As eleições do desencanto com a política e da ilusão com os “não políticos”

Benedito Tadeu César
Cientista político e professor da UFRGS
Diferentemente do que noticiou a grande imprensa corporativa e do que tentam nos fazer crer alguns analistas oficiais, o resultado do 1º Turno das eleições municipais de 2016 não representou a vitória das forças políticas que depuseram Dilma Rousseff e que se dedicaram ao aniquilamento do PT e de seu projeto de governo e de país.
O resultado expressou, em primeiro lugar, o desencanto com as instituições políticas e, ainda, o crescimento de candidaturas apresentadas como “antipolíticas” ou “novas” na política.
O somatório das abstenções (não comparecimento), dos votos brancos e dos nulos, que em ciência política é denominado de alienação eleitoral (com o significado de que o eleitor abre mão de sua capacidade de interferir no resultado do processo eleitoral) registrou, em 2016, um aumento expressivo frente às eleições anteriores.
Tomando-se os exemplos das capitais dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, verifica-se, de acordo com os dados do TSE, que a alienação eleitoral praticamente dobrou durante o período das cinco eleições municipais realizadas de 2000 até 2016.
Como se pode verificar nos gráficos e tabelas abaixo, a alienação eleitoral para a Prefeitura de São Paulo saltou de 22,60% em 2000 para 34,70% em 2016, enquanto praticamente dobrou em Porto Alegre em igual período, passando de 19,04% em 2000 para 38,40% em 2016.
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Os gráficos e as tabelas acima e abaixo permitem observar que, se ocorreu um salto brusco do crescimento da alienação eleitoral na eleição do corrente ano nas duas capitais em questão, este salto foi mais intenso em Porto Alegre. Nesta capital, além disso, os votos nulos praticamente dobraram entre 2012 e 2016, saindo de 4,82% para atingir 8,88%. Fenômeno similar foi observado também com relação à votação para a Câmara Municipal, mas que não será aqui analisado.
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O crescimento significativo da alienação eleitoral ocorreu em todo o país. A análise dos resultados eleitorais de 2016, realizada a partir dos dados fornecidos pelo TSE, permite constatar que, em 11 das 26 capitais onde foram realizadas eleições municipais neste ano, a alienação eleitoral foi superior à votação do candidato mais votado no 1º turno. O caso de São Paulo é emblemático, pois o candidato eleito já no 1º turno obteve votação inferior à alienação eleitoral.
Mais grave do que este fato, em três capitais, a saber, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a alienação eleitoral superou o somatório dos votos conferidos aos dois primeiros colocados, ou seja, o total de “não voto” foi superior aos votos totais obtidos pelos dois candidatos mais votados e que disputarão o 2º turno, como se pode constatar no quadro abaixo.
Cumpre alertar que, neste quadro, os percentuais de votos dos candidatos apresentados diferem daqueles fornecidos pelo TSE, uma vez que o TSE calcula os percentuais eleitorais tomando por base apenas os votos válidos, ou seja, excluindo as abstenções e os votos nulos e brancos, enquanto os dados apresentados no quadro foram calculados sobre o total do eleitorado apto a votar, única maneira de se trabalhar com a mesma base numérica para o cálculo da alienação eleitoral e dos votos em cada candidato.
Alienação eleitoral e votação dos candidatos melhor colocados nas capitais no 1º turno em 2016

Capital Alienação Eleitoral 1º candidato mais votado no 1º Turno 2º candidato mais votado no 1º turno Total dos dois candidatos mais votados no 1º turno
Porto Alegre 38,40% 19,45% 16,90% 36,35%
Florianópolis 22,86% 31,70% 19,25% 50,95%
Curitiba 30,22% 27,66% 17,04% 44,71%
São Paulo 38,48% 34,72% 10,88% 45,60%
Rio de Janeiro 42,54% 17,19% 11,30% 28,49%
Vitória 21,44% 34,93% 28,16% 63,08%
Belo Horizonte 43,14% 20,54% 16,33% 36,88%
Campo Grande 30,35% 24,82% 19,11% 43,93%
Goiânia 30,48% 28,95% 22,77% 51,72%
Cuiabá 33,55% 23,62% 19,64% 43,26%
Salvador 34,72% 50,42% 9,91% 60,33%
Aracajú 38,94% 25,13% 24,69% 49,82%
Maceió 29,56% 33,99% 17,94% 51,93%
Recife 23,32% 38,51% 18,54% 57,05%
João Pessoa 25,27% 45,54% 25,59% 71,13%
Natal 36,78% 42,23% 8,90% 51,13%
Fortaleza 25,42% 37,70% 23,68% 61,37%
Teresina 20,09% 41,37% 32,17% 73,53%
São Luís 21,48% 36,34% 16,98% 53,32%
Palmas 25,51% 39,82% 23,90% 63,72%
Belém 26,98% 23,12% 21,98% 45,10%
Macapá 24,50% 34,26% 20,26% 54,52%
Boa Vista 26,71% 59,51% 7,06% 66,57%
Manaus 18,40% 28,99% 20,50% 49,49%
Porto Velho 36,78% 18,11% 17,40% 35,51%
Rio Branco 22,16% 43,25% 25,24% 68,48%

Como se pode observar, não se tratam de resultados eleitorais que legitimem fortemente os eleitos e/ou os candidatos que chegaram ao 2º turno e, muito menos, que impliquem ampla aprovação popular e eleitoral aos projetos de governo que eles representam.
A análise da geografia eleitoral nas capitais brasileiras, isto é, da distribuição espacial dos votos segundo as zonas eleitorais e os bairros, evidencia que foram nas regiões com eleitores de mais baixa renda onde se observou as maiores incidências de alienação eleitoral, ou seja, de “não votos”. Estas áreas, normalmente localizadas nas periferias das grandes cidades e capitais, são áreas onde o PT detinha a preferência da maioria do eleitorado.
O caso de São Paulo é, novamente, emblemático, uma vez que não apenas o candidato petista perdeu grande parte do eleitorado das regiões de menor poder aquisitivo e que havia votado nele em 2012, como foi também nessas regiões onde ocorreu o maior percentual de alienação eleitoral ou de “não votos”.
É expressivo, além disso, o fato de Porto Alegre e Belo Horizonte terem sido administradas pelo PT durante longos anos e serem duas das três capitais onde a alienação eleitoral suplantou o somatório dos votos obtidos pelos dois candidatos que chegaram ao 2º turno, conforme referido acima.
O desencanto com o PT e, mais do que isto, o desencanto com a política de modo geral, provocou o crescimento do “não voto” e fez com que candidatos “alternativos”, que se apresentaram como “novidade” e/ou como “não políticos”, obtivessem a maioria dos votos válidos. Maioria obtida em grande parte das capitais apenas porque parcela expressiva do eleitorado (média de 29,54% e mediana de 28,27%) se alienou do processo, deixando de votar em qualquer dos candidatos concorrentes.
Em relação aos candidatos “alternativos” vencedores no 1º turno ou levados ao 2º turno eleitoral nas capitais analisadas, vejam-se os exemplos da vitória de João Dória Jr, em São Paulo, um empresário que se apresenta como “não político”, e a ida ao 2º turno de Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, senador e antes de tudo pastor evangélico, e, ainda, de Nelson Marchezan Jr., em Porto Alegre, deputado federal, filho do líder do governo Figueiredo (o último da ditadura civil-militar de 1964/85) e apoiado pelas forças políticas tradicionais mais conservadoras no estado, o qual  se apresenta como um “novo político”.
Se o PT foi o partido que mais perdeu postos e eleitores nestas eleições e o PSDB o que obteve o maior crescimento percentual, enquanto o PMDB manteve-se ainda como o partido detentor do maior número de Prefeituras e o segundo em eleitorado, isto se deveu muito mais ao desencanto do eleitorado com a política, em geral, e com o PT em particular, do que ao encantamento com as propostas e/ou os candidatos peessedebistas e/ou peemedebistas.
Considerando-se os resultados eleitorais nacionais registrados em 2012 e em 2016, verifica-se que o PT perdeu 60,1% do eleitorado total que havia conquistado na eleição municipal anterior e passou da primeira para a quinta posição nestas eleições, enquanto o PSDB teve um crescimento eleitoral total de 25,1% e passou a ocupar a primeira posição.
O bom desempenho eleitoral do PSDB pode ser atribuído ao fato de ele ser o partido que tradicionalmente polarizou com o PT, caracterizando-se como o seu antípoda ideológico, e, talvez, principalmente pelo fato de as denúncias envolvendo muitas de suas principais lideranças não terem sido investigadas judicial e criminalmente e nem terem sido exploradas pela grande imprensa, como ocorreu principalmente com o PT e suas lideranças e, secundariamente, com o PMDB.
Tão significativo quanto a diminuição eleitoral do PT e o crescimento do PSDB, foi o decréscimo registrado na votação nacional de boa parte dos partidos tradicionais, aqui considerados como os partidos com presença histórica nas disputas eleitorais e/ou que já haviam obtido resultados eleitorais expressivos em eleições municipais anteriores. Neste grupo de partidos, apenas o PDT, o PPS e o DEM cresceram eleitoralmente e, mesmo assim, o fizeram de modo débil: o primeiro cresceu 2%, o segundo 4,4% e o último 6,3%.
Todos os demais partidos aqui considerados como tradicionais, incluindo-se neste grupo também os partidos de esquerda, exceto o PT e o PPL (que cresceu 8,2%, mas que passou de apenas 146.686 para 158.650 votos), sofreram uma diminuição eleitoral total de 27% frente aos votos que haviam conquistado em 2012. Entre estes partidos, o campeão de perdas foi o PMDB, que teve uma redução de 12,5% em seu eleitorado, o que representa quase a metade do decréscimo eleitoral deste conjunto de partidos.
Votação por partido em 2012 e 2016

