ELMAR BONES/ O capitão e os generais

Não se tem detalhes do que se passou no Palácio do Planalto nesta segunda-feira  6 de abril.

A versão que se pode filtrar do que saiu na imprensa é  que os generais que cercam o presidente se impuseram: o presidente  queria demitir o ministro da Saúde, eles deram toda força ao ministro.

Bolsonaro foi para casa, entrou em quarentena.

A decisão dos generais que cercam Bolsonaro  indica que eles não querem nem a renúncia nem o impeachment do presidente, porque eles não querem Mourão. Eles preferem o presidente-refém.

O general Villas Boas declarou que “ninguém tutela Bolsonaro”.  Mas tudo indica agora que ele está sob a tutela desses generais que o cercam.

O silêncio de Bolsonaro indica que, além do mais, os generais mandaram  o capitão calar a bora.

GERALDO HASSE/Suprema ironia

A suprema ironia da catástrofe global gerada pelo coronavirus está em vermos o governo brasileiro subitamente preocupado em “cuidar da saúde do povo”, em “proteger os empregos” e em “preservar as condições de trabalho da população brasileira”.

Nesse ritmo, para se tornar um governo de esquerda, só falta retomar os cuidados com o meio ambiente, banir os agrotóxicos, tributar as grandes fortunas e organizar um grande plano de reestruturação da economia com viés social

É verdade que a primeira preocupação oficial foi a de blindar os bancos, mas quem diria que se chegaria a montar um cadastro dos trabalhadores informais? Ou,  seja, pela primeira vez o Estado brasileiro abrirá os braços e os cofres para ajudar quem mais precisa, os pobres desassistidos, até aqui desprezados pelas políticas políticas. Não é incrível?

Quem promete fazer isso, como o dever da hora (a “lição de casa” kkk), é o mesmo governo que há um ano deu uma boa enxugada no Bolsa Família. Parafraseando os médicos em evidência na TV e nas redes sociais, esse vírus não é brincadeira.

As medidas anunciadas pelo governo representam uma extraordinária mobilização de recursos públicos, cuja escala é muito maior do que a reles economia perseguida pelo ministro Paulo Guedes na execução do orçamento da república. Se buscava segurar o déficit do orçamento em 130 bilhões, a primeira contagem indica a ampliação do déficit para mais de 400 bilhões. É uma conta modesta. Na realidade, esse buraco é imprevisível.

Em outras palavras, em vez de regular a comporta social da represa econômica, o governo está na obrigação de abrir várias comportas ao mesmo tempo, já sabendo de antemão que vai parar de chover tributos nas cabeceiras da economia.

Trata-se de um arrombamento controlado da represa. O que está acontecendo é comparável ao desastre de Brumadinho, aquele que provocou mais de 200 mortes de uma só vez em Minas – culpa de uma empresa trinegligente que já não vale quanto pesava.

O coronavirus está produzindo brumadinhos em série. Onde o Brasil vai parar?

É tanto dinheiro descendo pela ribanceira que o ministro Alexandre Moraes, do STF, suspendeu a lei de responsabilidade fiscal. Por incrível que pareça, a prioridade é salvar vidas, uma contradição na agenda neoliberal, focada basicamente no sucesso dos negócios.  E tudo isso acontece quando é presidente da república o político mais despreparado da história.

LEMBRETE DE OCASIÃO

“Quem fica na ponta dos pés não tem firmeza/Aquele que abre as pernas demais não anda facilmente”

Lao Tsé em O Livro do Tao, tradução de Murilo Nunes de Azevedo, Editora Pensamento, 9 ed., 1993

 

 

LEONARDO BOFF/ Mudanças necessárias

A atual pandemia do coronavírus representa uma oportunidade única para repensarmos o nosso modo de habitar a Casa Comum, a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos com a natureza.

Chegou a hora de questionar as virtudes da ordem do capital: a acumulação ilimitada, a competição, o individualismo, a indiferença face à miséria de milhões, a redução do Estado e a exaltação do lema de Wallstreet:”greed is good”(a cobiça é boa).

Tudo isso agora é posto em xeque. Ele tem dias contados.

