Faixa de Gaza: “Quem é o inimigo?”

Todos têm a sua própria opinião para explicar os massacres cometidos pelo Estado de Israel em Gaza. Enquanto nos anos 70 e 80, se via nisso uma manifestação do imperialismo anglo-saxónico, hoje muitos interpretam-no como um conflito entre judeus e árabes.
Debruçando-se sobre este longo período —quatro séculos de História —, Thierry Meyssan, consultor junto a vários governos, analisa a origem do sionismo, as suas reais ambições, e determina quem é o inimigo.
A guerra, que prossegue sem interrupção desde há 66 anos na Palestina, conheceu uma nova agudização com as operações israelitas “Guardiões dos nossos irmãos”, seguida de “Rochedo de Firmeza” (traduzido estranhamente na imprensa ocidental por “Borda protetora”).
À vista, Telavive —que escolheu instrumentalizar o desaparecimento de três jovens israelenses para lançar estas operações e “arrancar o Hamas pela raiz” afim de explorar o gás de Gaza, conforme o plano enunciado em 2007 pelo atual ministro da Defesa [1] — foi surpreendido pela reação da Resistência. A Jihade islâmica respondeu como o envio de foguetes de médio alcance, muito difíceis de interceptar, que se somaram aos lançados pelo Hamas.
A violência dos acontecimentos, que custaram já a vida a mais de 1.500 Palestinos e 62 israelenses (embora os números israelenses sejam submetidos à censura militar e estejam provavelmente diminuídos), levantou uma onda de protestos no mundo inteiro. Além dos seus 15 membros, o Conselho de Segurança, reunido a 22 de julho, deu a palavra a 40 outros Estados que entenderam exprimir a sua indignação diante do comportamento de Telavive e da sua «cultura de impunidade». A sessão, em lugar de durar as 2 horas habituais, durou assim 9 [2].
Simbolicamente, a Bolívia declarou Israel «Estado terrorista» e revogou o acordo de livre-circulação que o abrangia. Mas, de um modo geral, as declarações de protesto não foram seguidas de uma ajuda militar, à excepção das do Irã e simbolicamente da Síria. Ambos apoiam a população palestina via Jihad islâmica, ramo militar do Hamas (mas não o seu ramo político, que é membro dos Irmãos muçulmanos), e a FPLP-CG.
Contrariamente aos antecedentes (operações “Chumbo Fundido” em 2008 e “Coluna de nuvem negra” em 2012), os dois Estados que protegem Israel no Conselho (os Estados-Unidos e o Reino-Unido), fizeram vista grossa à elaboração de uma declaração do presidente do Conselho de segurança sublinhando as obrigações humanitárias de Israel [3]. De fato, para lá da questão fundamental de um conflito que dura desde 1948, assiste-se a um consenso para condenar no mínimo o recurso de Israel a um emprego desproporcionado da força.
No entanto, este aparente consenso mascara análises muito diferentes: certos autores interpretam o conflito como uma guerra de religião entre judeus e muçulmanos; outros vêem nela, pelo contrário, uma guerra política segundo um esquema colonial clássico.
Que se deve pensar a propósito?
O que é o sionismo?
A meio do século XVII, os calvinistas britânicos agruparam-se em torno de Oliver Cromwell e puseram em causa a fé e a hierarquia do regime. Depois de terem derrubado a monarquia anglicana, o “Lorde protetor” pretendeu permitir ao povo inglês conseguir a pureza moral necessária para atravessar uma tribulação de 7 anos, acolher o retorno de Cristo, e viver pacificamente com ele durante 1.000 anos (o “Milénio”). Para conseguir realizar isto, segundo a sua interpretação da Bíblia, os israelitas deviam ser dispersos pelos confins da terra, depois reagrupados na Palestina e aí reconstruir o templo de Salomão. Nesta base, ele instaurou um regime puritano, levantou em 1656 a interdição posta aos israelitas de se instalarem em Inglaterra, e anunciou que o seu país se comprometia a criar, na Palestina, o Estado de Israel [4].
