Travessia de Viamão (2): Programa alia produção de alimentos a práticas socioambientais

Por Cleber Dioni Tentardini *

Com a abundância de terra, água e reservas naturais, é natural que a vocação do município se volte para a produção de alimentos. Mas, que alimentos?

O engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, coordenador do Programa EcoViamão – curso de extensão do IFRS Campus Viamão – defende que o município esteja cada vez mais voltado para práticas ecológicas, criando zonas de amortecimento no entorno das reservas com produção orgânica.

– É o potencial natural de Viamão, diz o professor.

EcoViamão surgiu em 2016 com o propósito de implantar  atividades agroecológicas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.

Fioreze lembra que 37% do território é composto por unidades de conservação, de proteção integral e de desenvolvimento sustentável. Ou seja, mais de um terço do município.

– Os assentados estão provando que é possível a convivência da produção com a conservação. Começaram a primeira lavoura de soja orgânica certificada de Viamão. Outros tantos produzem arroz orgânico. Lá em Itapuã, o biólogo Lizandro Pelegrini também está plantando arroz orgânico, na propriedade do O Butiá, ressalta Fioreze.

Fioreze (à dir.) visita produção de soja orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir /Emater
Soja Orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir/Emater

Mas ainda faltam incentivos, segundo ele. O professor cita a cidade de Nova Santa Rita, onde os assentados tiveram apoio do poder público e estão bem organizados, têm agroindústria, abatedouros para carne suína, bovina, frango e outras coisas.

– E Viamão, com esses ativos ambientais poderosíssimos, algo raro de se ver no Brasil afora, precisa do apoio dos governos. Tem que incentivar os produtores com boas práticas ecológicas com a redução do imposto CDO – Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura. Eles já estão prestando um serviço ecossistêmico importante para a APA do Banhado Grande, para o Gravataí, deixando a água mais limpa, menos turva, ao reduzir o uso de agrotóxicos, ao não utilizar adubos industriais solúveis, ao não mobilizar demais o solo, destaca o professor.

Fiorezi integra o Conselho do Parque Estadual de Itapuã, o Conselho da APA do Banhado Grande, é vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, e também é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, cuja coordenação é do Ministério Público Federal.

APA dp Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

O professor ressalta que Viamão está no estômago de uma Região Metropolitana com cerca de 4 milhões de habitantes, num raio de 60km. Se incluir todo o litoral Norte, segundo ele, são mais seis milhões de pessoas num raio de 100km.

– E quem alimenta esse povo, questiona o ex-extensionista rural da Emater. “Toda a produção de arroz orgânico do Estado dá 5 mil hectares em um universo de um milhão de hectares, então nós temos meio porcento do arroz gaúcho ecológico, enquanto nós poderíamos ter muito mais, diminuindo custos e agregando valor para quem produz. Viamão poderia plantar entre 30 e 40 mil hectares de arroz e todo orgânico, ecológico, e sem muito trabalho. Mas ainda existe muito preconceito com a agroecologia, com o MST, e está dentro das universidades, da Academia, com aquele discurso que a produção de base ecológica pode não sustentar a alimentação do mundo, o que é uma grande bobagem. Primeiro, porque a fome no mundo não é por falta de comida, mas por desigualdade de renda. O que se produz hoje dá para alimentar duas vezes a população mundial. Segundo, porque só o que é desperdiçado – segundo a FAO/ONU representa 30 a 40% do que é produzido -, daria para alimentar todos que passam fome. O desperdício se dá por preconceito cultural, desinformação.

Outra pauta em curso é a cobrança pelo uso da água.

– A Bacia do Gravataí é pioneira em implementar essa política com a ideia de premiar as boas práticas. Não é um debate fácil, tem muitos atores com interesses diferentes, mas têm que ir costurando. Se houvesse mais poderes, mais instrumentos econômicos nas mãos desse e de outros comitês, os resultados seriam muito melhores, não só para o Gravataí, mas para todas bacias hidrográficas do Estado.