O que agora nos poderá salvar não são as empresas privadas mas o Estado com suas políticas sanitárias gerais, sempre atacado pelo sistema do mercado “livre” e serão as virtudes do novo paradigma, defendidas por muitos e por mim, do cuidado, da solidariedade social, da corresponsabilidade e da compaixão.

O primeiro a ver a urgência desta mudança foi o presidente francês, neoliberal e vindo do mundo das finanças E. Macron.

Falou claro: “Caros compatriotas, precisamos amanhã tirar lições do momento que atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que nosso mundo escolheu há décadas e que mostra suas falhas à luz do dia, questionar as fraquezas de nossas democracias. O que revela esta pandemia é que a saúde gratuita sem condições de renda, de história pessoal ou profissão, e nosso Estado-de Bem-Estar Social não são custos ou encargos mas bens preciosos, vantagens indispensáveis quando o destino bate à porta. O que esta pandemia revela é que existem bens e serviços que devem ficar fora das leis do mercado”.

Aqui se mostra a plena consciência de que uma economia só de mercado, que tudo mercantiliza e sua expressão política o neoliberalismo são maléficas para a sociedade e para o futuro da vida.

Mais contundente ainda foi a jornalista Naomi Klein,uma das mais perspicazes críticas do sistema-mundo e que serviu de título ao meu artigo:”O coronavírus é o perfeito desastre pra o capitalismo do desastre”.

Essa pandemia produziu o colapso do mercado de valores (bolsas), o coração deste sistema especulativo, individualista e antivida como o chama o Papa Francisco.

Este sistema viola a lei mais universal do cosmos,da natureza e do ser humano: a interdependência de todos com todos; que não existe nenhum ser, muito menos nós humanos, como uma ilha desconectada de tudo o mais.

Mais ainda: não reconhece que somos parte da natureza e que a Terra não nos pertence para explorá-la ao nosso bel-prazer, mas que nós pertencemos à Terra.

Na visão dos melhores cosmólogos e dos astronautas que veem a unidade Terra e Humanidade, somos aquela porção da Terra que sente, pensa, ama, cuida e venera.

Superexplorando a natureza e a Terra como se está fazendo no mundo inteiro, estamos nos prejudicano a nós mesmos e nos expondo às reações e até aos castigos que ela nos impõe. É mãe generosa, mas pode mostrar-se rebelada e enviar-nos um vírus devastador.

Sustento a tese de que esta pandemia não pode ser combatida apenas por meios econômicos e sanitários sempre indispensáveis. Ela demanda outra relação para com a natureza e a Terra.

Se após passar a crise e não fizermos as mudanças necessárias, na próxima vez, poderá ser a última, pois nos fazemos os inimigos figadais da Terra. Ela pode não nos querer mais aqui.

O relatório do prof.Neil Ferguson do Imperial College of London declarou:”Esse é o vírus mais perigoso desde a gripe H1N1 de 1918. Se não houver uma resposta imediata, haveria nos USA 2,2 milhões de mortos e 510 mil no Reino Unido”.

Bastou esta declaração para que Trump e Johnson mudassem imediatamente de posição.Tardiamente se empenharam com fortunas para proteger o povo.

Enquanto que no Brasil o Presidente não se importa, a trata como uma “histeria” e no dizer de um jornalista alemão da Deutsche Welle: “Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas”.

É o que o Parlamento e o STF, por amor ao povo, deveria sem delongas fazer.

Não basta a hiperinformação e os apelos por toda a mídia. Ela não nos move a mudar de comportamento exigido. Temos que despertar a razão sensível e cordial.

Superar a indiferença e sentir, com o coração, a dor dos outros. Ninguém está imune do vírus. Ricos e pobres temos que ser solidários uns para com os outros, cuidarmo-nos pessoalmente e cuidar dos outros e assumir uma responsabilidade coletiva.

Não há um porto de salvação. Ou nos sentimos humanos, co-iguais na mesma Casa Comum ou nos afundaremos todos.

As mulheres, como nunca antes na história, têm uma missão especial: elas sabem da vida e do cuidado necessário. Elas podem nos ajudar a despertar nossa sensibilidade para com os outros e para conosco mesmo.

