pinheiro do vale
A caça às bruxas já começou. Embora o presidente ilegítimo Michel Temer tenha dado garantias de que não passaria o rodo sobre os remanescentes do governo da presidentedeposta Dilma Rousseff, os dedos-duros estão apontando petistas que permanecem nos cargos depois do golpe.
Nesta semana as denúncias começaram a se explicitar. O colunista Cláudio Humberto, jornalista bem informado sobre os bastidores de Brasília está dando nomes e cargos dos remanescentes do antigo regime que ainda não foram afastados, cobrando providências aos degoladores de cargos do Palácio do Planalto.
Os observadores do que estaria ocorrendo nestas águas turvas sugerem que pode ser uma manobra do “centrão” para aumentar a animosidade entre petistas e peemedebistas com a finalidade de torpedear o “acordão” entre os dois maiores partidos no Congresso para a partilha dos principais cargos nas duas casas do parlamento.
Os dois antigos aliados, compostos com o PSDB, haviam chegado a uma fórmula para a divisão do mando no Poder Legislativo. Com isto, deixariam o volúvel “centrão” de fora, extinguindo essa fonte de instabilidades, como se viu na gestão do defenestrado Eduardo Cunha.
A montagem dos grandes partidos é a seguinte: no Senado, PMDB fica com a presidência com o senador Eunício Oliveira, do Ceará, representante do esquema sarneysista, com apoio de Renan Calheiros; a vice-presidência, cargo importante, mas sem poder de gestão, com o senador Paulo Bauer, do PSDB de Santa Catarina, contemplando o Sul. Ao PT caberia a secretaria geral.
Na Câmara, algo parecido: na presidência o deputado carioca Rodrigo Maia, do DEM (ex-PFL), partido satélite do PSDB, algo semelhante ao PCdoB na sua aliança eterna com o PT. O vice poderia caber ao PMDB e a secretaria geral também ao PT. Ao “centrão”, nas duas casas,caberiam as posições periféricas nas mesas diretoras.
Essa partilha de poder é coerente, pois ao PT, partido de oposição, cabe os cargos mais importantes para a administração das duas Casas, enquanto os governistas ficam com o
comando das pautas de votações. Como disse um senador: “A Secretaria Geral é a prefeitura do Congresso”. Ou seja, os secretários gerais administram uma população de mais de 25 mil funcionários, um númer equivalente ao efetivo da Marinha de Guerra ou do tamanho da força de trabalho da Volkswagen. Sem falar do orçamento, maior que de muitas capitais de estados.
Tudo certinho: só faltou “combinar com os russos”. Uma fração do PT não está engolindo o “acordão” da cúpula e ameaça somar-se ao “centrão”, só para complicar a vida do governo, que se veria diante de uma direção incontrolável no Legislativo, tal qual Dilma.
Isto explica a dúvida especulada na abertura desta matéria. Caçando as bruxas petistas o governo estaria criando uma área de atrito que poderia desaguar na implosão do “acordão”, favorecendo o “centrão” e enfraquecendo a esquerda orgânica.
O “centrão”, é bom lembrar, origina-se numa anomalia recente na história política do Brasil. No passado, o poder central já se defrontou com a fragmentação em partidos estaduais, que formavam frentes nacionais, tal como hoje é o PMDB. Este novo bloco, entretanto, deriva de partidos municipais.
As tais legendas de aluguel nascem nos municípios para compor alianças para prefeituras ou abrir espaço para candidaturas avulsas. Quando se apresentam em nível estadual já se transformam num ente esdrúxulo. No âmbito federal, os partidecos se convertem em balcões de negócios, imprimindo um fisiologismo até então desconhecido.
Estas forças, o chamado “centrão”, são insensíveis e impermeáveis ao chamado interesse nacional. Por isto os grandes partidos se propuseram a desidratá-lo e, com a reforma partidária já aprovada no Senado, extinguir de vez.
Nessa reforma não seria difícil acomodar parlamentares despartidarizados nas grandes legendas sobreviventes. Assim como seus partidos de aluguel, também os parlamentares serão sensíveis a convites apetitosos.
O grande problema, aí, não é na direita, mas na esquerda. Como absorver os pequenos partidos ideológicos e históricos?
São históricos porque têm divergências ideológicas de muitas décadas. É uma questão tão grave que já se propôs uma lei especial para eles. Mas se um dispositivo salva um pequeno partido da esquerda, a legislação valeria para a direita. Com isto, a reforma vai por águas abaixo.
Aí está um problema insolúvel. Traz de volta a sentença vocalizada e nunca escrita por Gaspar Silveira Martins: “Ideias não são metais, que se fundem” ou “ Ideias não são metais que se fundem”. Persiste a dúvida da vírgula.
Autor: da Redação
«Grândola Vila Morena»: o hino da contestação portuguesa
A partida de Mário Soares – um dos principais líderes do campo democrático português –, no último dia 7 de janeiro, entristece a todos os democratas. Co-fundador do Partido Socialista português, sua oposição ao ditador Salazar lhe valeu o exílio em São Tomé e, depois, na França, de onde voltou três dias após a Revolução dos Cravos, em abril de 1974. Ocupou o cargo de primeiro-ministro por três mandatos e o de presidente por duas vezes.
O texto que segue, escrito pela professora Maria-Noëlle Ciccia, da Universidade Paul-Valéry, resgata a história e a significação da canção-símbolo da Revolução dos Cravos – Grândola Morena – e presta uma homenagem a este grande personagem da história de Portugal.