Assentamento Filhos de Sepé prioriza comida orgânica

A maior plantação de arroz orgânico da América Latina fica em Viamão, no Assentamento Filhos de Sepé, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Mais de 1,5 mil hectares plantados de arroz,, que rendem em torno de 100 sacas por hectare.. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

Orgânico quer dizer que não há uso de agrotóxicos ou culturas transgênicas.

De acordo com o presidente da Associação dos Assentados Filhos de Sepé, o técnico agrícola Ivan Prado Pereira, há 376 famílias, registradas no Incra e, dessas, 130 estão envolvidas com o arroz. São 1,6 mil hectares plantados, o que rende em torno de 100 sacas por hectare.

Agricultores mais antigos, do Assentamento A Reforma, em Itapuã, da época do governo Leonel Brizola (1959-1962), também produzem arroz orgânico.

Pereira diz que é difícil precisar quantas pessoas vivem hoje no assentamento porque muitos foram para lá solteiros, ou somente o casal, aí separaram um pedacinho para a casa do filho e da filha, que também formaram família, e trabalham na mesma terra.

– A estimativa é que morem aqui umas 750 famílias, afirma Pereira.

O assentamento surgiu no final de 1998. Este assentamento é diferente dos demais no Brasil. Está dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Banhado Grande. E totalmente livre de produto químico na lavoura, tanto na horta como no arroz.

Barragem

A terra livre de agrotóxicos pertence ao INCRA e é cedida para os assentados trabalharem. Possui 9,6 mil hectares, e desses, cerca de 2,3 mil integram o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Só a barragem tem 500 hectares de lâmina d’água.

O tamanho dos lotes gira entre de 1 a 3 hectares a parte alta, no entorno da casa, onde as famílias têm sua horta, pomar, galinhas, porcos, e entre 13ha e 16ha na parte baixa, da lavoura. Muitos têm criação de gado de corte, alguns têm vaca de leite. Há famílias ligadas à produção de hortaliças orgânicas, mel.

O Filhos de Sepé possui a escola municipal Nossa Senhora de Fátima, o colégio Josué de Castro, uma escola técnica, e faculdades de Agronomia, Medicina Veterinária, História, e o EJA, com cerca de 150 alunos ao todo.

A associação mantém parceria com a Emater, IRGA, Instituto Federal e UFRGS na área de biotecnologia, estudos para melhoramento do solo e da produção.

O casal Itor e Lurdes Cardoso chegou no Filhos de Sepé em 2013, quando passou a trabalhar somente com produtos orgânicos e pecuária.

Lurdes garante que só trabalha com produtos orgânicos. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

O lote da família é de 10,7 hectares, dividido em duas áreas, a parte da casa e o entorno, onde estão as hortaliças, legumes e as árvores frutíferas, e a outra, maior, onde cria 12 vacas, de leite e de corte, e produz milho.

Itor na feirinha no centro de Viamão

As duas filhas já casadas, Iara e Ana Claudia, permanecem no assentamento, e a mais nova, Ionara, ajuda os pais após o colégio. A produção é vendida na Praça Júlio de Castilhos, no centro de Viamão, e através de entregas à domicílio.

– A demanda aumentou bastante durante a pandemia, agora diminuiu um pouco, mas ainda levamos para Porto Alegre e muitos nos encomendam e buscam lá na nossa banca, explica Lurdes.

Nilza Padilha e Elói Kremer vivem no Filhos de Sepé faz 23 anos. Produzem numa área de 12 hectares hortaliças, frutas, legumes e o arroz orgânico, que é beneficiado na agroindústria da cooperativa em Eldorado do Sul, o Terra Livre. Também criam galinhas e vendem ovos.

Comercializam os produtos em duas feiras de Viamão e também entregam à domicílio. Faz pouco tempo, Elói introduziu a agroflorestal em suas hortas.

Elói

Nilza

 

 

 

 

 

O casal é jovem, idades em torno dos 53 anos, mas o trabalho duro no campo já preocupa o futuro, pois as duas filhas, de 17 e 22 anos, não permanecerão no assentamento. Jéssica, a mais nova, faz curso técnico de enfermagem, e Renata cursa Direito em Florianópolis.