Partido 2012 2016 Diferença
PSDB 14.074.121 17.612.606 25,1%
PMDB 17.007.755 14.877.621 -12,5%
PSB 8.760.546 8.304.485 -5,2%
PSD 6.064.464 8.005.878 32,0%
PT 17.448.801 6.822.964 -60,9%
PDT 6.265.198 6.388.898 2,0%
PP 5.675.405 5.667.418 -0,1%
DEM 4.596.112 4.886.817 6,3%
PR 3.818.374 4.388.095 14,9%
PRB 2.615.553 3.882.494 48,4%
PTB 4.102.470 3.555.638 -13,3%
PPS 2.509.908 2.621.541 4,4%
PSOL 2.400.892 2.097.623 -12,6%
PC do B 1.882.526 1.767.051 -6,1%
PSC 1.695.643 1.761.688 3,9%
PV 2.165.078 1.691.752 -21,9%
SD 1.469.099
REDE 995.447
PHS 319.572 945.782 196,0%
PMM 570.684 797.449 39,7%
PTN 354.028 697.627 97,1%
PROS 689.958
PSL 324.604 487.592 50,2%
PMB 288.893
PEN 286.493
PRP 385.586 280.645 -27,2%
PTC 412.783 268.155 -35,0%
PT do B 301.338 267.680 -11,2%
PSDC 240.480 211.648 -12,0%
PRTB 328.750 162.215 -50,7%
PPL 146.686 158.650 8,2%
PSTU 178.607 77.952 -56,4%
NOVO 38.512
PCB 46.107 24.501 -46,9%
Fonte: G1, com base em dados do TSE

Na verdade, os grandes vencedores do 1º turno das eleições municipais deste ano, considerando-se os resultados obtidos nacionalmente, foram os partidos de orientação religiosa ou de defesa de interesses clientelísticos. O PR obteve um crescimento eleitoral de 14,9%, o PSD de 32%, o PRB de 48,4%, o PSL de 50,2%, o PTN de 97,1% e o PHS de 196%.
Somados, os votos obtidos pelo PR, PMM, PRB, PSL, PTN e PHS representam 19.204.917 eleitores, o equivalente a 13% dos votos válidos consignados em todo o país. Isto faz com que o eleitorado deste conjunto de partidos se torne numericamente mais expressivo do que o do PMDB ou do PSDB tomados isoladamente, já que o primeiro obteve 14.877.621 ou 10% dos votos válidos e o segundo 17.612.606 ou 12% desses votos nacionalmente.
A tendência é, portanto, o aumento do poder de pressão e de chantagem política desse conjunto de partidos e, a se repetir o mesmo fenômeno nas eleições nacionais de 2018, o revigoramento do chamado “presidencialismo de coalizão” brasileiro, reforçado em suas práticas de barganha.
Afastado dos partidos e dos candidatos que anteriormente mereciam a sua preferência, o eleitorado se dividiu. Cerca de 1/3 dos eleitores das capitais decidiu-se pela alienação eleitoral, abdicando de seu direito de interferir no resultado eleitoral, enquanto cerca de 1/4 do total dos eleitores do país decidiu votar em partidos alternativos, ou seja, em partidos que não tinham obtido expressão nas eleições anteriores.
Verifica-se, deste modo, que uma parcela importante do eleitorado total do país não votou nos candidatos e/ou os partidos que tiveram maior responsabilidade nos governos anteriores ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, nem votou nos candidatos e/ou partidos que interferiram diretamente na sua derrubada e que dão sustentação política ao atual governo federal.
Assim, mais do que uma eleição que legitime os atuais governantes em nível federal e que autorize seu projeto de governo, o 1º turno das eleições municipais de 2016 revela a existência de um eleitorado à deriva, a ser disputado pelos diferentes partidos, e que está sendo ganho, até aqui, em grande parte, pelos partidos que defendem não projetos políticos para o país,  mas interesses de parcelas restritas da sociedade e que, por este motivo, encontram-se, quase sempre, distantes dos interesses públicos.
Fica claro, além disso, que todo o esforço para a desconstrução do PT e de seus políticos não foi suficiente para liquidá-los. Não obstante a perda significativa de seu eleitorado e do número de Prefeituras sob o seu comando, o PT manteve-se entre os maiores partidos nacionais, como o 5º maior partido brasileiro em termos eleitorais, o que lhe reserva, ainda, um grande potencial de crescimento.
Nas eleições municipais de 2016, foram a criminalização da política e o desencanto do eleitorado, na verdade, os grandes vencedores do 1º turno. Um resultado altamente preocupante, porque contribui para que lideranças oportunistas possam se apossar do poder de Estado e se manter nele por meio de ações ilegítimas, ainda que travestidas pelos ritos legais.

