Apesar da vacinação, lockdown avança na Europa

O social-democrata Karl Lauterbach, guru da pandemia e agora ministro da Saúde na Alemanha, mostrou a que veio já na sua primeira conferência de imprensa como titular do cargo, dia 16/12/2021. “Compramos 80 milhões de doses para os próximos meses”, anunciou ele em Berlin para os jornalistas na ocasião. O valor do negócio é de € 2,2 bilhões. Pagos antecipadamente, já que a maior parte da compra será entregue somente em março. Na expectativa do ministro, 73 milhões de “Booster” serão injetados nos alemães até o primeiro trimestre do próximo ano. 

No Sábado, 18/12/2021, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Hamburgo contra as medidas para controle da pandemia, especialmente a imunização obrigatória e a campanha de vacinação de crianças em andamento. Outras cidades também tiveram protestos. “Que vacina é essa em que os vacinados temem os não vacinados?”, pergunta o professor Martin Horst, um dos demonstrantes em Freiburgo.

Em Londres, cem mil britânicos protestaram contra a imposição do passaporte vacinal. Nesse mesmo dia, o prefeito da capital inglesa, Sadiq Khan, decretou estado de emergência, alertando para uma iminente superlotacao dos hospitais, devido à Omicron.

Festa da vacina

Inabalada, a campanha de imunização da Alemanha seguiu em grandes cidades como Stuttgart, com postos de vacinação Drive-in, onde a pessoa nem desce do carro, prometendo aplicar 20 mil injeções durante o fim de semana. Na capital Berlim Festas de Vacinação (ImpfParty’s) ocorrem de Sexta a Domingo.  

Enquanto isso, Holanda e Dinamarca capitularam frente à variante Omicron, e decretaram o Lockdown amplo e irrestrito até o meio de Janeiro, pelo menos. Elas se juntam à Áustria, em confinamento total desde a semana passada. “A noite de Natal e a de ano novo serão exceções. Nesses dias, cada casa poderá receber até quatro pessoas convidadas”, anunciou o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte. “Me doi ter que anunciar essa medida. Eu sei o quanto valor há em eventos culturais, mas o que precisamos no momento é o contrário disso”, justificou a chanceler dinamarquesa, Mette Frederiksen, ao anunciar o fechamento de todos os locais de eventos culturais e desportivos do país.

Lauterbach, Wieler e Dötsch, durante a primeira conferência de imprensa do novo ministro. Vacinar! Vacinar! Vacinar! Repetem os três quase em coro. (dpa)

Dejavú

Apesar dos sacrifícios de direitos fundamentais implementados pela estratégia de combate da pandemia na Europa, a doença parece manter o seu curso sazonal. Aos cidadãos, resta uma realidade em Dejavú, onde todas as medidas e promessas das autoridades mudam ou contradizem-se de um momento ao outro, sem apresentar os resultados esperados.

“Vacinar rápido! Mas a vacina não é nenhuma arma milagrosa. Nós precisamos sair dessa montanha Russa em que embarcamos há dois anos”, declarou Lothar Wieler, presidente do Robert-Koch-Institut, órgão do ministério da Saúde responsável pela política de enfrentamento da Covid-19. No Natal de 2020, Wieler dizia não dormir com o número de mortos ultrapassando a casa dos 1000 por dia. Terá insônia esse ano mais uma vez?

Provável protecao

Fatos comprovados são ignorados pela imensa maioria através de um competente trabalho de desinformação produzido pela máquina de marketing da indústria farmacêutica. “Vacinado é mais seguro do que não vacinado. Isso é perfeitamente claro!”, afirma Wieler. “Provavelmente, a terceira dose oferece uma proteção contra uma infecção pela variante Omicron”, espera ele, admitindo a falta de estudos sobre o assunto.

“Os dados mostram que dois meses após a vacina a proteção cai de 25 a 45%. Por isso a necessidade da vacina de reforco”, defendeu também o ministro Lauterbach durante o evento. A estratégia do ministro é uma ofensiva da imunização de reforço, já que as duas doses aplicadas nos últimos seis meses não foram suficientes para frear a variante Delta, agora suplantada pela Omicron. Um milhão e meio de doses por dia é a meta do ministro da saúde alemão.