Elas junto com operadores da saúde(corpo médico e de enfermagem) merecem nosso apoio irrestrito. Cuidar do que nos cuida para minimizar os males desse terrível assalto à vida humana.

RAUL ELLWANGER/ Desolação

QUANDO A COVID desabar sobre Complexo do Alemão, Paraisópolis, Cubatão, Vila Rubem Berta, Rocinha, palafitas de Belém e Recife, presidios, moradores de rua, esgotos a céu aberto, vilas sem água, quilombos, tekoás indígenas, moradias de 16 metros quadrados, favelas insalubres, populações já enfermas crônicas, pessoas esmigalhadas dentro de ônibus e trens após horas de espera nas filas da vila, milhões de desempregados, poderemos dizer para “guardar isolamento em casa?” ou “comprar só o necessário”? Poderemos dizê-lo para este menino fotografado por Jorge Aguiar?  Dizer que lave suas mãos neste filete de agua servida?

CERTAS PROFISSÕES sofrem brutal exposição ao risco de contagio, sejam as médicas, de segurança, de abastecimento.

Há outro grupo de altíssimo risco, são aquelas pessoas que tem doenças crônicas, tratamentos permanentes, e muito especialmente os transplantados, os imuno-deprimidos.

Segundo jornal de Porto Alegre (CP), o atraso entre coleta de material e resultado confiável é de 6 (seis) dias. Assim, no dia 25 de março estamos falando dos números do dia 19 de março.

Nossos pensamentos e conclusões portanto vivem no engano, iludidos pela distorção entre a realidade e a informação estatística.

Como os casos estão triplicando a cada dois dias, teríamos como hipótese: dia 19 = 10 casos; dia 21 = 30 casos; dia 23 = 90 casos; dia 25 = 270 casos.

Não por acaso, a Embaixada norte-americana ordenou hoje que seus súditos abandonem o Brasil.

 

 

LOURENÇO CAZARRÉ/ Esperando o caos anunciado

O Brasil parou para que possamos nos preparar melhor para o colapso do nosso sistema de saúde que ocorrerá dentro de um mês, ou menos, por causa do coronavírus.

Todas as atividades foram suspensas para que a curva de crescimento da epidemia seja suavizada de modo que tenhamos mais tempo de nos prepararmos para o caos anunciado.

E quais seriam esses preparativos?

A depreender do noticiário internacional, devemos aumentar exponencialmente nossa capacidade de enfrentar a doença treinando de uma hora para outra alguns milhares de pessoas que vão atuar na linha de frente e dobrando ou triplicando nossos leitos de UTI e nossos respiradores artificiais.

Na sua maioria, dentro de suas possibilidades, os brasileiros estão fazendo sua parte: recolhidos em casa, esperam o tsunami. Cabe então a pergunta: e o poder público, está cumprindo seu papel?

Numa esclarecedora entrevista, concedida neste sábado (21), graduados funcionários do Ministério da Saúde garantiram que todos os esforços estão sendo feitos, sim. Ótimo. Mas cabe ao cidadão indagar de novo: serão suficientes?

Isso nós só saberemos depois.

O que intriga no noticiário nervoso sobre a pandemia é o pouco destaque dado a algumas informações importantes. Como, por exemplo, a impressionante vitória da Alemanha sobre o covid-19.

Li em jornais europeus que os germânicos treinaram 35 mil para-médicos na primeira semana da epidemia e mais 100 mil na seguinte e aplicaram testes em massa: 160 mil em uma semana.

Li também que terão em poucos dias mais 10 mil respiradores artificiais, fabricados por uma empresa local. Além disso, os hospitais alemães possuem quatro ou cinco vezes mais leitos de UTI do que os ingleses ou franceses.

Assim, a taxa de mortalidade por coronavírus – que é de 8 por cento na Itália e 4 por cento na Espanha – fica em apenas 0,3 na Alemanha.

É óbvio que não podemos traçar paralelos entre a situação brasileira e a de um dos países mais ricos do mundo. Mas temos que nos concentrar no que fazem os alemães. Precisamos tentar imitá-los.