Patrícia Reuillard
Maria-Noëlle Ciccia
Em Fevereiro de 2013, no momento em que o Primeiro Ministro português Passos Coelho se preparava para pronunciar um discurso sobre o orçamento diante da Assembleia Nacional, um grupo de manifestantes conseguiu interromper o debate parlamentar durante longos minutos, entoando a canção « Grândola Vila Morena » nas galerias do Parlamento (vídeo). A escolha desta canção de José Afonso não se fez ao acaso. Faz hoje parte do património cultural da democracia portuguesa, sacralizada como hino da contestação, embora não tenha sido concebida com tal objetivo. A letra (poema escrito em 1964 em homenagem à Sociedade Musical Grandolense na ocasião da festa da « Fraternidade Operária de Grândola ») e o caminho percorrido graças à transmissão por agentes ligados à dissidência, deram-lhe o caráter subversivo que ela não aparentava inicialmente.
Posta em música pelo próprio Zeca Afonso em 1971, a canção permaneceu clandestina até que foi escolhida como senha pelos capitães da Revolução dos Cravos do 25 de Abril de 1974. Esse destino sacralizou-a enquanto canção política que faz hoje parte do imaginário da nação portuguesa. Esse imaginário é a utopia de uma revolução militar que derrubou a ditadura salazarista, prometendo futuro melhor ao povo. Mesmo que hoje não se tenham concretizado totalmente os ideais revolucionários da altura, a canção continua divulgando as esperanças de mudança política e social em Portugal.
Existem dois tipos de canções políticas, as que foram escritas com conteúdo expressamente político (como por exemplo, « A Internacional »), e as que são recebidas como políticas sem terem sido concebidas nesse intuito (por exemplo « Lili Marleen »). Por razões diversas, elas tornam-se indissociáveis de um momento intenso da vida coletiva. Assim é « Grândola Vila morena », cuja letra inclui palavras politicamente conotadas quando inseridas no contexto e época em que foram escritas.
A própria música, um cante alentejano de tipo tradicional, remete para um canto popular mas também para um canto litúrgico cantado a capella, por grupos de homens, em comunião, dando-lhe um aspeto sagrado. A rítmica dada pelo barulho das botas dos homens a caminho do trabalho na roça « etniciza » o conjunto e remete para o inconsciente coletivo da população rural, pobre, sofrendo condições de vida difíceis (ver o exemplo neste vídeo ). Assim, Zeca produziu uma canção que, embora fosse criação nova, inseriu-se sem dificuldades no património cultural no seu país porque « falava » ao povo. A transmissão oral das canções populares e tradicionais funcionou também aqui para a reapropriação popular da canção. A performância artística dobrou-se de um forte poder integrador, ligando todas as camadas populacionais à volta de uma canção-património que estabeleceu uma ponte entre a tradição e o momento pré-revolucionário e revolucionário. O vínculo entre música e nacionalismo é muito forte pois a música junta os homens, acompanha as manifestações de massa e difunde o sentimento de pertença. Atua mais no afeto do que na razão das pessoas ; daí, o seu impacto mais forte e durável. Ainda por cima, o cante alentejano acompanha-se do movimento unido do grupo de cantores que se move num ritmo binário (balanço de uma perna sobre a outra), dando potência maior às vozes : esse movimento único remete para a imagem de uma união que parece indestrutível. Assim a canção tornou-se canto mobilizador graças às suas qualidade musicais, capazes de despertar um sentimento de pertença e de união popular.
Mas não se pode esquecer o valor da letra que faz de Grândola, cidadezinha do Alentejo, a metonímia feminizada (« morena ») de um país que confraterniza (« terra da fraternidade ») na união da terra e do povo. O verso « O povo é quem mais ordena » lembra o ideal social das terras alentejanas tradicionalmente comunistas. Mas, além do povo na sua globalidade, cada grandolense também é considerado por si só e como amigo de todos os outros. A letra exprime uma alternância entre individualidde e coletividade que permite a cada um de encontrar o seu lugar numa sociedade em que os valores mais importantes são a fraternidade, a igualdade e a vontade, valores humanos e humanistas que lembram o combate iluminista pela revolução e a democracia.
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Dez dias depois do golpe falhado de 19 de março de 1974, Zeca cantou « Grândola » no Coliseu dos Recreios, a grande sala de espetáculos de Lisboa, no Primeiro Encontro da Canção Portuguesa. Curiosamente os censores da PIDE/DGS deixaram-no cantar como também deixaram os outros cantores entoarem a canção no palco. Esse momento de união foi imediatamente sentido como ato militante pelos espetadores ali presentes que a descodificaram logo como canção comprometida. Receberam-no como uma « proposta política », enquanto a canção apenas evocava a condição do povo em termos gerais e simples, sem convite preciso para a luta. Foi o contexto político que levou a tal fenómeno de compromissão e fez da canção uma tribuna política.
Em Abril de 1974, o processo revolucionário dos militares está lançado. Sendo os meios de comunicação insuficientes, eles decidem usar a Rádio Renascença para difundir a senha da marcha sore Lisboa, a canção « Grândola Vila Morena », às 0 h 20 na madrugada do 25 de Abril. A partir desse momento, a canção torna-se definitivamente subversiva e ainda hoje ao contrário da maioria das canções que dificilmente resistem ao envelhecimento, « Grândola », pela sua aura e força simbólica, continua a gozar de prestígio.
