Caos na eleição para o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre

Tudo indica que a Câmara Municipal de Porto Alegre subestimou, para dizer o mínimo, a mobilização dos moradores para a eleição dos conselheiros que vão representar a região 1, onde está o Centro Histórico, no Plano Municipal de desenvolvimento Urbano de Porto Alegre (PMDUA).

A votação, marcada para às 17h, atrasou mais de uma hora. Não havia informações. Era impossível chegar à sala do terceiro andar onde seriam colhidos os votos.

A entrada, os corredores, as escadarias até o terceiro andar, estavam  superlotados.

Os guardas da portaria estimavam que duas mil pessoas estavam lá dentro sob um calor sufocante.  “Um calor de forno alegre”, como dizia uma senhora, abanando-se com um leque. “O que eles querem é que a gente desista, mas não vão levar: vamos ficar aqui até a hora que precisar”, disse Cenir Monteiro, comerciante, morador da rua Riachuelo, com um adesivo de  “Fora Melo” colado na camisa. O bordão “Fora Melo” retumbou várias vezes pelos corredores apinhados. Os mais otimistas estimavam que a votação iria até as 22 horas. Uns mais animados preparavam-se para ir “até a meia-noite”.

Pouco depois das 18 horas, começou a votação, com prazo de duas horas para encerramento. Quando se aproximou das 20 horas e a fila ainda se estendia pelos corredores  e escadarias dos três andares, funcionários começaram a distribuir senha.  A partir desse horário, só  votaria quem tivesse senha e ninguém mais podia entrar no recinto da Câmara.  Até jornalista foi barrado. “Aqui está tudo encerrado”, diziam os guardas na portaria, embora o tamanho da fila indicasse que a votação estava longe de encerrar.

Detalhes do 8 de janeiro reavivam polêmica histórica: Jango errou ao não reagir em 1964?

Um ano depois, estão sendo revelados os detalhes da ação golpista para derrubar o recém-empossado presidente Lula, no dia 8 de janeiro de 2023.

O que fica nítido é a operação canhestra para o golpe, desmontada rapidamente pela reação de Lula e a firmeza das atitudes do secretário da Justiça, Ricardo Capelli.

É inevitável a comparação com o que sucedeu nos dias 31 de março e 1 de abril, de 1964, quando um golpe militar, sem dar um tiro, derrubou e mandou para o exílio o presidente João Goulart.

Muitos protagonistas derrotados em 1964, Leonel Brizola à frente, morreram acreditando que se Goulart houvesse reagido, o golpe não teria se consumado.

Jango (como era chamado o presidente) também estava mal informado por seus assessores militares e, também,  foi surpreendido pela movimentação de tropas.  Mas teve reação oposta à de Lula.

Rejeitou propostas de militares e aliados para enfrentar a rebelião deflagrada em Juiz de Fora e deixou o Rio de Janeiro, deslocando-se para Brasília e depois para Porto Alegre.

Em Porto Alegre, numa reunião dramática na casa do comandante do III Exército, Leonel Brizola, então deputado federal, implorou a Jango que o nomeasse Ministro da Justiça, para que pudesse enfrentar o golpe.

Brizola vinha incitando à reação, desde o primeiro momento. Pregava pelo rádio: “Quero iniciar a derrubada destes chefes militares golpistas e traidores. Atenção, sargentos do III Exército, atenção sargentos das unidades chefiadas por esses militares golpistas. Atenção, oficiais nacionalistas…O povo pede que os sargentos se levantem, tomem os quartéis e prendam os gorilas…tomem a iniciativa à unha mesmo, com o que tiverem na mão, tomem as armas desses gorilas, tomem conta dos quartéis e prendam os traidores”

Jango não aceitou mais uma vez a proposta de reagir, haveria “derramamento de sangue”. Preferiu exilar-se no Uruguai.

O general Olympio Mourão Filho, que botou as tropas na rua no dia 31 de março, registrou em seu diário o quanto era mambembe “Operação Popeye” que ele havia preparado para  deflagrar o golpe.

O golpe militar em 1964 vinha sendo preparado desde a posse de João Goulart, o vice que assumiu ante a renúncia de Jânio Quadros, o presidente eleito. Havia sido adiado pela pronta reação do então governador Leonel Brizola, em 1961.

