Zero Hora e os jornais de bairro

Por Elmar Bones
Zero Hora está lançando quatro cadernos de bairro em Porto Alegre – Bom Fim, Moinhos de Vento, Bela Vista e Zona Sul.
Para nós é uma vitória ver que o maior jornal do Estado reconhece a importância desses mercados.
Há quase duas décadas nós apostamos no micro-jornalismo e defendemos a importância da informação local, da cobertura aos fatos e à vida das comunidades, geralmente abandonadas pelos grandes veículos.
Agora, eles se voltam para o mercado local. A concorrência é sempre saudável e informação nunca é demais. Diversidade é a palavra chave quando se trata de comunicação.
Mas é preciso atentar para o seguinte: não é a primeira tentativa que Zero Hora faz no jornalismo de bairro em Porto Alegre. A primeira, há dez anos mais ou menos, durou dois anos e meio, o tempo suficiente para aniquilar um florescente grupo de pequenos jornais, que se firmavam nos principais bairros da cidade.
O nosso JÁ Bom Fim foi um dos poucos que sobreviveu e levou anos para se recuperar. Hoje há uma segunda leva de jornais comunitários florescendo na cidade. Serão novamente arrasados?
Acredito que as condições são muito diferentes hoje e pode ocorrer o contrário: com seu poderio, ZH chamar atenção para os mercados dos bairros, valorizando não só os seus cadernos mas toda essa rede de pequenos jornais locais – são mais de vinte.
Se a iniciativa deriva do espírito monopolista e a intenção for apenas limpar o mercado de “ervas daninhas”, pode ser mais um tiro no pé. Os jornais de bairro hoje são pequenos arbustos, bem enraizados.
Se for uma iniciativa consciente, voltada para os interesses das comunidades, poderá representar o amadurecimento e a profissionalização do jornalismo de bairro em Porto Alegre. Quem viver verá.

Cardume de invencionices

Há seis ou oito anos, no bar da Feira do Livro, ali ao lado do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega, tive a honra de compartilhar de uma mesa, onde se reuniam, em alarido juvenil, o Walter Galvani, o Cídio Salatino e o Rivadávia de Souza, o nego Riva, para os mais íntimos.
Um pouco antes, a Editora Sulina havia publicado as memórias do Rivadávia de Souza, que li avidamente, surpreso com a vida multifacetada do seu autor, reconstruída, pela memória, desde os seus tempos de guri, em Uruguaiana. Ali, ao redor da mesa, envolvida pela agitação feérica da noite, eu olhava para o Rivadávia e lembrava as passagens mais encantadoras de suas memórias, que deveriam ser leitura obrigatória para os jornalistas gaúchos, entre os quais ele disputava o primeiríssimo lugar.
Acompanhado pelo amigo e fiel escudeiro Cídio Salatino e pela esposa, uma espanhola de alma libertária, que conheceu em Paris, após a Segunda Guerra Mundial, Rivadávia, já entrado em anos, mas com a memória faiscante, me contou ter sido o autor da primeira entrevista publicada na imprensa gaúcha com o Lupicínio Rodrigues.
Mais tarde, quando ele e a esposa já haviam voltado para Brasília, onde moravam, me mandou um cartão agradecendo os comentários elogiosos que fiz a respeito do seu livro de memórias. Foi, na verdade, o último contato que tive com o Rivadávia de Souza, que faleceu em Brasília, deixando na saudade uma legião de amigos.
Pois, há duas semanas, reencontrei o Rivadávia de Souza num sebo da rua Riachuelo, espargindo simpatia, ao lado do presidente Getúlio Vargas, na capa do seu livro, intitulado “Botando os Pingos nos Is – As Inverdades nas Memórias de Samuel Wainer”. Os pingos nos is, colocados por Rivadávia de Souza, nasceram da sua indignação ao ler “Minha Razão de Viver”, contendo as memórias de Wainer, organizadas e editadas pelo jornalista Augusto Nunes.
Rivadávia de Souza
Defensor incansável do jornalismo íntegro, a serviço da verdade, Rivadávia de Souza fez questão de escrever o livro para esclarecer erros imperdoáveis de informação contidos nas memórias. Editado pela Record e publicado em 1989, o livro de Rivadávia de Souza é um manancial de informações preciosas a respeito dos bastidores da política brasileira contemporânea, que ele conheceu como poucos, na condição de repórter e, mais tarde, de amigo e assessor de imprensa do presidente Vargas, após a eleição de 1950.
A seriedade com que Rivadávia de Souza encarou a profissão de jornalista não permitiu que ele silenciasse diante dos escorregões do ego inflado de Wainer. Não se conhece na história do jornalismo brasileiro obra tão demolidora, realizada com o único propósito de restabelecer a verdade dos fatos contados e imaginados.
Algumas invencionices do Samuel Wainer receberam tratamento de choque. Afinal de contas, segundo Rivadávia de Souza, as memórias do criador da Última Hora contém “um cardume de invencionices, que pulam e pululam no seu leito”. Eu gostaria de conhecer a opinião do Augusto Nunes a respeito do livro do Rivadávia de Souza. Sempre há tempo para servir à verdade. E, acima de tudo, sempre há tempo para impedir que a história se misture com a ficção.

