Geraldo Hasse
Chega de chorar sobre o leite derramado; é preciso construir o pós-Temer.
A um ano das eleições gerais para os cargos de presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais, é hora de admitir que ficou irremediavelmente para trás o ciclo virtuoso do petismo, marcado pelo crescimento da economia, a expansão das exportações agrícolas e a inclusão socioeconômica de largas camadas da população.
Resultado de uma mentalidade de acolhimento das demandas e necessidades dos pobres, tivemos com o PT o aumento do salário mínimo, a valorização do funcionalismo federal, a expansão dos ensinos técnico e universitário, a ampliação do SUS, incluindo o programa Mais Médicos, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos, o Brasil sem Miséria e a adoção de quotas para negros e índios na universidade.
Tirando as realizações transitórias, o partido pagou o preço cobrado pelos seus aliados à esquerda, ao centro e à direita. Algum dia um compositor dirá, como Paulinho da Viola ao cantar sua escola de samba: “Foi um rio que passou em nossa vida…”
Descontada a emoção contida em cada vitória, o petismo não tirou nota 10 em nenhum dos quesitos básicos.
Já se concluiu que a expansão dos salários gerou consumo, principalmente. Se o frango foi a âncora do real sob Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o consumo de iogurte foi o símbolo da inclusão social sob Lula (2003-2010).
Faltou um plano capaz de aprofundar as conquistas populares. Esse o maior erro do PT – a falta de ambição de longo prazo.
Por exemplo, o aumento do número de universidades e escolas técnicas não foi acompanhado pelo incremento da qualidade do ensino.
O Minha Casa Minha Vida, executado com baixo padrão de qualidade, ficará na história como um sinal concreto de desprezo das construtoras e da indústria de material de construção pelos pobres – tudo isso com financiamento da Nossa Caixa.
Embora tivesse como objetivo de fundo a manutenção das crianças em creches e escolas, o Bolsa Família acabou estigmatizado como um programa de estímulo à vagabundagem de pais e mães beneficiados, que teriam se contentado com o peixe, desprezando a chance de usar a vara de pescar.
O Mais Médicos, programa auxiliar do SUS, escancarou o elitismo da classe médica brasileira, obrigando o governo a contratar estrangeiros, sobretudo cubanos.
De cada programa se pode dizer, talvez, que faltou tempo para avaliações e correções de rumo, mas não se pode negar também que, como presidente de honra da Escola de Samba Unidos do PT, Lula exagerou na dose da soberba, deixando a comissão de frente descolar-se das alas partidárias perdidas na cacofonia do carnaval.
Quando se referiu ao tsunami financeiro de 2008 como uma marolinha, Lula agiu como o pai de família que, diante do temporal, diz aos filhos: “Não é nada, já vai passar”. Paternalismo que lembra outro chefe brasileiro.
Em 1977, em plena degringolada da economia brasileira, o general-presidente Ernesto Geisel disse em pronunciamento de TV que o Brasil era uma ilha de prosperidade num oceano convulsionado pela crise do petróleo.
Cinco anos depois, em agosto de 1982, faltou dinheiro para fechar o caixa do Banco do Brasil em Nova York –o país estava quebrado e a ditadura militar na reta final. Mas “os chefes civis da Revolução” seguiram manipulando os cordéis até colocar na presidência o chapa-branca José Sarney, arenista convertido ao PMDB. Por incrível que possa parecer, Sarney tinha um slogan voltado para o atendimento das carências populares: “Tudo Pelo Social”, que oferecia tíquetes alimentares para famílias pobres.
A história mostra que há sempre um oportunista pronto para montar no cavalo do poder. No caso do PT, esse personagem se chama Michel Temer. Com cara de sonso, ele se alojou na vice-presidência e ficou à espera do momento oportuno.
Recapitulando: o impacto da crise financeira internacional de 2008 foi retardado por cinco anos graças ao boom das exportações de commodities e a medidas anticíclicas que acabaram criando a ilusão de que o Brasil estava livre dos problemas enfrentados por outros países.
Lula levou a crise com a barriga e Dilma fez o mesmo com um pouco mais de dificuldades, até que perdeu a capacidade de manobra e foi alvo do processo de impeachment articulado pelo PMDB e ex-aliados do petismo.
Agora, com um ano e meio no governo, Temer não tem popularidade, mas manipula as rédeas do poder com a ajuda desenvolta de políticos de larga folha corrida. Tem o beneplácito do Supremo Tribunal Federal e o apoio do Congresso. Se precisar, compra políticos com a distribuição de verbas para atender a emendas parlamentares. “Meu governo acabou com a maior recessão da história do Brasil”, disse ele no dia 26 de outubro, após passar horas no hospital, abatido por uma crise nervosa enquanto o Congresso discutia se atendia ou não um pedido de investigação contra o presidente e dois dos seus ministros.
