A volta sem-vergonha do capitalismo selvagem

Geraldo Hasse

Aprovada às pressas, a reforma trabalhista favorece o mundo empresarial e vai precarizar dramaticamente a vida dos trabalhadores.
As contradições entre o novo e o antigo regime vão desaguar na Justiça do Trabalho, formada por uma maioria de juízes inclinados a garantir o lado mais fraco da relação trabalho-capital.
Nesse aspecto, levando em consideração o pensamento dominante no Congresso Nacional, faz total sentido a declaração de um deputado antitrabalhista que disse na maior cara de pau: “Feita a reforma, agora é preciso acabar com a Justiça do Trabalho”.
No entanto, se a Justiça do Trabalho for desmantelada, será dado o passo final para instalar o caos na economia e em diversos setores da vida nacional.
A precarização das relações de trabalho vai escancarar a porteira para a ação de aventureiros internacionais adeptos do capitalismo selvagem.
Basta lembrar que o recente boom econômico da China foi iniciado por capitais norte-americanos e europeus que buscaram o grande país asiático para desfrutar do baixo custo de sua mão-de-obra.
Passadas duas décadas, porém, os salários melhoraram na China. Estariam os aventureiros procurando novos territórios de operação? É possível que o Brasil seja a bola da vez, no aspecto trabalhista.
Na realidade, há indícios concretos de que o capital internacional quer fazer do Brasil uma plataforma rentável de produção global.
Com a ajuda de brasileiros dispostos a servir como capachos (“testas de ferro”, segundo o jargão de 50 anos atrás), os EUA e a União Europeia estão conspirando mais ou menos abertamente para reduzir o índice de conteúdo nacional de equipamentos brasileiros de prospecção de petróleo, que se tornaram o filé da indústria nativa desde a descoberta de petróleo na camada pré-sal da plataforma continental, em 2006.
Ao analisar as plataformas de petróleo construídas em estaleiros nacionais em anos recentes, os advogados do diabo alegam que o custo brasil é muito alto e a qualidade da mão-de-obra, muito baixa.
Em outras palavras, querem nos fazer crer que o país não tem futuro senão como colônia. É a segunda vez que se desmantela a indústria naval brasileira.
Na primeira arrancada, ela durou cerca de 20 anos — da década de 1950 aos anos 70. Agora, a retomada dos estaleiros durou o tempo dos governos petistas — pouco mais de uma década.
Não se sabe até onde vai essa onda reacionária no plano trabalhista, mas trata-se de um retrocesso que faz o Brasil retornar a antes de 1932, quando Getulio Vargas iniciou a regulamentação do trabalho e da previdência social.
A reforma das leis trabalhistas do governo Temer deixou intacta a Justiça do Trabalho, que deverá se tornar alvo de uma grande ofensiva conservadora para desfazer direitos consagrados e favorecer a implantação de novas formas de relações de trabalho, como está acontecendo com a multinacional Uber e seus motoristas.
Onde caberia um novo pacto social modernizador, foi imposto goela abaixo das centrais sindicais dos trabalhadores um regramento que vai favorecer a parte mais forte da relação capital-trabalho.
No mínimo, o resultado será um boom de ações trabalhistas. No limite, como escreveu o jornalista Luis Nassif, “a reconquista dos direitos perdidos trará de volta as grandes batalhas campais dos primórdios do capitalismo.”

Rolando Boldrin, um brasileiro sem máscara

Ao completar 80 anos, Rolando Boldrin, um caipira ilustrado, liberou sua biografia escrita por Willian Correa e Ricardo Taira, jornalistas da TV Cultura de São Paulo. O livro é editado pela Contexto.