Por que querem me condenar

Luiz Inácio Lula da Silva – Ex-Presidente da República
Em mais de 40 anos de atuação pública, minha vida pessoal foi permanentemente vasculhada -pelos órgãos de segurança, pelos adversários políticos, pela imprensa. Por lutar pela liberdade de organização dos trabalhadores, cheguei a ser preso, condenado como subversivo pela infame Lei de Segurança Nacional da ditadura. Mas jamais encontraram um ato desonesto de minha parte.
Sei o que fiz antes, durante e depois de ter sido presidente. Nunca fiz nada ilegal, nada que pudesse manchar a minha história. Governei o Brasil com seriedade e dedicação, porque sabia que um trabalhador não podia falhar na Presidência. As falsas acusações que me lançaram não visavam exatamente a minha pessoa, mas o projeto político que sempre representei: de um Brasil mais justo, com oportunidades para todos.
Às vésperas de completar 71 anos, vejo meu nome no centro de uma verdadeira caçada judicial. Devassaram minhas contas pessoais, as de minha esposa e de meus filhos; grampearam meus telefonemas e divulgaram o conteúdo; invadiram minha casa e conduziram-me à força para depor, sem motivo razoável e sem base legal. Estão à procura de um crime, para me acusar, mas não encontraram e nem vão encontrar.
Desde que essa caçada começou, na campanha presidencial de 2014, percorro os caminhos da Justiça sem abrir mão de minha agenda. Continuo viajando pelo país, ao encontro dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, para debater e defender o projeto de transformação do Brasil. Não parei para me lamentar e nem desisti da luta por igualdade e justiça social.
Nestes encontros renovo minha fé no povo brasileiro e no futuro do país. Constato que está viva na memória de nossa gente cada conquista alcançada nos governos do PT: o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, o novo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Programa de Aquisição de Alimentos, a valorização dos salários -em conjunto, proporcionaram a maior ascensão social de todos os tempos.
Nossa gente não esquecerá dos milhões de jovens pobres e negros que tiveram acesso ao ensino superior. Vai resistir aos retrocessos porque o Brasil quer mais, e não menos direitos.
Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política. Basta observar a reta final das eleições municipais para constatar a caçada ao PT: a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentada, e a prisão de dois ex-ministros de meu governo foram episódios espetaculosos que certamente interferiram no resultado do pleito.
Jamais pratiquei, autorizei ou me beneficiei de atos ilícitos na Petrobras ou em qualquer outro setor do governo. Desde a campanha eleitoral de 2014, trabalha-se a narrativa de ser o PT não mais partido, mas uma “organização criminosa”, e eu o chefe dessa organização. Essa ideia foi martelada sem descanso por manchetes, capas de revista, rádio e televisão. Precisa ser provada à força, já que “não há fatos, mas convicções”.
Não descarto que meus acusadores acreditem nessa tese maliciosa, talvez julgando os demais por seu próprio código moral. Mas salta aos olhos até mesmo a desproporção entre os bilionários desvios investigados e o que apontam como suposto butim do “chefe”, evidenciando a falácia do enredo.
Percebo, também, uma perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao funcionamento do governo e das instituições. Cheguei a essa conclusão nos depoimentos que prestei a delegados e promotores que não sabiam como funciona um governo de coalizão, como tramita uma medida provisória, como se procede numa licitação, como se dá a análise e aprovação, colegiada e técnica, de financiamentos em um banco público, como o BNDES.
De resto, nesses depoimentos, nada se perguntou de objetivo sobre as hipóteses da acusação. Tenho mesmo a impressão de que não passaram de ritos burocráticos vazios, para cumprir etapas e atender às formalidades do processo. Definitivamente, não serviram ao exercício concreto do direito de defesa.
Passados dois anos de operações, sempre vazadas com estardalhaço, não conseguiram encontrar nada capaz de vincular meu nome aos desvios investigados. Nenhum centavo não declarado em minhas contas, nenhuma empresa de fachada, nenhuma conta secreta.
Há 20 anos moro no mesmo apartamento em São Bernardo. Entre as dezenas de réus delatores, nenhum disse que tratou de algo ilegal ou desonesto comigo, a despeito da insistência dos agentes públicos para que o façam, até mesmo como condição para obter benefícios.
A leviandade, a desproporção e a falta de base legal das denúncias surpreendem e causam indignação, bem como a sofreguidão com que são processadas em juízo. Não mais se importam com fatos, provas, normas do processo. Denunciam e processam por mera convicção -é grave que as instâncias superiores e os órgãos de controle funcional não tomem providências contra os abusos.
Acusam-me, por exemplo, de ter ganho ilicitamente um apartamento que nunca me pertenceu -e não pertenceu pela simples razão de que não quis comprá-lo quando me foi oferecida a oportunidade, nem mesmo depois das reformas que, obviamente, seriam acrescentadas ao preço. Como é impossível demonstrar que a propriedade seria minha, pois nunca foi, acusam-me então de ocultá-la, num enredo surreal.
Acusam-me de corrupção por ter proferido palestras para empresas investigadas na Operação Lava Jato. Como posso ser acusado de corrupção, se não sou mais agente público desde 2011, quando comecei a dar palestras? E que relação pode haver entre os desvios da Petrobras e as apresentações, todas documentadas, que fiz para 42 empresas e organizações de diversos setores, não apenas as cinco investigadas, cobrando preço fixo e recolhendo impostos?
Meus acusadores sabem que não roubei, não fui corrompido nem tentei obstruir a Justiça, mas não podem admitir. Não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia. Tornaram-se prisioneiros das mentiras que criaram, na maioria das vezes a partir de reportagens facciosas e mal apuradas. Estão condenados a condenar e devem avaliar que, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública.
Tento compreender esta caçada como parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta. Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros. Na tentativa de destruir uma corrente de pensamento, estão destruindo os fundamentos da democracia no Brasil.
É necessário frisar que nós, do PT, sempre apoiamos a investigação, o julgamento e a punição de quem desvia dinheiro do povo. Não é uma afirmação retórica: nós combatemos a corrupção na prática.
Ninguém atuou tanto para criar mecanismos de transparência e controle de verbas públicas, para fortalecer a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público, para aprovar no Congresso leis mais eficazes contra a corrupção e o crime organizado. Isso é reconhecido até mesmo pelos procuradores que nos acusam.
Tenho a consciência tranquila e o reconhecimento do povo. Confio que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história. O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito. É a sombra do estado de exceção que vem se erguendo sobre o país.

Meu voto nulo

L. A. T. Grassi
Engenheiro
Quando escrevo, faz poucos minutos que foi aprovada em primeira votação, pela Câmara Federal, a PEC 141, também chamada PEC da Morte ou da Paralisia, que subordina aos interesses das finanças internacionais, o crescimento da economia e o resgate social brasileiros. É mais um lance da grande operação destinada a repor o Brasil na rota determinada pelo Império, executada interiormente pela vis e subservientes “elites” parlamentar, judiciária, policial, financeira e empresarial com o apoio da imprensa servil.
Há poucos dias, foi a entrega do petróleo e, com ele, todas as expectativas de redenção da educação, da saúde e da previdência social.
E antes, o processo que abriu caminho para tudo isso, o golpe travestido de rito legal enfeitado com missangas judiciárias e rotos véus pseudolegais.
A consolidação do governo ilegítimo e do cumprimento de seus desmandos foi favorecido com a coincidência não tão ocasional com o período das campanhas eleitorais dos municípios. Essas próprias campanhas já tinham sido, com a “mini-reforma política”, reduzidas aos propósitos despolizantes dos novos poderosos (com o impedimento de verdadeiro debate político) e com a campanha midiática em favor dos “novos gestores”, com seu ícone máximo, o prefeito eleito de São Paulo. O processo eleitoral municipal ofereceu, além da distração, para o eleitorado, da preocupação com o grande desmanche nacional, o espetáculo de, mais uma vez, as esquerdas perderem a oportunidade de avançar para uma unidade, mesmo que provisória, em termos de prioridades comuns e tentativas de alianças que efetivamente fizessem frente ao avanço do retrocesso.
No segundo turno, seguem as eleições municipais a ocupar o lugar privilegiado no debate político. Segue a disputa entre os defensores do “útil” com os que defendem a negação de voto a qualquer um dos candidatos da direita. Os graves e sucessivos acontecimentos nacionais ficam em segundo plano.
Defendi, imediatamente após a vitória, em Porto Alegre, dos candidatos identificados com o lado golpista, que o mais sensato e politicamente oportuno seria um movimento unitário, suprapartidário, em favor de um voto nulo bem definido, politicamente, contra esse retrocesso que nos leva às piores previsões. Os dois candidatos e seus apoiadores representam exatamente a mesma reprovação e negação de todos os esforços, de todas as medidas, de todas as conquistas e de todas as expectativas vividas nos últimos treze anos. O processo do segundo turno poderia oportunizar a denúncia do que eles representam, as outras faces da tragédia política que vivemos e uma alimentação à retomada da mobilização e, de outra parte, das discussões e reflexões necessárias à qualificação da militância. O voto nulo poderia sinalizar, coletivamente, a oposição a cada uma das medidas já tomadas, ou por tomar, para destruir o projeto de um país mais inclusivo e menos injusto.
As diversas fases do processo de impeachment oportunizaram, contra todas as dificuldades, ações e movimentos de mobilização e de conscientização (com todos os percalços, com os pequenos ganhos e com as grandes derrotas que ocorreram). Movimentos sociais despolitizados, atores políticos subordinados ao pragmatismo dos acordos e uma militância adormecida, quase toda uma geração encantada por avanços sociais efetivos e indicadores econômicos animadores, muitos desses atores ou segmentos foram despertados, a partir do movimento golpista, para um renascimento de participação e de reencontro com o protagonismo político.
O susto do processo do impeachment, vestido de legalismo e alimentado pelo messianismo lava-jatista e pela mídia comprometida, trouxe à tona uma nova vitalidade da esquerda que já esquecera o que é luta social.
Mas a mobilização através das manifestações de rua, de ocupações, de manifestos e de atos culturais, como debates, palestras, lançamento de livros, de comunicação pelas redes sociais etc, tudo isso, que pode e deve continuar, também apresenta seus limites. O “Fora Temer” pode ser ainda válido, mas não basta por si só. Nesse contexto, o movimento pelo voto nulo, como oportunidade de mobilização ganharia sentido de alimentar, em Porto Alegre e algumas outras cidade, uma nova fase da luta contra o golpe e, mais ainda, contra a operação mencionada inicialmente, de reocupação dos destinos nacionais por interesses externos.
A essas alturas, já ficou bem evidente que a dita operação já obteve mais um êxito, ocasional ou não, ao menos em termos locais. O “grande debate”, a “grande luta” foi substituída pela disputa entre os “pragmáticos” e os “nulistas” (em evidente depreciação do que poderia até ser um debate instrutivo, se auto-limitado).
E ganha destaque não o debate sobre a tragédia crescente, mas a comparação entre o grau de prejuízo local de cada um dos candidatos. Discutem-se seus currículos políticos, ideológicos, administrativos, suas biografias e até a herança paterna do pretensamente mais moderno. Coteja-se o grau de “populismo” ou de “elitismo” de cada um. Importam os apoios e a possibilidade de contradições nas chapas (em uma; a convivência entre o partido que fez o golpe e o que foi contra; em outra, entre o partido que quer se implantar no estado e o que já está implantado mas não na capital).. Supõe-se que o “menos pior” poderá mudar os rumos de uma política local que tem representado a projeção local dos desmandos estaduais e nacionais.
Faz-se o prognóstico de que, sem os votos de esquerda, ganhará o “mais pior”, embora não haja nenhuma pesquisa que aponte o favorito.  E se já houver esse favorito, não se sabe porquê os ditos votos de esquerda poderão inverter a situação.
A essas alturas, mais uma vez as esquerdas (é sintomático que se as nomeie assim, enquanto se fala em “a” direita) estão conseguindo o consenso da desunião. Faltando uns vinte dias para o segundo turno, obviamente perdeu-se a oportunidade de um movimento unitário de resistência ao bloco biface que representa, localmente, todas as forças contra as quais a militância, movimentos sociais e muita gente que foi tocada pela gravidade do golpe foi às ruas, reuniu-se, comunicou-se, lutou e, acima de tudo, manteve as esperanças.
Certamente, ganhe quem ganhar, mesmo seu projeto local não contemplará mais participação, gestão ambiental, qualificação da educação, política habitacional justa, política urbana não subordinada aos interesses especulativos, sistema de transporte coletivo adequado, redução da violência, atendimento a pessoas em situação de rua etc. Qualquer das chapas concorrente está longe de corresponder a essas expectativas. E no contexto da política de austeridade, de negação à participação e de privatização incentivadas pelo poder central, essa negação da democracia participativa será acentuada e demandará mais resistência, denúncia e oposição.
Resta a expectativa de que, passadas as eleições, a cidade volte a ser motivada por todos que lutam contra os golpes contra a educação, a previdência social, a saúde e, com toda a probabilidade dentro em pouco, contra outros atentados à legalidade democrática e aos direitos de cidadania. E que, mesmo os que votaram contra “o menos pior”, tenha ganhado ou não, possam voltar a incluir, nas lutas de nível nacional ou estadual, a luta por uma cidade que possa voltar a ser a cidade da esperança e do “outro mundo possível” que já foi um dia.
Meu voto nulo tem esse significado.

