esmola mínima nacional”, onde todos os brasileiros,
independentemente de contribuição ou vinculo empregatício, a partir dos 65 anos fariam jus a benefício assistencial desindexado e inferior ao já mínimo salário mínimo.
A partir desse valor, haveria uma previdência no regime de repartição como hoje existente, mas achatando o teto para algo em torno de três ou quatro salários mínimos.
Acima deste limite máximo do INSS, viria o modelo que faz brilhar os olhos dos “abutres financeiros”: cada trabalhador do setor público ou da iniciativa privada teria que fazer aplicações em contas individuais para garantir, décadas após, alguma dignidade na aposentadoria, se for possível e se houver dinheiro ainda.
Esse é o modelo que foi à bancarrota no Chile, pois passados trinta anos da sua instituição, a promessa de que os trabalhadores que contribuíam compulsoriamente para as AFPs – instituições criadas para guardar as aplicações dos chilenos – tivessem uma renda de cerca de 70% do salário, tornou-se vã.
Há milhares de aposentados dormindo embaixo de marquises e viadutos por toda a Santiago e dezenas de cidades do país, e o número de suicídios se elevou drasticamente entre os idosos, segundo noticiam, pelo sofrimento, penúria e vergonha de não poder manter a si e aos seus.
As mobilizações populares já fizeram o governo chileno reverter parcialmente a total
privatização, mas segue a preocupação sobre o futuro dos aposentados.
É isso que querem para o Brasil? É isso que querem para nossos filhos e netos? Quem
sobreviver, verá!
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(*) Vilson Romero é servidor público aposentados e jornalista, diretor da ARI – Associação
Riograndense de Imprensa e conselheiro da ABI – Associação Brasileira de Imprensa.

Babel

À falta de critérios racionais, o governo alimenta a confusão

Há quem considere normais as caneladas dos primeiros dias de governo, mas são tantas e tamanhas as divergências que se pode imaginar que os novos governantes estão gozando com a nossa cara.

Lembram-se da Torre da Babel, metáfora bíblica sobre a desinteligência entre os homens na Antiguidade?

Para não viajar nos equívocos, a saída mais inteligente é esquecer o diz-que-diz e tentar sacar as tendências básicas, os rumos, o norte, pois é notório que, a despeito das trombadas, o governo tem o seu Norte.

Assim, excluídas as bolas chutadas fora por figuras individuais do novo governo, o que temos na mão, com certeza, são as seguintes diretrizes:

1 – liberalismo na economia

2 – obscurantismo nos costumes

3 – retrocesso na educação

4 – desrespeito ambiental

5 – reviravolta na diplomacia com submissão ideológica ao império ianque e rejeição às parcerias com a China, a Rússia e outros países suspeitos de gostar do socialismo, seja lá o que isso venha a ser

6 – renúncia à soberania nacional mediante o aprofundamento da  política de Michel Temer de entrega às petroleiras estrangeiras das jazidas do pré-sal, dispensando a Petrobras de exercer sua maior especialidade – a operação em águas profundas.

7 – A “venda” apressada à Boeing da Embraer, uma empresa estratégica que não está à beira da insolvência

São casos contraditórios e discutíveis. que não resistem a uma análise superficial.

Por exemplo, a crítica ao “globalismo” levantada pelo novo chanceler Ernesto Araujo destoa da adesão incondicional aos EUA, líder do processo de “globalização” das finanças e das tecnologias.

Já o apelo às raízes nacionais (“leiam José de Alencar”, recomendou o chanceler Araujo), é um disparate diante da subordinação aos interesses dos EUA; seria mais lógico se o dito cujo recomendasse a leitura de escritores como Steinbeck ou Faulkner, dois luminares da literatura norte-americana. Ou indicasse os filmes de John Ford ou Tarantino.

Fora as baboseiras ditas por ministros saídos do anonimato para as luzes da Esplanada de Brasilia, o que mais espanta no novo governo é o jogo duplo que combina a condenação de boas práticas das gestões petistas à bajulação dos ricos.