A história é muito boa, tipicamente brasileira: conta como o auxiliar de sapateiro de São Joaquim da Barra (SP) se tornou ator, compositor e cantor na cidade de São Paulo, onde chegou em 1958, aos 22 anos de idade.
Desde criança, quando formou uma dupla caipira (Boy e Formiga) com o irmão mais velho, Rolando Boldrin sonhava ser ator na pioneira TV Tupi, fundada em setembro de 1950 em São Paulo. Pois o cara chegou lá, foi entrando pelas beiradas, fez uma ponta aqui, outra ali, e de repente estava trabalhando como coadjuvante ao lado de atrizes como Irene Ravache e Rosamaria Murtinho.
No filme Doramundo, dirigido por João Batista Andrade com base em livro de Geraldo Ferraz, fez um marcante maquinista de trem que tinha por rival o galã Antonio Fagundes.
Entrevistado pelo Roda Viva, da TV Cultura, Boldrin, a cavaleiro em sua imensa experiência musical, esclareceu algo que pouca gente percebe na atual barafunda cultural brasileira, onde os interesses comerciais são mais fortes do que melodias e ritmos nativos.
“No meu programa, não deixo usar chapéu de caubói americano”, disse ele. Por que? Porque o chapéu de cow boy é da cultura country americana. E também a camisa listrada, a calça jeans e a botinha de salto. Não é birra gratuita contra o império americano, apenas coerência de um brasileiro disposto a valorizar as coisas autênticas deste país.
Afinal, o programa se chama Sr. Brasil. Boldrin sabe como se misturam as coisas, manipulando símbolos e conceitos.
Segundo Boldrin, a antiga música caipira, de origem rural, foi transformada em “sertaneja” por interesse comercial.
Sertaneja autêntica é a música do sertão nordestino, afirma ele, sem qualquer empostação intelectual.
Por sua vida e obra, Boldrin é uma expressão do Brasil caboclo que sobrevive nas zonas rurais, nos arrabaldes das grandes cidades e nas pequenas comunidades do interior.
Seu programa na TV Cultura, Sr. Brasil, apresentado todo domingo às 10 horas, tira do desvio inúmeros artistas sem espaço nos canais comerciais de rádio e TV.
Não é à toa que cantores e compositores reverenciam Boldrin como uma espécie de padrinho da autêntica música brasileira, o que abrange o baião, o bugio, a catira, o chote, o congo, a guarânia, a milonga, o maçambique, a moda de viola, o pagode, a rancheira, a valsa, o xaxado, o vanerão e as diversas variantes do samba.
Sim, o samba: surpreendentemente, em seu depoimento à Roda Viva, Boldrin revelou gostar de samba de Moreira da Silva, Germano Matias e Adoniran Barbosa.
Sem pose de professor, Boldrin é um brasileiro como Paulinho da Viola, Elomar Figueira de Mello, Geraldo Azevedo, Nelson Coelho de Castro, Renato Teixeira e outros representantes de uma cultura massacrada pelos interesses da indústria cultural, serva do showbiz americano e afins.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“…repetindo os esquemas senhoriais anciães, em umas zonas mais que em outras, o interesse privado dos ‘coronéis’ ou poderosos locais se sobrepõe ao desenvolvimento dos interesses públicos, gerando formas regionalizadas de despotismo, a impossibilitar, entre outras coisas, a ‘democracia cultural’. Todavia, parafraseando Zunthor, a cultura popular é amacetada, mas impossível de se extirpar, pela acusação de heresia religiosa ou paganismo estético.”
Romildo Sant’Anna – A MODA É VIOLA – Ensaio de Cantar Caipira, Arte & Ciência/Unimar, 395 p., 2000