Macron sintetizou melhor que todos os políticos o momento que vivemos: estamos em guerra. Mas uma guerra diferente: todos os países unidos contra um inimigo que só pode ser vislumbrado em microscópio.

Aceita a hipótese de Macron e acatada a idéia do isolamento social, resta-nos, aos brasileiros, nos prepararmos para a grande batalha, que está logo à nossa frente.

O Brasil – onde as obras públicas se arrastam por décadas – precisa criar em poucos dias milhares de leitos (em hospitais de campanha ou em prédios adaptados). O Brasil – cujas compras de alfinetes devem ser submetidas a intrincadas licitações que se estendem por anos – precisa adquirir em poucos dias milhares de respiradores artificiais.

Como nos sairemos?

É uma boa pergunta para nos fazermos enquanto observamos a curva de crescimento da pandemia.

GERALDO HASSE/ Prova de Fogo

Enquanto muitas pessoas batem panela para manifestar sua decepção com a gestão Bolsonaro, é oportuno lembrar que as trapalhadas presidenciais não agravam nem amenizam o drama imposto pela pandemia do Covid-19.

O certo é que a catástrofe anunciada pela chegada do vírus está colocando à prova a estrutura brasileira de defesa sanitária e de salvaguarda da economia.

Quem diria que teríamos um desafio dessa grandeza?

Dá-se como certo que os sistemas público e privado de saúde, somados, não darão conta do problema, que está no começo e cujo pico deve ocorrer entre abril e junho.

Mas o que dizer do sistema econômico?

A primeira coisa que os empreendedores privados fizeram foi pedir aprazamento do pagamento de impostos, redução de tarifas de serviços essenciais (água, energia, telefone) e autorização para reduzir salários e carga horária.

O governo se dispôs a abrir os cofres para despejar dinheiro no mercado, o famoso Mercado, supostamente apto a resolver qualquer parada, desde que o Estado não se meta…Capitalismo de araque!

Os bancos que vêm acumulando lucros anuais de 100 bilhões de reais estão “quietos como coruja no poste”. E ainda não se ouviu um pio das seguradoras, que supostamente estão aí para ajudar vítimas de desastres etc.

Sim, o governo brasileiro foi pego no contrapé, mas a sociedade brasileira – se assim podemos chamar o nosso desigual quadro social – está na contingência de provar que o Brasil é um país viável com seus bancos poderosos, seu pujante agronegócio, suas grandes exportações de produtos primários, suas fábricas de automóveis de capital estrangeiro, suas universidades públicas e privadas – em que pesem seus brutais índices de desigualdade socioeconômica.

Embora apresente razoáveis índices de crescimento ao longo das últimas décadas, a economia brasileira está momentaneamente sem força para gerar renda e emprego para milhões de pessoas colocadas à margem do progresso.

E agora que está obrigada a fazer uma pausa em nome da saúde popular? É um baita desafio que se soma ao trabalho dos especialistas em saúde pública.

O que seria de nós sem os cientistas, os pesquisadores e os professores achincalhados nos últimos meses por ministros do atual governo?

Os jornais falados e impressos começam a contabilizar as mortes pelo covid-19 (quatro em São Paulo e duas no Rio na quinta, 19/3), mas esquecem de relacioná-las com a mortalidade geral do país.

Vamos recordar: em 2016, segundo os últimos dados disponíveis, morreram 1,3 milhões de brasileiros (éramos pouco mais de 200 milhões), sendo 340 mil de doenças cardíacas/circulatórias (hipertensão, 1/3 do total); 200 mil de cânceres; 139 mil de pneumonia e doenças do aparelho circulatório; 63 mil do fígado e aparelho digestivo; 56 mil de diabetes. Segundo os dados do Ministério da Saúde, “causas externas” (entre elas, acidentes de trânsito e violência interpessoal) causaram mais de 50 mil mortes.

A subnutrição vitimou seis mil brasileiros. Na lista de 100 causas mortis, mal constam sarampo, dengue e zika, todas causadas por vírus contraídos por via respiratória, como acontece com o coronavirus.

Os dois grandes indicadores de saúde apresentam dados positivos.