Comunicado do SEMAPI: Fundação de Economia e Estatística, o conhecimento gaúcho sob ameaça

Saiu na imprensa corporativa que o governo do Sartori estuda a extinção da Fundação de Economia e Estatística (FEE). Esse absurdo deve ser cogitado por desconhecimento do que a FEE faz e de sua capacidade técnica para contribuir com o estado e com a sociedade. Por esse motivo, o SEMAPI traz a todos os seus associados e à sociedade de maneira geral mais informações sobre o trabalho da Fundação.
A FEE é uma instituição de pesquisa vinculada à Secretaria do Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Por disposição legal, a FEE tem por finalidades básicas: identificar e propor alternativas de desenvolvimento econômico e social ao Estado; estruturar e operar o sistema de contas regionais, proceder a análises conjunturais, bem como realizar estudos e pesquisas, tendo em vista o preparo de indicadores econômicos e sociais; coletar, processar e divulgar dados estatísticos; colaborar na elaboração, na execução e no controle de programas ou projetos governamentais; fornecer subsídios à prática financeira do Estado; prestar serviços e realizar pesquisas de interesse dos setores econômicos e dos consumidores; divulgar informações técnicas e desenvolver outras atividades compatíveis com as suas finalidades.
Nesse sentido, a FEE reúne o mais importante acervo de estatísticas socioeconômicas sobre o Rio Grande do Sul, bem como elabora e divulga, regularmente, indicadores e estudos sobre temas diversos, tais como: agricultura, indústria, desenvolvimento regional, meio ambiente, potencial poluidor das indústrias extrativa e de transformação, políticas públicas, comércio exterior, finanças públicas, política monetária, política fiscal, infraestrutura, inovação, relações de trabalho, emprego e desemprego na Região Metropolitana, PIB Regional, PIB Municipal, estimativas populacionais, Matriz de Insumo Produto, Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), plataforma de exportações, dentro outros. Citam-se, ainda, a elaboração do índice de valor, preço e volume das exportações estaduais e o levantamento sistemático do mercado de trabalho para a Região Metropolitana com base em pesquisa mensal domiciliar.
Reunidos, o banco de dados FEE DADOS disponibiliza ao estado, à sociedade e à academia aproximadamente 800 variáveis socioeconômicas georreferenciadas sobre o Rio Grande do Sul e sobre todos os seus municípios, permitindo cruzamentos entre variáveis, unidades geográficas e período de abrangência.
Na homepage www.fee.rs.gov.br, a FEE disponibiliza gratuitamente um grande volume de dados socioeconômicos sobre o RS e suas análises, recebendo, anualmente, mais de um milhão de acessos.
Além de dados e indicadores, a Fundação publica periodicamente a Carta de Conjuntura, a Revista Indicadores Econômicos FEE, a Revista Ensaios FEE, o Informe PED-RMPA, a Panorama Internacional FEE, a publicação RS Em Números, além de livros e análises setoriais.  Recentemente publicou em três volumes o estudo RS 2030, em caráter prospectivo sobre as diretrizes para o desenvolvimento do território do Rio Grande do Sul. Encontra-se no prelo livro que analisa as características e potencialidades de Arranjos Produtivos Locais do estado, bem como um atlas escolar com indicadores do Rio Grande do Sul em linguagem didática e facilitada.
Além disso, a FEE atua em colaboração com uma série de órgãos estaduais no atendimento de demandas por pesquisas e análises sobre a dívida ativa do estado, grandes investimentos no setor de energia, economia do turismo, indicadores de ciclos de negócio, indicadores do agronegócio, política de transparência, planejamentos estratégicos dos Coredes – apenas para citar alguns exemplos em andamento atualmente.
Os concursos públicos realizados em 2010 e em 2014 renovaram o quadro da instituição, com o ingresso de profissionais de alta qualificação. A FEE possui uma equipe multidisciplinar com 12 especialistas, 92 mestres e 37 doutores, especialmente nas áreas de Economia, Sociologia, Estatística, Geografia, História, Relações Internacionais e Ciência Política.
Ainda assim, os custos para manter a instituição caíram 41% em termos reais nos últimos 6 anos. Em parte pelo aumento da produtividade, em parte pela informatização de processos e de pesquisas. Em seu quadro funcional constam pessoas de destaque não só no mundo acadêmico, mas também na administração pública, em todas as suas esferas.
Historicamente, a FEE constituiu-se em um espaço de análise e discussão plural e independente sobre a economia, a sociedade e o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, detendo um substantivo acúmulo de conhecimento a respeito do estado – que não é substituível por supostas alternativas presentes no mercado. Sua autonomia garante a capacidade crítica a políticas e ações implementadas.
A Fundação coleta, reúne e analisa informações e indicadores que efetivamente instrumentalizam políticas públicas do Estado e dos municípios, bem como organiza e promove eventos abertos à comunidade, ciente do caráter público de seu conhecimento.
Os estudos da Instituição fornecem subsídios indispensáveis para pensar o futuro da nossa economia e sociedade. Por tudo isso, ao longo de seus mais de 40 anos de existência, a FEE vem-se mostrando uma instituição competente e capaz de aproximar e interligar a produção de dados estatísticos e pesquisas de qualidade, com o objetivo de assessorar o planejamento econômico e social do Estado – beneficiando, assim, a totalidade da sociedade gaúcha.
Convidamos a todos a conhecer de perto a FEE, valorizando e utilizando do conhecimento nela produzido, que é de direito de todo o povo gaúcho.
SEMAPI
SINDICATO DOS EMPREGADOS EM EMPRESAS DE ASSESSORAMENTO, PERÍCIAS, INFORMAÇÕES E PESQUISAS E DE FUNDAÇÕES ESTADUAIS DO RIO GRANDE DO SUL
 

Sérgio da Costa Franco: “Porto Alegre não se rendeu”

Elmar Bones

Trecho de A Cidade Sitiada, livro de Sérgio da Costa Franco sobre o cerco a Porto Alegre, lançado em setembro de 2000
Trecho de A Cidade Sitiada, livro de Sérgio da Costa Franco sobre o cerco a Porto Alegre, lançado em setembro de 2000

Essa história ficou encoberta, até que o historiador Sérgio da Costa Franco encontrou nos arquivos do Instituto Histórico um calhamaço de mais de 200 páginas manuscritas, que lhe tomou seis meses de trabalho. “Foi uma trabalheira”, diz ele, lembrando o paciente esforço que teve de fazer para decifrar os garranchos de um certo Queirós, autor de um diário inédito sobre o período em que Porto Alegre esteve sitiada pelos farroupilhas.

A descoberta motivou‑o a enfrentar um desafio do qual ele tinha desistido por “fastio” da Revolução Farroupilha. Partindo das informações do diário, ele retomou suas pesquisas para contar o que foram os 1.231 dias em que a cidade viveu sob a ameaça de escassez e abaixo de bombardeios.

 

Franco recebeu a reportagem do JÁ para esta entrevista exclusiva no dia 13 de julho de 2016.