A carrapatolândia é aqui

Vejam só o que a vida nos ensina em mais um inverno de nossas existências: à temperatura de 15ºC ou menos, os carrapatos ficam inativos. Hibernam, como fazem diversos seres vivos deste planeta sui generis.
Mas isso só ocorre com os carrapatos bovinos, cujo nome científico  tem algo de nobre: Rhipicephalus (Boophilus) microplus.
Já os carrapatos do poder da república, com nomes bastante triviais, não descansam em nenhuma das estações do ano.
Os carrapatos bovinos param no frio mas não desistem. Mal finda o inverno, em setembro, já  atacam novamente, depois de uma temporada no solo, onde as carrapatas depositam seus ovos, após cair, repletas de sangue, do couro dos bovinos, onde ficam sugando por cerca de 21 dias.
Cada fêmea põe até 3 mil ovos por postura. É aí que está o perigo.
Dá-se então o seguinte, contam os veterinários: quando estão do tamanho da cabeça de um alfinete, as larvas dos carrapatos sobem do chão para a ponta dos capins e arbustos do campo, onde ficam esperando carona de um quatro patas.
Conseguindo embarcar, logo se instalam no couro (gostam muito do pescoço) e vão sugando até completar o ciclo de crescimento — 21 dias, durante os quais os carrapatos fecundam as fêmeas e todos vão parar no chão, redondamente nutridos pelo sangue da boiada.
A cada estação surge uma nova geração de carrapatos.
Da primavera ao outono, passando pelo verão, os carrapatos enfraquecem o gado e causam prejuízos de bilhões em carne e leite que deixam de ser produzidos (pesquisadores do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais andaram fazendo umas contas e concluíram que o carrapato provoca um prejuízo anual de cerca de 3 bilhões de dólares na produção de carne e de 1 bilhão de dólares na produção de leite). Talvez seja o caso de aplicar um lava-jato na carrapatolândia.
Além disso, os carrapatos transmitem a tristeza parasitária bovina, uma doença que aniquila os animais, caso não seja tratada logo que se apresenta. Para a chamada TPB não tem vacina.
Na Embrapa estão tentando descobrir uma, mas por enquanto nada. O carrapato existe em todo o país, mas é no Rio Grande do Sul que ele causa mais dor de cabeça. Não no inverno, mas nas outras estações do ano.
Voltemos ao solo onde são depositados os ovos. Se não arranjam um hospedeiro, os carrapatinhos-cabeça-de-alfinete morrem em dois, três meses. Mas há quem diga que eles podem durar até três anos no solo.
Por isso a estratégia dos fazendeiros é impedir que os carrapatinhos se agarrem aos seus animais. Uma das saídas é roçar os campos. Outra, implantar lavouras de arroz, milho, trigo ou soja. Em campo com lavoura, os carrapatos não têm vida fácil.
Por fim há uma saída genética que vem sendo praticada nas últimas décadas: azebuar os rebanhos. Como? Fazendo cruzamentos entre gado europeu (angus, hereford, devon, Jersey, holandês) com o asiático (nelore, gir). Isso porque o gado zebu, trazido da Índia há 100 anos, possui certa resistência ao carrapato. Resistência, não imunidade.
O prezado leitor já deve ter notado como é vistoso o couro de um nelore. Brilha ao sol. Numa sala, é tapete esplêndido. Pois esse lindo animal branquelo, que tem o corpo adornado por um cupim e uma barbela, possui certa aptidão para beliscar-se de dentro para fora. Ele contrai o couro no ponto onde o parasita tenta se instalar. É o que os economistas e afins chamariam de “vantagem comparativa” do zebu.
Já um angus ou um hereford, ambos de origem inglesa, são menos eficientes no tal movimento epidérmico de repelir os insetos.
Além disso, são peludos, o que facilita a vida do carrapato, que pertence à espécie dos ácaros, criaturinhas especializadas em viver grudadas nos seus hospedeiros, sejam animais ou vegetais. “Pragas”, diria alguém com baixa cultura ecológica. Baixaria semelhante comete quem diz que certas plantas invasoras das lavouras são “ervas daninhas”, algumas das quais produzem chás milagrosos para os animais humanos.
Pode ser também que os animais de raças europeias tenham um sangue mais apetitoso para os carrapatos. Talvez algum dia se descubra porque os ácaros sugadores de sangue se dão melhor no gado europeu do que no asiático.
Carne por carne, o zebu não tem o maior atributo do gado europeu: o “marmoreio” tão apreciado pelos paladares mais exigentes. (O neologismo aspeado na frase anterior foi presumivelmente inventado por alguém diante de uma chuleta que continha uma picante mescla de gordura e carne, daí lembrar certos aspectos do mármore).
Pois a verdade é que hoje em dia há no Brasil milhares de fazendeiros praticando o chamado cruzamento industrial, ou seja, cruzam animais taurinos e zebuínos, obtendo híbridos de carnes mais macias e com maior resistência ao carrapato Boophilus (“amigo do boi” em latim).
Digamos então que o pessoal da pecuária está fazendo uma ponte genética que liga Bagé a Uberaba mas alcança também Campo Grande e Paragominas. Os mais abonados conseguem esticar essa ponte até o Texas, onde surgiu o brangus, variedade bovina resultante do cruzamento do angus europeu com o brahman asiático.
Claro que o Brasil não fica atrás nesse item. Para fins leiteiros, foi criada aqui a variedade girolando, cruzo do indiano gir com a raça holandesa, que deu ao mundo a Mercedes-Benz do leite (poderíamos dizer que a raça jersey inglesa é o Volks do mundo lácteo). Já para fins de carne, temos o braford (brahman + hereford) e outros como o tabapuã.
Onde se vai chegar com isso ninguém sabe, mas não foi à toa que o Brasil se tornou um grande exportador de carnes bovinas. A diversidade de ambientes é um dos trunfos da agricultura brasileira. Falta tomar cuidado com os ácaros-vampiros.
Como os ratos, os pernilongos, as baratas e as formigas, os carrapatos sobrevivem aos venenos formulados para eliminá-los. Há cepas de carrapatos que desenvolveram resistência aos carrapaticidas. Um problemão semelhante ao criado pelos vírus da gripe e as bactérias de diversas infecções.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O problema da criação vacum não é produzir uma rês grande nem bonita, segundo o gosto variável de cada um; é transformar pasto e água em ouro; portanto, melhor raça é aquela que na mesma área de terreno deixar maior saldo líquido.”
J.F. de Assis Brasil (1857-1938), fazendeiro, diplomata e político nativo do pampa gaúcho que implantou no Rio Grande as raças bovinas inglesas devon e jersey

