Nei Rafael Filho
Texto e fotos
Não há registros precisos, mas desde a década de 1990, ao menos, papeleiros de Porto Alegre se instalaram com suas famílias na Voluntários da Pátria, próximo das ruas Paraíba, Gaspar Martins e Câncio Gomes.
O jornal JÁ esteve no local e constatou o sofrimento, o abandono e mazelas de considerável população – mais de 500 famílias – com seus carrinhos de puxar com duas rodas, apelidados de pica-paus,
Falta espaço para o lixo, falta espaço para as pessoas , segundo seu Luís, 61 anos, morador do local há quatro décadas.
– Somos o descarte, o resto, a sobra da sobra, eu durmo no pica-pau. Não tem casa para todos, denuncia, emocionado, o veterano da Vila, , entre toneladas de lixo ensacadas nos “bags”, os sacos brancos confeccionados com resinas termoplásticas, virgens ou recicladas.
Duarte, 22 anos, ensacador local, diz que os bags queimam a mão.
– Desde o nascer do Sol trabalhamos sem luvas, sem uniforme, a Prefeitura não escuta nossos pedidos, critica.
Não tem praça para o lazer, os verões tórridos são infestados com insetos, roedores, alcoolismo e outras dependências químicas.
A circulação no entra e sai dos pica-paus no alinhamento da Voluntários da Pátria, disputando a pista com os carros é a rotina de dezenas de serviçais do ajuntamento de lixo obtido em containers, nas ruas e em grande parte do lixo descartado que a limpeza pública urbana não recolheu.
O habitante anônimo da Vila dos Papeleiros precariamente vive do comércio informal instalado. O resíduo material do que restou do consumo da cidade significa toneladas de lixo destinado para venda e posteriormente reciclagem. A atividade não é fiscalizada e o entorno dos bairros Farrapos e Quarto Distrito é a soma de prédios antigos abandonados na rtegião, cuja função improvisada é a de depósitos aos imensos sacos de fibra sintética.
Dezenas desses bags estão expostos a céu aberto e armazenam centenas destes volumes sem qualquer segurança ou controle do perigo de incêndio, a par do que aconteceu na Vila em 2003. Garrafas pets, papéis, latas, metais, tudo o que pode ser pesado e comprimido em fardos de 150 KG nas cooperativas e vendido a preço vil passa pela Vila dos Papeleiros.
A chegada dos pica-paus na Vila é também recepcionada por coletores motorizados, destinando o descartável seletivo às cooperativas que adquirem o lixo separado para futura reciclagem. Tudo é feito ao som do ritmo bate-estaca e funk.
À medida que o dia de trabalho esgota a força empregada dos carregadores da luta insana para vencer o lixo – que não para de chegar – na crescente aparição de carregadores de pica-paus à procura de espaço para descanso, embora dezenas deles se fixem nos arredores de chão batido. Para passar a noite em colchões improvisados de bags vazios, disputando espaço no interior dos carrinhos de puxar, entre latas, papeis e garrafas para o dia seguinte.