A pretexto de coibir concessões do PT aos carentes e pobres, o governo corre o risco de abrir a porta para favorecer quem não precisa de benefícios oficiais.

O que configura uma forma gratuita de corrupção.

LEMBRETE DE OCASIÃO

“Quem nasce no Brasil ou funda um país ou vive da revolução dos outros.”

Altair Martins, escritor, no romance Terra Avulsa (Record, 2014)

Demandas (2)

Por um lapso lamentável, no artigo anterior, omiti o nosso bravo Sul21 de uma lista de projetos que hoje configuram uma “imprensa de resistência” ou “imprensa alternativa”.
Logo o Sul21 que é um caso exemplar desse novo fenômeno.
Pelo menos essa falha me serviu de alerta para a necessidade de se enfrentar primeiro a questão da mídia regional.
Participei, na eleição, de uma iniciativa que reuniu 17 grupos que trabalham em todos os níveis de mídia. Havia uma grande energia ali. Grandes potencialidades emergiam naquelas poucas reuniões. Mas toda aquela energia se dispersou.
Por que? Havia uma enorme vontade e uma disposição admirável para fazer as coisas em cooperação. Por que não foi adiante? O calor talvez explique.
O Alexandre Haubrich, com sua capacidade de aglutinar, podia pensar num Encontro dessa mídia em Porto Alegre para começar a discutir essa prioridade.
 

Oito reais por mês

Ao reduzir o salário mínimo aprovado pelo Congresso, o governo mostra as garras
GERALDO HASSE
Foi ingenuidade do colunista escrever, dias atrás, que o Brasil só irá pra frente quando curar as unhas encravadas que dificultam sua caminhada para o futuro.
Logo depois da publicação da última coluna, na qual foram listadas oito unhas encravadas (as desigualdades de renda, o desemprego, o desmazelo ambiental etc.), o autor se deu conta de que havia esquecido de falar de outros dois problemas crônicos: o engessamento da dívida pública e os brutais desníveis da previdência social, ambos concorrendo para manter o status quo que faz do Brasil um país escrachadamente injusto.
Seria hora de relaxar (afinal, é verão e parte do país está em férias), dando-se um tempo para que o novo governo mostre suas intenções, seus projetos etc e tal. Mas logo no primeiro dia o presidente Bolsonaro assina um decreto garfando R$ 8 do novo salário mínimo recém-aprovado pelo Congresso. Assim, em vez de ultrapassar a barreira dos R$ 1.000, o SM retorna para R$ 998.
Alguns comentaristas lembraram que no seu primeiro canetaço o capitão-presidente tirou da mesa do trabalhador, a cada mês, dois quilos de arroz e ½ kg de feijão, sob a alegação de que assim o governo (e as empresas) economizará bilhões em despesas vinculadas ao SM, como pensões e aposentadorias.
Resta-nos agora esperar que o governo seja igualmente duro na hora de cortar rendimentos dos estabelecidos nos andares de cima do Edifício Brasil.
Eu daria um crédito de confiança ao governo Bolsonaro se ele iniciasse o desmanche do esquema de realimentação do endividamento público que favorece o sistema bancário e todos os seus cúmplices internos e externos. Dobraria o crédito se ele cortasse privilégios do funcionalismo no âmbito da previdência social.
Acredita-se que o novo presidente não tem discernimento suficiente para compreender como funcionam os mecanismos de acumulação de capital, além de outros aspectos da dinâmica financeira e suas consequências na vida social, mas ele não é tão burro que não possa perceber o que está fazendo.
Pode-se atribuir ao ministro Paulo “Posto Ipiranga” Guedes o ímpeto de cortar 8 reais do salário mínimo, mas a responsabilidade do ato é presidencial. Com seu primeiro decreto, Bolsonaro lesou 67 milhões de trabalhadores, 10 milhões a mais do que os votos que recebeu na eleição de 27 de outubro. Se continuar nesse ritmo, no dia 1 de maio terá liquidado a maior parte do seu capital eleitoral.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O dinheiro fala mais alto. O salário mínimo apenas cochicha.” 
Millor Fernandes