Convergência social e democrática

É preciso resistir aos retrogovernos que trabalham contra a ordem e o progresso.
Se ganhasse na megassena, eu contrataria Aldyr Blanc, Arnaldo Antunes, Caetano Velloso, Chico Buarque, Chico Cesar, Elomar, Jorge Ben, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro, Renato Teixeira, Rita Lee, Rolando Boldrin, Zé Ramalho e os irmãos Ramil para um show-desabafo inspirado na atual situação política brasileira.
Além do cachê, eles poderiam escolher parceiros(as), teriam comidas e bebidas à vontade, disporiam de massagistas e terapeutas, e poderiam recorrer a um plantel de arranjadores para incrementar o espetáculo, que seria documentado desde o primeiro encontro até a despedida final, quando o público poderia levar para casa o CD, o DVD, o book e outros souvenirs.
Com essa suprema convergência artística, provaríamos que o Brasil tem talento para não precisar se sujeitar ao triunfo das nulidades, como vem acontecendo. Eu, por exemplo, não tenho mais palavras ou rimas para narrar o que vem se passando.
Sai Dilma, entra Temer e as coisas pioram. Cai Cunha, sobe Maia e segue tudo igual.
Um dia é Aécio, no outro Joesley. A fraude prevalece, domina e impera.
No fundo ninguém presta. Nove entre dez brasileiros estão de saco cheio, querem Temer fora do Palácio.
Será que no Brasil não tem gente boa? Até parece que só os maus são eleitos.
Dizendo-se republicanos e democráticos, os pigmeus do bulevar (como já escreveu Chico Buarque) trabalham à luz do dia (e na calada da noite) para fazer o país retroceder socialmente à época anterior à Lei Áurea.
O comportamento dos ocupantes dos três poderes do Planalto lembra um baile suspeito cuja senha de acesso é Delenda Lula#PT Nunca Mais. É uma festa só para coniventes. Descontentes e dissidentes não entram.
Dançando a valsa do entreguismo, os frequentadores do baile, mascarados e enrolados na bandeira nacional (“Ordem e Progresso”), querem reformar a legislação trabalhista, não para modernizá-la mas para  lesar os trabalhadores, que já vivem situações de extrema exploração.
Caminhamos de volta para um estágio similar ao da escravidão.
Entre a lista de maldades destaca-se uma reforma previdenciária que visa transformar a aposentadoria das pessoas em fonte de lucro para bancos e afins. O fim da picada.
Onde essa reforma foi feita, como no Chile, deu tudo errado, o povo foi lesado e nem os gringos favorecidos ficaram satisfeitos.
O estado mínimo dos neoliberais é um engodo, uma balela sem futuro.
A Previdência precisa melhorar para alcançar todos os brasileiros e não para excluir os que mais trabalham.
De agora em diante, a cada eleição os brasileiros precisam varrer do Executivo e do Legislativo a malta de governantes comprometidos com a banda podre da sociedade.
Se a administração da economia pelo Estado deixa a desejar, só resta buscar uma forma de governo com foco na solidariedade.
A democracia política, econômica e social é uma meta permanente e inarredável.
O individualismo é comprovadamente nefasto para a vida comunitária.
O capitalismo, habitualmente praticado em nome da liberdade, é socialmente injusto.
São estes os motes para o show dos artistas convidados.
(Só não posso esquecer de passar na agência lotérica pra fazer a aposta da vitória. Com 10 milhões eu faço a festa).
LEMBRETE DE OCASIÃO
Aos cegos é lícito brandir bengalas