Tendo a seita de Cromwell sido, por seu turno, derrubada no final da «Primeira Guerra civil inglesa», os seus partidários mortos ou exilados, e a monarquia anglicana restabelecida, o sionismo (quer dizer o projeto de criação de um Estado para os israelitas) foi abandonado. Ele ressurgiu no século XVIII com a “Segunda Guerra civil inglesa”, (segundo a nomenclatura dos manuais de História do secundário no Reino-Unido), que o resto do mundo conhece como a «guerra de independência dos Estados-Unidos» (1775-83). Contrariamente a uma ideia feita, esta não foi uma ação empreendida em nome do ideal das Luzes, que animou alguns anos mais tarde a Revolução francesa, mas sim financiada pelo rei de França e encetada por motivos religiosos ao grito de “o Nosso Rei, é Jesus!”.
George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, para citar apenas estes, apresentaram-se como os sucessores dos partidários exilados de Oliver Cromwell. Os Estados-Unidos retomaram, pois, logicamente o seu projeto sionista.
Em 1868, em Inglaterra, a rainha Victoria designou como Primeiro-ministro, o judeu Benjamin Disraeli. Este propôs-lhe conceder alguns direitos aos descendentes dos partidários de Cromwell, de maneira a poder apoiar-se sobre todo o povo para estender o poder da Coroa no mundo. Sobretudo, propôs aliar-se à diáspora judia para conduzir uma política imperialista da qual ela seria a guarda-avançada. Em 1878, ele fez inscrever «a restauração de Israel» na ordem do dia do Congresso de Berlim sobre a nova partilha do mundo.
É sobre esta base sionista que o Reino-Unido restabelece as boas relações com as suas antigas colonias tornadas Estados-Unidos, no seguimento da “Terceira Guerra civil inglesa” —conhecida nos Estados-Unidos como a «guerra civil americana», e na Europa continental como a «guerra de Secessão» (1861-65)— que viu a vitória dos sucessores dos partidários de Cromwell, os WASP (White Anglo-Saxon Puritans- inglês para: «Brancos Anglo-Saxónicos Puritanos»-ndT) [5]. Uma vez mais, ainda, é erradamente que se fala deste conflito como uma luta contra a escravatura quando 5 Estados do Norte a mantinham, na altura, também.
Até quase ao final do século XIX o sionismo é, pois, apenas um projeto puritano anglo-saxónico, ao qual só uma elite judia adere. Ele é fortemente condenado pelos rabinos, que interpretam a Torá como uma alegoria e não como um plano político.
Entre as consequências atuais desses fatos históricos, temos de admitir que se o sionismo visava a criação de um Estado para os israelitas, ele é também o fundamento da existência dos Estados Unidos. Portanto, a questão de se saber se as decisões políticas, de conjunto, são tomadas em Washington ou em Telavive tem apenas um interesse relativo. É a mesma ideologia que está no poder em ambos os países. Além disso, tendo o sionismo permitido a reconciliação entre Londres e Washington, colocá-lo em causa é o mesmo que atacar esta aliança, a mais poderosa do mundo.
A adesão do povo judaico ao sionismo anglo-saxão
Na historiografia oficial de hoje, costuma-se ignorar o período dos XVIIo-XIXo séculos e apresentar Theodor Herzl como o fundador do sionismo. Ora, de acordo com publicações internas da Organização Sionista Mundial, este ponto é igualmente falso.
O verdadeiro fundador do sionismo moderno não era judeu, mas cristão dispensionalista. O reverendo William E. Blackstone foi um pregador americano, para quem os verdadeiros cristãos não teriam de passar pelas provações no final dos tempos. Ele pregou que estes seriam levados para o céu durante a batalha final (a “ascensão da Igreja”, em Inglês “the rapture”). Na sua opinião, os judeus travariam esta batalha e sairiam dela, ao mesmo tempo, convertidos a Cristo e vitoriosos.
Foi a teologia do reverendo Blackstone, que serviu de base ao apoio incondicional de Washington para a criação de Israel. E, isso, muito antes do AIPAC (o lobby pró-Israel) ter sido criado e ter tomado o controle do Congresso. Na realidade, o poder do lobby não resulta tanto do seu dinheiro e da sua capacidade de financiar campanhas eleitorais, mas mais desta ideologia sempre presente nos EUA [6].