Os tarados e taradas do Brasil pós-socialismo imaginário

MARÍLIA VERÍSSIMO VERONESE
Impressionante como as pessoas que recentemente assumiram o poder executivo no Brasil – as quais nem consigo adjetivar, pois ainda não inventaram termo adequado para defini-las – têm óbvios pontos de fixação, taras, deliram com fantasias sexuais constantes. Eles “só pensam naquilo”, como dizia a personagem D. Bela, que Zezé Macedo interpretava na Escolinha do Professor Raimundo. Tudo se resume a uma obsessão por órgãos genitais; é mamadeira de piroca, kit gay, um mundo de fantasias sexuais constantemente em ebulição. Ando pensando que terei de voltar aos estudos de psicanálise e reler o texto Três Ensaios sobre a Sexualidade[1] (antes que seja queimado em praça pública e proibido pelo index bolsonarista), para ver se o velho Sigmund me ajuda a entender essa gente. Nessa obra ele analisa as perversões sexuais.
Mas acho que nem Freud explica tamanha monomania. Preocupadíssimos com o que as pessoas têm entre as pernas, não dormem a noite, caraminholando o que vão fazer para controlar a sexualidade alheia. Como se o valor de um ser humano se resumisse ao uso mecânico de seus genitais e à reprodução de uma identidade fixa e imutável, divinamente determinada. Não podem olhar para uma criança sem pensar na pequena genitália daquele serzinho em formação, frágil porquanto ainda dependente de cuidados e ensinamentos? “Tem pipi ou tem perereca? Usa rosa ou usa azul?” exaltam-se eles, babando e rugindo, os olhos e as mentes fixados, ensandecidos. Dizem-se religiosos, cristãos. O Deus deles valoriza tanto assim a genitália humana?!
Na lógica desses depravados, uma pessoa não vale o que sua personalidade singular acrescenta ao mundo que a cerca; não vale pela sua inteligência ou talentos pessoais; não vale por sua existência humana; vale apenas se agir conforme normas rígidas estabelecidas por gente tacanha, em cuja mente estreita tudo é determinado pela aparência dos órgãos sexuais. Fico pensando se não seriam todos pedófilos em potencial, ardendo de desejo doentio pelos pequenos corpos que querem dominar, vigiar e punir (caso não sigam sua obsessão heteronormativa). Essa gente é tão assustadora que é uma hipótese plausível… a medonhice[2] deles não parece ter limites.
Impossível, além de evocar Freud, não me referir também a Foucault. O filósofo e historiador francês estudou em detalhe os meios de coerção e suplício utilizados ao longo da história para subjugar mentalidades e corpos. Quanta maldade o ser humano pode praticar contra seus iguais? No livro Vigiar e punir: o nascimento da prisão[3], o I capítulo, intitulado “Os corpos dos condenados”, abre com a seguinte descrição, obtida na pesquisa do autor em documentos históricos:

  • “[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam]. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas…”