Nos momentos de descontentamento social e político, a canção sai à rua. Assim, em Fevereiro de 2013, começou uma onda de grandoladas (substantivo derivado do neologismo grandolar, que significa vaiar uma personalidade cantando « Grandola » para a impedir de falar). A população portuguesa, exausta pelas medidas de restrição impostas pelo governo de Passos Coelho, manifestou o seu descontentamento repetidas vezes. Para tal, não usou o hino oficial português mas, sim, « Grândola » como hino de união nacional. Também nos cartazes dos manifestantes nas ruas, pôde-se ler na altura « Que se lixe a Troika [o FMI, o BCE e a União Europeia]. O povo é quem mais ordena ». « Grândola », ficou hino da revolta, da reivindicação social, institucionalizado numa tradição em Portugal. Pacificamente, a canção tem-se tornado arma de combate para a maior parte da população. Exerce um efeito igualizador, suprimindo a diferença entre as camadas populacionais. O intérprete da canção já não é Zeca Afonso mas o povo português. Arma perfeita porque não violenta, ela consegue mandar calar os homens políticos, reivindicando os valores de uma democracia de que eles próprios se declaram partidários : só podem calar e sorrir. Assim conclui Leonete Botelho : « Como se controlam manifestações avulsas, espontâneas e desenquadradas politicamente ? Não se controlam. Evitam-se. Não fechando as portas dos palácios, porque elas não serão suficientes para conter a indignação. Nem evitando os contactos com as pessoas, porque a sua voz virá sempre pelas ondas hertzianas e electrónicas ».
Atentado de Berlim confirma a verdade de Goebbels

O atentado de Berlim, às vésperas do Natal, reafirma a tese consagrada pelos nazistas. Ela diz que uma mentira contada uma vez continua sendo uma mentira mas, contada mil vezes a mentira se torna verdade.
Seu autor foi o ministro da Propaganda do III Reich, Joseph Goebbels, um pioneiro da manipulacão da mídia de massa. Olhando com calma para os detalhes do ataque recente é inevitável ver na narrativa da imprensa um desafio à verossimilhanca e uma prova da maleabilidade da verdade factual.
Na reportagem “ao vivo via Internet” no Jornal Nacional (http://www.youtube.com/watch?v=U-4x7PDuUAg) fica clara que a intencão de “vender a notícia” se sobrepoe à precária atividade de apuracão dos fatos.
O jornalista da Globo se esmera em construir sua estória com pouquíssimas informacões, dando espaco a “rumores”, entre eles o de que “o Estado Islâmico” teria assumido” a autoria do atentado. Até hoje essa informacão só foi confirmada por páginas de neo-nazistas em redes sociais.
A cobertura oficial da mídia alemã nao ousa tanto, mas quem acompanhou o notíciário desde os primeiros momentos pôde perceber a manipulacão. A primeira delas relacionada à dúvida de que se tratava de um acidente. Nas primeiras 24 horas depois da tragédia nenhum político alemão se atrevia a falar em atentado. Por que?
O caminhão entrou por uma avenida altamente movimentada que desemboca em um cruzamento de outras avenidas importantes e cortou apenas uma pequena ponta do mercado de Natal, parando no meio de uma outra avenida transversal.
Se tivesse realmente a intencão de matar o maior número possível de pessoas, como terroristas normalmente fazem, poderia ter cortado o mercado de fora a fora, aumentando em dezenas de vezes o número de vítimas.
O quase acidente foi uma questão de poucos segundos. Os primeiros policiais que chegaram ao caminhão encontraram o banco do motorista vazio. No banco do passageiro estava um homem sem documentos morto com um tiro na cabeça.
Nas primeiras horas, ninguém sabia de quem era o corpo encontrado, e nem mesmo a causa da morte, visto que ao invadir o mercado o caminhão teve o parabrisa estilhaçado. Tudo eram suposicoes. Uma das poucas certezas era a de que quem conduziu o veículo por cima do público havia fugido sem deixar vestígios.
Ao lado do mercado de natal fica uma das mais importantes estacoes de trens, metrôs e ônibus da cidade, a Zoologischer Garten. Curiosmente a polícia assumiu que o suspeito tinha fugido a pé. Deu o alarme geral e prendeu nas primeiras horas um refugiado paquistanês nas imediacoes do parque Tiergarten, a poucos quilômetros de distância do local do ataque.
Por 24 horas o gaiato do Paquistao foi troféu da eficiência policial berlinense. Depois de apanhar durante o interrogatório (http://www.zeit.de/gesellschaft/zeitgeschehen/2016-12/anschlag-berlin-vorwuerfe-polizei-dementi) ele foi solto por ter provas e várias testemunhas de que nao estava nas proximidades quando ocorreu o crime.
Assim que a notícia da liberacao do primeiro suspeito circulou, “novos indícios” sobre o autor do atentado surgiram pela mao da polícia federal do país. Os fatos apresentados em seguida parecem tirados de um filme de James Bond e semelhancas com outros casos de terrorismo nao parecem ser mera coincidência.
A essa altura, dois dias depois do atentado, já sabendo que o corpo encontrado dentro da Scania era o do verdadeiro motorista, as autoridades apresentaram a identidade do terrorista. Um jovem Tunisiano, Anis Amri. Ele estava na Europa como refugiado desde 2011. Acusado de arruaça e pequenos crimes ficou preso na Italia por quase três anos, onde continuava procurado por seu envolvimento com islamistas. O argumento é de que ele tinha se radicalizado na prisao.
No primeiro semestre de 2016, Amri fez seu pedido de asilo em Berlin. Em Julho o pedido foi negado, e desde setembro ele estava desaparecido. Anis Amri completaria 25 anos três dias depois do atentado.