E assim chegamos ao final de 2017, com o Brasil ensaiando a saída da estagnação econômica dos últimos três anos e meio. A inflação baixa, os juros descendentes e o alto nível das reservas cambiais garantem que os fundamentos econômicos estão em níveis satisfatórios para quem se guia por tais indicadores materialistas.
O Mercado está contente? Pior pra gente!
O estrago feito pelo ajuste das contas do governo soma 14 milhões de desempregados e acumula graves problemas de segurança pública, enquanto o Tesouro Nacional está penhorado ao sistema bancário nacional, por sua vez pendurado em credores/investidores internacionais.
Para comprar gasolina e seguir viagem, o comandante não hesita: hipoteca o navio, privatiza os portos, leiloa usinas hidrelétricas e terceiriza a gestão dos aeroportos. É pouco? Venda-se o pré-sal, que foi visto pelo PT como uma espécie de poupança nacional.
Entretanto, para quem quer um pouco mais em favor das pessoas e principalmente da maioria da população, que é pobre, o Brasil de Temer registra uma assustadora involução social cujas origens remontam às manifestações preconceituosas de pessoas das elites e das classes médias revoltadas com a presença dos pobres em aeroportos, shoppings, universidades etc.
De cima para baixo, essa onda de raiva empalmou a classe média e segmentos da população manipulados por pastores de religiões emergentes na seara do conservadorismo e do patrimonialismo bem representados no Congresso por maiorias formadas ao sabor de interesses fisiológicos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O Brasil vender o pré-sal é como o cara que vende a máquina de costura da mãe”
Luciano Palma, no Facebook
Autor: Geraldo Hasse
Há lugar para as abelhas no trem do Agro?
Geraldo Hasse
Na edição de outubro de 2017 da revista Globo Rural, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que costuma dedicar seus artigos a temas institucionais ligados ao agronegócio, escreve sobre um assunto aparentemente “light”: o papel decisivo das abelhas na polinização de culturas agrícolas.
Falar de abelhas, mel e polinização pode parecer falta de assunto de um líder rural habituado a raciocinar sobre a crescente presença da agricultura brasileira no contexto econômico mundial, mas a verdade é que, ao se aproximar dos 80 anos, Roberto Rodrigues reza tanto pela cartilha do ambientalismo quanto pelos manuais da economia. Em seu artigo, cita até a célebre frase atribuída ao físico Albert Einstein, falecido em 1955: “Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais quatro anos de vida”.
Até hoje ninguém sabe se o gênio fez a conta certa – apenas quatro anos?! –, mas todo mundo compreendeu o alcance da frase sinistra: Einstein estava simplesmente chamando a atenção para a articulação recíproca entre os seres vivos. Sessenta anos depois, alguns luminares da raça humana começam a entender o papel das abelhas como guardiãs da biodiversidade.
“No Brasil, cerca de 250 espécies de animais (das quais 87% são abelhas) polinizam 75 culturas agrícolas”, escreveu Rodrigues, que tem conhecimento técnico sobre o assunto, pois é agricultor, foi professor de agronomia e se destacou internacionalmente como ativista do cooperativismo na agricultura — hoje é consultor da Fundação Getulio Vargas e da ONU.
Somente a européia Apis mellifera, a “abelha profissional”, poliniza 28 culturas agrícolas, especialmente frutíferas. São também importantes nessa tarefa as abelhas nativas sem ferrão como a irapuá e a jataí, domesticadas por apicultores amadores e profissionais. Quanto a outros insetos, pouco se sabe além do fato de que, sem a mamangava, a flor do maracujá não prosperava…
A contribuição anual da polinização ao incremento das culturas comerciais brasileiras é estimada em US$ 12 bilhões pelo professor Adilson Paschoal, da Escola Superior de Agricultura de Piracicaba. Isso representa cerca de 12% do valor da produção agrícola nacional, mas a questã vai além do aspecto comercial-safrístico.
Na realidade, mesmo luminares da agronomia esquecem o valor da polinização na manutenção da biodiversidade. Avalie-se a sustentabilidade da flora brasileira, espalhada por seis grandes biomas – Amazônia, Cerrado, Semiárido, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa — que se subdividem em incontáveis ecossistemas. Em todos eles as abelhas estão presentes, produzindo uma enorme variedade de méis crescentemente exportados. Isso sem falar de outros produtos como a própolis, usada em cosméticos e medicamentos.