Os Heróis estão fatigados…

Fernando de Oliveira Coutinho, Juiz Corregedor aposentado
15ª. Região T.R.T São Paulo

Nada melhor para retratar a atual situação do que a produção, na França, do filme de Yves Montand, no início da década de 1950, denominado “Os heróis estão fatigados…” De igual forma como participei do Primeiro Congresso da Paz, em dezembro de 1952, em Viena, quando proclamávamos:
“Por mais paradoxal que se nos afigure, aqui estamos nós reunidos, em seção preparatória de um Congresso Mundial da Paz, a fim de soltarmos o nosso grito de guerra. Grito de guerra contra todos aqueles que se quedam mudos e impassíveis diante do soluçar da dor da humanidade sofredora. Em terras longínquas, mas a nós irmanadas por sentimentos de solidariedade humana, corre sangue inocente e culpado. É necessário sustar-se a medonha carnificina que, em colheita horrenda, nos leva vidas humanas. É necessário por um fim aos vendilhões da dignidade humana. Não se pode mais tolerar os céticos e apáticos. Não se pode mais admitir torres de marfim onde se escondem apavorados os covardes, egoístas e indiferentes de todas as castas.
O sangue que hoje corre, amanhã correrá com maior intensidade. E o que eram partículas ficarão gotas, o que eram gotas transformar-se-ão em riachos, os riachos em rios, rios em maré e, dia haverá que seus vagalhões atingirão as mais altas torres de marfim. Nada permanecerá íntegro. A pestilência da guerra atingirá os mais recônditos esconderijos e não haverá máscara que os proteja, a não ser a derradeira máscara da morte. É necessário que nosso grito de guerra penetre através das “cortinas de ouro” onde se acastelam os “profiteurs” da guerra. E, a cada um, o povo julgará conforme seu caminho.
E o nosso grito de guerra é um cântico de Paz. E a nossa caminhada, como a dos deuses, fecundará o deserto. Porque a união e a fé divinizam o Homem.
É o grito que sai das entranhas da mãe por ver, desde cedo, na fisionomia do filho, estampada a morte inglória. É o grito de Paz do pai, que percebe e vê refletido em seu próprio filho, o destino de morrer. É o grito de Paz da noiva, que desvenda no olhar do prometido a inutilidade de construir um lar que perecerá em virtude de guerra odiosa. É o grito lancinante do infante que não quer morrer assim, dessa forma assim… É o grito gemente da criança que, ao primeiro raciocínio, percebe seu trágico destino, ditado por mercadores. É o grito do militar, do magistrado, do sacerdote, do intelectual, do tecelão, que a par do tecido, tece a grandeza da pátria, do ferroviário, que percorre em suas máquinas todos os rincões do país, do marinheiro que sulca todos os mares, do sacrificado mineiro, do aviador, que percorre céus livres e não quer tombar em inútil holocausto, dos camponeses que regam a terra que não é sua, com seu suor que é muito seu.
É o grito de Paz de toda multidão que sofre e trabalha e não quer morrer por um ideal que não comunga, qual seja, o de amealhar dinheiro recolhido às arcas de poucos com os sacrifícios de muitos. Não desejamos mais: Suor – Lágrimas – Sangue. Queremos Paz – Trabalho – Fraternidade. E o nosso grito de Paz ecoará por terras e mares, céus e subsolos, porque é mais poderoso que as bombas atômicas e hidrogênicas. Mais poderoso que todos os artifícios de guerra, porque é o grito que parte da vontade soberana e indomável do homem que sabe e quer escolher seu próprio destino. É o grito de Paz definitiva. Queremos viver e produzir. Amar e ser amados. Queremos o direito que a nossa dignidade humana exige: o direito de viver! O direito de saber porque e por quem morremos. E eu vos afirmo que a Paz não somente deve ser salva. Eu vos afirmo que a Paz não somente pode ser salva. Eu vos afirmo que a Paz há de ser salva, haja o que houver, custe o que custar, porque essa é a nossa vontade.”