JÁ – O senhor voltou a estudar a Revolução Farroupilha …

Eu me aproximei novamente do assunto por causa da história de Porto Alegre. O sítio farroupilha à cidade foi um episódio muito importante, influiu no seu desenvolvimento, causou uma paralisia dos negócios durante quatro anos, então sob este aspecto é que interessou. Vi que tinha muita coisa ainda inexplorada… e o assunto tinha quase virado um tabu.

Como foi o cerco?

O sítio de Porto Alegre nunca mereceu maior atenção dos historiadores regionais. Este fato é, de certo modo, compreensível. Toda a historiografia do ciclo farroupilha é marcada pela devoção reverencial aos rebeldes, senão por sua apaixonada mitificação. Dessa fatal parcialidade provavelmente nunca se livrará a bibliografia histórica rio-grandense, por mais revisões que se faça.

O sítio foi um fracasso….

Foi um fracasso militar dos farroupilhas. Depois de perderem a cidade na reação de 15 de junho de 1836, os rebeldes nunca mais conseguiram retomá-la. Mesmo com forte superioridade numérica, submetendo os moradores da capital à fome e a restrições diversas, jamais conseguiram dominar a sede provincial. Por isso, a cidade ganhou o título honorífico de “leal e valorosa”, outorgado pelo governo Imperial em 1841.

A omissão do cerco então foi deliberada?

Não soaria simpático aos porto-alegrenses o relato dos reiterados canhonaços e bombardeios com que as forças de Bento Gonçalves, Souza Netto, Bento Manoel e David Canabarro alvejaram repetidamente a cidade, intranqüilizando e atemorizando sua população.

Que efeitos teve sobre a cidade?

Freou a expansão da cidade durante vários anos. Equipamentos e serviços precisaram conter-se dentro do estreito perímetro das fortificações e trincheiras, e a população rural da periferia viveu submetida a repetidas mudanças de senhores sob a angústia das requisições forçadas, das violências pessoais e dos saques. A Câmara Municipal tinha vários portugueses e foi engraçado. Eles deram no pé, porque os farroupilhas tomaram a cidade e esses vereadores comerciantes portugueses se afastaram com as alegações mais estranhas. Por exemplo, o Lopo Gonçalves, fundador da Associação Comercial de Porto Alegre, figura importante da cidade, pediu uma licença por três meses para ir aos banhos de mar…. e se mandou em inícios de outubro!

Por que eles mantiveram o cerco se era inútil?

Taticamente, a manutenção do sítio pelos rebeldes teve apenas a eficácia de manter numerosas forças legalistas retidas na capital, privando-as de tentar o controle militar no interior da província. O sítio de Porto Alegre não ilustra os feitos guerreiros dos Bentos e dos Netos, nem os irmana à memória sentimental da capital gaúcha. Incoerente, a cidade ergueu monumentos e votou homenagens aos sitiadores que a maltrataram, e esqueceu os soldados, marinheiros e paisanos voluntários que garantiram sua integridade em quatro anos de lutas.

Esse é o tema de seu livro?

Sim. Ele foi também motivado pela recente descoberta de um esquecido diário manuscrito, no qual se narram, passo a passo, as peripécias do sítio entre 1837 e 1838. Tal documento, inédito, somado a outros já divulgados há muito tempo, patenteia o quanto foi dramático para a população citadina o cerco que lhe foi imposto, com algumas interrupções, desde junho de 1836 a dezembro de 1840.

Onde estava esse diário?

Eu o encontrei no Instituto Histórico, até copiei à máquina, me deu um trabalho enorme, porque era um manuscrito de difícil leitura. Interessante que a primeira parte desse manuscrito, o Moacyr Flores tinha encontrado e publicou num livrinho, uns anos atrás. Mas a parte que ele encontrou era pequena. O que eu encontrei é a continuação. Me dá a impressão de que o autor tinha um objetivo jornalístico, ele devia remeter para o Rio de Janeiro, provavelmente porque, ao fim de alguns capítulos, ele fala assim: “Seguiu pela sumaca tal”.

Quem era o autor do diário?

Era um português que se chamava Barreto Queirós. Ele só assina Queirós. O Moacyr dá como certo esse nome, e na investigação que fez diz que o sujeito era secretário do Cônsul da Sardenha, aqui. O que se identifica nele é que era português e hiper-reacionário, talvez partidário de Dom Miguel, porque é contra as Constituições, antiliberal. Mas ele registra o dia-a-dia: hoje, chegou o cara vendendo galinha, charque, então é interessante do ponto de vista de um relato do cotidiano.

2009-franco2Como era esse ambiente?

Porto Alegre ficou dividida. Os legalistas reconquistaram a cidade, mas havia o grupo dos partidários do Araújo Ribeiro, tio‑bisavô do deputado Paulo Odone, de tendência liberal, inclinado à negociação, e outro grupo radical, dos portugueses, que era contrário. Entre eles se digladiavam violentamente pela imprensa, e, no clima da cidade sitiada, as brigas eram ferozes. O português do diário era dos mais reacionários e suas observações são constantes. Eu tinha pensado em publicar, mas a copidescagem seria tão grande que não valia a pena. Depois, ele enchia muita linguiça, era linguagem de jornalista mesmo.

Com que freqüência ele escrevia?

Todos os dias. Mandava quando havia barco para o Rio, mas escrevia diariamente, textos enormes, até demais, descrevia o dia‑a‑dia e acrescentava divagações filosóficas. Eu entreguei a cópia ao Instituto Histórico, deu mais de 200 páginas datilografadas. O original era uma maçaroca no meio de outros documentos. Há outro diário, que foi publicado em 1885 ou 86, de um anônimo. Na verdade, era um advogado, Fagundes, que foi provedor da Santa Casa e deputado provincial. Ele escreveu sob o anonimato, mas era um diário dos anos 39 e 40, do final do sítio. Então, com o diário do Queirós, que se refere a 37 e 38, mais os documentos militares, a troca de correspondência e as atas da Câmara Municipal sobre problemas de desabastecimento e especulação de preços, com esse conjunto consegui fazer o livro.

Ficou esclarecido o local das fortificações?

As fortificações, sabe-se que eram só trincheiras cavadas, não havia construções de alvenaria, nada, salvo alguns baluartes que fizeram para botar canhões. Também havia os chamados “pontos” artilhados, que eram 16, um pouco mais fortificados, cada um tinha uns dois canhões.

O sítio chegou a perturbar a vida da cidade?

Ah, sim! A comunicação toda era via fluvial. O que garantia o abastecimento eram os lanchões que iam para São Leopoldo, isso quando os farrapos não estavam dominando aquela região, daí não passava nada. No mais, eram operações de guerrilha, na direção do Guaíba.

Como era a cidade dessa época?

Em Porto Alegre, viviam funcionários e comerciantes, principalmente. Deviam ser uns 10 mil na época da guerrilha, mas não era tão pouca gente. E dois mil homens foram defender as trincheiras, paisanos que não hesitaram…

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Pintura a óleo da primitiva Santa Casa de Porto Alegre, de autor desconhecido

Sobre as causas da Revolução, qual é a sua conclusão?

Bom, o primeiro manifesto dos farroupilhas não fala absolutamente em qualquer problema econômico. Não há nada. Só fala no problema político, nos presidentes estranhos à província, só isso. Depois, quando houve a proclamação da Independência, no manifesto de 1838, três anos depois, vem a justificativa econômica, já para legitimar a República. Aquilo sempre me chamou a atenção, a argumentação a posteriori. Eles queriam mesmo era o poder. Logo após a Guerra da Cisplatina, Bento Gonçalves, Bento Manoel e outros haviam sido generais do Exército brasileiro, tinham sido mal-sucedidos… Perderam a guerra, perderam o Uruguai, para eles foi um revés enorme. Eles eram gente da fronteira, acostumados a negociar com a Cisplatina, a ir e vir. Aquilo foi uma forte causa de inconformidade. É uma das causas mais quentes da Revolução Farroupilha, a derrota da Cisplatina.

Foi deflagrada por razões políticas, então?

Sim. A meu ver, no início foram razões estritamente políticas. Depois, então, surge aquela fundamentação toda para justificar a declaração da independência. Aliás, quem faz aquilo, o manifesto todo é do Domingos José de Almeida, que de gaúcho não tinha nada, era mineiro. A Revolução nunca contou com o apoio de Porto Alegre, nem de Rio Grande ou de São José do Norte, as praças do litoral ligadas ao comércio. E o comércio não tinha interesse nenhum naquilo. Os farrapos estavam em completa impopularidade, tanto que meia dúzia de oficiais que estavam presos se organizaram e reconquistaram a cidade. Enfrentaram o cerco dos farrapos e os dominaram, com apenas 200 homens contra mais de 500. Aguentaram porque tinham o apoio popular. E, no final, vieram os populares para as trincheiras. Nisso também entrava o medo dos escravos, o exército dos farroupilhas era puro negro. No diário desse Queirós, ele só fala nisso “os negrinhos voltaram aí, olha a turma do São Benedito”, era tudo negro. Quando eles davam cifras de prisões, elas eram assim: 20 negros e cinco brancos. Os soldados e os lanceiros eram os escravos dos legalistas, que haviam sido recrutados com promessas de liberdade. Claro que a população da cidade tinha medo disso: imagine um exército de ex-escravos.