Atualmente, o Brasil produz 40 mil toneladas de mel por ano e exporta mais da metade disso. Nos bastidores da apicultura, comenta-se que o Brasil poderia exportar 200 mil toneladas por ano, se produzisse tal volume. Por que não produz mais?
Aí está o X da questão: a maior barreira à expansão da apicultura reside na agricultura moderna, que precisa da polinização mas se tornou dependente do uso intensivo de produtos químicos tóxicos para animais e plantas.
Ainda não se sabe como agricultores e apicultores vão sair dessa sinuca. Como os desmatamentos estão mais ou menos controlados, o maior obstáculo à expansão da apicultura é o uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras comerciais.
Há dez anos diversos pesquisadores ao redor do mundo estudam as causas da mortandade de abelhas melíferas, fenômeno ocorrido pela primeira vez nos Estados Unidos em 2006. Alguns estudos afirmam que o fenômeno conhecido como “síndrome do colapso das colméias” tem mais de uma causa, mas não há dúvida de que uma delas, provavelmente a principal, é uma nova classe de inseticidas — os neonicotinóides –, que interferem no sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que, desorientadas em sua busca de néctar e pólen, elas não voltem às colméias, morrendo no campo.
Em consequência dessa síndrome que se confunde com outras causas como a morte por doenças, fome, frio ou até por velhice (a abelha melífera dura 45 dias), as colméias sofrem um colapso populacional de até 50% que faz cair significativamente a produção de mel.
Líder na produção nacional, a apicultura do Rio Grande do Sul, que já passa por dificuldades naturais causadas pelo excesso de chuvas e de frio no inverno, está sendo obrigada a se defender dos venenos aplicados em lavouras de verão, sobretudo soja. A salvação está na diversidade vegetal ainda existente no território gaúcho.
Segundo o artigo de Roberto Rodrigues, a Embrapa está se engajando num projeto de expansão da apicultura, tendo destacado para tanto o veterano agrônomo Décio Gazzoni, baseado em Londrina, onde fica o Centro Nacional de Pesquisa de Soja. Nada mais natural já que a soja, com 34 milhões de hectares/ano, é de longe a maior lavoura nacional e a maior usuária de venenos agrícolas.
O que faria Borges de Medeiros no lugar de José Ivo Sartori?
Geraldo Hasse
Há 100 anos, os empresários do RS, principalmente os comerciantes, descontentes com a situação do transporte ferroviário, controlado então por um grupo francês que o herdara do norte-americano Percival Farquhar, costumavam fazer duas cousas mais ou menos consecutivas: reclamar à imprensa e visitar o presidente do Estado, Borges de Medeiros, a quem pediam para sanar a crise de abastecimento, sintetizada pelo titulo “a falta de vagões”.
Pelo que relata a coluna histórica do Correio do Povo, a personagem central da crise era o gerente da ferrovia, um tal Mr. Cartwig, que viajava mais ou menos incógnito pelas linhas férreas gaúchas, oferecendo, aqui e ali, desculpas para a precariedade do serviço de transportes. Segundo ele, não havia quem pudesse fornecer vagões a curto prazo…
Cartwig era um quiabo.
Já se podia então entrever no seu comportamento esquivo o desejo de sair do negócio, mas os senhores empresários não pegavam a deixa nem se ofereciam para achar uma solução como uma parceria; eles simplesmente pediam que o governo peitasse o problema e buscasse um desfecho favorável à economia estadual, ainda que às expensas do Tesouro.
Efetivamente, pouco mais de um ano depois, em 1919, o governador Borges de Medeiros encampou a ferrovia, fundando a Viação Férrea do Rio Grande do Sul, que passou a fazer dobradinha logística com o Porto de Rio Grande, também estatizado uma década antes. Ficou assim provado que os sinais do tráfego mudam de acordo com as conveniências da época.
Nos tempos de Borges de Medeiros, que se alongaram por três décadas, eram pró-estatização os empresários desta bela província hoje governada por José Ivo Sartori.
Gerdau vai pra São Paulo
A mudança do Grupo Gerdau para São Paulo, depois de 116 anos em Porto Alegre, fez rebrotar na minha cachola a imagem de Helio Gama Filho no início da década de 1970 em plena redação paulistana da Veja, enfileirando argumentos para me convencer da pujança da economia do Rio Grande do Sul.
Com sua vivência em Porto Alegre e a experiência de quatro anos operando na editoria de economia, negócios e investimentos da Veja, ele possuía dados que eu, foca, desconhecia naqueles idos de 1972. Ele era triotimista sobre o potencial econômico do Rio Grande do Sul. Como não fazer uma leitura positiva da macroeconomia gaúcha? Ora, pois.