Proteção de quem?

A necessidade de vacinação dos adolescentes, torna a questão ainda mais paradoxal. Se até pessoas triplamente imunizadas podem ficar doentes, por que as crianças, que não ficam doentes, devem ser vacinadas? “Adolescentes de 12 a 17 anos apresentam um risco de desenvolverem pericardite ou miocardite por conta da vacina na ordem de um para cada 10 mil”, estima o Prof. Dr. Jörg Dötsch, diretor da clínica pediátrica da Universidade de Colônia

Para Dötsch, participante da conferência, 100 novos cardiopatas adolescentes para cada milhão de vacinados é um “claro” argumento para a vacinação irrestrita nessa faixa etária. “Trata-se de uma vacina aprovada no país e na Europa, e como falamos, os efeitos colaterais acometem uma parcela mínima dos vacinados”, reitera o pediatra

Lockdown dos não vacinados inicia a troca de poder na Alemanha

“Um ato de solidariedade nacional”, definiu Angela Merkel, ainda primeira-ministra, com relação ao novo pacote de medidas para enfrentar a quarta onda da pandemia na Alemanha. “A situação é muito séria”, justificou ela em sua última conferência de imprensa como chefe de estado na quinta-feira (02/12/2021). Não vacinados estão oficialmente em Lockdown. “Pessoas não imunizadas podem encontrar-se no máximo com outra pessoa, vacinada ou nao”, anunciou. Isso vale para qualquer tipo de ocasião em todo o território nacional.

Supermercados e farmácias dispensam tais cuidados, assim como o transporte público. Neles, dependendo da situação regional, será exigido um teste. Em locais com incidência acima de 350 infecções por 100 mil habitantes, vale a regra mais restrita. No máximo duas pessoas podem encontrar-se em locais fechados. Ao ar livre, o limite é de 200 pessoas, mas só vacinados ou curados. Exceção à regra, os jogos de futebol, permitidos para até 15 mil pessoas com o passaporte vacinal em dia.

Vacina obrigatória

Em escolas o controle será redobrado, com máscaras, testes e cuidados como distanciamento e medidas de higiene. “A vacina obrigatória será discutida até o início do ano no parlamento”, informou Dra. Merkel, avisando que uma comissão de experts foi estabelecida para embasar o trabalho dos deputados.

O vice-chanceler e sucessor eleito atribui diretamente aos não vacinados a surpreendente escalada de infecções. “Temos bastante gente vacinada, mas não o suficiente para evitar que a doença se espalhe por todos os lados”, declarou o social-democrata, Olaf Scholz, apelando à população para tomar a vacina de reforço. São 30 milhões de doses a serem aplicadas até o Natal, e assim evitar um já anunciado completo Lockdown. “Sabemos que é uma meta ambiciosa, mas essa campanha precisa ser levada até o fim, pois é a única solução que temos no momento”.

“O momento é agora. Não podemos esperar”, acrescentou o presidente da Conferência dos governadores dos 16 estados da Federação, Hendrik Wüst, somando-se ao coro pela vacinação urgente de toda a população. “Isso salvará vidas”, disse ele, lembrando que desde a segunda guerra mundial o país não enfrentava uma situação assim. 

Autoexplicativo

O prefeito de Berlin, Michael Müller, deixou mais ou menos claro que não se trata apenas da população adulta. “É uma minoria da população que não está vacinada. Mas essa minoria é responsável pela maior parte das internações e casos”, declarou ele durante a conferência de imprensa para apresentar as medidas. “Precisamos reagir a isso”, complementou ao justificar a razao para um duro Lockdown apenas para os não vacinados. “É uma questão de solidariedade, isso deveria ser autoexplicativo para uma vida em sociedade”, finalizou o prefeito.