Todas essas informacoes sao oficiais (http://www.zeit.de/gesellschaft/zeitgeschehen/2016-12/berlin-breitscheidplatz-gedaechtniskirche-weihnachtsmarkt). Como eles chegaram à identidade do Tunisiano? Óbvio, durante a eficiente acao terrorista ele deixou cair dentro do caminhao a carta do governo alemao com o pedido de asilo negado. Parece mentira, mas é essa a versao oficial.
Ou seja, o terrorista nao esqueceu de dar fim na identidade do verdadeiro motorista da carreta executado, visando dificultar a investigaçao do caso, mas lembrou de esquecer um pedaco de papel para lhe incriminar. Amri foi morto pela polícia em Milao, na Italia, exatamente na data do seu aniversário, e um dia depois do seu retrato circular pelos tablóides sensacionalistas da Alemanha. Caso encerrado.
Mais interessante ainda sao os desdobramentos da história. Na Alemanha, o atentado botou lenha na fogueira do debate sobre os refugiados. A primeira ministra Angela Merkel (CDU), ja anunciou medidas para acelerar ainda mais a deportacao de refugiados que tenham seu pedido de asilo negado. O ministro do Interior, Thomas De Maizière (CDU), aproveitou para propor uma reestruturacao do aparato policial do país, visando dar mais poder e agilidade ao governo federal. Até o prefeito de Berlim, Thomas Müller (SPD), saiu defendendo um maior controle através de câmeras de seguranca em locais públicos. Tudo muito conveniente para o ressurgente discurso nacionalista.
Vale lembrar, que a área onde o ataque aconteceu, é cercada por centros de compras, cafés, restaurantes, lojas de grife, cinemas e hotéis. Cada estabelecimento ali já tem sua própria câmera de seguranca. É estranho que nenhum dos equipamentos já instalados nessa área tenha pego o momento do atentado. Sem falar que, com ou sem câmeras, ninguém poderia prever ou evitar o ocorrido.
Mas a propaganda da imprensa vai em outra direcao. Parecem seguir deliberadamente uma cartilha política onde refugiados sao quase sinônimo de criminosos. O jornal sensacionalista “BZ” estampava em sua capa do dia 22 de dezembro a cara de Anis Amri com a manchete: “Eles conheciam ele e nao fizeram nada”. A frase cabe como uma luva no fato de muitos refugiados continuarem na Alemanha ilegalmente depois de terem o pedido de asilo negado.
A centenas de metros da praca onde estava montada a feira de Natal existe um alojamento coletivo onde estao concentrados cerca de 1.300 refugiados de diversas origens. Ali moram homens, mulheres e criancas desprovidos de conforto, seguranca e privacidade. Logo depois do caminhao atropelar 12 pessoas na praca, o alojamento foi invadido pela polícia de Berlim em busca de suspeitos. Como a polícia concluiu que lá poderia estar algum suspeito do atentado continua sendo um mistério.
PDT: sonhos de uma noite de verão
Pinheiro do Vale
O presidente nacional do PDT, Carlos Luppi, entrou na primeira noite do verão de 2016/17 sonhando arrebatar a bandeira da esquerda das mãos do ex-presidente Lula, aproveitando-se que o fundador do PT está meio combalido pelo cerco implacável à sua pessoa e seu partido ainda lambe as feridas do desastre eleitoral do último pleito municipal.
Passo a passo, o político carioca vai pavimentando seu caminho. De início fechou questão com a resistência ao golpe, mas com ressalvas: não impôs posição partidária à bancada, pois poderia cair do cavalo. Deixou a bola passar pelo meio das pernas: os três senadores do PDT votaram contra Dilma no impeachment. Luppi engoliu em seco.
Nesse mesmo tempo lançou um candidato presidencial para enfrentar ou, conforme o caso, tomar o lugar do PT na cabeça de chapa para 2018, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes.
Nesta virada de ano, quando se inicia a formação das candidaturas presidenciais, Luppi aumenta o tom de suas advertências aos dissidentes, ameaçando-os de expulsão, em pronunciamentos públicos, mas sem admoestar nenhum deles oficialmente.
Não há um papel do partido traçando limites ou orientando seus parlamentares nas votações.
O passo seguinte virá neste verão: limpar a área de nomes incômodos para receber as adesões da esquerda parlamentar.
No Senado o PDT já se livrou de quatro cadeiras incômodas: as duas do Distrito Federal, Cristovam Buarque (foi para o PPS) e José Reguffe (sem partido), e o mineiro Zezé Perrela, que pousou seu helicóptero no PTB. Nesta quarta-feira, o gaúcho Lasier Martins se antecipou às ameaças de Lupi e pediu sua desfiliação.
Faltam dois: Telmário Motta, que acusa o PT de Roraima de traição ameaçando romper a aliança estadual e Acyr Gurgacz, estrategicamente em licença. Os dois também apoiaram o golpe na cassação da presidente Dilma Rousseff.
O sonho de Luppi é estar com seu cavalo cearense na ponta dos cascos, no partidor, quando a candidatura do ex-presidente Lula sucumbir ao cerco de ameaças de forças hostis combinadas para torná-lo inelegível.
Há, entretanto, uma pedra no caminho do chefão pedetista: em seu próprio estado, o Rio de Janeiro, está o chefe da resistência parlamentar e líder inconteste da oposição ao governo ilegítimo, o senador Lindbergh Farias. Livre concorrência.