Embalados pelo incentivo governamental à formação de grupos econômicos, os Gerdau haviam assumido a estatal Aços Finos Piratini, em seguida compraram a Siderúrgica Guaíra, a Cosígua (no RJ) e também assumiriam a Usina, da Bahia.
Em poucos anos, comprando pequenas usinas que logo reformavam, os Gerdau formariam um agudo grupo nacional no setor de aço, mas ainda não chegavam a constituir o maior grupo econômico gaúcho, como se tornariam nas décadas seguintes (em São Paulo, ascendeu na época a Corporação Bonfiglioli, formada pela indústria de tomates Cica e o Banco Auxiliar: não durou uma década).
Além dos Gerdau, havia no Rio Grande do Sul outros grupos fortes: A. J. Renner, Varig, Ipiranga e o Maisonnave, que atuava no mercado financeiro e controlava a indústria de tratores Massey Ferguson.
E ainda (citando de cabeça, sem recorrer a um dos anuários econômicos da época) os grupos Eberle, JH Santos, FrasLe; a Cotrijuí, a Fecotrigo; o Joaquim Oliveira…
E os agentes financeiros: Banrisul, Província, Nacional do Comércio, Sulbanco e Crefisul. Mais a Aplub e o GBOEx.
Na área química, a Refinaria Alberto Pasqualini e a Borregaard. No setor energético, a CEEE. No setor de transporte, a VFRGS.
Posso ter esquecido um ou outro grupo empresarial, mas a suposta pujança daquele tempo – o ‘milagre econômico brasileiro’ perto de dar com os burros n’água diante do shock oil da OPEP em 1973 – esvaiu-se nas décadas seguintes.
A maior parte dos principais grupos/empresas de 45 anos atrás ou parou de funcionar, ou foi vendida ou se transformou em outra coisa, ainda que mantendo o mesmo nome.
A Varig quebrou, a Renner morreu como indústria e virou uma multinacional de lojas com sede em Porto Alegre, o grupo Ipiranga desapareceu nas mãos de 60 herdeiros agraciados com US$ 4 bilhões pelo grupo paulista Ultra, a Maisonnave d’ont have (o que era Massey virou Agco), a FrasLe sobrevive no grupo Agrale, a Cotrijuí se esfacelou, a Fecotrigo desmantelou-se, o agrocomercial Joaquim Oliveira virou a industrial-mercantil Josapar e, na área financeira, que parecia promissora, resta o Banrisul fazendo sombra a pequenas instituições financeiras, entre as quais floresce o Sicredi.
No lugar dos primitivos grupos nativos, temos uma constelação de empresas estrangeiras e/ou multinacionais como a Braskem, a GM, a Dell, a John Deere, a Pirelli, a Ventos do Sul e…
A CEEE foi dividida para mais duas empresas, EAS e RGE. A Viação Férrea virou ALL Logística. Depois de décadas a norueguesa Borregaard virou Celulose Riograndense, controlada por capitais chilenos.
De capitais gaúchos temos Panvel, Zaffari e alguns frigoríficos e/ou cooperativas agropecuárias.
Por tudo isso a transferência da cabeça do grupo Gerdau para São Paulo provoca um baque nos observadores da conjuntura econômica gaúcha. Sim, trocar Porto Alegre por Sampa faz parte de uma conjuntura mutante, mas para compreender tamanha mudança talvez seja preciso recorrer ao positivismo de um Helio Gama Filho, que sempre calçou suas análises em dados concretos, como ensinou o mestre Aloysio Biondi.
A esta altura da desagregação da economia do RS, talvez ele tenha argumentos para explicar o que houve, o que se passa e o que vem por aí.
O verde latente
Geraldo Hasse
Pode resultar em nada, mas alguma coisa acontece em certas camadas das Forças Armadas.
Fora Bolsonaro, dão o que pensar algumas manifestações recentes de alguns generais do Exército Brasileiro sobre o momento político nacional.
Dias atrás em Porto Alegre, na abertura de um evento sobre o futuro da Amazônia, o general Edson Pujol, comandante militar do Sul, extravazou o sentimento pessoal de que o Brasil está entregando, “de forma criminosa”, seus recursos naturais aos estrangeiros.
Sentimento pessoal ou da comunidade?
Denúncia ou protesto, foi uma fala dirigida a um público de nível superior e de elevado extrato de renda – gente que poderíamos identificar como conservadores “de direita” ou simplesmente “liberais” para o bem e o mal.