Hoje se sabe das articulações e do apoio externo, principalmente dos Estados Unidos. Mas, àquela altura, os chefes militares que conspiravam estavam cautelosos e pretendiam adiar o movimento para tomada do poder.

De pijama e pelo telefone, Mourão anunciou o golpe e na manha do primeiro de abril,  botou os soldados do 10º de Infantaria (maioria recrutas)  a caminho do Rio de Janeiro para derrubar o governo. Mourão era um marginal na conspiração. Castello Branco, o líder de maior prestígio entre os conspiradores, ficou em pânico quando soube, achou que Mourão ia por tudo a perder. O general Amaury Kruel, comandante do II Exército, não acreditava: “Isso não passa de uma quartelada do Mourão, não entro nessa”.

Mourão venceu, Jango morreu no exílio, o golpe que era “preventivo”, para punir corruptos e subversivos, se desdobrou numa ditadura que durou 21 anos e que, 60 anos depois, ainda ronda a democracia brasileira, como um fantasma. O 8 de janeiro talvez tenha sido o primeiro passo para exorcizá-la definitivamente.

 

 

Uma história das Mil e Uma Noites: o homem que sonha com um tesouro enterrado

Jorge Luis Borges, o poeta argentino, recolheu do “Livro das 1001 Noites” (noite  351)* a história de um velho rico que havia perdido sua fortuna e teve um sonho: apareceu-lhe um homem que tirou uma moeda de ouro da boca e disse: “Teu tesouro está em Isfahan, vai buscá-lo”.

Ele morava no Cairo (Egito), Isfahan ficava Pérsia (hoje Irã), quase três mil quilômetros, viagem cheia de perigos, pelo deserto e por rotas marítimas infestadas de piradas.

O velho não hesitou. Na mesma madrugada empreendeu a longa viagem e, depois de muitas agruras, chegou a Isfahan. Cansado, dormiu no pátio de uma mesquita.

Na madrugada um bando de ladrões assalta e mesquita e as casas próximas. A polícia vai ao local e encontra o velho dormindo no pátio.  Foi açoitado até desmaiar, para que confessasse.

Quando recobrou os sentidos, foi levado ao capitão e contou sua história: “Um homem ordenou-me em sonho que viesse a Isfahan porque ai estava minha fortuna… vejo que essas fortuna prometida devem ser os açoites que generosamente me deste”.

O capitão deu gargalhadas e contou, ironizando, que ele também, já por três vezes havia sonhado com um tesouro enterrado no pátio de uma certa casa no Cairo. Deu detalhes da casa que lhe aparecia no sonho: um jardim, um relógio de sol no pátio, uma figueira, uma fonte…embaixo dessa fonte estava o tesouro de seus três sonhos.

A descrição  coincidia com a casa do velho. Libertado, ele enfrentou as terríveis dificuldades da volta e a primeira coisa que fez foi escavar embaixo da fonte no seu pátio, onde encontrou incalculável tesouro.

Borges conta essa história para demonstrar como certos mitos, como esse de sonhar com um tesouro, se perpetuam na imaginação dos homens desde eras remotas.

Essa história do homem de 71 anos que morreu em Ipatinga neste início de 2024, procurando ouro enterrado no pátio de sua casa, revela que o mito segue vivo e tem a força de levar um homem à morte.

João da Silva, esse o nome do homem que caiu no buraco de 40 metros, cavado no pátio de sua casa. Um espírito lhe dissera em sonho que barras de ouro estavam enterradas ali.

Segundo os vizinhos, ele vendeu “tudo o que tinha” para abrir o buraco, com 90 centímetros de diâmetro na área de serviço de sua casa.        ´

Ao sair do buraco, João se desequilibrou em uma estrutura de madeira na parte de cima da escavação.
Os bombeiros informaram que o idoso foi retirado sem vida com  fraturas expostas nas duas pernas, fratura no quadril, laceração do abdômen e tronco e traumatismo craniano grave.