Os suplícios e castigos eram medonhos. Os reformadores dos séculos XVIII e XIX iriam demandar o fim dos castigos físicos em praça pública. Não era algo compatível com o “espírito das luzes”, as expectativas morais do iluminismo, das novas ideias desenvolvidas na Europa sob a égide da tríade Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Curioso que o sociólogo Boaventura de Sousa Santos tenha dito, em recente palestra, que esses governos reacionários tipo Trump, Duterte, Bolsonaro etc, queiram justamente retroceder a um tempo pré-iluminista, pré-revolução francesa. Não à toa, pois, que exaltem a tortura.
O livro de cabeceira do presidente do Brasil foi escrito por um torturador, já reconhecido como tal pelo Estado brasileiro após investigações que não deixam dúvidas. Assassino (mais de 60 pessoas morreram sob seu comando ou ação direta, no DOI-CODI em São Paulo), era claramente um sádico, um psicopata. Brilhante Ustra foi processado várias vezes por ocultar cadáveres, especialmente em valas comuns do cemitério de Perus, na capital paulista. Alguém, certamente, muito pré-reformas do século XIX na Europa, que clamaram pela extinção das sevícias e fim das torturas nos manicômios, asseverando que deviam ser substituídas pelo “tratamento moral” à lá Philippe Pinel. Pois então, caros e caras.
Talvez estejamos diante da tentativa de revogação de um princípio do Direito Internacional, a proibição da tortura. Trata-se de uma norma imperativa, de aplicação obrigatória. Sendo a prática da tortura um ato proibido por lei, é considerada crime e deve ser punida. Contudo, os tarados sexuais fixados em piroca e perereca são declaradamente favoráveis a ela. Os adolescentes trintões, filhos do presidente da república, usam camisetas impressas com odes a Ustra. O bufão presidencial declarou em rede nacional sua admiração pelo torturador assassino. Mesmo assim, foi eleito. É a banalização do mal descrita por Hannah Arendt. É o mal praticado e exaltado, aos zurros, no Parcão e em outros lugares onde moram as supostas “elites”.
Parte da população brasileira (e mundial) nunca incorporou os princípios iluministas. São toscos. São potencialmente pedófilos e torturadores. Utilizam massivamente o mecanismo de projeção, dizendo que os gays é que são pedófilos e pervertidos. Dizem isso enquanto fazem programas com travestis, como publicizado recentemente sobre um político conservador de direita, em Porto Alegre[4].
Otávio Germano é a cara deles. Votando hipocritamente “pela família” no congresso nacional, sai dali e vai fazer sexo com travestis, às escondidas. Seria bem mais saudável largar a obsessão de só pensar naquilo e fazer sexo naturalmente com quem desejasse, sexo consentido e reciprocitário, livre e prazeroso. Sem as taras que possivelmente os atormentam e os fazem assim atormentar os outros.
Deixem as crianças em paz, tarados e taradas (Damares vem se revelando das piores taradas/obcecadas com sexo e com cores, obsessões tolas e sem sentido). Parem de enxergar pênis e vaginas onde devem ver as crianças brasileiras. Deixem-nas ser quem elas são, quem nasceram para ser, herdeiras da infinita diversidade humana, dos milhões de singularidades possíveis. Deem a elas oportunidades de se educarem, de desenvolverem suas aptidões, talentos e possibilidades. Ofereçam a elas oportunidades iguais, educação de qualidade (incluindo educação sexual, ambiental, midiática, para que possam lidar de maneira saudável com esses aspectos da vida), cuidados em saúde, protejam-nas de violências e agressões, proporcionem-lhes lazer, alegria, espaço físico digno e adequado. Ensinem-lhes a respeitar os outros, a praticar a beneficência e evitar a maleficência com humanos e não humanos, com o meio ambiente que as cerca e lhes permite a vida.
Uma criança sempre simboliza a esperança no futuro. No nosso imaginário, ela poderá ver um mundo melhor do que o que nós, adultos, vemos ou ainda poderemos ver. Na medida em que envelhecemos, nos resta cada vez menos tempo. Elas, as crianças, nos sucederão, passaremos o bastão para elas e sucessivamente para as gerações vindouras.
Pois muito bem, adultos ainda lúcidos e responsáveis: temos muito trabalho pela frente nos próximos anos. Para limpar essa lambança toda e deixar algo mais digno, um futuro no qual nossas crianças possam viver e amar livremente, com responsabilidade, tendo a justiça e a solidariedade incorporadas como valores fundamentais, como a nossa mais importante herança para elas.
 