Apesar das justificativas e explicações, todas as autoridades admitiram que não há garantias. Um novo e irrestrito confinamento não está descartado. “Vai depender do engajamento das pessoas em se vacinarem”, sentenciou o ainda não empossado, Scholz.

Questoes abertas

“Eles não garantem que o Lockdown funciona, não garantem que a vacina funciona, tudo depende de nós mesmos no final. Então, por que não deixam pra gente mesmo decidir? Por que querem nos obrigar?”, indaga Lindomar Gomes, proprietário de uma loja de bicicletas no bairro de Kreuzberg em Berlim. Há 18 anos vivendo na capital, o paulista de São Sebastião reclama da falta de transparência e abertura por parte dos responsáveis para esclarecer questões cruciais.

“Dos 30 milhões que faltam vacinar, pelo menos metade são crianças. Sem elas continuaremos sem a imunidade de rebanho, mas e o risco de vacinarmos as crianças com uma vacina experimental?”, raciocina o brasileiro pai de uma menina de 14 anos. A imunização das crianças é talvez o ponto mais polêmico de toda a estratégia oficial.

Obrigação infantil

Dr. Thomas Mertens, presidente da Ständige Impfkommission (Stiko): “Um quadro grave ou fatal para adolescentes saudáveis é uma absoluta raridade”. (Dpa)

Segundo a Stiko (Ständige Impfkommission), responsável pela recomendação e avaliação de vacinas na Alemanha, existem cerca de 200 mil infecções confirmadas para jovens entre 12 e 16 anos desde o início da pandemia. Aproximadamente 2.000 precisaram ser hospitalizados, dos quais 20 em unidades de tratamento intensivo. Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas dois óbitos foram registrados nessa faixa etária, e de crianças com outras enfermidades. “Um quadro grave ou fatal para adolescentes dessa idade é uma absoluta raridade”, atesta o presidente da comissão, Dr. Thomas Mertens.

Ele admite que crianças com co-morbidades devam ser, dependendo do caso, vacinadas. “Mas isso não é nenhuma clara indicação para a vacinação de todas as crianças saudáveis”, reitera o representante da Stiko, lembrando que a relação com inflamações da musculatura cardíaca, como efeito colateral do imunizante da Pfizer/Biontech, ainda não foi conclusivamente investigada. “Além do mais, a vacinação de crianças influenciaria minimamente a situação em UTIs, ou o número de óbitos”, conclui.

Princípio da precaução

Mesmo encenando coesão e segurança, é nítido o desgaste do governo na condução da pandemia. “O que vale a palavra dos nossos políticos hoje?!”, ironiza Sahra Wagenknecht, ao comentar a proposta da obrigatoriedade de vacinação em seu canal do Youtube. No vídeo, a deputada do partido Die Linke mostra as promessas feitas anteriormente por muitos membros do governo, incluindo o Chanceler eleito, de não introduzir a imunização forçada no país.

Sahra Wagenknecht (Die Linke) debatendo na tv pública com o novo ministro da saúde, Karl Lauterbach (SPD). (ARD)

“Há semanas nos contam esse conto de fadas de que só os não vacinados transmitem a doença. Todos os estudos atuais comprovam que a vacina não impede que uma pessoa infecte outra”, aponta Wagenknecht, uma das poucas vozes contrárias às medidas na esquerda alemã. “Nunca atingiremos a imunidade de rebanho com a vacina que temos hoje, só isso já deveria ser suficiente para descartar a possibilidade de adoção de um passaporte vacinal”, defende ela. Para a parlamentar, há muitas dúvidas não respondidas, especialmente sobre todos os efeitos de longo prazo. “Quantas vezes não retiramos medicamentos já aprovados do mercado, por conta dos problemas que se apresentaram após anos de uso? O princípio da precaução deve ser sempre orientar as decisões desses assuntos”, reclama.

Na segunda-feira (06/12/2021) Karl Lauterbach (SPD) foi confirmado como novo ministro da saúde. Em sua apresentação oficial na sede do partido em Berlim disse sem nenhuma precaução: “a pandemia vai demorar mais do que muitos pensam”.