*Mil noites e uma noite“, é coleção de histórias e contos populares originárias do Médio Oriente e do sul da Ásia e compiladas em língua árabe a partir do século IX. (Wikipédia)

Balanço de Melo é plataforma para campanha de reeleição

O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, aproveitou o período festivo para apresentar um balanço de sua gestão e projetar as ações para seu último ano, dando sinais de que já está em campanha para a reeleição.

Para apresentar “as principais entregas realizadas nos três últimos anos e, ao mesmo tempo, projetar ações e desafios do quarto ano do atual governo”, a prefeitura promoveu o 3º Seminário de Gestão do Executivo, no auditório do Ministério Público Estadual, na Capital.

O prefeito Sebastião Melo, o vice-prefeito Ricardo Gomes e secretários municipais participaram de dez painéis ao longo do dia,  com temas que configuram uma plataforma.

-mobilidade urbana

-governo para os que mais precisam

-prefeitura perto das pessoas

-capital das parcerias

-cidade amiga do empreendedor

Melo abriu o evento dizendo que, “a gestão municipal tem cumprido o contrato social assumido nas urnas de ser um governo que cuida das pessoas e da cidade, mas que também se preocupa em incentivar o desenvolvimento econômico”.

“Estamos encerrando o terceiro ano da nossa gestão construindo avanços consistentes, de muito diálogo com as comunidades, melhoria dos serviços públicos e vendo a população recuperar a autoestima para ocupar os espaços públicos”, disse o prefeito.

O vice-prefeito, Ricardo Gomes, disse que “o seminário deu a chance de fazer um levantamento rápido do passado e uma projeção aprofundada do futuro”.

“Apesar de ser fim de mais um ano, de forma alguma estamos encerrando o trabalho. Temos um ano inteiro de entregas para cumprir. Até 31 de dezembro de 2024 vamos seguir dando o nosso melhor”. disse Ricardo Gomes.

Entre os projetos citados no evento e que terão sequência no Executivo, em 2024, estão: Escola Bem-Cuidada, revitalização do Trecho 2 da Orla, recuperação do Arroio Dilúvio, ampliação do HPS e contratação de energia limpa por parte da prefeitura.

Durante o evento, o Gabinete de Comunicação Social lançou a sexta edição de sua revista digital, desta vez com o título “3 Anos de Gestão, 3 Anos de Entregas”.

Em 77 páginas, a publicação traz informações detalhadas das principais ações da atual gestão municipal, desde 2021 até o fim de 2023.

(Com informações da Assessoria de Comunicação) 

Cheias do Guaíba inundaram o projeto Cais Mauá  

O governo do Estado adiou pela terceira vez o leilão de concessão do Cais Mauá, remarcando para 6 de fevereiro.

O noticiário oficial informa que  “o adiamento ocorreu a pedido de interessados na concorrência”.

Além dos supostos “interessados”, que seriam três, o secretário Pedro Capeluppi  disse que “vários pedidos de esclarecimentos ao edital vieram “do Piratini”.

O noticiário oficial não informa quais os esclarecimentos pedidos, tanto pelos interessados quanto “pelo Piratini”.

Uma fonte confiável disse ao JÁ que as recentes cheias do Guaíba motivaram os principais questionamentos, para os quais o governo ainda não tem resposta.

Concebido num momento de euforia, em que se cogitou até remover o Muro da Mauá, o projeto prevê nove torres na áreas das antigas docas do porto e a ocupação dos armazéns com empreendimentos privados.

Montado por técnicos do BNDES, prevendo investimentos superiores a R$ 1 bilhão, sendo mais de 300 milhões nas torres nas docas, o projeto para concessão do Cais Mauá ficou na contramão da realidade depois das últimas cheias, quando todo o porto foi inundado.

O projeto sofreu alterações desde sua apresentação preliminar (foto) principalmente em função dos movimentos comunitários e ambientalistas, mas não foi alterado em sua essência de mega-empreendimento imobiliário-comercial

Terá no mínimo que ser repensado depois das enchentes que testaram o muro.

Cais Mauá: projeto prevê seis prédios residenciais e três comerciais na área das docas

Documentário “Imprescindível” mostra luta de Jair Krischke, “o homem que salvou duas mil vidas”

“Jair Krischke, Imprescindível”, documentário sobre o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, tem sessão de lançamento em Porto Alegre, nesta quarta-feira, 13 de dezembro, na Casa de Cultura Mário Quintana.