Luppi e Lindbergh procuram avançar um sobre o terreno do outro. Luppi tem uma bancada que vai da direita à esquerda, busca colher frutos no petismo envergonhado; Lindbergh propõe uma frente de “salvação nacional” encabeçada pela esquerda, procurando aliança no “centrão” decepcionado. É uma briga de foice no escuro.
Tudo isto vai se mostrar as claras assim que sair a tal reforma política, que extinguirá, na prática, os pequenos partidos. PDT e PT serão legendas de tradição esquerdista sobreviventes e devem estar prontas a receber minipartidos, ditos de aluguel, que estão à procura de um pouso.
A grande dúvida é se Luppi conseguirá abocanhar os quadros do PT e seus aliados tradicionais. O chefe pedetista está de olho na inelegibilidade de Lula. Entretanto, o ex-presidente ainda não mostrou suas cartas. Ele é um dos políticos mais hábeis da História do Brasil.
Lula não joga para a torcida. No último episódio crucial, o impedimento judicial do presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente manobrou no sentido de evitar a desestabilização precipitada do governo de Michel Temer. No quadro atual, melhor deixar o presidente ilegítimo sangrar.
Enquanto se esvai, Temer leva consigo o PSDB para a vale de lágrimas. Cada dia seu governo fica mais tucano e menos peemedebista. Parece uma jogada maquiavélica, pois isto poderia reconfigurar uma futura aliança eleitoral do PMDB com o PT, a fórmula vencedora das últimas três eleições presidenciais. Não se subestime a capacidade de manobra de Lula. Tampouco se esqueça do nome de Henrique Meirelles.
Luppi é ingênuo ou arrojado? Ingênuo se acreditar que pode engolir o PT; arrojado se acredita que Ciro Gomes poderá empolgar a esquerda, atraída no vácuo da inelegibilidade de Lula?
A verdade é que as cartas não estão embaralhadas, como se pensa a olho nu. Como diz o velho conselheiro Acácio: “Quem ver verá”
O golpe encalacrou-se
Pinheiro do Vale
“Fica Temer” é o novo bordão das forças progressistas. O repetido “Fora Temer” do passado distante agora é o lema da direita golpista. Não há política mais dinâmica que em nosso País.
O presidente ilegítimo começa a cair enredado pela política econômica e propostas de arrocho de seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, antiga tábua de salvação rejeitada em boa hora pela presidente Dilma Rousseff.
Abraçado pelo governo golpista, Meirelles revelou-se o fracasso antevisto por Dilma, que o rejeitou.
No campo político, as chamadas forças consistentes do Congresso se uniram em torno do nome do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para patrolar o Centrão. Outro golpe errado da base de apoio de Michel Temer.
O Centrão, invicto, já derrubou o nome tucano Antônio Imbassahy, para a coordenação política do governo, e parece que vai varrer do Palácio do Planalto os últimos peemedebistas do chamado núcleo duro. Temer fica sozinho.
Ruim com ele, pior sem ele. Eleição direta e solteira já é uma assombração que ressurge com o fantasma de Marina Silva; eleição indireta é o caminho mais curto para a ditadura. É o que dizem.
No caso da indireta, as chamadas forças políticas já detectaram que não há remota possibilidade de botar no Planalto um nome de consenso, nem mesmo entre a direita.
Os mais afoitos apresentam o gaúcho Nelson Jobim, ex-político com algum trânsito em várias correntes, pois serviu a todos os governos, inclusive no primeiro mandato de Dilma. Não passa no Centrão nem nas extremidades da esquerda ou, até, da direita hidrófoba.
A direita saudosista vocaliza o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Há muito tempo ele ainda poderia ser chamado, tal como o velhinho da montanha. Atualmente, está tão envolvido no governo Temer que já não compõe unanimidade entre as forças golpistas.
A solução seria uma não-pessoa, um ser institucional. Vingava a ideia de ressuscitar a fórmula de 1945, entregando o Executivo para uma transição capitaneada pelo Supremo Tribunal Federal.
A ministra Cármen Lúcia era o nome ideal: solteira, antiga adepta da Tradicional Família Mineira, jurista de escol e intransigente. Entretanto, ela pisou na casca de banana Renan Calheiros, colocada à sua frente pelo ministro Marco Aurélio de Mello. Salvou a República, mas caiu de nádegas.
Esgotadas todas as alternativas, restaria a velha e clássica fórmula que vem desde Dom Sebastião e entrou no dito popular: chame o bispo.
Solução difícil. Ficando apenas no catolicismo também, há dúvidas: seria o cardeal primaz do Brasil, Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, arcebispo de Salvador? Ou o prelado que tem o comando efetivo, o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odílio Pedro Scherer? Como tertius poderiam chamar o cardeal do santuário nacional, Aparecida, Dom Raymundo Damasceno Assis, que fez quase toda sua carreira eclesiástica em Brasília? Há divergências entre o clero.
Isto para não falar do leque de opções luteranas e pentecostais, na área cristã, antes de chegar a outras confissões reconhecidas oficialmente de seitas afro-brasileiras, judaicas ou islamistas. Também não dá.
Talvez a solução fosse buscar Dom Pedro em Petrópolis. O novo herdeiro é brasileiro nato (seu pai nascera na França), foi simpatizante da VPR nos anos 60, quando era estudante de Agronomia em Piracicaba (na Luiz de Queiroz), apoiou publicamente a República no Plebiscito, graduado engenheiro florestal e ecologista militante.
O golpe encalacrou-se. Como dizia o Conselheiro Acácio: “As consequências vêm depois”.