A Teologia do arrebatamento por muito estúpida que possa parecer é, hoje em dia, muito poderosa nos Estados Unidos. Ela representa um fenômeno na literatura e no cinema (veja-se o filme Left Behind, com Nicolas Cage, que será exibido a partir de outubro).
Theodor Herzl era um admirador do magnata dos diamantes Cecil Rhodes, o teórico do imperialismo britânico e fundador da África do Sul, da Rodésia (à qual deu o seu nome) e da Zâmbia (ex-Rodésia do Norte). Herzl não era judeu (no sentido em que não praticava a fé do judaísmo -ndT), e não havia circuncidado o seu filho. Ateu, como muitos burgueses europeus do seu tempo, ele preconizou primeiro a assimilação dos judeus por conversão ao cristianismo. No entanto, retomando a teoria de Benjamin Disraeli, ele chegou à conclusão que a melhor solução era envolvê-los no colonialismo britânico, criando um Estado judaico no atual Uganda ou na Argentina. Ele seguiu o exemplo de Rhodes quanto à compra de terras e na criação da Agência Judaica.
Blackstone conseguiu convencer Herzl a juntar as preocupações dos dispensionalistas às dos colonialistas. Bastava, para isso, encarar a criação de Israel na Palestina e multiplicar as referências bíblicas a propósito. Graças a esta ideia bastante simples, eles conseguiram fazer aderir a maioria dos judeus europeus ao seu projecto. Hoje, Herzl está enterrado em Israel (no Monte Herzl), e o Estado colocou no seu caixão A Bíblia anotada que Blackstone lhe havia dado.
O sionismo nunca teve, pois, como objetivo «salvar o povo judeu, dando-lhe um lar», mas sim fazer triunfar o imperialismo anglo-saxónico envolvendo nisso os israelitas. Além disso, não só o sionismo não é um produto da cultura judaica (no sentido de fé, tradições, costumes etc..), como a maioria dos sionistas nunca foi judaica, enquanto a maioria dos israelenses sionistas não são judeus. As referências bíblicas omnipresentes no discurso oficialista israelense, não refletem o pensamento da parte crente do país e são destinadas, acima de tudo, a convencer a população dos EUA.
Foi neste período que se criou o mito do povo judeu. Até então, os judeus consideravam-se como pertencendo a uma religião e admitiam que os seus membros europeus não eram os descendentes dos judeus da Palestina, mas sim populações convertidas no decurso da história [7].
Blackstone e Herzl fabricaram artificialmente a ideia segundo a qual todos os judeus do mundo seriam descendentes dos antigos judeus da Palestina. Portanto, a palavra judeu aplica-se não apenas à religião dos israelitas, mas designa também uma etnia. Ao basearem-se numa leitura literal da Bíblia, eles tornaram-se os beneficiários de uma promessa divina sobre a terra palestina.
O pacto anglo-saxão para a criação de Israel na Palestina
A decisão de criar um Estado judaico na Palestina foi tomada em conjunto pelos governos britânico e norte-americano. Ela foi negociada pelo primeiro juiz judaico no Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Louis Brandeis, sob os auspícios do reverendo Blackstone e foi aprovada tanto pelo presidente Woodrow Wilson, como pelo primeiro-ministro David Lloyd George, na esteira dos acordos franco-britânicos Sykes-Picot de partilha do “Próximo-Oriente”. Este acordo foi sendo progressivamente revelado ao público.
O futuro Secretário de Estado para as Colónias, Leo Amery, foi encarregado de enquadrar os antigos membros do “Zion Mule Corps” (Corpo sionista de transporte com mulas) para criar, com dois agentes britânicos Ze’ev Jabotinsky e Chaim Weizmann, a “Legião Judaica” no seio do exército britânico.
O ministro das Relações Exteriores(Negócios Estrangeiros), Lord Balfour, enviou uma carta aberta a Lord Walter Rothschild comprometendo-se a criar um «lar nacional judaico» na Palestina (2 de novembro de 1917). O presidente Wilson incluiu entre os seus objetivos de guerra oficiais, (o n ° 12 dos 14 pontos apresentados ao Congresso a 8 de janeiro de 1918), a criação de Israel [8].