José Derli de Alves, de Nonoai, é outro assentado com mais de 20 anos em Viamão. Além do hortifruti, cria vacas e produz derivados do leite. Vende em feiras e por encomendas. Seu Deco é um homem de sorte, tem vários ajudantes. Trabalha ele e mais quatro, às vezes cinco filhos. Os outros sete filhos já casaram e arrumaram outras ocupações.

Deco na feira do Centro

– Tem que ser, né, porque não dá para parar, as verduras estragam, as vacas não esperam, como dizem, quer ter vaca de leite, casa com ela, se diverte seu Deco.

 

 

“É possível produzir alimentos sem venenos”

Trinta anos atrás, o casal Valcir Carpenedo e Ingrid Bergman Inchausti de Barros decidiu mudar de vida de forma radical. Trocou a rotina em um apartamento na movimentada avenida Cristiano Fischer, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por um sítio de meio hectare no bairro Tarumã, em Viamão. Compraram e reformaram a casa que era a sede da fazenda de Tarumã.

Carpenedo

– Buscamos o meio rural como projeto de vida e queríamos provar para nós mesmos que era possível produzir alimentos sem veneno, afirma Carpenedo.

O casal implantou um viveiro com a proposta de produzir hortaliças, chás, temperos isentos de qualquer química.

Carpenedo tem mudas de hortaliças, vegetais, chás e, dependendo da época. algumas frutas,

O pessoal leva ou encomenda as sementes de alfaces, rúculas, brócolis, alho-poró, beterraba, dependendo da época começa as melancias, abóboras, pepino, melão.

– Este espaço nos ajuda a pagar algumas contas, mas o objetivo é reconectarmos à terra. As escolas aqui no entorno trazem os pequenos e a gente nota que ficam admirados em saber como nascem as plantas. Não é de hoje que as crianças estão desconectadas da realidade do campo, as pessoas não sabem plantar um pé de alface, tomate, milho que seja.

Geólogo, especialista em solos, Carpenedo era professor da UFRGS e, hoje, aposentado, ainda dá aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), onde também estudou.

– Acredito que para produzir é preciso ter um saber holístico das coisas.  Desde a semente até como controlar uma irrigação. A agricultura convencional é bem mais fácil do que a ecológica, porque tu tens que entender todo o processo, entender a planta, a interação com o ambiente. É possível produzir nas bases mais naturais. Aprendemos que se der vida ao solo, ele faz o resto sozinho. Este modelo de agricultura está em prol da comida e da saúde, reforça o professor.

Carpenedo lembra que a localização de Viamão é privilegiada pela quantidade e qualidade da água de que dispõe.

– Nós temos a água que vem do granito, nós estamos no Aquífero Mar de Dentro. Ao arborizar um espaço, a água começa a brotar. A hora que Viamão acordar, vai dar um salto, porque a vocação do município é produzir comida, em vez de commodities. E abrir as portas para as agroindústrias, fazer com que o viamonense trabalhe aqui.

Há cerca de sete anos, ele aceitou convite do amigo Valdon para vender suas mudas na FAE. Gostou tanto que começou a participar de outra feira de orgânicos, no centro de Viamão, com a ajuda do Ricardo Oliveira, seu auxiliar no viveiro.

“As feiras são locais de trocas de saberes muito fortes, cada um ali tem a sua história, sua vivência, ainda temos que conectar mais, trocar mais”, diz.

 

Falta memória das plantas medicinais

Ingrid, engenheira agrônoma, deu aulas durante 39 anos na UFRGS. Especialista em olericultura, ela introduziu o estudo das plantas medicinais na Faculdade de Agronomia e orientou o pessoal sobre as ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais).

Seu primeiro contato com Viamão foi como estudante da Universidade na antiga estação experimental da Fepagro – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária -, com o professor José de Almeida Soares. Depois, trabalhou com o técnico agrícola Luiz Osório de Castro, segundo ela, um visionário.

– Ele tinha um conhecimento incrível da flora daqui. Reuniu a maior coleção de plantas medicinais nativas naquela estação experimental e espalhamos por vários lugares, antes de acabarem com a estação e com tudo. Nós temos essa riqueza enorme em Viamão, de fauna e flora, temos esses recursos e mesmo assim ficamos sem registro. Nós trabalhamos muito toda a estruturação da fitoterapia no SUS. Tivemos projetos grandes, no final dos anos 90, com parceria entre UFRGS e Prefeitura de Viamão, Fepagro e UFRGS, e o município esqueceu disso tudo, lamenta a agrônoma.