Segundo Pujol, que comandou as forças de paz no Haiti e trabalhou por longos anos na Amazônia, os brasileiros precisam tomar consciência de que:
– sem a presença do governo, as reservas indígenas e outras, de natureza simplesmente preservacionista, “favorecem a degradação”;
– sem que o governo faça algo em contrário, “os estrangeiros roubam e degradam a Amazônia”;
– “os ministérios se omitem ou usam sua responsabilidade para favorecer estrangeiros”
– “a nossa legislação é permissiva e favorece a exploração predatória da Amazônia”
– “a forma criminosa como a Amazônia está sendo entregue afeta a todos nós, inclusive aos gaúchos”.
Mais não disse nem lhe foi perguntado – e seria necessário ser mais explícito?
Presente no mesmo evento para receber uma homenagem a seu pai, o agrônomo-ecologista José Lutzenberger (1926-2012), a bióloga Lara Lutzenberger teceu alguns comentários de natureza ecológica – sem críticas diretas ao status quo, procurou apontar novos caminhos para resolver o atual impasse climático da Terra.
Lara Lutz começou lembrando que na década de 80, quando ela ainda era criança, o sábio fundador da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan, 46 anos) deu um depoimento (histórico, hoje) à BBC de Londres, advertindo sobre os riscos da destruição da floresta amazônica. Repetindo seu pai, ela disse:
“A Amazônia não é o pulmão como dizem, mas um sistema gerador de ar-condicionado que regula o clima de uma vasta região, espalhando umidade e calor do Caribe à América do Norte e à Europa e também ao sul do Brasil”, onde se chocam, às vezes com consequências nefastas, as correntes do calor amazônico e do frio do polo sul.
Em seguida, ela advertiu que, persistindo a exploração predatória, “estamos no limiar de um colapso inimaginável”. Por isso sugeriu mudar radicalmente o “modus operandi” das empresas madeireiras e de mineração, as maiores responsáveis pela devastação do patrimônio natural amazônico. E sugeriu: assim como já se exploram alternativas energéticas (solar, eólica), seria recomendável buscar “novas alternativas minerais” e “práticas agrícolas regenerativas em lugar do agronegócio”.
Foi uma fala de apenas dez minutos que, no entanto, revelou a existência de uma sintonia entre o sentimento ambientalista e a visão verde-oliva sobre a Amazônia. O que o general Pujol e a bióloga Lutz sugeriram foram medidas mínimas de proteção e defesa do Verde, no sentido amplo do termo. Ou, falando politicamente, é preciso estabelecer um projeto de desenvolvimento realmente sustentável, coisa que o atual governo não está fazendo – pelo contrário.
PERGUNTA DE PLANTÃO
Quem vai colocar freio na boca dos dragões devastadores da Amazônia?
A doença da intolerância
GERALDO HASSE
Um senhor com ar cansado e barba por fazer não para de falar enquanto assiste a um jogo de futebol na TV do bar da esquina. Sem que ninguém lhe perguntasse, bate as palmas da mão na mesa e proclama: “Eu só odeio duas coisas na vida: o Grêmio e o PT”.
Depois, numa confidência claudicante, admite que os dois ódios – o futebolístico e o político-partidário – lhe foram inculcados pelo pai, dirigente empresarial já falecido que lhe deixou por herança um negócio sem futuro – motivo aparente de seu recurso visceral ao álcool.
Estava exposta ali, sem disfarces, na cara sinistra de um velho rancoroso, a intolerância gerada pela ignorância, a falta de cultura e o ódio de classe. O que fazer se a burrice é um mal endêmico contra o qual, aparentemente, não há remédio ou vacina?
Não se discute com um bêbado porque é perda de tempo; não se contesta um velho porque é arriscado ponderar algo diante de alguém contaminado por uma raiva sem razão.
A intolerância é uma espécie de doença psíquica que leva o paciente ao recurso degradante dos maus instintos.
O consumo de drogas triviais como a cerveja mascara a doença, que pode até ficar hilária ou virar motivo de chacota, mas agrava seu aspecto moral.
Os intolerantes contaminam os ambientes com suas feições distorcidas pelo sofrimento a que se submetem na ilusão de que têm mais direitos do que os outros.
A cara assustadora da intolerância está estampada no rosto dos que temem perder vantagens e privilégios.
A intolerância está presente nas manifestações de políticos que se julgam representantes do lado certo da história e não sabem dialogar com os outros lados.
A intolerância se manifesta também na arrogância dos representantes da cúpula do Agro que não admitem ceder direitos aos índios, aos sem terra e a todos que combatem a revanche escravista.