[1] Freud, Sigmund. (1905) Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
[2] De Medonho: assustador, horripilante, horroroso, disforme, desgraçado, sinistro, funesto, aterrador, horrível, pavoroso, temível, tenebroso, terrível, tétrico. In: Dicionário de Sinônimos. Disponível em:  http://www.sinonimos.com.br/busca.php?q=medonhice
[3] Foucault, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p. Do original em francês: Surveiller et punir.
[4] http://www.diariodocentrodomundo.com.br/travestis-cobram-divida-de-deputado-do-pp-gaucho-que-votou-pelo-impeachment-por-miguel-enriquez/

Demandas

A mídia é a questão central nessa nova conjuntura da era bolsonarista, certo?
Nos grupos tradicionais de mídia, de controle familiar, o impasse está escancarado.
Seu modelo de negócios – o jornalismo sustentado pela publicidade oficial ou privada – está em cheque.  O controle dos canais de massa – as concessões de rádio e televisão – já não é barreira suficiente diante dos abalos do mercado.
Os impressos, jornais e revistas, que já foram carro chefe desses grupos, cheiram mal nas bancas, como peixe estragado.
Mas aí estão, concentrando em poucas mãos os canais de massa e quase todas as  verbas de publicidade, estatais e privadas, conduzindo a opinião pública.
Bolsonaro fez sua campanha pelas redes sociais, mas ele encontrou terreno fértil semeado anos a fio por um noticiário seletivo e interpretações induzidas.
A falência consumada da Abril e a previsível ascensão da Record, com a adesão a Bolsonaro, sinalizam mudanças internas no arranjo corporativo. A rede de Silvio Santos está tomada de um bolsonarismo milenarista.
Novos donos, novos campeões de audiência, mas não é previsível uma alteração significativa no conteúdo e na pauta. A Globo ficará, talvez, um pouco mais crítica no varejo. No atacado, seguirá fiel a seus interesses maiores. A Folha terá uma oportunidade de firmar independência. Resistirá ao cerco?
O que se evidencia, acima de tudo, é a incapacidade crescente desse sistema corporativo, de controles centralizados, para atender às demandas por informação numa sociedade que se democratiza. Ou  não se democratiza?
Cabe a pergunta porque a estas alturas esse sistema vai se tornando um entrave ao processo de democratização.
No outro campo, onde se enquadram quase todas as forças derrotadas no ciclo político que se encerrou com a eleição de Bolsonaro, o que se vê?.
Existe, sim uma mídia alternativa ou de resistência. Ainda não está mapeada, pelo  menos não tenho conhecimento e o que vejo é uma fragmentação muito grande. Cada um na sua trincheira, dando seus tirinhos. Boa parte na defesa, rebatendo o bombardeio da mídia , no “fogo de barragem”, como se dirá no Planalto doravante.
Mas a verdade é que existe um sistema de mídia de resistência ou alternativa, formado por uma infinidade de iniciativas. Muitas ongs, muitos grupos, blogs, portais, rádios e tevês comunitárias, revistas, jornais.
Começa na resistência heróica de um Mino Carta, segue no caminho pessoal do Paulo Henrique Amorim no Conversa Afiada, na Agencia Pública, no Midia Ninja, no Grupo Catarse, na rede Brasil Atual, no Brasil de Fato, da Revista Forum e do Pedro Rovai, do Paulo Moreira Leite e o pessoal do DCM, do 247, e vai ao Antagonista na extrema direita. Sem esquecer o nosso modesto JÁ, com 33 anos de labuta.
Fora do mercado convencional de verbas públicas e privadas de publicidade que sustentam o “jornalismo profissional”, este “jornalismo de resistência” cumpre um papel importante em busca novos caminhos e, principalmente, formas de sustentação.
Mas ele também ainda não dá conta das demandas por informação que a sociedade gera no processo de democratização. Precisa avançar muito, principalmente em integração e sinergia, para dar conta do recado.
As redes sociais são instrumentos poderosos de difusão, mas a produção da informação de interesse coletivo é atividade especializada, de alta responsabilidade.
O direito à informação é garantido na Constituição, mas qual o  modelo de negócio que permitirá  ampliar a produção de informações para atendar às necessidades básicas do processo democrático?
São demandas para 2019.
 