O que fica, hoje, dessa Revolução?

Agora é um negócio que se incorporou ao imaginário, uma porção de mitos se acumulou ao longo do tempo. A Revolução Farroupilha, na verdade, foi uma divisão dentro da sociedade. A disputa pelo poder, não era mais do que isso. Eu tenho estudado muito a história de Jaguarão, que é a minha terra, e descubro coisas engraçadas… O chefe farroupilha e o chefe legalista da cidade eram vizinhos, moravam no mesmo quarteirão. Os pátios das casas se encontravam. Eles até morreram na mesma época e pude ver o inventário dos dois. Era semelhante, os dois cheios de escravos.

A Câmara Municipal de Jaguarão foi a primeira a apoiar a República, logo que proclamada. Tinha um vereador que era irmão de Bento Gonçalves, e outros parentes, então a Câmara solidarizou-se com a República Rio-grandense. Quando de novo se reúnem, em 1845, a mesma Câmara que tinha prestado solidariedade ao Bento Gonçalves e à República Rio-grandense saúda o Duque de Caxias e agradece a pacificação, com um caloroso elogio à Caxias. Em seguida, realiza-se a eleição e vê-se o seguinte: os que foram declaradamente farrapos tiveram menos votos e os eleitos são gente da nova geração, que estavam aparecendo naquele momento.

Sobre o suposto acordo do Canabarro com Caxias, qual a sua versão? A carta forjada seria uma manobra de contra-informação?

Não sei. Mas que os escravos vêm a ser uma pedra no sapato dos Farrapos, isto sim. Eram. Eles tinham a promessa de liberdade e o acordo não saía por isso. Quer dizer, não é fora de propósito que os Canabarro resolvessem sacrificar os negrinhos…

Iam buscar os escravos dos adversários para lutar nas suas fileiras em troca de liberdade, mas mantinham os seus.

Chamavam os escravos dos adversários, sim. A Constituição Farroupilha não aboliu a escravatura, mesmo vindo depois da uruguaia, que aboliu.

Confira a íntegra do discurso de Dilma em julgamento do impeachment no Senado

Da Agência Brasil
A presidenta afastada Dilma Rousseff discursou na manhã desta segunda-feira (29) por cerca de 45 minutos no plenário do Senado, durante a última fase do julgamento do processo de impeachment. Em sua  fala, Dilma , ressaltou que foi ao Senado “olhar diretamente nos olhos dos que a julgarão e negou ter cometido crimes dos quais é acusada, segundo ela, “injusta e arbitrariamente”. “Hoje, o Brasil, o mundo e a história nos observam. E aguardam o desfecho desse processo de impeachment”, disse.
Ouça a íntegra do discurso 
Confira a íntegra do discurso de Dilma do Senado:
Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,
No dia 1o de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais 54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.
Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo violentados, e até assassinados.
Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia.
Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio. E por isso, como no passado, resisto.
Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.
E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir.
Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.
Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não cometi nenhum crime de responsabilidade.
Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment.
No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O Presidente Juscelino Kubitscheck, que contruiu essa cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964.
Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos.
As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.
A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido pelo povo em 2014.
Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”.
O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria.
O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do País de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paraolimpíadas.
O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios.
A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de responsabilidade.
Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias possam sonhar com casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment.
Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a qualquer preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a produção de bens e serviços.
Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a população.
A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da crise econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.
Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal.
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Dilma: impeachment resultará na eleição indireta de um governo usurpador
Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período.
Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas se agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da “sangria” de setores da classe política brasileira, motivada pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Pr Lula foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar e punir os culpados.
Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma “chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação.
Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de Presidenta da República. É fato, porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações.
Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente.
Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.
Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha destituição.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma expressiva queda da receita ao longo do ano — foram R$ 180 bilhões a menos que o previsto na Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.
Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho.
Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal?
A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente.
A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.
Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de “devido processo legal”.
Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.
Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência.
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo País afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o golpe.
As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher Presidenta do Brasil.
Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia.
Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.
Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.
Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas. Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.
Muito obrigada.
Edição: Amanda Cieglinski

Vídeo: Confira palestra seguida de debate com o economista Róber Ávila

Ocorreu na Alergs, nesta quarta, 24 de agosto, a palestra “A estratégia de aniquilamento do PT e o risco de disruptura”. O professor Róber Iturriet Ávila, doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, expôs durante cerca de trinta minutos um histórico dos dados macroeconômicos do país que contradizem o cenário de terra arrasada propalado tanto pela imprensa, como pelo grupo político que assumiu o executivo com o afastamento de Dilma Rousseff.
Encerrada a exposição do professor Ávila foi aberto espaço para debate, que foi intenso. Houve grande participação dos presentes, que expuseram diversos pontos de vista, revelando, em diversas ocasiões, relações entre o golpe de 64 e o atualmente em curso.
Confira a integra do evento clicando aqui.