Salgado Filho e as leis trabalhistas

Certo dia, no ano de 1934, andando no centro do Rio, o ministro do Trabalho, Joaquim Pedro Salgado Filho, viu um vendedor ambulante sendo esbulhado por um fiscal municipal, que supunha cumprir seu dever em prol da regularidade do comércio.
O pobre pediu clemência, pois estava tentando levar algum dinheiro para casa, mulher e filhos. Não teve indulgência.
Após assistir à cena, o ministro voltou ao seu gabinete e iniciou as providências para regulamentar o comércio de ambulantes. Coisa que fez nos dias seguintes, emendada em medidas que estabeleceram no Brasil as bases da legislação trabalhista – jornada de oito horas, regulamentação do trabalho feminino, entre outras – que seriam reunidas, em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho, cuja reforma está em discussão no Senado Federal.
Impossível não lembrar o papel histórico de Salgado Filho nesse momento em que 15 milhões de desempregados e outros tantos milhões de subempregados, biscateiros e pingentes lutam pela sobrevivência no país varrido por escândalos de corrupção nas altas esferas do poder. Recordemos, pois.
Gaúcho de Porto Alegre, onde nasceu em 1888, Salgado Filho era formado em Direito. Além de substituir Lindolfo Collor no Ministério do Trabalho entre 1932 e 1934, foi senador e o primeiro ministro da Aeronáutica, nomeado em 1941, quando passou a negociar – principalmente com o aliado norte-americano — as bases da instalação da indústria de aviões no Brasil.
Em julho de 1950, candidato a governador do Rio Grande do Sul, morreu num acidente aéreo em São Francisco de Assis, quando viajava para um encontro com seu amigo Getulio Vargas, na Fazenda Itu, em São Borja. Há suspeitas de que o acidente não foi exatamente acidental.

Dilma vê luz no fim do túnel, em 2018

Geraldo Hasse
A ex-presidente Dilma Rousseff deu um looooongo depoimento à revista Esquerda Petista em que, surpreendentemente, se declara otimista quanto à possibilidade de recuperar as prioridades do estado social a partir das eleições de 2018, desde que haja um debate autêntico sobre o que aconteceu no Brasil nos últimos anos. “Não interessa quem ganhe, mas haverá um processo político, de dimensão nacional, em que se discutirá. Vai ser uma discussão, dura, crítica, mas vai ter. Por isso a coisa mais grave é não ter eleição em 2018”, disse a ex-presidente, que dedicou a maior parte do depoimento à análise da situação econômica mundial e, no final, explicou porque o PT não ousou apresentar o projeto de controle dos oligopólios de mídia.
Para a economista Dilma, a chave da crise vigente é a “financeirização”, fenômeno global mais ou menos recente cuja principal característica é o predomínio do capital financeiro sobre todas as demais atividades econômicas convencionais – indústria, comércio, transportes, agricultura, governo. Na opinião da ex-presidente, o objetivo da financeirização, mais do que estabelecer o “estado mínimo” e destruir os mecanismos do bem-estar social, é pagar menos impostos, o que acaba gerando como resultado final o aumento brutal da desigualdade econômica e social — obra em andamento no Brasil nas mãos do vice-presidente Michel Temer.
Nem tudo está perdido, acredita Dilma. Por exemplo, ela afirma que, apesar da privatização feita pelo PSDB, o Brasil conserva uma estrutura estatal muito forte: Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNDES, Petrobras e Eletrobras. São cinco pernas que permitem gerar investimentos em atividades produtivas, mas até mesmo essas empresas estatais caíram no vício da financeirização. Falando das grandes empresas atuantes no Brasil, ela diz que “todas têm uma variante bancária chamada tesouraria, na qual a parte financeira é, progressivamente, mais significativa que a parte produtiva”.
No Brasil, segundo Dilma, a financeirização é mais intensa porque as grandes empresas, a começar pelos bancos, tornaram-se “sócias da rolagem da dívida pública”, ou seja, “se você depositar no Banco Central, ele te paga a taxa da Selic, entendeu?” Não são apenas os bancos que fazem esse jogo. “A Petrobras também quer a mesma coisa, está endividada em dólar e quer o real ultravalorizado”, diz ela.
Além disso, o empresariado em geral tem uma boa lucratividade no mercado interno de rolagem da dívida. Eis o suprassumo da finaceirização, que a economista e ex-auditora fiscal Maria Lucia Fatorelli quer lancetar por meio de uma auditoria da dívida pública no Congresso – não no atual, natualmente, mas em algum momento no futuro.
Mídia 
Em outra grande vertente do seu depoimento à revista Esquerda Petista, a ex-presidente Dilma reconheceu que faltou força (e coragem e percepção) aos governos petistas para estabelecer o controle sobre os meios de comunicação social.
Em princípio, lá no começo (2003), os governos petistas achavam que a mídia precisava ser controlada economicamente para que não se torne monopólio ou oligopólio, como ocorre com qualquer ramo de negócio. “Isso não é só contra a economia popular”, afirma Dilma, “é contra a democracia”. Ou, seja, “você não pode deixar que se formem conglomerados de jornal, televisão, rádio e revista e qualquer outro”. O órgão existente no governo, o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, nunca fez nada para alterar esse quadro.
Segundo Dilma, ao invés de criar uma lei antimonopólio, o que o primeiro governo petista Lula fez foi  ajudar os principais grupos de mídia a sair de suas crises de sobrevivência advindas da revolução tecnológica (internet). Ingenuidade, bom mocismo e falta de visão de futuro, já que no primeiro momento ninguém do governo petista tinha uma proposta de lei de meios de comunicação, que acabou sendo formulada tardiamente, no fim do segundo governo Lula. O autor, ministro Franklin Martins, jornalista com profunda vivência dentro da TV Globo, acabou ficando fora do governo Dilma, acuado pelo argumento malicioso de que o PT queria controlar o conteúdo dos meios de comunicação, conspirando contra “um dos fundamentos da democracia”.
Dilma admite: “Nós não soubemos colocar bem essa discussão. E fomos ingênuos em relação aos meios. Eles não têm nem princípios democráticos, nem republicanos. Com eles não dá para fazer ‘senta que o leão é manso’. O leão não é manso. Come sua mão, sua perna e sua alma”.
No transição de Lula para Dilma, o governo foi ficando sem força política para sequer propor regular a mídia, . A situação ficou pior com a ascensão de Eduardo Cunha à presidência da Câmara.
Em seu depoimento, a ex-presidente conta que o deputado carioca foi à cúpula da Rede Globo e prometeu barrar a regulação da mídia pretendida pelo governo. Não só barrou todos os projetos petistas como comandou o impeachment presidencial, consumado entre abril e agosto de 2016.