 
 

Ataques à liberdade de imprensa

Novamente o ano encerra com notícias preocupantes para os profissionais da comunicação social de todo o mundo e para as sociedades democráticas em geral. Na França, a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), no balanço anual de ataques à imprensa que faz desde 1995, revela que, em 2018, a violência contra jornalistas aumentou em todo o mundo. De acordo com RSF, 80 profissionais de imprensa (jornalistas e colaboradores) foram assassinados, outros 348 estão presos e 60 são reféns. Considerando apenas os jornalistas, os assassinatos cresceram 15% (63 contra 55 em 2017). Os casos do saudita Jamal Khashoggi, colaborador do Washington Post, e do eslovaco Jan Kuciak, do site de notícias Aktualitaty.sk, onde trabalhava com jornalismo de dados, ilustram outra constatação importante do balanço: mais da metade das vítimas foram intencionalmente assassinadas. O Afeganistão, com 15 ocorrências, foi o país mais mortífero, seguido pela Síria (11) e o México (9), o mais perigoso entre as nações que não estão em guerra.

Do outro lado do oceano, nos EUA, o Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ) denuncia que pelo menos 251 profissionais de imprensa estão encarcerados em todo o mundo por acusações ligadas à sua atividade profissional, reforçando, pelo terceiro ano consecutivo, o aumento da repressão à liberdade de imprensa. A Turquia aparece como o país com o maior número de detenções, com 68 jornalistas presos. A China ocupa a segunda colocação, com 47, seguida pelo Egito (25). Juntos, os três países são responsáveis por mais da metade de todas as ocorrências. No Brasil, o CPJ registra apenas Paulo Cezar de Andrade Prado, do Blog do Paulinho, preso desde 9 de novembro, em São Paulo (SP), por crime de difamação contra o também jornalista Milton Neves. O Comitê, da mesma forma, alerta para o número de prisões sem acusação. Na China, por exemplo, há pelo menos dez profissionais nesta situação.

Como se percebe, há muito a ser feito, no Brasil e no mundo, para que o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – esta septuagenária senhora – se consolide. Vamos continuar professando e lutando pelos seus ditames: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independente de fronteiras”. Este é o papel do profissional da comunicação social, na sua essência, e de suas entidades de classe, na defesa da liberdade de imprensa.

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(Vilson Romero é jornalista, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

Unhas encravadas

Com a posse do novo governo federal, nada muda além dos nomes nos ministérios. Talvez nem a esperança se salve, pois continuamos às voltas com velhos problemas que tendem a se confundir com os escândalos emergentes.

O mais grave deles, por enquanto, é a denúncia de malversação de salários de servidores por um assessor do deputado carioca herdeiro do capitão-presidente, que assume com os pés atados, embora absolvido por seu  “estado maior”.

Segundo um dos generais-conselheiros do novo presidente, a apropriação de salários de servidores-fantasmas pode ser uma contravenção tolerável, dado seu baixo valor.

Tamanha complacência com “um dos nossos” traz à memória a frase atribuída a De Gaulle: “O Brasil não é um país sério”, uma generalização ofensiva às pessoas éticas.

Até prova em contrário, a corrupção continua liderando a lista de problemas que nos próximos anos haverão de atormentar corações e mentes de homens e mulheres livres e conscientes deste país. Assim, para que ninguém se esqueça, eis a lista das unhas encravadas do Brasil contemporâneo:

I – A corrupção e o mau uso das verbas públicas

II – O desmazelo ambiental sob a égide do Agronegócio, comandado pela indústria química globalizada

III – A manutenção das desigualdades sociais e econômicas como fonte da violação dos direitos humanos, civis, trabalhistas e previdenciários

IV – A ascensão do voluntarismo do Ministério Público e a letargia do Supremo em face da progressiva invalidez da Constituição de 88

V – A virose fascista em vários segmentos da sociedade

VI – A contaminação do parlamento pelo fundamentalismo religioso

VII – O desemprego, matriz da drogadição, da miséria e da violência

VIII – O agravamento do entreguismo com a subordinação desavergonhada aos interesses dos EUA

LEMBRETE DE OCASIÃO

“A agenda de Bolsonaro, alinhada a Washington, inclui privatizações de setores estratégicos de energia com a privatização da Embraer e entrega de bacias do pré-sal”.