Meu amigo Ferreira Gullar
ERIC NEPOMUCENO
Foi numa noite de 1975. Não lembro o mês. Foi em Buenos Aires. Tempos de exílio, tempos sombrios. Lembro que Eduardo Galeano ligou dizendo que encontraríamos um desconhecido que, diziam, era um grande poeta. Lembro de ter dito a ele que era, sim, um grande poeta.
Mas o que mais me lembro, a imagem mais permanente na memória, é a de um homem triste. Naqueles meus anos jovens, eu nunca tinha visto alguém tão triste. Mais triste que Ferreira Gullar.
Tinha cabelos negros que caíam como um véu sombrio sobre seu rosto. Falava numa voz baixa e grave. De repente, ria um riso estranho. Um riso nervoso.
Ele vinha de muitos exílios, muitas derrotas. Vinha do Chile de Salvador Allende. Vinha do golpe traidor de Augusto Pinochet, vinha da morte de Allende. Vinha de sonhos frustrados, roubados. E perguntava, perguntava coisas, queria saber. Era como alguém que queria respirar vida.
Anos depois, muitos, voltamos a nos encontrar, no Brasil. E o que agora lembro eram nossos almoços na casa de Vera e Zelito Vianna, ou de quando ele vinha à minha casa, e eu cozinhava e ele gostava, ele e Claudia.
Ferreira Gullar, meu amigo que foi o ser vivo mais triste que vi na vida quando éramos jovens, quando vivíamos os anos jovens, foi também o último grande poeta do idioma que falamos no Brasil.
Era uma espécie de Juan Gelman em português, capaz de em uma ou duas ou três frases fazer desatar temporais de emoção, de vida.
Lembro da noite em que ele, com aquele ar mais triste e mais raivoso do mundo, leu:
Turvo, turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
Menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menor que fosso e muro: menos que furo
escuro
Era o começo do Poema sujo. Era só uma casa, um apartamento modesto na Buenos Aires dos nossos anos jovens. Era a vida, era o mundo.
Sim, sim, voltamos a nos encontrar, anos depois, no Brasil, neste Rio de todos os janeiros. E nos vimos um sem fim de vezes, na minha casa, na casa dele, na casa de Vera e Zelito Vianna.
Uma vez, ouvi dele uma frase definitiva. Gullar falava da poesia, da arte. E disse: “Por que a poesia, a arte? Porque a vida, só, não basta”.
Outra vez, com meu filho Felipe, ouvi outra frase: “Ontem, tive uma discussão com a Claudia”, que era sua derradeira e permanente namorada. “E ela foi embora, e num primeiro momento me senti cheio de razão. E aí cheguei à conclusão: eu não quero ter razão, eu quero é ser feliz. E liguei para ela”.
Foi talvez o último grande poeta não só do Brasil, mas do idioma português. Um dos últimos grandes poetas dessas comarcas que chamamos de América Latina.
Agora que ele se foi, dirão essas louvações, e muito mais.
Eu fico aqui lembrando sua figura esquis, seu corpo frágil, sua magreza quase mística, seus olhos faiscantes.
Fico lembrando daquela figura triste, triste, de um mês qualquer de 1975, numa Buenos Aires perdida para sempre. E que era capaz de escrever coisas assim:
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Outra parte de mim
é multidão:
outra parte, estranheza
e solidão
A última vez que ele e Cláudia vieram em casa, faz um bom tempo, preparei camarões. E depois dessa vez, quando nos víamos, ele dizia: “Cadê aqueles camarões?”.
Essa, eu fiquei devendo.
Mas ele ficou me devendo muito mais. Ficou devendo aquela parte dele que era multidão.
Temo pela democracia
RAUL ELLWANGER
Temo pela Democracia. Estamos na beirinha de uma paralisia institucional. Facções da casta predadora estão engalfinhadas em luta feroz pelo governo-poder. Usam seus já nada ocultos operadores no Legislativo, Executivo, Judiciário, MPF e especialmente na ditadura atual de uma só família sobre a opinião pública brasileira.
Os interesses e os operadores se cruzam e confundem de tal modo, que fica difícil entender a situação. Uma iniciativa simpática é motorizada por gente do pior calão. Uma iniciativa perversa é apoiada por gente boa.
Temo pela república – a desordem e o choque de interesses disfarçados atrás de cada um dos poderes estão quase transbordando as taças. A casta rica e predadora está arrastando o país, sua jovem democracia, ao fundo do poço.
A casta (e seus sub ramos) se lançou em uma aventura , a partir de derrota de Aécio, que inaugurou uma etapa de solavancos e tsunamis, Agora pilota um barco incontrolável, sem presidência legitima, sem legislativo prestigiado, sem judiciário confiável.
O Poder está sem poder, ele liquidificou o poder moral que tinha ante a nação, levando ao descrédito generalizado. A república é um consenso, em que os cidadãos se colocam de acordo num projeto e plasmam isso numa Constituição. A nossa está em frangalhos.
A casta é aventureira e irresponsável, inclusive quanto a seus próprios interesses. Está mostrando seu fracasso e sua fraqueza. Não sabe oferecer ao país um projeto pelo menos aceitável, não o tem. Ela mesma não se aceita, e arrasta o Brasil para o precipício.
Em 1870, o povo simples de Paris pulverizou o império. No Brasil de 2016, os bem vestidos, bem togados, os bens remunerados, empreiteiros, financistas e sua coorte de interessados, estão pulverizando a República. O povo assiste imóvel.
Depois ? Depois temos Heidrichs, Mussolinis, Hitlers, Videlas, Garrastazús, Francos, Salazares: toda a fauna treinada para fazer o serviço sujo e pesado, se a casta não tiver outra saída. Temo pela Democracia.