Breviário da roubalheira eleitoral

Geraldo Hasse
Paraibano de Catolé da Rocha, com parentesco distante com os Maia da Paraíba, o ministro Herman Benjamin brilhou no TSE como relator da ação de impugnação da chapa Dilma-Temer nas eleições presidenciais de 2014.
Restou provado, como soem dizer os causídicos, que nas eleições presidenciais de 2014 houve abuso de poder econômico, especialmente com recursos da Construtora Odebrecht, a principal empreiteira contratada pela Petrobras. Mas a maioria dos sete ministros ignorou as provas e absolveu a chapa. Quatro a três.
Estressado por horas e horas de argumentação oral, Benjamin deixou muito mal na parada o matogrossense Gilmar Mendes, presidente do tribunal, que preferiu desempatar o jogo em favor do presidente Temer, beneficiário do golpe parlamentar contra a titular da chapa.
Ao absolver a chapa Temer(Dilma), o TSE deu aval ao golpe e aliviou a barra dos partidos e dos dirigentes partidários. Antes definidos como agências eleitorais disponíveis a quaisquer aventureiros, os partidos foram qualificados por Benjamin como “entrepostos de recolhimento de propinas”.
A interminável sessão de julgamento da ação proposta pelo candidato derrotado Aécio Neves, cuja chapa presidencial poderia ser acusada das mesmas faltas, vale temporariamente como um réquiem da democracia brasileira. Espera-se que ali adiante haja uma correção de rumos, sob pena de continuarmos vivendo num permanente valetudo político.
A decisão do TSE vai gerar um acórdão que servirá de referência para novos julgamentos. Pode ser que alguém recorra junto ao STF, mas até uma nova decisão – da qual fará parte o sagaz ministro Gilmar Mendes, que sabe de onde sopram os ventos – muita água suja haverá de passar por baixo dessa ponte.
Ora,  não se pode negar que foi desvendado um dos esquemas mais comuns da vida política brasileira. Ninguém mais se espanta ao saber que a Odebrecht distribuía dinheiro a todos os políticos que podiam lhe prestar ajuda nos meandros do poder. Não deu só para a chapa Dilma-Temer, mas para as outras, especialmente para a liderada por Aecio Neves. Só em 2014?
Não sejamos ingênuos diante da histórica falcatruagem político-eleitoral. Onde e quando não houve abuso de poder econômico em alguma eleição na história deste país? Qual estatal não caiu na rede de corrupção manejada por fornecedores? Qual político não contou com dinheiro de caixa dois? Quanto mais alto o cargo, maior o volume de dinheiro.
Admitamos que um percentual dos políticos prima pela lisura, não aceita dinheiro sujo e presta contas certinho para os órgãos responsáveis. Que os (e)leitores façam suas avaliações: são 10%? Um terço? Metade? Como melhorar esse percentual, a ponto de excluir da vida política os manipuladores?
Pela Operação Lava Jato e outras investigações ficamos sabendo que um ou outro receptor de dinheiro desviam uma parte para si mesmo, colocando-a num paraíso fiscal ou comprando imóveis ou joias. As mulheres dos cariocas Cabral e Cunha fizeram farras em lojas de Paris. Uma delas alegou não saber a origem do dinheiro e foi absolvida.
Mas não há dúvida de que a maior parte das verbas de campanha eleitoral é usada para pagar serviços de assessores, consultores, redatores, cinegrafistas, fotógrafos, motoristas, cantores sertanejos, secretárias, scort girls, cabos eleitorais, portadores de bandeiras em esquinas democráticas e até eleitores sequiosos de presentinhos eleitorais.
Nas altas esferas das campanhas, há um jogo de favores e interesses se entrecruzando, tendo como denominador cargos aqui e acolá. Os mais escolados agem no sentido de garantir uma boquinha no governo eleito. Enquanto isso, nas baixas esferas, a senhora que faz o café e cuida da faxina no comitê de campanha recebe promessas singelas e depois fica penando meses para receber o que lhe devem.
Esse é um jogo conhecido por qualquer brasileiro. Todo mundo tem um conhecido que ganhou algum (ou recebeu mil promessas) numa campanha política.
Os marqueteiros-chefes manipulam milhares, milhões de reais, ficando em condições de comprar sítios, carros e depositar dinheiro no exterior.
Um bom redator de campanha ganha em quatro meses mais do que um editor de revista num ano de serviço.
Um fotógrafo diligente fica em condições de comprar um carro novo à vista no final da temporada eleitoral. A verdade é que trabalha-se intensamente nos períodos eleitorais.
Nos comitês de campanha, porém, a verdade é que ninguém pergunta de onde veio o dinheiro. O acerto de contas fica para depois e “seja o que Deus quiser”…e o Diabo sugerir, pois dinheiro de campanha escoa pelo ralo. Acumulam-se dívidas.
Nesse aspecto e nesse sentido, o relatório do ministro Herman Benjamin ao egrégio, colendo e superior tribunal eleitoral é uma peça histórica que haverá de expor eternamente as ambiguidades e contradições do Judiciário brasileiro.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O governo mudou, mas eu não mudo. Fico com o governo”
Manuel Inacio, coronel do sertão pernambucano (in Faoro, Raymundo, “Os Donos do Poder”
 