Trecho de resolução do PT divulgada no início de dezembro de 2018.

Falhas e virtudes

A situação do Partido dos Trabalhadores lembra o desabafo do veterano treinador de futebol acusado de erros numa partida decisiva, após uma campanha muito bem sucedida. Na sua linguagem muito peculiar, o treinador defendeu-se nos seguintes termos:
“Minhas faia todo mundo vê, mas minhas virtude ninguém reconhece”.
Como o PT até agora não fez a autocrítica cobrada por adversários e até por militantes, é provável que a sigla continue sangrando em praça pública até que algum dia cicatrizem as chagas que suscitaram o movimento político responsável pelo impedimento da presidenta Dilma, a posse do vice Michel Temer (MDB) e a eleição do ex-capitão Bolsonaro (PSL).
Sendo penosa e demorada a cicatrização, seria então recomendável que o partido fizesse o “mea culpa”, jogando companheiros e aliados na fogueira? Ou será melhor deixar que cada um se defenda das acusações levantadas aqui e ali?
A julgar pela atitude de sua direção, o partido deve continuar negando que tenha cometido deslizes eleitorais, políticos ou administrativos. Isso fica bastante claro pelo comportamento do ex-presidente Lula e do ex-ministro Zé Dirceu, que se declaram inocentes ou, pelo menos, não culpados.
O único figurão a destoar dessa linha de defesa foi o ex-ministro Antonio Palocci, que assinou acordo de delação em que acusou Lula de orientar a distribuição de propinas originárias de contratos da Petrobras. Das grandes figuras do partido, só escapou da lama até agora o nome da ex-presidenta Dilma. Providência que parece estar a caminho.
Sabemos que a opinião pública costuma relativizar as declarações dos partidos e dos políticos, mas ainda não se acostumou a lidar com a atuação de outras instâncias públicas – o Ministério Público, a Polícia Federal e o Judiciário – e o ativismo dos meios de comunicação, especialmente os mais modernos, pendurados na Internet e articulados com os antigos: jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV.
É nesses terrenos sensíveis que o PT, junto com os outros partidos citados como aliados ou cúmplices, vem perdendo a batalha da credibilidade. Em sua última manifestação oficial, no início de dezembro, a direção do partido continuou se colocando como vítima de uma conspiração.
Não se pode negar que haja fundamento nessa linha de argumentação ou, seja, que Lula estaria na cadeia para pagar malfeitos alheios, sendo portanto um refém, um bode expiatório ou uma espécie de prisioneiro político, mas está provado que só isso não basta para libertá-lo.
No fundo o PT está no purgatório, chorando o banimento do paraíso e declarando-se alvo de uma trama urdida por uma aliança de funcionários públicos, políticos, empresários e jornalistas.
Na nota oficial distribuída dias atrás, a direção do PT afirma que “setores que dirigem o judiciário criminalizaram a própria política”, ao caracterizar o partido como uma organização criminosa.
Em outras palavras, o PT admite que a atividade política em geral, no Brasil, tem caráter criminoso. É uma acusação indireta a outros partidos e aos políticos em geral, categoria a quem acaba de se alinhar o ex-juiz Sergio Moro, que abandonou o Judiciário para ocupar o cargo de ministro da Justiça no futuro governo Bolsonaro.
Se bem entendida, a afirmação do PT sugere que o partido estaria disposto a admitir erros, desde que outros façam o mesmo. Com essa atitude defensiva, mais e mais o partido se imobiliza.
LEMBRETE DE OCASIÃO
(ditado latino)
Inops, potentem dum vult imitari, perit
(A desgraça do pobre é querer imitar o rico).