Portanto, a decisão de criar Israel não tem nenhuma relação com a destruição dos judeus da Europa, sobrevinda duas décadas mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial.
Durante a Conferência de paz de Paris, o Emir Faiçal (filho do xerife de Meca, e mais tarde rei do Iraque britânico) assinou, a 3 de janeiro de 1919, um acordo com a Organização Sionista, comprometendo-se a apoiar a decisão anglo-saxônica.
A criação do Estado de Israel, que foi feita contra a população da Palestina, foi, pois, também feita com o acordo dos monarcas árabes. Além disso, à época, o xerife de Meca, Hussein bin Ali, não interpretava o Alcorão à maneira do Hamas. Ele não pensava que «uma terra muçulmana não pudesse ser governada pelos não-muçulmanos».
A criação jurídica do Estado de Israel
Em maio de 1942, as organizações sionistas realizaram o seu congresso no Hotel Biltmore, em Nova Iorque. Os participantes decidiram transformar o «lar nacional judaico» da Palestina em “Commonwealth Judaica” (referindo-se à Commonwealth com a qual Cromwell havia substituído brevemente a monarquia britânica), e autorizar a imigração em massa de judeus para a Palestina. Num documento secreto, foram especificados três objectivos: “(1) o Estado judeu englobaria a totalidade da Palestina e, provavelmente, a Transjordânia; (2) o deslocamento das populações árabes para o Iraque e (3) a tomada em mãos pelos judeus dos sectores do desenvolvimento e do controlo da economia em todo o Médio-Oriente”.
A quase totalidade dos participantes ignorava, então, que a «solução final da questão judaica» (die Endlösung der Judenfrage) tinha justamente começado, secretamente, na Europa.
Em última análise, ao passo que os britânicos não sabiam como haviam de satisfazer quer os judeus, quer os árabes, as Nações Unidas (que então tinham apenas 46 Estados-membros) propuseram um plano de partilha da Palestina, a partir das indicações de que os Britânicos lhe haviam fornecido. Deveria ser criado um Estado bi-nacional compreendendo um Estado judeu, um Estado árabe, e uma área “sob regime internacional especial” para administrar os lugares santos (Jerusalém e Belém). Este projeto foi aprovado pela Resolução 181 da Assembleia Geral [9] .
Sem esperar pelo resultado das negociações, o presidente da Agência Judaica, David Ben Gurion, proclamou, unilateralmente, o Estado de Israel, imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos. Os árabes do território israelense foram colocados sob lei marcial, os seus movimentos foram restringidos e os seus passaportes confiscados. Os países árabes recém-independentes intervieram. Mas, sem exércitos devidamente constituídos, foram rápidamente derrotados. No decurso desta guerra, Israel procedeu a uma limpeza étnica e forçou, pelo menos, 700.000 árabes a fugir.
A ONU enviou como mediador, o conde Folke Bernadotte, um diplomata sueco que salvou milhares de judeus durante a guerra (2ª guerra mundial). Ele descobriu que os dados demográficos, fornecidos pelas autoridades britânicas, estavam falseados e exigiu a plena implementação do Plano de Partilha da Palestina. Ora, a Resolução 181 implicava o retorno dos 700. 000 árabes expulsos, a criação de um Estado árabe e a internacionalização de Jerusalém. O enviado especial da Onu foi assassinado, a 17 de setembro 1948, por ordem do futuro primeiro-ministro, Yitzhak Shamir.
Furiosa, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 194, que reafirma os princípios da Resolução 181 e, além disso, proclama o direito inalienável dos palestinianos a voltar para suas casas e a ser indenizados pelos prejuízos que acabavam de sofrer [10].
Entretanto, Israel, tendo prendido os assassinos de Bernadotte, tendo-os julgado e condenado, foi aceite no seio da Onu com a promessa de honrar as resoluções. Mas, tudo isso não passava de mentiras. Logo após os assassinos foram anistiados, e o atirador tornou-se o guarda-costas pessoal do primeiro-ministro David Ben Gurion.