Naqueles idos estava em guerra a Coréia, guerra que durou de 1950 a 1953, e por pressão mundial, terminou com a divisão daquela nação em Coréia do Norte e do Sul e cuja fronteira foi delimitada pelo chamado paralelo 37. Em 1954 a luta argelina por sua auto-determinação. As maiores barbaridades então ocorreram com crimes terríveis cometidos por franceses e argelinos, como o corte de mãos, a castração e a decapitação. Nada mais atual. Mudou o palco, outros são os participantes. A colheita ceifadora prossegue em sua faina de exterminar a vida humana. A morte, em si, é uma verdade universal. O homem originou-se do pó e ao pó retornará. O assalto à moda do “gangsterismo” operou-se no Iraque. Colocaram uma cangalha na mocidade norte americana e de cambulhada foi enviada ao matadouro. O assalto ao Iraque se estriba no tripé: ganância, ambição e megalomania “sherifiana”.
A base é lastreada em mentira deslavada e hipocrisia despudorada.
O sr. Bush, como chefe da nação norte americana, ao enviar sua juventude para uma morte inglória, heróis sem causa, diuturnamente se transforma em um filhicídio, fratricídio e resvala pelas fronteiras do genocídio.
Os heróis estão fatigados… não querem tombar vítimas de uma bala certeira ou estilhaçados. Não querem cair com os braços abertos em forma de cruz ou serem mortos como animais caçados. A boca aberta, os olhos escancarados, o sangue a jorrar. Querem a Vida que é deles. Muito deles. Só deles!
É hora de parar. Há tempo de guerra. Há tempo de Paz! Bem compreendeu a Espanha, que em sua sabedoria retirou em tempo seus filhos. Os heróis estão fatigados… começam a entender que foram enganados. Sabem que são reféns dos senhores da guerra. Se apercebem que se não forem mortos, retornarão estropiados, mutilados, aleijados, paraplégicos, recauchutados, em frangalhos. Ao retornarem, serão atirados no lixo, como é usual. Os heróis estão fatigados… em tempo compreenderam que não se implanta a democracia como quem planta batatas. Que a ceifadora é sedenta de sangue e é cega na escolha. Os heróis estão fatigados… em suas mentes começam a ressoar as palavras do poeta “Sou sempre o mesmo, o último e primeiro, assim que cresço e fico moço, morro!” E ao cair da noite sonham.
“Eu quero arar os campos para o trigo, quero vigiar os rebanhos nas encostas, cantar nos estaleiros e altos fornos. Mas me arrancam das aulas e dos teares. E me atiram no lodo das trincheiras. Não adianta chorar Malamatemia! Corta as entranhas, para que eu não nasça”.
Sr. Bush, não queira passar para a história com o cognome Mr. Butcher, que como carniceiro bem lhe assenta. Não ouse se travestir em novo Polifemo e queira prosseguir com sua manopla triturando companheiros e seres humanos. Novos Ulisses surgirão e os papéis se inverterão. Não queira em sua lápide o epitáfio “aqui jaz um fratricida universal”. Cessa enquanto é tempo. Os heróis estão fatigados… e quando fatigados se tornam uma tsunami humana com efeito devastador e imprevisível.
Os heróis estão fatigados… que se veja em todos os sites, em todos os quadrantes da terra, as palavras imorredouras de Bilac:
“Nunca morrer assim; nunca morrer num dia assim; de um sol assim!”

Por que o leitor não importa mais para os jornalistas?

Interessante como a pergunta que nos fazíamos nos “velhos tempos da Coojornal” continua atual: Os profissionais serão capazes de construir uma alternativa?
A imprensa empresarial convencional continua a mesma. Justificou arbítrio em outros tempos, hoje justifica o desemprego.
É uma situação que não vai mudar com críticas, com bla, bla, bla. Mas com ações concretas, com os profissionais que se dispuserem a se organizar e produzir uma nova imprensa.
O novo não surge de cabeças iluminadas, surge da estrutura nova.
Todos os jornais dizem que vivem para o leitor, o leitor é o seu senhor. Mas o leitor hoje para os jornalistas não tem nenhuma importância.
Os jornalistas é que são importantes hoje. São estrelas, celebridades, um pobre leitor se intimida perto deles.
Importante para o jornalista é a autoridade, o grande empresário, o figurão. Ele tem claro que esse é o sujeito que o sustenta, não o leitor. O leitor está vendido nesta parada.
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