O filme de 32 minutos mostra a trajetória do líder do Movimento de Justiça e Direitos Humanos – MJDH,
fundado em 25 de março de 1979, quando o Brasil vivia sob uma ditadura militar.

Quarenta e cinco anos depois, Jair Krischke é uma referência nacional e internacional na defesa dos Direitos Humanos.  Durante as ditaduras militares no cone Sul, o MJDH acolheu e protegeu perseguidos políticos de todos os países da América Latina.

Quando recebeu a Comenda D. Helder Câmara, no Senado Federal, em 2011, foi anunciado como “o homem que salvou duas mil vidas”. Foi o inimigo número um da Operação Condor, o sistema repressivo integrado entre as ditaduras latino-americanas, incansável na denúncia de seus crimes e na defesa de suas vítimas.

Quando as ditaduras caíram, ao menos formalmente, ele não descansou, ao contrário, acrescentou  à sua agenda a questão da memória do que aconteceu. “Se os crimes dos regimes autoritários forem esquecidos, eles reformam o discurso e voltam.”

Empenhou-se numa campanha incansável e semeou placas e registros em lugares simbólicos da repressão política – centros de tortura, escolas usadas como presídios para presos políticos, espaços públicos  que foram cenário da repressão.

O título do documentário, concebido e dirigido por Milton Cougo, é inspirado num poema do alemão Berthold Brecht.

SERVIÇO:
Lançamento do documentário Jair Krischke, Imprescindível
13 de dezembro de 2023, quarta-feira
19 horas
Sala Eduardo Hirtz- Casa de Cultura Mário
Quintana- POA

Entrevista Jair Krischke: O risco de se perder a memória das ditaduras

Jair Krischke, 85 anos, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, é personagem do documentário “Imprescindível”, que será lançado nesta quarta feira, 13/11, na Casa de Cultura Mário Quintana.

Reproduzimos a entrevista de Jair Krischke  à Revista JÁ em  maio de 2014.

“Denunciar crimes de Estado e atentados à pessoa é, há meio século, a rotina de Jair Krischke, o incansável presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos. Em sua pequena sede no centro de Porto Alegre, ele abriga um dos acervos mais completos sobre as brutalidades, não só da ditadura brasileira, mas de seus vizinhos.

Nos últimos anos Krischke tem uma outra preocupação: os crimes que se continuam cometendo contra a memória desse período, como forma de apagar ou atenuar os horrores da ditadura. “Sem essa memória estaremos condenados a repetir muito em breve as mesmas barbaridades e os mesmos erros”, disse ele no lançamento do projeto Marcas da Memória, que está colocando uma placa alusiva em cada um dos locais que serviram de prisão e centro de tortura em Porto Alegre. Jair falou ao JÁ sobre a ditadura e  os riscos de se perder sua memória.

JÁ – Há uma ideia de que a ditadura começou branda… a violência veio depois…

Jair Krischke – Esse é um dos mitos fruto do esquecimento, da falta de memória. O golpe não teve enfrentamento armado, mas desde o início foi violento. Um caso exemplar ocorreu aqui em Porto Alegre no dia 4 de abril. O coronel Alfeu Monteiro, comandante do 5º Comando Aéreo, foi metralhado por golpistas. Foi chamado ao QG, para ser destituído de um comando. Quando entrou no gabinete foi assassinado pelas costas, era legalista, em 1961 tinha sido um dos líderes, que impediu o bombardeio do Palácio Piratini. É o caso mais grave. Mas fora isso, as prisões, as perseguições, as torturas campearam desde o início. Centenas de oficiais e sargentos foram presos e expurgados apenas por serem acusados de nacionalistas, brizolistas, janguistas ou comunistas… Dizia-se que era um “golpe preventivo”, para impedir o golpe de Jango… A tese do “golpe preventivo” foi tão trabalhada que no dia 31 de março de 1964 muita gente  acreditava que era mesmo o Jango quem estava dando um golpe. Por que o Meneghetti foi pra Passo Fundo? Não havia a menor razão para sair… Isso ainda não foi bem investigado, mas eu acho que ele não sabia de que lado vinha o golpe e, na dúvida, se mandou…

Acreditas que havia esse plano do Jango?