Extinguir a FEE é uma agressão ao povo gaúcho
Há 25 anos, tive a honra de assumir a Presidência da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, a FEE, cargo que ocupei por dois anos. Vivíamos um momento difícil para o sistema de estatística nacional, pois o então Presidente Fernando Collor havia decidido, com o objetivo de reduzir gastos da União, promover cortes expressivos no orçamento e no quadro funcional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Pesquisadores e gestores públicos que viveram aquele período conhecem bem os estragos resultantes, sendo a não realização do Censo Demográfico em 1990 um dos mais eloquentes.
Em 21 de novembro de 2016, o governador Ivo Sartori, em uma repetição trágica e tão equivocada quanto aquelas decisões do Governo Collor, anunciou a extinção da FEE, no âmbito de um pacote de privatização de fundações e empresas no Estado do Rio Grande do Sul. Essa decisão causará uma irreversível destruição do sistema de estatísticas gaúcho, e terá um impacto irrelevante sobre as contas públicas pois a FEE custa menos de 0,08% do orçamento do Estado.
Por 43 anos, a FEE tem produzido estatísticas e indicadores metodologicamente consistentes e socialmente confiáveis, atributos fundamentais a um instituto público de pesquisa. Se hoje o Rio Grande do Sul dispõe de uma matriz insumo-produto, de indicadores sobre o agronegócio, de estimativas do PIB, de índices de vendas no Comércio e na Indústria, que permitem conhecer a estrutura produtiva do Estado e direcionar as políticas de estímulo à produção, é porque a FEE os produz. Se dispomos de estimativas municipais de população, que propiciam conhecer a demanda por serviços públicos pelos gaúchos, para atendê-los mais adequadamente, é porque a FEE as organizou. Se temos o retrato do mercado de trabalho metropolitano, é porque a FEE o constrói, mensalmente.
Para produzir todos esses indicadores, a FEE estabeleceu parcerias com instituições e órgãos governamentais, além de órgãos de representação setorial, gaúchos e nacionais. Destaco essas parcerias porque elas são expressão do respeito que a FEE construiu junto à comunidade científica e estatística, aos gestores públicos e à sociedade gaúcha ao longo de sua história, além de mostrarem o empenho do corpo técnico da instituição para dialogar e construir indicadores capazes de retratar, da forma mais adequada possível, a realidade que os atores envolvidos querem e precisam conhecer.
A proposta de extinção da FEE é, por todos os ângulos que analisemos, um enorme equívoco. Mais que um equívoco é um grave dano ao Estado e à sociedade gaúchos. Séries históricas se perderão, informações necessárias ao planejamento das ações públicas deixarão de existir, o conhecimento sobre a realidade produtiva e social do Estado escasseará. Quando o governo ou a sociedade quiser planejar suas ações, fará o que? Contratará empresas de consultoria privadas, que cobrarão pelos serviços que antes eram prestados, com autonomia e qualidade, pela FEE?
Cabe perguntar por que a extinção da FEE? Por que esse verdadeiro atentado ao patrimônio dos gaúchos já que a extinção da FEE não contribui para a melhoria das contas públicas? Será a dificuldade de lidar com a transparência que os dados trazem?
Infelizmente, a conjuntura recente tem se mostrado pródiga em pontes e caminhos que prometem o futuro, mas nos conduzem a um passado que o Rio Grande do Sul e o Brasil não merecem reviver.
Como gaúcha por adoção e como parte do corpo técnico dessa brilhante instituição, me somo a todos que, neste momento, bradam contra a extinção da FEE. Devemos nos opor, mobilizar a sociedade e nossos representantes na Assembleia Legislativa, para evitar que, em nome de uma economia pífia de recursos, comprometamos o conhecimento da realidade do Rio Grande do Sul. É hora de mostrar “valor, constância, nesta ímpia, injusta guerra”.
(Publicado originalmente no Sul21)
50 Tons de Rosa, referência para jornalistas do mundo todo
José Antonio Severo
Segunda metade dos anos 70. O Brasil ferve com a “abertura lenta, gradual e segura” da dupla gauchesca Geisel/Golbery. A juventude esperneia e vai empurrando a censura. A imprensa alternativa atinge seu auge. Jornaizinhos críticos, mal-humorados ou satíricos dão dor de cabeça ao governo. Dentre todos, o nanico mais surpreendente não saiu do Rio ou São Paulo, foi mais arrojado que o celebrado Pato Macho, de Porto Alegre: assim era o improvável “Triz”, escrito e editado em Pelotas em outubro de 1976.
Triz até hoje é um espanto e uma referência. Ribombou em todo o País: foi matéria de página inteira na Veja. Esse jornal foi o epicentro de um vulcão cultural que jorrou uma geração de brasileiros notáveis.
É isto que mostra o livro recém-lançado com um título desafiante: 50 Tons de Rosa. Pelotas no tempo da ditadura.
Entretanto, não é uma obra saudosista. Pelo contrário: compõe uma coletânea de relatos vivos de uma geração. Seus autores são as próprias personagens.
Centrado na cidade de Pelotas, nas vidas e vivências de um grupo de jovens, 50 Tons é um trabalho de alcance nacional. Ali está o Brasil daqueles tempos, emergindo de uma mocidade bem-humorada e confiante.
Apesar do que sugeriria o título, recupera tempos inesquecíveis, memórias joviais, tempos de irreverência, de otimismo, de confiança no futuro.