Segundo Ingrid, duas pessoas conseguiram potencializar o trabalho do Luiz Osório, a Vera Chemale e a Ana Rosa reuniram em livro (Plantas Medicinais Condimentares e Aromáticas) o conhecimento acumulado de muitos anos.

Pioneiros da FAE

Valdon, Lisiane e a filha Lilian colhendo as hortaliças para vender em Porto Alegre. Fotos: Cleber Dioni

A família Wegner é uma das pioneiras da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece todos os sábados pela manhã na avenida José Bonifácio, em frente à Redenção.

A reportagem acompanhou o trabalho da família meses antes dela arrendar o sítio e sair da FAE. Seu Valdon e a esposa Lisiane decidiram se aposentar e voltar para Santa Cruz do Sul, de onde partiram rumo a Viamão em 1977. Ele trabalhou seis anos como empregado em um tambo de leite, depois arrendou um sítio e começou a plantar verduras. Vendia em Viamão mesmo e, em 1987, foi convidado a participar da feira Tupambaé, que estava sendo realizada desde o ano anterior na área central do Parque Farroupilha (ao longo do espelho d’água) para comercializar produtos e falar sobre ecologia.

No sítio
Na FAE

A feira Tupambaé (palavra de origem tupi-guarani que significa lavoura do comum) foi o embrião da Feira da Coolmeia, e hoje, a FAE – Feira dos Agricultores Ecologistas.

No sítio de dez hectares, plantavam hortaliças, abóbora, acerola, aipim, batata doce, beringela, cebola, entre outros. E contavam com a ajuda da filha Lilian, que alternava no trabalho como fisioterapeuta e na produção e venda dos produtos. O que não vendia na feira, ficava para consumo da família e uma parte era doada.

O que não vende na feira, fica para consumo da família e uma parte é doada.

– Viamão é uma cidade abençoada com a melhor água,  limpa, impressionante. Temos um poço artesiano lá no sítio com 38 metros de profundidade e tem vertentes por tudo, em cinco hectares de mata nativa. Certa vez, fui visitar um sítio na região da Pimenta, e vi a água brotando, cristalina, conta seu Wegner.

Ovos sem hormônios

Na Quinta da Passiflora, a produção de ovos e mel é isenta de aditivos como hormônios, antibióticos ou drogas veterinárias.

A Quinta surgiu em 1984, quando dois irmãos da família Bos Wolff iniciaram a criação de abelhas em parceria. Aos poucos a família foi diversificando as atividades e começou a plantar frutas e hortaliças, aves e ovos, além do mel, própolis e derivados.

Hoje, é administrada por Edson Marcelo Garcia, a esposa Claudia Wolff e os filhos Marina e Maurício. O casal é outro pioneiro da FAE, na Redenção.

 

Edson Marcelo, produtor de ovos orgânicos da Quinta da Passiflora. Fotos: Cleber Dioni

A Quinta trabalha com 800 frangos. A vida útil das poedeiras é de 120 semanas. Depois, são abatidas, algumas são aproveitadas para o consumo da família e as demais transformadas em adubo.

“Esse é um problema que nós, pequenos produtores, enfrentamos, porque não tem abatedouro para poucos frangos. É um investimento muito alto. Além disso, tem que ter toda uma limpeza específica para lidar com o produto no sistema orgânico e agroecológico”, completa Marcelo.

A veterinária Lisiane Feck Ávila, consultora da Emater de Viamão, explica que a linhagem de frango Izabral é a mais comum entre as poedeiras.

– É um animal pequeno. Começa a pôr ovos a partir dos 5 meses e tem vida útil entre 1,5 a 2 anos, afirma a veterinária.

Os desafios da Emater

O engenheiro agrônomo Gladimir Ramos de Souza, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), diz que o público em um município grande como Viamão abarca diferentes grupos, como indígenas, quilombos, pescadores, assentados, pecuaristas familiares, produtores orgânicos, grandes produtores de arroz, de soja.