O Jango nunca teve plano de golpe.  O plano que houve, e muito bem feito, foi para desestabilizar o governo dele, para diminuir, apequenar a figura do presidente, que na verdade foi dos mais habilidosos líderes políticos que tivemos. Nunca foi golpista. Tanto que, quando lhe foi sugerido pelos militares o Estado de Sítio, ele mandou a mensagem para o Congresso… e depois retirou. Isso é ser golpista? Ao contrário, ele segurava os golpistas… O problema é que havia uma ação escancarada com muito dinheiro para desestabilizar o seu governo, inclusive com intervenção americana. Na época já se lia nos muros do Rio: “Chega de intermediários, Lincoln Gordon para presidente”. Hoje está provado e comprovado.

Qual foi o fator decisivo na queda?

São muitos fatores. Mas um que acho deve ser aprofundado é a traição do general Amaury Kruel, comandante do II Exército. Kruel era compadre de Jango. Quando lhe chamam a atenção para o comportamento ambíguo de Kruel nos primeiros momentos do golpe, ele brincou: Kruel não o trairia. Como ia justificar para o João Vicente, de quem era padrinho?  Agora, recentemente, um coronel médico do Exército depondo na Comissão da Verdade em São Paulo contou algo fantástico: que viu duas pastas com dólares entregues por gente da Fiesp para comprar a adesão de Kruel ao golpe. Isso tem que ser melhor apurado, mas independente disso, houve a traição, do compadre! Isso abala moralmente.

O golpe, então, seria preventivo, em seguida viriam eleições…

Sim, aquele primeiro ato que não tinha número porque seria o único, previa eleições, para dois anos, está escrito. Castello assumiria para reorganizar e seriam convocadas eleições. Logo começa a mudar, uma facção militar começa a sobrepujar a outra. Grupos se formam em torno de duas posições: “Brasil Possível” dos civilistas ou “Brasil Potência” dos militaristas. Aí, começa-se a entender porque o hiato vai se estendendo. As eleições não acontecem, as cassações se prolongam, vai se agravando até explodir em 1968, com o AI5, que foi o golpe dentro do golpe.

Em 1966, a morte do sargento Raymundo escancara a tortura…

Sim, mas há um dado interessante aí, era outra situação… a imprensa, que até então minimizava a repressão, não havia censura, mas  a repercussão foi enorme, até provocou uma CPI na  Assembleia, muito bem feita,  os deputados foram muito corajosos, mas aí chega-se em 1968 e termina tudo. Após o golpe, tinha um serviço de inteligência montado pelo Golbery e a partir daí vai se montando um sistema de repressão, assimilando a doutrina francesa desenvolvida na Argélia… É um crescendo: fechadas as portas, os jovens partem para a luta armada, isso vai justificar tudo para combater os “terroristas”.

Os códigos militares foram esquecidos…

Veja só, no Vale da Ribeira eram 23 pessoas, com o Carlos Lamarca. Uma força com milhares de soldados (fala-se em cinco mil) cerca a região, os guerrilheiros escapam. Foram massacrados lá na Bahia, já sem condições de resistir. No Araguaia, mandaram os paraquedistas e nada… era um grupo pequeno, 70 pessoas, foram ficando mais cruéis… Chegaram ao paroxismo.

Foi feito há pouco um levantamento dos centros de tortura…

Pois é, fui surpreendido. No Rio Grande do Sul não foi apontado nenhum. Isto é incrível, porque aqui em Porto Alegre tivemos o primeiro centro clandestino de repressão da América Latina, o Dopinha, na rua Santo Antônio, número 600.

Começou a operar em abril de 1964, oficiais do Exército comandavam as operações de “polícia política”, com policiais civis subordinados a eles.  Contava com um grande número de arapongas e funcionou ativamente até 1966, quando estourou a morte do sargento Manoel Raymundo Soares. Na CPI que investigou a morte do sargento se chegou ao Dopinha. Raymundo passou por lá…

Por que o mataram?