Seus autores-personagens trazem de volta aqueles tempos com recordações bem-humoradas, sem mágoas. As páginas transbordam com a jovialidade, com as peripécias dessa rapaziada que enfrentava os costumes e as repressões inúteis daqueles tempos de chumbo. Chumbo dourado.
A maior parte dos autores-personagens converteram-se em referências nacionais em suas áreas de atuação, a maior parte, evidentemente, na imprensa. Nos velhos tempos eram estudantes universitários das universidades locais, Federal e Católica.
Os primeiros passos dos que vieram do jornalismo foram na redação do vetusto Diário Popular, naqueles tempos comandado por uma figura fascinante, seu chefe de redação e professor do curso de Jornalismo da UCPel, Joaquim Salvador Coelho Pinho.
Pinho, como era chamado por seus alunos e funcionários, é uma figura emblemática da imprensa daquela fase em que a imprensa se renovava sob a batuta de grandes condottieres: Mino Carta em São Paulo, Alberto Dines no Rio, a famosa reportagem da Folha da Tarde dos estagiários do Walter Galvani. Pinho foi um desses reformadores da imprensa, tão carismático, renovador e valente como seus colegas dos chamados grandes centros, conforme o relato.
Esses testemunhos são valiosos e críveis, devido à projeção que a turminha da gurizada de Pelotas veio ter nas diversas áreas em que atuaram dali por diante, nos grandes centros brasileiros. Embora a maior parte fossem jornalistas, outros saíram por outros caminhos e foram profissionais de grande destaque nos seus mercados.
Não seria justo destacar nenhum dos autores, por ser injustiça com os demais. Neste espaço exíguo de um veículo de internet não se pode alongar. Citamos apenas o organizador (e autor de várias partes do livro), Lourenço Cazarré. Entretanto, não se pode omitir seus nomes. Portanto, por ordem de entrada em campo: Lourenço Cazarré, Vitor Minas, Rubens amador Filho, Geraldo Hasse, Luiz Lanzetta, Ayrton Centeno, Ênio Squeff, Carlos Morais, Marcius Cortez, Lúcio Vaz, Kledir Ramil, José de Abreu, José Cruz, Marcos Macedo e, um autor oculto, pois sua presença emana do livro, Laerte Mário Pedrosa.
É muita gente boa. Pelotas deve tremer na base até hoje, pois não é fácil para uma comunidade ter uma galera destas em campo ao mesmo tempo.
O livro tem de tudo. É a história de um grupo de rapazes, é a reportagem sobre uma cidade nos tempos da ditadura, é o Rio Grande e, além de tudo, um quadro do Brasil, com pinceladas de arte, racismo, ditadura, imprensa, vida acadêmica, frescura e todos os temas que se possa imaginar.
A vontade é escrever sem parar, pois a leitura é veloz devido ao texto escorreito dessa turma. O livro é lindo, uma obra de arte gráfica. A capa é de um dos redatores, Ênio Squeff. 50 Tons de Rosa é um livro de referência para jornalistas de todo o mundo, uma obra imperdível para brasileiros, essencial para gaúchos e uma ameaça aos pelotenses.
Belo livro, em todos os sentidos. Leitura obrigatória.
Raul Seixas, o “Monstro Sist” e o conformismo
O sistema – enquanto engenharia social montada para submeter os menos conscientes aos ímpetos dos poderosos – produz seres previsíveis e infelizes, porém conformados: pessoas que praguejam por não gozarem do melhor emprego, por não ganharem os melhores salários, por não comprarem os melhores carros, pelas injustiças… mas é só chegar o final de semana – e seus goles de esquecimento – que tudo fica “globeleza”. Insatisfeitos mas obedientes, aceitam manter o “silencioso desespero” de suas vidas, como dizia Thoreau.
A Arte é um dos presentes dos Céus para chacoalhar as estruturas da sociedade quando seus integrantes se encontram alheios às infinitas possibilidades que a vida proporciona. Raul Seixas (28/07/45 a 21/08/89) foi um desses artistas que fizeram da arte uma espada para combater a hipocrisia e transmitir os valores de liberdade e coragem, que nortearam sua passagem por este planeta.
Com temas irreverentes e profundos e uma ousadia rítmica que unia vertentes distantes como Xaxado e Rock and Roll, a música de Raulzito, como também era chamado, seduziu milhões de fãs pelo “som” e o conteúdo originais. Mais do que palavras bem colocadas, suas letras inspiravam as pessoas a questionarem a ordem estabelecida e a buscarem um caminho alternativo às conveniências do sistema, ou o “Monstro Sist”, como tratava.
A canção “Ouro de Tolo” é uma das obras que condensam o espírito contestador do “Maluco Beleza”. Versos como “Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar” e “Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado” são um tapa na nuca dos reféns da mesmice cotidiana.
O mais impactante para o paradigma vigente, porém, ele deixa para o final: convicto da existência de seres inteligentes provenientes de outros planetas, termina a letra da música com uma provocação inquietante para os que preservam pelo menos um pouco da curiosidade dos grandes homens: “Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador”.
Com todos os seus erros humanos, o baiano Raul Seixas foi um desses raros exemplos de artistas que conseguiram fazer do próprio ofício um instrumento para alertar os que, apesar de todo sofrimento, persistem “bravamente” na zona de conforto. (Na maioria das vezes, é o próprio sistema que se vale da influência da arte para propagar a programação mental que mais lhe convém.) É urgente o surgimento de artistas com a coragem e o talento de Raul Quem sabe assim o algo mais substantivo possa ser feito contra o “Monstro Sist”.