Grande audiência do senador Paim na TV Senado

Geraldo Hasse
Em contraposição à atuação dos outros dois senadores gaúchos, ambos atrelados ao status quo golpista,  o senador Paulo Paim (PT) está em campanha aberta e franca contra as reformas previdenciária e trabalhista, usando para isso o espaço livre nas manhãs da TV Senado. “Nossa audiência se aproxima de 3 milhões de pessoas”, disse ele, dias atrás, num comentário en passant.
Com o apoio da senadora Regina Silva, presidente da comissão de direitos humanos e legislação participativa, ele vem comandando sessões matutinas de uma audiência pública sobre o impacto da reforma trabalhista na vida do trabalhador rural. Nesta segunda-feira (5), Paim mandou passar no telão da CDH uma apresentação do cantor nativista Dante Ledesma, que defendia a previdência para o homem do campo. A canção foi aplaudida pelo público presente à audiência.
Raramente se vê em qualquer TV pública e privada um desfile de depoentes tão pertinentes e qualificados. São representantes de entidades como a Contag e a Via Campesina, Unafisco e Comissão de Justiça, Caridade e Paz da CNBB, entre outras, todas reclamando do caráter maligno dos projetos governamentais de reforma da legislação trabalhista e do sistema previdenciário.
O trabalho de Paim na CDH do Senado é um thriller do que pode rolar na CPI da Previdência recém-aprovada pelo Congresso. Se forem chamados à CPI alguns dos depoentes que vêm falando nas manhãs da TV Senado, certamente ficará demonstrada “a farsa das reformas”, como as denomina o senador gaúcho.