Desde a sua adesão à Onu Israel não parou de violar as resoluções, que se acumularam na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança. Os seus laços orgânicos com dois membros do Conselho, dispondo do direito de veto, colocam-no à margem do direito internacional. Tornou-se um Estado offshore, permitindo aos Estados Unidos e ao Reino Unido fingir respeitar ambos o direito internacional, enquanto o violam a partir deste pseudo-Estado.
É absolutamente errado pensar que o problema colocado por Israel só envolve o Médio-Oriente. Hoje em dia, Israel atua militarmente em qualquer lugar do mundo, sob a capa do imperialismo anglo-saxônico. Na América Latina, foram agentes israelenses que organizaram a repressão durante o golpe contra Hugo Chavez (2002) ou o derrube de Manuel Zelaya (2009). Em África, eles estavam presentes, por todo o lado, durante a guerra dos Grandes Lagos, e organizaram a prisão de Muammar el-Qaddafi. Na Ásia, eles dirigiram o assalto e o massacre dos Tigres Tamil (2009), etc. Em todos os casos, Londres e Washington juram não ter nada a ver com tais assuntos. Além disso, Israel controla muitos meios de comunicação e instituições financeiras (tal como a Reserva Federal dos Estados Unidos).
A luta contra o imperialismo
Até à dissolução da URSS era óbvio para todos, que a questão israelita destacava-se na luta contra o imperialismo. Os palestinianos eram apoiados por todos os anti- imperialistas do mundo – até os membros do Exército Vermelho japonês — que vinham bater-se ao seu lado.
Atualmente, a globalização da sociedade de consumo, e a perda de valores que se lhe seguiu, fez perder a consciência do caráter colonial do Estado hebreu. Somente os árabes e muçulmanos se sentem postos em causa. Eles mostram empatia com o sofrimento dos palestinos, mas ignoram os crimes de Israel no resto do mundo, e não reagem aos outros crimes imperialistas.
No entanto, em 1979, o aiatola Ruhollah Khomeini explicava aos seus fieis iranianos, que Israel não era senão como uma boneca nas mãos dos imperialistas e o único verdadeiro inimigo era a aliança dos Estados Unidos e do Reino Unido. Por ter enunciado esta simples verdade, Khomeini foi caricaturado no Ocidente e os xiitas foram apresentados como heréticos no Oriente. Hoje em dia, o Irã é o único Estado no mundo a enviar maciçamente armas e conselheiros para ajudar a Resistência palestina, enquanto os regimes sionistas árabes debatem amavelmente, por vídeo-conferência, com o presidente israelita durante as reuniões do Conselho de Segurança do Golfo [11].
Thierry Meyssan
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[1] «A extensão da guerra do gás no Levante», por Thierry Meyssan, Al- Watan/Rede Voltaire , 21 de julho de 2014.
[2] « Réunion du Conseil de sécurité sur le Proche-Orient et l’offensive israélienne à Gaza » (Fr-«Reunião do Conselho de Segurança sobre o Próximo-Oriente e a ofensiva israelita na Faixa de Gaza»-ndT), Réseau Voltaire, 22 juillet 2014.
[3] « Déclaration du Président du Conseil de sécurité sur la situation à Gaza » (Fr-«Declaração do Presidente do Conselho de Segurança sobre a situação na Faixa de Gaza»-ndT), Réseau Voltaire, 28 juillet 2014.
[4] Sobre a história do sionismo há que reportar-se ao capítulo correspondente, («Israel e os anglo-saxões»), do meu livro A Terrível impostura 2, manipulações e desinformações, Edition Alphée, 2007. Os leitores encontrarão lá numerosas referências bibliográficas .
[5] The Cousins’ Wars : Religion, Politics, Civil Warfare and the Triumph of Anglo- America, Kevin Phillips, Basic Books (1999) (Ing-«As Guerras dos Primos: Religião, Política, Guerra Civil e o Triunfo da Anglo-América, por Kevin Philips»- ndT).