Gladimir registro a visita,com o professor Fioreze à plantação de soja orgânica no Filhos de Sepé.

O extensionista ressalta que estão trabalhando com o sistema SPDH – Sistema de Plantio Direto de Hortaliças. Viamão tem hoje o maior grupo de produtores de foliosas da Ceasa do RS. Segundo ele, é utilizado muito insumo químico, que ocasiona a degradação do solo, então adotaram a experiencia do plantio direto, feito há muito tempo em Santa Catarina e introduzido no estado pela UFRGS, para, futuramente, o produtor trabalhar com orgânicos.

– Prestamos auxílio, capacitação, ajudamos a desenvolver as comunidades dando ênfase à produção orgânica e ecológica. Por exemplo, na Costa do Oveiro, orientamos a produção do leite a pasto, ou seja, com as vacas livres e, não, confinadas. O custo é bem mais baixo. A tendência é que esses confinamentos de suínos, galinhas, acabe logo porque é muito oneroso, explica.

Souza lembra que o primeiro assentamento do Estado foi em Itapuã, “A Reforma”. Três famílias remanescentes dos primeiros assentados moram próximas ao parque de Itapuã e produzem arroz orgânico.

Alguns agricultores do Assentamento Filhos de Sepé também estão produzindo arroz orgânico, de forma experimental , em parceria com o IRGA, Instituto Federal e Emater.

Plantação de soja orgânica

– Estamos trabalhando também com a agrofloresta. No Filhos de Sepé, plantamos meio hectare. Produzir hortaliças no meio de árvores frutíferas, por exemplo, ou eucalipto. Isso, a médio prazo, melhora muito o solo, até chegar no ponto que não é preciso colocar insumos químicos. Os galhos e folhas das árvores que caem vão fertilizando o solo. Isso vai crescer muito nos próximos anos”, acredita o agrônomo.

Colaboraram com a série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Apesar da vacinação, lockdown avança na Europa

O social-democrata Karl Lauterbach, guru da pandemia e agora ministro da Saúde na Alemanha, mostrou a que veio já na sua primeira conferência de imprensa como titular do cargo, dia 16/12/2021. “Compramos 80 milhões de doses para os próximos meses”, anunciou ele em Berlin para os jornalistas na ocasião. O valor do negócio é de € 2,2 bilhões. Pagos antecipadamente, já que a maior parte da compra será entregue somente em março. Na expectativa do ministro, 73 milhões de “Booster” serão injetados nos alemães até o primeiro trimestre do próximo ano. 

No Sábado, 18/12/2021, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Hamburgo contra as medidas para controle da pandemia, especialmente a imunização obrigatória e a campanha de vacinação de crianças em andamento. Outras cidades também tiveram protestos. “Que vacina é essa em que os vacinados temem os não vacinados?”, pergunta o professor Martin Horst, um dos demonstrantes em Freiburgo.

Em Londres, cem mil britânicos protestaram contra a imposição do passaporte vacinal. Nesse mesmo dia, o prefeito da capital inglesa, Sadiq Khan, decretou estado de emergência, alertando para uma iminente superlotacao dos hospitais, devido à Omicron.

Festa da vacina

Inabalada, a campanha de imunização da Alemanha seguiu em grandes cidades como Stuttgart, com postos de vacinação Drive-in, onde a pessoa nem desce do carro, prometendo aplicar 20 mil injeções durante o fim de semana. Na capital Berlim Festas de Vacinação (ImpfParty’s) ocorrem de Sexta a Domingo.  

Enquanto isso, Holanda e Dinamarca capitularam frente à variante Omicron, e decretaram o Lockdown amplo e irrestrito até o meio de Janeiro, pelo menos. Elas se juntam à Áustria, em confinamento total desde a semana passada. “A noite de Natal e a de ano novo serão exceções. Nesses dias, cada casa poderá receber até quatro pessoas convidadas”, anunciou o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte. “Me doi ter que anunciar essa medida. Eu sei o quanto valor há em eventos culturais, mas o que precisamos no momento é o contrário disso”, justificou a chanceler dinamarquesa, Mette Frederiksen, ao anunciar o fechamento de todos os locais de eventos culturais e desportivos do país.