Porque ele não falou. Queriam saber dos sargentos de vários Estados que tinham vindo para cá, para aqui montar um núcleo de resistência com armas e munição… O Raymundo foi atraído para um encontro, foi preso e torturado, não falou, não entregou os companheiros que aqui estavam… Ele foi preso pelo Exército, foi torturado no Dops e levado para a Ilha do Presídio. Tenho a planilha onde há a libertação forjada do Dops. Da ilha foi pro Dopinha, daí ele aparece morto. Dizem que foi afogamento, que escapou ao controle. Acho que não, foi morto na tortura porque não falou. Com este escândalo, revelado na CPI, em agosto de 66 fecha o Dopinha.

E o grupo do Raymundo?

Esse grupo não desanima, essa é a origem da guerrilha de Caparaó. Saem daqui com armas e bagagens para Caparaó.

Eram as guerrilhas brizolistas…

É que havia aqui um grande número de militares nacionalistas, brizolistas, comunistas, e inconformados com o desfecho, sem resistência. Aqui e em Montevidéu, onde estavam Brizola, Jango e centenas, senão milhares de asilados. O caso do Jefferson Cardim Osório, na guerrilha de Três Passos, por exemplo. Com um pequeno grupo, mal armado, ele sai de Montevidéu e atravessa a fronteira para desencadear um levante. Simplesmente, ele não podia aceitar que a ditadura fosse completar um ano sem reação, e partiu pra luta. Foi massacrado.

Aí a tortura foi brutal…

A tortura chega aos quartéis quando os militares adotam o conceito da guerra de contrainsurgência, baseada na experiência francesa na Argélia. Isso tem origens na Escola Nacional de Informações. Antes do golpe, o Dan Mitrione esteve bom tempo no Brasil – Minas, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Há até uma foto dele na frente do Palácio da Polícia… Daqui ele foi para o Uruguai, depois República Dominicana e voltou para o Uruguai, onde os Tupamaros o capturam e matam. Ensinava como obter confissões, inclusive por meio da tortura. Exigia assepsia total na sala de trabalho e não admitia que alguém falasse em espremer os ovos do prisioneiro. “Ovos não… testículos”. A tortura, que sempre existiu, tornou-se mais elaborada, científica… Não é uma barbaridade, é uma técnica. Essa sofisticação não tínhamos.

A justificativa…

A justificativa de que havia grupos armados não serve. Até a guerra tem regras. A Convenção de Genebra condena a tortura, diz que os inimigos mortos em combate têm que ser identificados… No mínimo, foram crimes de guerra, se querem dizer que foi uma guerra… Vítimas que sequer tomaram em armas, o caso do Wladimir Herzog, que não foi isolado… Aqui tivemos o caso do Mirajo Fernandes Simão, recolhido ao xadrez do Dops, também apareceu enforcado com o cinto no trinco da porta.

Há um número final, aceitável, para o total de mortos e desaparecidos?

Nós trabalhamos com números, a norma é a credibilidade. Quanto aos mortos e desaparecidos, 366 nós provamos. Há um número muito maior (quem sabe o que se matou do povo da selva na repressão ao Araguaia?), mas provados são esses. Mas a violência não está só nisso. Está no número de mandatos cassados, quantas pessoas foram presas, muitas sem saber porquê, os processos na Justiça Militar…

O clima de insegurança…

Lembra da piada da época? Um sujeito pergunta: “Sabe da última?”. Outro responde: “Não sei nada, tinha um amigo que sabia, agora não sabem dele”. Eles eram os donos, não podias prever… Sem falar no terror cultural, apreensão de livros… até o Brás Cubas prenderam.

 

 

Herdeiros da lepra: governo quer reparar danos e preservar a memória

O deputado Pepe Vargas, do PT/RS, não precisou escrever mais que três linhas para aprovar o tombamento do Hospital Colônia de Itapuã.

A lei que incorpora o antigo sanatório dos leprosos  ao Patrimônio Histórico do Rio Grande do Sul diz apenas o essencial:

“Art. 1° Fica declarado como integrante do patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul, o Hospital Colônia Itapuã (HCI), situado no município de Viamão. Art.2° Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

O projeto de Pepe Vargas foi aprovado por unanimidade em duas comissões e virou lei no dia 21 de novembro de 2023, quando o plenário aprovou, também por unanimidade.