[6] Veja especialmente American Theocracy (2006) (Teocracia Americana), de Kevin Phillips, um notável historiador que foi conselheiro de Richard Nixon»
[7] Uma síntese dos trabalhos históricos sobre este assunto: Comment le peuple juif fut inventé (Fr-«Como o povo judeu foi inventado»-ndT), por Shlomo Sand, Fayard, 2008
[8] A formulação do parágrafo 12 é particularmente enigmático. Assim, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, o emir Faisal evocou-o para reivindicar o direito dos povos anteriormente sob o jugo otomano à autodeterminação. Ele ouviu responder que teria uma escolha entre uma Síria colocada sob um ou sob vários mandatos. A delegação Sionista argumentou que Wilson se tinha comprometido apoiar a Commonwealth(comunidade) judaica para grande surpresa da delegação norte-americana. Em última análise, Wilson confirmou, por escrito, que se devia entender o ponto 12 como um compromisso de Washington para a criação de Israel e a restauração da Arménia. «Os quatorze Pontos do Presidente Wilson», Rede Voltaire, 8 de janeiro de 1918.
[9] « Résolution 181 de l’Assemblée générale de l’Onu » (Fr-«Resolução 181 da Assembleia Geral da Onu»-ndT), Réseau Voltaire, 29 novembre 1947.
[10] « Résolution 194 de l’Assemblée générale de l’Onu » (Fr-«Resolução 194 da Assembleia Geral da Onu»-ndT), Réseau Voltaire, 11 décembre 1948.
[11] “O presidente de Israel falou perante o Conselho de Segurança do Golfo em fins de novembro”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Dezembro de 2013.
Thierry Meyssan Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

A Filarmônica de Israel e Bombardeios sobre Gaza

Enio Squeff
As cordas da Filarmônica de Israel já foram consideradas as melhores do mundo. O estatuto de Israel como país civilizado passava necessariamente pela grande música e não foram poucos os grandes regentes do mundo, entre eles o inesquecível Arturo Toscanini – o maior entre os maiores da primeira metade do século XX – que subiram ao pódio da orquestra, também pela honra de a regerem. Difícil prever o que tais músicos diriam da ofensiva de Israel pela Faixa de Gaza num dos massacres mais assustadores de um país que nem por isso se julga menos civilizado.
Um deles, o argentino israelense Daniel Barenboim, igualmente um grande pianista e regente, já expôs a sua inconformidade com o tratamento que Israel vem dispensando aos palestinos. Muitos israelenses o consideram um “traidor”. Nem por isso, entretanto, apesar da polêmica, o governo de Israel julga que deva qualquer explicação à civilização pelo que está fazendo.

Maestro Daniel Barenboim
Maestro Daniel Barenboim

A alegação, como sempre, vai na rasteira da política norte-americana da qual Israel é caudatária: nada do que Israel faz, não se faz à imagem e semelhança das ações inauguradas no mundo como a doutrina “made in USA” de combate ao terrorismo – seja o que for que se entenda por tal.
O comentarista internacional Emir Sader disse há dias na TV Brasil que era impossível tratar a mediação do conflito da Faixa de Gaza, pelos Estados Unidos, como coisa realmente séria. De fato, o tempo que os EUA concedem a Israel para um cessar fogo, vem sendo contada menos pelos dias ou pelo horror provocado no mundo, do que pelo número de árabes mortos.
Parece haver um consenso de que a razzia israelense tem de ser dura o suficiente para mostrar que os pogroms contra os árabes são meticulosamente programados com o Império. O castigo tem que ser cruel e inesquecível para que a afronta de qualquer resistência dos palestinos nunca se repita.
Um massacre programado e prorrogável até o limite do genocídio? Pode ser.
Sob a alegação da extirpação do terrorismo, os EUA mataram dezenas de milhares de iraquianos – que não tinha nada a ver com o chocante atentado às Torres Gêmeas. Valeu, no entanto, pelo exemplo. Nunca se terá qualquer justificativa para que o Hamas mate indiscriminadamente civis israelenses. Mas sua ameaça latente será sempre uma justificativa para que Israel enterre qualquer veleidade de país civilizado.