Lauterbach, Wieler e Dötsch, durante a primeira conferência de imprensa do novo ministro. Vacinar! Vacinar! Vacinar! Repetem os três quase em coro. (dpa)

Dejavú

Apesar dos sacrifícios de direitos fundamentais implementados pela estratégia de combate da pandemia na Europa, a doença parece manter o seu curso sazonal. Aos cidadãos, resta uma realidade em Dejavú, onde todas as medidas e promessas das autoridades mudam ou contradizem-se de um momento ao outro, sem apresentar os resultados esperados.

“Vacinar rápido! Mas a vacina não é nenhuma arma milagrosa. Nós precisamos sair dessa montanha Russa em que embarcamos há dois anos”, declarou Lothar Wieler, presidente do Robert-Koch-Institut, órgão do ministério da Saúde responsável pela política de enfrentamento da Covid-19. No Natal de 2020, Wieler dizia não dormir com o número de mortos ultrapassando a casa dos 1000 por dia. Terá insônia esse ano mais uma vez?

Provável protecao

Fatos comprovados são ignorados pela imensa maioria através de um competente trabalho de desinformação produzido pela máquina de marketing da indústria farmacêutica. “Vacinado é mais seguro do que não vacinado. Isso é perfeitamente claro!”, afirma Wieler. “Provavelmente, a terceira dose oferece uma proteção contra uma infecção pela variante Omicron”, espera ele, admitindo a falta de estudos sobre o assunto.

“Os dados mostram que dois meses após a vacina a proteção cai de 25 a 45%. Por isso a necessidade da vacina de reforco”, defendeu também o ministro Lauterbach durante o evento. A estratégia do ministro é uma ofensiva da imunização de reforço, já que as duas doses aplicadas nos últimos seis meses não foram suficientes para frear a variante Delta, agora suplantada pela Omicron. Um milhão e meio de doses por dia é a meta do ministro da saúde alemão.

Proteção de quem?

A necessidade de vacinação dos adolescentes, torna a questão ainda mais paradoxal. Se até pessoas triplamente imunizadas podem ficar doentes, por que as crianças, que não ficam doentes, devem ser vacinadas? “Adolescentes de 12 a 17 anos apresentam um risco de desenvolverem pericardite ou miocardite por conta da vacina na ordem de um para cada 10 mil”, estima o Prof. Dr. Jörg Dötsch, diretor da clínica pediátrica da Universidade de Colônia

Para Dötsch, participante da conferência, 100 novos cardiopatas adolescentes para cada milhão de vacinados é um “claro” argumento para a vacinação irrestrita nessa faixa etária. “Trata-se de uma vacina aprovada no país e na Europa, e como falamos, os efeitos colaterais acometem uma parcela mínima dos vacinados”, reitera o pediatra

Lockdown dos não vacinados inicia a troca de poder na Alemanha

“Um ato de solidariedade nacional”, definiu Angela Merkel, ainda primeira-ministra, com relação ao novo pacote de medidas para enfrentar a quarta onda da pandemia na Alemanha. “A situação é muito séria”, justificou ela em sua última conferência de imprensa como chefe de estado na quinta-feira (02/12/2021). Não vacinados estão oficialmente em Lockdown. “Pessoas não imunizadas podem encontrar-se no máximo com outra pessoa, vacinada ou nao”, anunciou. Isso vale para qualquer tipo de ocasião em todo o território nacional.

Supermercados e farmácias dispensam tais cuidados, assim como o transporte público. Neles, dependendo da situação regional, será exigido um teste. Em locais com incidência acima de 350 infecções por 100 mil habitantes, vale a regra mais restrita. No máximo duas pessoas podem encontrar-se em locais fechados. Ao ar livre, o limite é de 200 pessoas, mas só vacinados ou curados. Exceção à regra, os jogos de futebol, permitidos para até 15 mil pessoas com o passaporte vacinal em dia.