O índice de mortalidade infantil vem caindo ano após ano e está em 12,4 mortos/ano por mil nascidos vivos, sendo o Amapá o pior (22,8) e o Espírito Santo o melhor (8,1). Mérito dos profissionais de saúde, especialmente do SUS.

Também a esperança de vida vem subindo: 76,3 anos no país, sendo 79,7 anos em Santa Catarina e 71,1 no Maranhão (no ES, 78,8).

Mas como estaremos – na economia e na saúde — depois da quarentena que se anuncia?

LEMBRETE DE OCASIÃO

“Todos os sucessos no setor moderno [dos chamados países em desenvolvimento] provavelmente serão ilusórios a menos que haja também um crescimento salutar – ou, pelo menos, uma solução salutar de estabilidade – entre os enormes números de pessoas cuja vida se caracteriza hoje não só pela mais terrível pobreza mas também pela desesperança”.

E. F. Schumacher, economista inglês, autor de “Small Is Beautiful (O Negócio é Ser Pequeno, na tradução brasileira de Zahar Editores), em conferência da Unesco em Santiago, Chile, 1965

JOSÉ ANTONIO SEVERO/ Por que Marielle?

Foi preciso o professor da FGV e UnB Nelson Barbosa descer da sua cátedra e botar o dedo na ferida com a grande interrogação: por quê Marielle Franco foi assassinada?

No dia seguinte à coluna do ex-ministro da Fazenda e do Planejamento da presidente Dilma Rousseff, na Folha de São Paulo, parece que a mídia acordou e nas páginas do sábado pontilhavam de referências aos motivos inexplicados do crime.

Entrava uma pergunta essencial, que até esse dia não era sequer mencionada nas análises e narrativas sobre o assassinato, que circularam pelo mundo inteiro.

Com a judicialização do caso, para levar os acusados, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, ao tribunal do júri, foi necessário introduzir esse quesito: por que matar a moça?

O motivo apresentado nos autos é “de crime de ódio”.

Certamente nos tempos dos grandes repórteres policiais do passado, como os falecidos Pena Branca (Otávio Ribeiro), Vanderlei Soares ou o ainda atuante Percival de Souza, nos seus tempos de Jornal da Tarde, essa questão já teria sido levantada nas páginas policiais.

Duas perguntas derivam dessa dúvida, que é básica: a encomenda da morte de Marielle seria uma queima de arquivo?

E, neste caso, o que de tão grave seria de seu conhecimento ou teria a participação da vereadora para justificar um crime caro e sofisticado?

Quem mandou e quanto pagou pelo “contrato”, financiando uma ação de alto profissionalismo, com armas sofisticadas, com mira de calor capaz de localizar o alvo no escuro por detrás da lataria do carro e dos vidros fumê, além de um estabilizador para permitir o disparo certeiro com os dois automóveis, da vítima e do atirador, em movimento? (O pistoleiro acertou todos os tiros).

Esta pergunta final pode embaralhar o senso comum, que já dá os dois milicianos cariocas como culpados e, certamente, condenados.

Caberá aos repórteres fazer as perguntas de praxe que mesmo o mais novato foca aprende quando chega a uma redação de jornal: quem, o que, quando e por que?

Como explicar tamanho aparato bélico, o uso de sicários de padrão internacional, de armas desconhecidas (a não ser pelas unidades especiais das forças armadas) para matar uma vereadora de primeiro mandato, de um pequeno partido de oposição, sem poder e sem articulações para interferir na administração ou para criar embaraços reais aos grandes chefões do crime?

É a pergunta que o promotor, encarregado das acusações, terá de responder e convencer os jurados de que os dois milicianos, homens frios e calculistas, abriram fogo porque se irritavam com as pregações esquerdistas da vítima.

Esta será a tese do Ministério Público do Rio.

A pergunta do professor Barbosa abre o capítulo do mistério.

O que Marielle sabia ou fazia para provocar tamanho abalo no submundo?

Essas respostas podem mudar completamente o rumo das hipóteses sobre crime de ódio racial, de gênero ou ideológico que compõem as provas que a Polícia carioca vai oferecer ao conselho de sentença.

Muita água voltará a correr debaixo dessa ponte.