A intolerância está no exibicionismo de torcedores de futebol que saem às ruas e vão aos estádios com bandeiras para proclamar o não-direito dos adversários.
A intolerância está explícita nas manifestações dos militares que não se conformam com a exibição da prepotência dos políticos no exercício de suas prerrogativas e dos empresários na manipulação escandalosa dos recursos econômicos.
A intolerância está nos que legislam contra os pobres e a favor dos ricos.
A intolerância está na pregação dos pastores-ladrões que se aproveitam da fé dos humildes para transformá-los em rebanhos dóceis e facilmente exploráveis.
A intolerância está no racismo.
A intolerância está no machismo renitente.
A intolerância está no feminismo rancoroso.
A intolerância está em não reconhecer o outro, sua existência, suas ideias, opiniões e valores.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, terreiros de umbanda estão sendo queimados por fanáticos religiosos” – Emir Silva, coordenador do Movimento Negro Unificado, no dia 19/09/2017, em Porto Alegre
Fora, vivandeiras impenitentes
Geraldo Hasse
“Estamos num sistema tecnicamente caótico no qual a cadeia de delações de crimes junto à Polícia Federal expôs as entranhas de todas as instituições, que interagem entre si como variáveis aleatórias, com controle de ninguém, e criando fatos novos a cada dia“, escreveu dias atrás o economista/jornalista J. Carlos de Assis a propósito da avalanche de acusações e denúncias no âmbito da Operação Lava Jato, desfechada há 3,5 anos para investigar lances de corrupção no governo.
A suposição inicial dos responsáveis pelas investigações da Operação Lava jato era de que os malfeitos haviam começado nos governos do PT, a partir de 2003. Aos poucos tem ficado claro que o fenômeno é bem mais antigo e envolve outros partidos, especialmente o PMDB, que se estabeleceu no poder em 1985 e daí em diante se manteve no governo mediante alianças de todo tipo.
A última e escandalosa evidência da roubalheira surgiu às vésperas do feriado da Independência, quando a Polícia Federal descobriu num esconderijo urbano em Salvador um total de R$ 51 milhões em dinheiro vivo guardado em caixas e malas.
O dinheiro seria de Geddel Vieira Lima, ex-ministro do vice-presidente em exercício Michel Temer. Anteriormente, ele fora diretor da Caixa Econômica no governo Dilma Rousseff. E bem antes, como deputado federal, fez parte do grupo conhecido como “Anões do Orçamento”, uma malta parlamentar especializada em manipular verbas federais por meio de emendas ao Orçamento Nacional.
Evidentemente, o baiano Geddel é um aprendiz desastrado entre especialistas na apropriação indébita de dinheiro público, prática justificada, em muitos casos, pela alegação de que é preciso fazer caixa para financiar as campanhas eleitorais, marcos sagrados do exercício da democracia.
Falta esclarecer se Geddel é um tesoureiro pego em flagrante delito ou se ele seria apenas o guardião de uma parte do tesouro do PMDB. Espera-se que tudo seja esclarecido antes das eleições de outubro de 2018, esta sim, uma verdadeira operação lava-jato…
Se as propinas empresariais rolassem apenas para custear atividades partidárias, talvez se pudesse perdoar os políticos. Mas são cada vez maiores as evidências de que as campanhas eleitorais têm sido usadas como instrumento de enriquecimento pessoal de praticamente todos os participantes da cadeia produtiva de mandatários do povo. Uma podridão generalizada que liga o mundo político ao universo empresarial. Como desmontar essa máquina de corrupção que trabalha para manter a desigualdade social?
A situação chegou a tal ponto que pessoas de grande prestígio intelectual como o historiador Moniz Bandeira, que foi companheiro de Leonel Brizola no exílio, estão pedindo a intervenção das Forças Armadas nas instituições de governo. Como assim?! A que preço?!
Seria bom que o processo de corrupção fosse estancado, mas é ilusão acreditar que os militares poderiam agir sem risco de contaminação e envolvimento com as quadrilhas do Mal.
As corporações militares agem estritamente dentro dos regulamentos, mas as cúpulas se deixam influenciar por interesses alheios ao seu controle e por manobras imprevisíveis. Vimos esse filme em 1964, quando o golpe militar apoiado pelas elites econômicas, pela classe média e pelos EUA se perdeu em perseguições interesseiras. Quando a ditadura acabou, em 1985, havia 9 mil oficiais superiores das Forças Armadas instalados em órgãos do governo, onde haviam ingressado a título de “vigilância” e “saneamento”.