E faça as vezes de país terrorista, por sua vez, “preventivamente” digamos, matando milhares de palestinos da Faixa de Gaza. Que, se não têm nada a ver com o Hamas, quem sabe devam ser mortos por ostentarem os mesmos nomes de alguns deles, ou pior, a cor amorenado dos árabes: “Se não foste tu, foi teu pai”: é isto que o lobo diz ao cordeiro na fábula de La Fontaine, não é mesmo?
Há uma relutância – deve-se reconhecer – normalmente inspirada no medo global aos Estados Unidos, em condenar a ação do Estado Hebreu. Aqui e ali, uma ou outra voz tenta uma desculpa. A de que Israel precisa se defender chega às raias da imbecilidade: imaginem as polícias do Rio, de São Paulo ou de Porto Alegre a bombardear favelas e vilas para livrá-las dos bandidos.
Todos concordam que é um absurdo. Mas, no fundo, é exatamente a mesma coisa. Ah, dizem alguns defensores de Israel – lamentavelmente, morreram algumas crianças (em Gaza já são centenas): paciência, que se vai fazer? Israel tem o direito de defender as suas.
Mas a morte de crianças não justifica a morte de outras. Ou justifica?
Outra tese – essa mais estapafúrdia, confere à indústria bélica a culpa pelo conflito. O Hamas, com seus foguetes busca-pés, alimentaria parte da indústria que, por sua vez, cumularia os israelenses de armas de destruição em massa – mas tudo dentro da lógica de que, quanto mais destruição, melhor. Israel, com mais dinheiro, provindo principalmente dos EUA, levaria mais armas, as mais sofisticadas – quanto ao Hamas, com seus traques, ficaria patente que são todos celerados. Eles venceram, as eleições em Gaza, ao que se diz, legitimamente.
Mesmo assim, não duvidariam um só instante de deixarem que seus filhos, mulheres, irmãos e irmãs morressem sob os bombardeios israelenses – ou seja, uma estultice. Mas assim como alguns rabinos de extrema direita insistem em que os palestinos gostam de expor seus parentes aos alvos das bombas de Israel, há quem retome as teses genocidas dos nazistas. E tudo para argumentar que Israel tem de ser destruída a qualquer preço.
Não parece haver o que argumentar enquanto a ideia de civilização não for prevalente. Uma coisa é certa. Enquanto Estado, com a sua bela Filarmônica, para ficar apenas na grande música, cabe a Israel cumprir as leis que a direita fascista de seus atuais dirigentes teima em ignorar e que tem a respaldá-los justamente os Estados Unidos, um país que, por sua vez, bem que poderia mostrar que suas portentosas instituições culturais são índices de civilidade e não de mero marketing. Ou propaganda “para inglês ver”.
Elias Canetti, judeu, um dos maiores escritores contemporâneos, parece ter entrevisto o que Israel e todos os países que se julgam acima da humanidade, podem fazer e fazem. E em nome, não da sua preservação, mas da sanha de alguns de seus dirigentes. Em sua trilogia autobiográfica, conta Elias Canetti, de um judeu vienense que ele considerava acima de tudo um homem justo e bom. E que, ao saber que na primeira Guerra Mundial os aviões começaram a ser usados para bombardeios, teria exclamado: “ E as cidades, meu Deus, que será das cidades?”
Os Estados Unidos mostraram, em primeira mão, o que o pior pesadelo não poderia engendrar, ao destruírem, sob bombas atômicas, as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Talvez não tivessem feito mais do que os nazistas e os ingleses fizeram, respectivamente, com Londres, Berlim, Dresden e Leipzig. Mas os israelenses não estão fazendo menos, ao bombardearam criminosamente a Faixa de Gaza.
Em tempo: nunca o Brasil foi tão digno quanto no episódio em que chamou seu embaixador de Israel ao Brasil. O governo de Israel que vocifere à vontade pela afronta. Mas não contará com o Brasil na passividade vergonhosa do resto do mundo, com os atos criminosos perpetrados por sua cúpula dirigente. É uma boa nova, digna de um grande país.