OMAR HASSAN/ Maior estrago será na economia

O perigo econômico do coronavírus é exponencialmente maior do que os riscos à saúde pública.

Se o vírus afetar diretamente a sua vida, o mais provável é que seja obrigando você a parar de ir ao trabalho, forçando seu empregador a torná-lo supérfluo ou falindo seus negócios.

Os trilhões de dólares varridos dos mercados financeiros na semana passada serão apenas o começo, se os nossos governos não intervirem.

E, se o presidente Trump continuar tropeçando ao lidar com a situação, isso poderá afetar suas chances de reeleição.

Joe Biden, em particular, identificou a Covid-19 como uma fraqueza de Trump, prometendo uma liderança “constante e tranquilizadora” durante esta hora de necessidade dos EUA.

Em todo o mundo, a Covid-19 matou 4.389 pessoas, com 31 mortes nos EUA até hoje [quinta-feira, 12].

Mas ele prejudicará economicamente milhões de pessoas, especialmente pelo fato de a epidemia ter formado uma tempestade perfeita com quedas no mercado de ações, uma guerra do petróleo entre a Rússia e a Arábia Saudita, e o desdobramento de uma guerra de verdade na Síria devido a outra possível crise migratória.

Podemos considerar o coronavírus como o momento em que os fios que mantêm a economia global unida se soltaram; e as startups e empresas em crescimento podem acabar pagando o preço disso.

Tão importante quanto combater o vírus – senão até mais importante – é vacinar as nossas economias contra a vindoura pandemia de pânico.

O sofrimento humano pode vir na forma de doença e morte. Mas também pode ser experimentado como o fato de não ser capaz de pagar as contas ou de perder a própria casa.

As pequenas empresas, em particular, estão enfrentando dificuldades à medida que as cadeias de suprimentos secam, deixando-as sem produtos ou materiais essenciais.

O fechamento de fábricas na China levou a uma baixa recorde no Índice de Gestores de Compras (PMI, na sigla em inglês) do país, que mede a produção industrial.

A China é o maior exportador mundial e é responsável por um terço da manufatura global; portanto, o problema da China é problema de todos – inclusive no meio de uma guerra comercial entre a Casa Branca e Pequim.

Tudo isso torna ainda mais preocupante o fato de os governos continuarem vendo isso como uma crise de saúde, e não econômica.

É hora de os economistas substituírem os médicos, antes que a verdadeira pandemia se espalhe.

É difícil imaginar a Itália não entrando em uma recessão (a nona maior economia do mundo está agora bloqueada). Também é difícil imaginar que isso não afetará a Europa e seu maior parceiro comercial, os EUA.

E é impossível ver como isso não resultará em uma desaceleração global, a menos que os governos entrem em ação de forma mais rápida e mais dura do que há 12 anos, durante a última crise financeira.

O que está em jogo é maior neste momento, porque parece haver um esforço coordenado para prejudicar economicamente muitos países ocidentais e alertá-los a se afastarem das políticas comerciais agressivas que Trump adotou com tanto entusiasmo.

Embora a China sofra o impacto do custo econômico e humano do vírus, muitos em Pequim verão um fio dourado no enfraquecimento da economia dos EUA e uma distração das guerras comerciais de Trump que pareciam estar aumentando sem haver uma luz no fim do túnel.

Quase perfeitamente sincronizada com o coronavírus, eclodiu uma guerra do petróleo entre a Rússia e a Arábia Saudita.

No curto prazo, Moscou e Riad podem pagar pela queda de 30% no preço do petróleo da noite para o dia.

Mas o negócio de gás de xisto dos EUA não pode: o processo de fracking, mais caro, significa que grande parte do setor de petróleo dos EUA simplesmente não existirá se os preços do petróleo permanecerem em níveis históricos baixos, levando a paralisações, perda de empregos e talvez até recessões em nível estatal.

O presidente Trump promoveu cortes de impostos nas folhas de pagamento atrasadas e ajuda para trabalhadores horistas – medidas que ajudarão empregadores e empregados a sobreviver.

No Reino Unido, o chanceler Rishi Sunak divulgou um “Orçamento para o Coronavírus”. Mas todos precisam pensar melhor se quiserem lidar adequadamente com a forma como esse novo fator altera o status quo.