Apenas como exercício de imaginação, caberia perguntar se a intervenção militar se daria apenas no Executivo ou incluiria o Legislativo? Deixando o Judiciário fora?! E o que fazer com os governos estaduais acumpliciados com a corrupção? E as ramificações municipais das falcatruas?
Ainda no âmbito das suposições, cabe perguntar se no novo golpe militar seria usado como referência o método de 1964, quando foram abertos milhares de inquéritos para investigar a corrupção e, na sequência, a subversão política, que serviria como pretexto para a escalada persecutória que descambou para violações dos direitos humanos só comparáveis às do Estado Novo. Seriam os novos IPMs mais eficientes e isentos do que os métodos atualmente usados pela Polícia Federal a pedido do Ministério Público, da Procuradoria Geral da República e de outras instâncias do Judiciário?
Não se pode duvidar de que é errado destruir a democracia a pretexto de consertar os defeitos do sistema democrático.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Sinto-me no dever de também alertar-vos, nesta hora, e, por vosso intermédio, aos mais jovens (…) contra as mesmas e eternas manobras dos pescadores de águas turvas e ambiciosos vulgares, os quais já começam a rondar os quartéis como vivandeiras impenitentes (…) buscando, aqui e ali, despertar aspirações e estimular ambições, dessa forma espalhando a cizânia, a desconfiança, a discórdia, capazes de enfraquecer, pela desunião que propagam, a estrutura militar”.
General Ernesto Geisel, presidente da República, em 22/12/1976, falando aos colegas de farda em recepção no Rio de Janeiro, repetindo palavras do marechal Castelo Branco, o primeiro militar a ocupar a presidência em 1964
A Expointer e o mito do oeste
Geraldo Hasse
Não se deve esquecer que nem sempre os tais fatores se coadunam. Há momentos em que uns empurram pra frente e outros puxam para trás. Faz parte da dialética da História.
Entrementes, há um setor da economia que passou incólume pela recessão e, segundo a voz geral dos comentaristas de plantão, ajudou a atenuar a crise em que o Brasil mergulhou a partir de 2013/14, como reflexo do tsunami financeiro global de setembro de 2008.
É a agricultura, hoje chamada de “agronegócio”, expressão que prioriza apenas o aspecto financeiro de uma atividade que tem dimensões ecológicas e socioculturais.
Seja como for, na safra 2016/2017, recém-concluída, o IBGE registrou um crescimento de 30% no volume de produção, quando comparado com o período 2015/2016.
Extraordinário! “Nunca antes neste país…”, diria Lula, se ainda estivesse no timão da nau brasileira. Tamanho sucesso tem dois lados. Nem todo mundo saiu ganhando com a megassafra.
Não há uma contabilidade visível, mas é certo que o crescimento dos valores não acompanhou o dos volumes físicos, pois a maioria dos preços caiu, como é normal durante as grandes safras.
Pode-se até argumentar que os produtores estão chorando de barriga cheia, mas muitos andam gritando que os bolsos não se encheram, ou que ficaram só pela metade, ou que estão furados.
Entidades de representação dos agricultores como a Farsul estão alertando para o problema do endividamento rural, o que prenuncia desde um tratoraço como em 1995 (sob o governo FHC) até mais uma rolagem das dívidas, como ocorre periodicamente no país.
Quanto a esse vaivém das safras e dos ganhos dos agricultores, cabe registrar aqui o extraordinário papel das migrações que desde sempre estiveram por trás de fazendas, lavouras e cidades do Brasil.
É uma história que tem muito a ver com a 40ª Expointer (de 26/8 a 3/9), no parque de Esteio, onde estão presentes os sustentáculos das roças modernas: os trabalhadores, os produtores familiares, os empresários de médio e grande porte, os fabricantes de máquinas, os pesquisadores e os financiadores das atividades agropecuárias.
Muitos deles já participaram de aventuras migratórias para outros estados ou têm amigos e parentes nas novas fronteiras agrícolas, que continuam sendo abertas no Centro-Oeste, no Nordeste e na Amazônia.
Quem quer que visite a Expointer percebe o orgulho dos que se dedicam às lidas rurais, mesmo que tenham residência nas cidades. A raiz agrícola está viva em boa parte dos habitantes do Brasil.
Se brasileiro é todo aquele que chegou ao litoral atlântico da América do Sul depois de 1500 e ficou neste imenso território, pode-se dizer que há cinco séculos os habitantes deste país não fazem outra coisa senão avançar para ocupar as terras do oeste.
Quinhentos anos depois a aventura continua, agora contando com instrumentos ultramodernos e máquinas muito especiais.