O xadrez dos movimentos radicais de uma democracia incompleta

Luis Nassif
O Brasil é o país dos extremos, vítima de movimentos pendulares radicais.
Determinadas tendências vão se radicalizando pela inércia, sem que sejam contidas por fatores moderadores. Quando assumem proporções intoleráveis, são sucedidas por movimentos contrários que, primeiro corrigem os excessos anteriores para, depois, promoverem sua própria radicalização. E não há freios, amortecedores para reduzir a intensidade desses movimentos.
Se alguém afirmar que o governo Dilma foi dos mais desastrosos da história, não vou discutir. Mas um sistema institucional robusto teria que dispor de instrumentos para passar incólume pelo desafio Dilma, permitir ajustes sem abrir espaço para aventuras golpistas. E o golpismo impediu os movimentos corretivos de Dilma.
A crise atual lança luzes sobre um conjunto de vulnerabilidade o da sociedade brasileira, permite identificar as correções a serem feitas, mas não se vislumbram agentes econômicos, sociais ou políticos para cumprir a função moderadora.
O subdesenvolvimento é uma construção de gerações, já se dizia.
Chave 1 – Agentes moderadores das políticas públicas
Os movimentos de política econômica costumam ser pendulares. A oposição torna-se governo criticando os exageros da política anterior. Há um movimento inicial, virtuoso, de correção de rumos, de trazer o pêndulo para o centro. Na medida em que se tem sucesso, o movimento tende a radicalizar para o outro extremo. Ou seja, o próprio sucesso do modelo planta as sementes dos exageros posteriores.
Com a eleição de Dilma Rousseff, após as ações anticíclicas vitoriosas de 2008, havia a esperança de que o país estaria imunizado contra movimentos radicais voluntaristas.
O que se viu foi o poder solitário de uma presidente produzindo um conjunto de medidas voluntaristas não tão drásticas quanto os vizinhos, mas suficiente para desmontar a economia, expondo o governo a uma oposição destrutiva.
Como conseguir o equilíbrio? A imprensa não tem capacidade ou maturidade para exercer esse papel moderador. Há décadas é presa ao refrão único dos juros altos, livre fluxo de capitais, Estado mínimo, alergia a qualquer forma de aprofundamento da democracia. É uma imprensa do nível da venezuelana.
Um Conselho Superior de Economia não só coibiria os exageros, como qualquer mudança de rota. Portanto, não seria aconselhável.
O grande problema do presidencialismo brasileiro não é apenas a dispersão de partidos. É também o poder absoluto do presidente. Quase tão absurdo quanto o golpe foi a atuação individual da presidente, inibindo a atuação de conselhos populares, de fóruns empresariais, não concedendo audiências a representantes de outros poderes e sequer se alinhando com seu próprio partido.
O ideal seria partidos políticos programáticos, com ideias claras sobre a economia e, principalmente, instrumentos para conter ímpetos voluntaristas dos seus candidatos eleitos.
O mínimo que se espera é que os atos do presidente sejam analisados, avalizados ou não, pelo seu partido ou base de apoio. Hoje em dia, nem partidos há.
A grande dicotomia a ser vencida é, de um lado, criar ferramentas que subordinem o presidente ao programa do partido e canais de participação técnica e popular. De outro, não inibir seu protagonismo.
Chave 2. O papel desestabilizador das corporações públicas.
O grupo que se apossou do poder – Michel Temer, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha – deve sua vitória ao Procurador Geral da República Rodrigo Janot, ao Ministério Público Federal em geral e ao Tribunal de Contas da União. Eles foram os agentes finais, que ajudaram a desequilibrar o jogo, que colocaram a caneta mais poderosa da República nas mãos de Temer e Padilha, com um protagonismo político inaceitável em qualquer país civilizado.
Pior, o corporativismo impediu o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) de exercer o papel moderador. A procuradoria de coalizão – fruto da escolha do procurador mais votado para a PGR – faz com que os candidatos cada vez mais se afastem dos valores constitucionais do Ministério Público e se aproximem da ansiedade por poder da massa da corporação.
Por outro lado, sem o mecanismo da eleição direta para a lista tríplice, corre-se o risco de se voltar ao tempo do Ministério Público engavetador.
De alguma forma, se terá que encontrar o meio-termo, ou através da formação de um Conselho de Notáveis, com as figuras referenciais do próprio Ministério Público que, mesmo não tendo poder de veto, possa exercer moralmente um papel moderador.
É inacreditável que um poder, a PGR, que se vangloriava de contar com altos conselhos técnicos para qualquer tema, não tenha conseguido montar uma identidade simples:
Poder Executivo – Dilma Rousseff = Michel Temer + Eliseu Padilha + Geddel Vieira Lima + Moreira Franco + Eduardo Cunha = – Poder do MPF
Chave 3. A leniência com a ilegalidade
O jogo anterior à Lava Jato estimulava o malfeito. Apelações infinitas, uso indiscriminado do fruto podre para anular inquéritos, sentenças jamais cumpridas.
Aí o movimento pendular se inverte.
Os vazamentos de inquéritos sigilosos, com propósitos políticos, tornam-se uma constante. O uso de inquéritos policiais para represálias políticas, um novo normal. O uso abusivo de poder de Estado de qualquer procurador iniciante, representando contra grupos políticos, solicitando prisões midiáticas, vazando informações para a imprensa passam a ser aceitos como normal. A incapacidade do STF de confrontar os abusos, infelizmente, tornou-se uma constante.
Ao tolerar vazamentos, o PGR Rodrigo Janot ajudou a criar um poder paralelo incontrolável, na parceria política mídia-procuradores. O que era uma prática coibida, considerada abusiva, torna-se o novo normal, inclusive na PGR.
Ao aceitar as gravações contra Delcídio do Amaral, o Ministro Teori Zavascki convalidou o grampo ilegal. E a falta de providências contra os vazamentos de escutas ilegais, no episódio dos diálogos da presidente, comprovou a subversão no sistema de hierarquia do Judiciário.
Os ataques montados pela parceria mídia-procuradores contra o Ministro Marcelo Navarro Ribeiro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), são de natureza pior do que os ataques apócrifos perpetrados contra a esposa do Ministro Luís Roberto Barroso, ou com a possível intimidação do Ministro Luiz Facchin, que praticamente imobilizaram o Supremo.
A história do “não é comigo” não cola. Esse quadro é de responsabilidade direta de Rodrigo Janot, Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, que permitiram que o STF passasse a ter a cara de Gilmar Mendes e a se deixar conduzir pela Lava Jato. E menciono apenas aqueles dos quais se esperava algo.
Tem-se agora uma re-centralização política similar ao período da ditadura. Os estamentos brasilienses – Congresso, corporações públicas, MPF, Judiciário – avançando sobre o orçamento público, ao preço de arrebentar com a estrutura de despesas federais, saúde, educação, segurança, Previdência e outras funções de Estado.
Chave 4. O papel desestabilizador da Globo
Desde as campanhas de 2006 e 2010, ampliada pela campanha do mensalão, observou-se o papel deletério do cartelização da mídia. A cartelização produziu dois fenômenos opostos, mas correlatos. De um lado, a plena liberdade dos grupos oficiais de mídia para assassinar reputações, adulterar notícias, jogar vergonhosamente com a autoestima nacional, em episódios inaceitáveis para qualquer sociedade minimamente civilizada. De outro, uma ação pertinaz de esmagamento do discurso contrário, através de ações judiciais contra blogs e sites independentes..
A tendência dominante é o de enfraquecimento gradativo da mídia e aumento da atoarda representada pelas redes sociais. Mas o papel das Organizações Globo tornou-se uma questão de Estado. Sua influência sobre a opinião pública, o Judiciário e o Ministério Público criou um território indevassável, que conseguiu bloquear até a cooperação internacional do MPF com o FBI, nas investigações do caso FIFA, ou das contas no escritório Mossak Fonseca.
A regulação econômica da mídia e o uso correto das concessões públicas tornaram-se uma questão de sobrevivência da democracia brasileira.
PS – Agora à noite, ao solicitar que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também investigue as contas de Aécio Neves, “por uma questão de isonomia”, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura comprova a superioridade de gênero: mulher, fez o que Ministro nenhum tem ousado fazer, com receio da agressividade inaudita e do uso da mídia por Gilmar Mendes, deixando o Judiciário refém da falta de limites.
Publicado originalmente no site – site GGN – O jornal de todos os jornais

Nota em defesa da liberdade de expressão, de manifestação e de imprensa

No dia 15 de junho de 2016, estudantes da rede pública estadual do Rio Grande do Sul ocuparam as dependências da Secretaria Estadual da Fazenda, como forma de chamar a atenção da sociedade gaúcha e de seus governantes para os graves problemas enfrentados pela educação pública estadual, cuja solução vem sendo adiada há muitos anos. Ao fazê-lo, os estudantes buscavam o atendimento às suas reivindicações e às de seus professores, dentre as quais, a melhoria das instalações escolares e a melhor remuneração dos docentes e demais trabalhadores em educação, que, ademais, vêm recebendo seus salários de forma parcelada.
No processo de desocupação da Secretaria Estadual da Fazenda, a Brigada Militar utilizou violência desmedida contra o grupo de jovens estudantes, como comprovaram vídeos, fotos e depoimentos divulgados nas redes sociais, empregando até mesmo, no espaço interno da Secretaria, jatos de spray de pimenta contra adolescentes que se encontravam sentados e não expressavam qualquer intenção de reação.
Junto aos estudantes, exercendo suas funções profissionais, encontravam-se o jornalista Mateus Chaparini, repórter do jornal Já Porto Alegre, e Kevin D’Arc Rocha, cinegrafista independente, que foram detidos e encaminhados ao Presídio Central, juntamente com os manifestantes, embora tenham se identificado e certificado aos policiais que ali se encontravam no exercício de sua atividade profissional. Os vídeos gravados por Chaparini com seu celular e divulgados amplamente pela imprensa local e nacional comprovam-no.
Indiferente à posição de organizações da sociedade civil, que se solidarizaram com os estudantes e repudiaram a ação da Brigada Militar, o delegado Omar Sena Abud indiciou, no inquérito que se seguiu, todos os ocupantes, inclusive o jornalista e o cinegrafista, classificando-os como transgressores e enquadrando-os nos crimes de atentado contra a liberdade do trabalho, associação criminosa, resistência e dano qualificado.
Reconhecendo o equívoco do indiciamento e do enquadramento dos manifestantes, o Promotor de Justiça Alexandre da Silva Loreiro determinou o arquivamento das acusações contra todos os estudantes menores de idade participantes da ocupação.
O Promotor de Justiça Luís Felipe de Aguiar Tesheiner, no entanto, adotou entendimento diverso em relação aos estudantes maiores de idade, o jornalista e o cinegrafista, que cobriam os fatos, no exercício de sua profissão, e denunciou-os pelos crimes de dano qualificado e resistência, demonstrando clara contradição, posto que aceitou a definição de inocência de uns e incriminou outros praticantes do mesmo ato.
Diante dessa contradição e da evidente tentativa de intimidação e censura ao exercício da atividade profissional jornalística, manifestada na ação da Brigada Militar, reforçada pela conclusão do inquérito policial e expressa na ação do promotor público, manifestamos nosso veemente repúdio à discricionariedade judicial e à intimidação ao exercício da imprensa livre e independente.
Lembrando que a Liberdade de imprensa e o respeito aos direitos humanos são, reconhecidamente, condições fundamentais para a manutenção da democracia, e esperando que a Justiça prevaleça em sua imparcialidade e na defesa das liberdades de expressão, manifestação e divulgação, asseguradas pela Constituição Federal de 1988, apelamos à senhora juíza Claudia Junqueira Sulzbach, responsável pela 9ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre, para que a denúncia não seja recebida e que sejam suspensas todas as acusações imputadas aos jovens estudantes, ao jornalista e ao cinegrafista arrolados.
O presente apelo para que a justiça prevaleça sobre o arbítrio é encaminhado à Vossa Excelência pelo Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.
Esse comitê é composto por mais de 250 pessoas de diferentes áreas, tais como professores universitários, pesquisadores, artistas, advogados, profissionais da área da comunicação, da cultura e de ações comunitárias do Rio Grande do Sul. O Comitê foi responsável pelo Manifesto em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, lançado no dia 4 de abril de 2016, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e assinado por mais de 3.000 profissionais. O Comitê é uma organização suprapartidária, que tem como objetivo debater a crise do país e suas possíveis soluções democráticas.
Assinam em nome do comitê
___________________________________________
Márcia Cristina Bernardes Barbosa – Professora Titular de Física da UFRGS e Membro da Academia Brasileira de Ciências
___________________________________________
Soraya Maria Vargas Cortes – PhD em Políticas Sociais e Professora Titular de Sociologia da UFRGS
 
___________________________________________
Zoravia Bettiol – Artista visual, designer e arte educadora
 
Apoiam o presente pleito as seguintes entidades signatárias:
____________________________________________
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS – Milton Simas – presidente
_____________________________________________
Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região – Everton de Morais Gimenes – presidente
____________________________________________
Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida – Josué Martins – coordenação
____________________________________________
Advogados e Advogadas pela Legalidade Democrática – Mário Madureira – coordenação
__________________________________________________
CPERS/Sindicato – Helenir Aguiar Schürer – presidenta
______________________________________________
CUTRS – CUT do Rio Grande do Sul – Claudir Nespolo – presidente

E o povo onde fica?