Pepe Vargas disse ao JÁ que sua iniciativa se insere numa política nacional de reparação das pessoas que foram contra a vontade segregadas nos 26 Hospitais Colônia, criados pelo governo Getúlio Vargas, em 1940, para isolar os portadores da hanseníase, a tão temida lepra.

“Foi uma política higienista, de um Estado autoritário que cometeu uma violência contra essas pessoas arrancadas de suas famílias e isoladas à força. O Estado brasileiro nunca tinha feito mea culpa disso, não havia feito nada para restaurar os direitos dessas pessoas”, diz o deputado.  Ele lembra que foi Lula, em 2007, quem tomou a primeira decisão nesse sentido com o projeto que garantiu uma pensão vitalícia a todas as pessoas confinadas nesses sanatórios, no valor de um salário mínimo. Agora, em projeto aprovado esta semana, Lula estendeu esse direito também aos filhos dessas pessoas, muitos deles nascidos e criados dentro dos sanatórios, em isolamento.

“O Estado brasileiro está reparando esses danos aos direitos humanos, quem vêm desde o Estado Novo”, diz o deputado.

Além de garantir os direitos, o governo pretende salvar a memória desses hospitais que chegaram a ser pequenas cidades isoladas e, hoje, são o símbolos de um tempo,  entre os últimos vestígios materiais do Estado Novo getulista e marca de seu maior fracasso na área da saúde pública.

A orientação no Ministério dos Direitos Humanos é de que todos os ex-hospitais colônia sejam tombados pelo patrimônio público.  O Ministério prevê recursos para fazer um inventário de todos os 26 hospitais colônia, para integrá-los ao patrimônio histórico nacional e estudar alternativas para sua preservação e destinação.

Hospital em Viamão ocupa uma área de 1.252 hectares, uma mini cidade. Foto: Cleber Dioni Tentardini

O Hospital Colônia de Itapuã, na região metropolitana de Porto Alegre, foi o último dos 26 sanatórios para leprosos a ficar pronto, em maio de 1940. Foi construído dentro de uma área de 1.252 hectares, numa região de exuberante Mata Atlântica.

Igreja Luterana, tombada pelo IPHAE. Foto: Cleber Dioni Tentardini

As construções e a parte urbanizada ocupam 15% da área. Além da enfermaria e demais dependências do pequeno hospital, foram construídos no terreno 142 prédios: casas de moradias, instalações de serviços, igrejas, até cassino, muitos em ruínas, todos abandonados. Essas instalações chegaram a abrigar 700 pacientes, cuidados por 100  irmãs franciscanas e outros tantos funcionários, todos morando lá.

Com a disseminação do tratamento e da cura da hanseníase, o HCI foi-se esvaziando à medida que morriam os seus pacientes, muitos nascidos ali dentro ou levados para lá ainda crianças. No total, 2.474 pacientes passaram pelo hospital ao longo de 80 anos. De lá não sairiam, nem mortos.

Os 26 hospitais colônia criados no Brasil para confinar os leprosos surgiram na contramão da história, num momento em que as pesquisas científicas vinham desmistificando crendices antigas em torno da doença. Desde 1873, o médico norueguês Gerhard Hansen havia provado que ela era causada por um bacilo e não um “castigo de Deus”.

Em 1941, já se sabia que a lepra era curável  e que nem todo paciente precisava ser isolado. Em 1985, foi extinta a política de confinamento compulsório dos hansenianos.

Com diagnóstico precoce, a doença era curável e podia ser tratada em casa, mediante alguns cuidados.

Atualmente o HCI tem os últimos três pacientes ex-hansenianos, que impedem o seu fechamento completo. Um convênio entre o governo do Estado e a Prefeitura de Viamão previa a desocupação do hospital até o final de 2023.

 

Desmonte do plano diretor de Porto Alegre começou há mais de três décadas: a cidade perdeu

O que está ocorrendo agora com o Plano Diretor de Porto Alegre é a culminância de um processo que começou há mais de três décadas.