Recapitulando: a barreira da Serra do Mar levou 50 anos para ser vencida. A partir da vila de São Paulo, fundada em 1554 no planalto de Piratininga, tentou-se sistematicamente a conquista do oeste brasileiro por caminhos terrestres e fluviais.
Na busca de ouro e pedras preciosas os bandeirantes percorreram vastos territórios, mas não os ocuparam realmente. Para apoiar o garimpo e a mineração, construíram-se vilas e cidades nos sertões inóspitos. E assim se passaram 300 anos.
A ocupação efetiva mediante a construção de casas, currais e lavouras aconteceu somente a partir de 1800, quando acabou a febre do ouro. O processo de colonização foi lento, executado pela pata do boi e as tropas de burros. Acelerou-se com as ferrovias no final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Mas só se intensificou mesmo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) graças à abertura de estradas e ao uso de caminhões e tratores.
Os colonizadores modernos contam hoje com máquinas orientadas por satélites artificiais, mas a conquista definitiva ainda está por se fazer.
Pode parecer exagero dizer que a pedra fundamental da colonização do oeste brasileiro foi lançada em três momentos que marcam a construção de três cidades planejadas: Belo Horizonte em 1897, Goiânia em 1933 e Brasília, inaugurada em 1960, mas não estamos longe da verdade histórico-geográfica.
A essas três capitais se poderiam acrescentar Campo Grande, transformada em capital do Mato Grosso do Sul em 1978; e Palmas, capital do Tocantins, desmembrado de Goiás em 1988.
Resumindo: enquanto a costa atlântica está apinhada de gente, no miolo do Brasil ainda se abrem novos caminhos, iniciam-se novas lavouras e inauguram-se novas cidades – tudo numa velocidade sem precedentes na história da humanidade.
Uma das atividades mais primitivas dos seres humanos, a derrubada de matas para a implantação de lavouras, é documentada via satélite por organismos internacionais. Os protestos dos ambientalistas são produzidos e acompanhados via internet.
Os brasileiros, financiados por consumidores de outros países, são os protagonistas centrais de uma das últimas e decisivas aventuras humanas na conquista de espaço para sobreviver e produzir alimentos, especialmente a soja, leguminosa que está fazendo pela agricultura nacional o mesmo que fizeram, em outros ciclos históricos, o café e a cana-de-açúcar. E ainda tem chão para essas e outras culturas agrícolas.
Fora a Amazônia, considerado o último pulmão verde da Terra, o Cerrado é a maior reserva de terras agricultáveis do planeta. No norte e no centro do Brasil se encontram esses dois imensos ecossistemas que guardam as maiores reservas de água doce da Terra. Manejando o fogo, tratores, sementes transgênicas, computadores e satélites, joga-se no Cerrado o futuro de uma parcela considerável da humanidade.
Nessa aventura sobre a última grande fronteira virgem da Terra, os brasileiros se apossam não apenas do oeste geográfico, mas de todo um oeste mítico. Para o bem e para o mal, a conquista do oeste é uma metáfora poderosa em todo o continente americano. Nela cabe inteirinha a lenda do eldorado e sobra espaço para a construção de um país sem igual.
A FEE está viva
GERALDO HASSE
Ontem à tarde, como de costume nos últimos anos em Porto Alegre, fui ouvir quatro palestras de economistas da FEE, a fundação gaúcha “extinta” pelo governador Sartori com aval da Assembléia. “Extinta” e luminosamente ativa, isso sim.
Como resumiu orgulhosamente a economista Cecilia Hoff, estava na mesa do auditório lotado “o sangue novo” dando um show de bola sobre o RS no contexto da crise.
Impressionante o depoimento de Tomás Fiori, que falou sobre a crise do federalismo brasileiro. Liderau Marques Jr. defendeu a disciplina fiscal como a única saída. Jefferson Colombo mostrou que o fundo do poço foi alcançado, falta confirmar-se a retomada.
Na fila do gargarejo, destacavam-se alguns cidadãos grisalhos — a “prata da casa”, a velha guarda que fez da FEE uma trincheira da inteligência gaúcha. Eles se declararam orgulhosos dos seus “herdeiros” na Casa da Duque de Caxias 1691.
Falando por último, Claudio Accurso, o decano dos economistas do RS, resumiu o sentimento reinante com um depoimento que há de ressoar na História: “Perguntei ao Sartori por que ele extinguiu as fundações. Ele não soube explicar. Fiquei com pena dele. Com pena e com raiva. Pobre homem. O Palácio Piratini é um deserto”. (do Facebook)