Isso tem a ver com muito mais coisas do que coronavírus, os preços do petróleo ou até a economia global.

Trata-se do equilíbrio de poder entre o Oriente e o Ocidente. O epicentro dele, nos últimos 10 anos, foi a Síria. Depois de uma década de conflito no local, o confronto parece agora ter escalado da guerra por procuração para o conflito econômico.

As superpotências emergentes da Rússia e da China testemunharam o que muitos viam como uma irrelevância estadunidense na Síria. E agora estão tentando consolidar sua visão de um mundo verdadeiramente multipolar.

Em vez de permitir que a Arábia Saudita, aliada dos EUA, lidere os mercados de petróleo através do cartel da OPEP, a Rússia e a China querem reformular os mercados globais – e os equilíbrios de poder – em proveito próprio.

Para sobreviver a essas mudanças, os EUA, o Reino Unido e outros precisarão proteger o futuro de seus negócios, grandes e pequenos, e procurar oportunidades para se beneficiarem da nova ordem econômica mundial, e não negá-la.

Ignorar essas alterações será ainda mais prejudicial do que qualquer pandemia de gripe.

*Omar Hassan é economista, cofundador do UK MENA Hub. Artigo publicado no The Independent, 12-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

ELMAR BONES/ A China e o Coronavirus

Se estão certas as informações de que a pandemia está sob controle e em declínio na China, o mundo vai ter que copiar o que os chineses fizeram para combater o corona.

Erros clamorosos à parte, como o hotel com pessoas em quarentena que desabou, a estratégia deles funcionou.

Priorizaram o isolamento, a contenção e o atendimento às pessoas, mesmo à custa de enormes gastos e perdas econômicas, proibindo circulação de cargas, funcionamento de fábricas, usinas, siderurgias,  centros comerciais e tudo mais.

Se o virus está realmente sob controle e em declínio, foram menos de tres meses, de dezembro de 2019 a este início de março de 2020. No ocidente estima-se em quatro meses o seu ciclo.

Nos próximos quatro meses, enquanto o Covid 19 se espalhar pelo resto do mundo, até esgotar seu ciclo, a China será uma referência para o combate ao virus, se ela realmente vencer a guerra.

Depois, quando a pandemia passar, o mundo terá que olhar para a China para ver o que eles fizeram (ou deixaram de fazer) para se recuperar dos impactos econômicos do coronavirus.

A economia chinesa, se estão certos os prognósticos oficiais, terá de dois a quatro meses de vantagem para se recuperar do impacto da pandemia. Pode ser um diferencial na guerra comercial que vai se acirrar.

Isso em tese, porque esse virus é um desafio inédito para a economia globalizada, de consequências ainda imprevisíveis.

 

ELMAR BONES/ Quem corre atrás de clics acaba longe dos fatos

Quando fui repórter em Brasilia no início da Nova República, conheci um motorista do, então, Ministério da Fazenda que, naquele momento, servia o ministro  Dilson Funaro, o autor do Plano Cruzado.

Veterano na condução de figurões, esse motorista tinha em bem pouca conta os repórteres, como eu, que corriam atrás de declarações do ministro.

“Catadores de palavras”, dizia ele vendo aquele bando de repórteres desatinados enquanto Funaro corria do elevador para o carro na garagem do Ministério.

Antes de fechar a porta, já com meio corpo para dentro, o ministro dizia duas ou três frases estudadas que seriam as manchetes do dia seguinte e que vagamente coincidiam  com o que havia sido decidido no gabinete do ministro durante a tarde, enquanto os repórteres comiam pizza na sala de imprensa.

O jornalismo dos “catadores de palavras” está atualíssimo.

Com o agravante do instantaneismo e a disputa por clics que assolam o jornalismo à esquerda e à direita, na vereda da internet.

O que interessa é a frase chocante, a denúncia bombástica, a fumaça que geralmente encobre o que realmente acontece.

Os “catadores de palavras” agora levam bananas. Mas continuam lá, correndo atrás de declarações, que rendem clics, sempre longe dos fatos que realmente interessam.