Marino Boeira
Estará o povo brasileiro assistindo mais uma vez indiferente meia dúzia de pessoas decidirem seu futuro sem exigir que seja ouvido?
No dia 18 de novembro de 1889, Aristides Lobo escreveu no Diário Popular uma avaliação que ficou famosa sobre a proclamação da República por Deodoro da Fonseca, três dias antes:
“ O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.
Em outros momentos cruciais da vida brasileira, foram as elites que decidiram o futuro da Pátria e dos brasileiros, sem ouvi-los ou, quando muito, dizendo estar agindo em seu nome, como foi na Revolução de 30 ou no Golpe de 64.
Agora, novamente o País se encontra numa encruzilhada. Oitenta e um senadores, muitos dos quais nem sequer são conhecidos por uma boa parte dos brasileiros, que não sabem seus nomes nem suas ideais, se encaminham, a que tudo indica, para revogar uma decisão da maioria da população que, em 2014, elegeu Dilma Rousseff Presidente da República.
Um simples passar de olhos sobre os nomes dos senadores que vão este mês completar o processo de golpe parlamentar contra a Presidente Dilma Rousseff, cassando o mandato que lhe foi atribuído pelo povo, mostra o alta grau de comprometimento ético a que chegou o parlamento brasileiro.
Daqueles senadores que votaram pela admissibilidade do impeachment no primeiro turno se destacam de uma forma negativa diversos nomes, começando pelo presidente da casa, o senador Renan Calheiros.
Na eleição de Fernando Collor para a Presidência foi o seu principal cabo eleitoral e depois porta-voz, a quem abandonou mais tarde em função das disputas eleitorais em seu estado, Alagoas. Já foi aliado de Lula e acusado de corrupção, renunciou à presidência do Senado em 2007.  Agora, finge adotar uma postura mais distante da questão, mas é voto certo a favor do impeachment.
Seu ex-aliado político, Fernando Collor, hoje no PTC, dispensa apresentações.
No bloco dos senadores investigados pela justiça por corrupção e que se alinham entre os que pretendem retirar o mandato de Dilma, pontificam nomes como Romero Jucá, José Agripino e Fernando Bezerra Coelho.
O senador Zezé Perrella, envolvido no caso do helicóptero apreendido em Minas com uma carga de cocaína, protegido de Aécio Neves é outro que vota pelo impeachment.
Um dos casos mais representativos da falta de compostura de alguns senadores, foi mostrado pela imprensa na semana passada, quando o senador do PMDB, Hélio José, agraciado por Temer com o poder de nomear um diretor da Secretaria de Patrimônio da União, afirmou que era dono do serviço e “nomeava a melancia que quisesse”.
Hélio José ficou conhecido em Brasília como o Hélio da Gambiarra, desde 1995, quando ofereceu uma festa a políticos em sua casa e depois se descobriu que fizera um “gato” na rede pública de eletricidade. O senador, provando que não costuma ser fiel aos partidos, já foi até do PT, passou pelo PSD, depois pelo PMB, o folclórico Partido da Mulher Brasileira e hoje está no PMDB
Outras figurinhas carimbadas em Brasília por um conservadorismo exacerbado são Ronaldo Caiado e Blairo Maggi, inimigos de qualquer avanço na questão agrária do Brasil e por isso velhos inimigos do PT.
Dos senadores do Rio Grande do Sul, dois estão desde o início com votos definidos e não esconderam este fato: Ana Amélia, a favor e Paulo Paim, contra.
Resta saber a posição de Lasier Martin, embora por suas declarações passadas, quando afirmou que Dilma não roubou, mas foi conivente, tudo indica que ficará ao lado do golpe.
Seu partido, o PDT< já expulsou um deputado que votou a favor do impeachment na Câmara, mas isso não deve tirar o sono do senador, que a rigor não foi eleito pelos trabalhistas. Seu partido tem outra sigla. Se chama RBS, a poderosa rede de comunicação que já teve três senadores entre seu quadro de funcionários: Zambiaze, Ana Améilia e Lasier.
O senador Cristovam Buarque, hoje no PPS, já foi no passado um quadro importante, primeiro do PT e depois do PDT . É apontado como criador da Bolsa Família, quando governador do Distrito Federal, foi ministro da Educação no Governo de Lula, mas durante sua trajetória política foi cada vez mais abandonando posições de esquerda e se aliando com o centro, o que serve para justificar seu voto a favor do impeachment.
Caso mais emblemático de uma clara traição à vontade dos seus eleitores é o da senadora Marta Suplicy, eleita pelo PT em 2010, que ocupou o cargo de Ministra da Cultura, de Dilma e que depois de passar para o PMDB, votou a favor da admissibilidade do impeachment.
Certamente, além das vantagens de passar para um partido que, ao que tudo indica, vai herdar a máquina administrativa do Brasil, Marta de certa forma está se vingando de Dilma por ter sido a escolhida por Lula nas eleições de 2010, e não ela e ao partido que escolheu Haddad como candidato a Prefeito de São Paulo, preterindo novamente o seu nome.
Essa semana, seu ex-marido o também ex-senador Suplicy fez um apelo público para que ela lembrasse que representa os eleitores do PT no Senado, mas seu apelo certamente não vai modificar o voto de Marta.
E o povo, como disse Aristides Lobo, vai assistir mais uma vez bestializado, atônito e surpreso, sua vontade ser desconsiderada por estes senhoras e senhores, preocupados em defender apenas seus interesses, algumas vezes políticos, mas quase sempre pessoais?
As manifestações contra o golpe parlamentar das últimas semanas parecem ter sido movimentos pró-forma, destinados a marcar presença de grupos de ativistas, mas sem nenhuma força para modificar o que já foi decidido em Brasília.
Ao que tudo indica, o governo Temer vai se transformar de provisório em permanente, ganhando o status necessário para cumprir os objetivos a que veio: privatizar o que for possível, promover um forte arrocho salarial, fazer o ajuste financeiro que vai permitir que os grandes investidores continuem lucrando e acabar com os programas sociais que durante algum tempo asseguraram ganhos reais à população mais carente.
Tudo isso será feito com o apoio fundamental da imprensa monopolista, que promoveu o golpe e a quem cabe agora justificar para a população o tal ajuste econômico como uma medida necessário e que dará seus frutos no futuro. Futuro no qual, certamente, estaremos todos mortos.
O que fazer então?
Qual a tarefa das esquerdas nos dias escuros que se avizinham?
As propostas reformistas do PT e seus aliados se mostraram incapazes de abrir uma brecha no monopólio de poder que as elites brasileiras detém há décadas e só permaneceram vivas enquanto essas elites puderam usufruir dos principais ganhos que o surgimento de uma nova classe de consumidores trouxe para o País.
Quando o modelo econômico baseado no incentivo ao consumo se esgotou e uma crise internacional abalou as estruturas econômicas do País, essas elites trataram de se afastar do governo, seguindo o exemplo do que já estava ocorrendo em outros países da América do Sul.
Com o fim da proposta reformista do PT, talvez tenha chegado a hora de se voltar novamente a pensar no velho caminho revolucionário que aponta para a edificação do socialismo como única alternativa para o modelo do capitalismo dependente sob o qual vivemos.
No mundo inteiro, filósofos como Slajov Zizez, Alain Baldiou, Jacques Ricieri e Istvan Meszaros, levantam novamente a bandeira do socialismo, porque como disse este último filósofo, parafraseando Roxa Luxemburgo, a opção é Socialismo ou Barbárie.