Um programa para equalizar o bem-estar

 Geraldo Hasse

O ministro Henrique Meirelles do Mercado tem afirmado que a economia brasileira está começando a arribar… e não faltam empresários, executivos e comentaristas para dizer que é isso mesmo, e que ninguém ouse interpor-se ao bom andamento das reformas reacionárias…
Convenhamos, o dado positivo apontado pelos otimistas é a inflação reduzida a 4% ao ano. É um sucesso, sem dúvida, mas os animadores de auditório esquecem que os preços deixam naturalmente de subir e até caem quando a maioria está com os cintos apertados por falta de dinheiro.
A demanda está reprimida porque as pessoas estão ganhando menos. E há o desemprego…
É uma ilusão achar que a economia vai sair do buraco com 14 milhões de desempregados nas costas.
Em cinco anos esse número cresceu nove milhões. Na média, foram quase dois milhões de demissões por ano. Cerca de 150 mil desempregados por mês. Uma calamidade.
Se somarmos todos os desempregados, considerando solteiros e casados e calculando uma média de três dependentes por cabeça cortada, temos aí mais de 40 milhões de pessoas na rua da amargura.
Não era de 40 milhões o número de pessoas elevadas ao mercado de consumo pelos governos petistas? Pois então: em resumo, as conquistas sociais recentes foram praticamente anuladas pelo processo de recessão, iniciado no governo Dilma e agravado pelo governo Temer, que está gastando seus últimos cartuchos para obter do Congresso a aprovação dos retrocessos nas leis trabalhistas e da Previdência. Mais do que uma calamidade, é uma catástrofe lamentável.
Com essas reformas, a economia não vai arribar. Pode ter um refresco aqui ou ali, como ocorre no setor agrícola, mas a corrente está se rompendo nos elos mais fracos — o trabalho, o consumo elementar…
É natural que os indicadores econômicos de 2017 sejam melhores do que os de 2016, pois estes estavam no fundo do poço. E a melhora registrada no desempenho econômico foi de apenas 1%.
Isso aí é como achar que está indo bem na segunda divisão aquele time que acaba de cair da primeira divisão.
Já que adotamos uma metáfora futebolística, o fato é esse: o Brasil, que pretendia ser do I Mundo, caiu do II para o III. E quer voltar ao topo jogando segundo a tática superada do neoliberalismo, que se orienta por parâmetros excludentes e só aumentou as desigualdades onde foi adotado.
O Brasil nunca será da primeira divisão da economia mundial se continuar anulando ou reduzindo conquistas sociais da maioria trabalhadora.
Agora, a crise do capitalismo pode ser amenizada ou até dirimida por meio de um programa de equalização do bem-estar.
O que vem a ser isso — equalizar o bem-estar?
Ora, comida na mesa de todos, moradia decente para cada família, transporte barato, energia a preços módicos, saúde, escola, roupa, lazer…
Um programa comunista tocado pela iniciativa privada, eis a chave do progresso.
A construção civil se mobilizaria para construir casas, escolas, postos de saúde, estradas.
Comendo bem, morando legal, a população trabalharia mais feliz e demandaria menos remédios, recorreria menos a postos de saúde e hospitais e laboratórios. E como é muito grande a distância entre os integrantes do topo e da base da pirâmide social, seria preciso manter esse programa de governo por décadas e décadas até a equalização desejada por todos e prometida pelos políticos.

Bóias-frias

Geraldo Hasse

Pela vontade da maioria da Câmara dos Deputados, que aprovou a toque de caixa a reforma da legislação trabalhista, a maioria dos trabalhadores brasileiros será bóia-fria – menos, claro, os senhores deputados, os senhores de engenho e os empreendedores bem representados pelo prefeito paulistano João Dória, a mais recente piada da cidade que inventou Paulo Maluf e Janio Quadros.

Não se compreende como um governo, um partido e um congresso queiram ferrar o povo desta maneira.
Ainda bem que a reforma está em discussão no Senado, onde há menos pressa e mais resistência ao projeto que mexe em mais de 200 itens da legislação trabalhista.
Audiências públicas estão sendo realizadas no Senado para discutir o assunto.
Na terceira audiência, o advogado Jorge Souto Jr., que leciona na USP, disse que o projeto é antidemocrático e antisocial, pois atenta contra os interesses da maioria.
A palavra reforma, que sempre teve uma conotação de mudança para melhor, está sendo aplicada a um retrocesso.
A lei vai valer menos do que um acordo entre empregados e patrões.
A Justiça do Trabalho será um arquivo morto.
Qualquer empresário poderá achincalhar os juízes trabalhistas e os fiscais das DRTs.
Esculhambação geral. Terra arrasada. Mas não nos enganemos: os parlamentares são apenas instrumentos daqueles que os financiam.
Os empresários são os maiores interessados na derrubada da legislação protetora da parte mais fraca da relação de trabalho. No fundo, as reformas serão ruins para os empregadores, pois tenderão a desorganizar a economia ao gerar um clima de vale-tudo nas relações entre patrões e empregados. Quem viver, verá.
Combinada à reforma da Previdência, a reforma trabalhista é um prenúncio do caos social.