Mais precisamente em 1987 e, ironicamente, num governo trabalhista, de  Alceu Collares, quando o setor imobiliário começou a se impor ao planejamento urbano.

Ironicamente, porque o Plano Diretor de Porto Alegre, pioneiro no Brasil, foi aprovado na gestão do prefeito trabalhista Leonel Brizola, e se tornou referência em termos de planejamento urbano até no exterior.

Os planejadores, uma geração de urbanistas gaúchos que alcançaram projeção nacional, tinham clareza da dinâmica das cidades, tanto que estabeleceram uma revisão a cada dez anos.

O Plano Diretor, concebido pelos urbanistas da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs e chancelado por Brizola, foi aprovado em 1959.

Em 1964 veio  o golpe militar e vieram os prefeitos nomeados. O Plano resistiu, até por que dos quatro mandatos nomeados, dois foram ocupados por Guilherme Socias Villela, economista de grande sensibilidade para as questões urbanas.

Quando voltaram as eleições para prefeito, em 1986, elegeu-se Alceu Collares. O plano tinha quase 20 anos e não passara por uma revisão.  O setor imobiliário acumulara forças e os próprios planejadores reconheciam a necessidade de mudanças adaptativas a uma nova realidade.

Mas o que ocorreu no governo municipal de Collares não foi a revisão de um Plano Diretor da cidade.

O que ocorreu foi o início do desmonte da estrutura pública que garantia um planejamento urbano com alguma independência do setor que obtém seus lucros da venda do espaço urbano.

Os governos petistas (1988/2003) conseguiram conter a onda até por ali.  A revisão de 2009 já foi sob a égide do setor imobiliário.  A partir dali, as revisões foram sendo adiadas, enquanto leis especificas, como a do Centro Histórico e o Quarto Distrito,  iam detonando a ideia de um planejamento que estabelece regras tendo em vista a cidade como um todo.

As cidades são organismos vivos e se reinventam.  Mas colocar o desenvolvimento de uma capital como Porto Alegre sob domínio de um setor econômico, para o qual praticamente não há regras…

RS é o segundo que mais desmatou para plantar: nova fronteira agrícola é o pampa

O Rio Grande do Sul converteu 2,6 milhões de hectares de matas nativas em lavouras, nos últimos 40 anos.

É o segundo, no Brasil, que mais desmatou para plantar, nos últimos 40 anos.

O primeiro é o Mato Grosso, que desmatou 3 milhões de hectares no período.

O terceiro é Bahia, com 1,8 milhões de hectares.

Maranhão (790 mil hectares) e Goiás (550 mil hectares), completam a lista dos cinco estados brasileiros que mais desmataram para conversão direta em agricultura.

Os dados são do  Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas),divulgados na sexta-feira, 6/9.

Esse levantamento precisa ser avaliado com mais atenção; principalmente para o Rio Grande do Sul ele emite sinais preocupantes.

Mato Grosso foi o que mais desmatou, 3 milhões de hectares. Mas Mato Grosso do Sul é nova fronteira, onde o desmatamento praticamente começou nestes 40 anos.

No Rio Grande do Sul o processo é antigo. Esses 2,6 milhões de hectares nativos convertidos em lavouras nos últimos somam-se a uma expansão anterior.

Só a soja por exemplo, que vem dos anos de 1970, já chegou aos 6,5 milhões de hectares de área plantada.

Outro dado que pede relexão: nos últimos 15 anos o eucalipto alcançou 1 milhão de hectares de área plantada.

Um novo zoneamento aprovado recentemente ampliou a área licenciável para plantio de florestas de eucalipto no Estado, para mais três milhões de hectares.

E aí o estudo do MapBiomas acende outro sinal de alerta  para o Rio Grande do Sul|: com a expansão desses 2,6 milhões dos últimos  40 anos, a nova fronteira agrícola é o pampa. É o espaço que resta para a expansão das lavouras e das florestas de eucalipto. É um bioma único, de equilíbrio frágil, estará em risco não apenas a biodiversidade e o solo, como  a paísagem dos campos e das coxilhas  que está no fundo do imaginário do gaúcho riograndense.

RS está em segundo lugar entre estados com maiores áreas de desmatamento para agricultura