Vacina obrigatória

Em escolas o controle será redobrado, com máscaras, testes e cuidados como distanciamento e medidas de higiene. “A vacina obrigatória será discutida até o início do ano no parlamento”, informou Dra. Merkel, avisando que uma comissão de experts foi estabelecida para embasar o trabalho dos deputados.

O vice-chanceler e sucessor eleito atribui diretamente aos não vacinados a surpreendente escalada de infecções. “Temos bastante gente vacinada, mas não o suficiente para evitar que a doença se espalhe por todos os lados”, declarou o social-democrata, Olaf Scholz, apelando à população para tomar a vacina de reforço. São 30 milhões de doses a serem aplicadas até o Natal, e assim evitar um já anunciado completo Lockdown. “Sabemos que é uma meta ambiciosa, mas essa campanha precisa ser levada até o fim, pois é a única solução que temos no momento”.

“O momento é agora. Não podemos esperar”, acrescentou o presidente da Conferência dos governadores dos 16 estados da Federação, Hendrik Wüst, somando-se ao coro pela vacinação urgente de toda a população. “Isso salvará vidas”, disse ele, lembrando que desde a segunda guerra mundial o país não enfrentava uma situação assim. 

Autoexplicativo

O prefeito de Berlin, Michael Müller, deixou mais ou menos claro que não se trata apenas da população adulta. “É uma minoria da população que não está vacinada. Mas essa minoria é responsável pela maior parte das internações e casos”, declarou ele durante a conferência de imprensa para apresentar as medidas. “Precisamos reagir a isso”, complementou ao justificar a razao para um duro Lockdown apenas para os não vacinados. “É uma questão de solidariedade, isso deveria ser autoexplicativo para uma vida em sociedade”, finalizou o prefeito.

Apesar das justificativas e explicações, todas as autoridades admitiram que não há garantias. Um novo e irrestrito confinamento não está descartado. “Vai depender do engajamento das pessoas em se vacinarem”, sentenciou o ainda não empossado, Scholz.

Questoes abertas

“Eles não garantem que o Lockdown funciona, não garantem que a vacina funciona, tudo depende de nós mesmos no final. Então, por que não deixam pra gente mesmo decidir? Por que querem nos obrigar?”, indaga Lindomar Gomes, proprietário de uma loja de bicicletas no bairro de Kreuzberg em Berlim. Há 18 anos vivendo na capital, o paulista de São Sebastião reclama da falta de transparência e abertura por parte dos responsáveis para esclarecer questões cruciais.

“Dos 30 milhões que faltam vacinar, pelo menos metade são crianças. Sem elas continuaremos sem a imunidade de rebanho, mas e o risco de vacinarmos as crianças com uma vacina experimental?”, raciocina o brasileiro pai de uma menina de 14 anos. A imunização das crianças é talvez o ponto mais polêmico de toda a estratégia oficial.

Obrigação infantil

Dr. Thomas Mertens, presidente da Ständige Impfkommission (Stiko): “Um quadro grave ou fatal para adolescentes saudáveis é uma absoluta raridade”. (Dpa)

Segundo a Stiko (Ständige Impfkommission), responsável pela recomendação e avaliação de vacinas na Alemanha, existem cerca de 200 mil infecções confirmadas para jovens entre 12 e 16 anos desde o início da pandemia. Aproximadamente 2.000 precisaram ser hospitalizados, dos quais 20 em unidades de tratamento intensivo. Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas dois óbitos foram registrados nessa faixa etária, e de crianças com outras enfermidades. “Um quadro grave ou fatal para adolescentes dessa idade é uma absoluta raridade”, atesta o presidente da comissão, Dr. Thomas Mertens.

Ele admite que crianças com co-morbidades devam ser, dependendo do caso, vacinadas. “Mas isso não é nenhuma clara indicação para a vacinação de todas as crianças saudáveis”, reitera o representante da Stiko, lembrando que a relação com inflamações da musculatura cardíaca, como efeito colateral do imunizante da Pfizer/Biontech, ainda não foi conclusivamente investigada. “Além do mais, a vacinação de crianças influenciaria minimamente a situação em UTIs, ou o número de óbitos”, conclui.

Princípio da precaução

Mesmo encenando coesão e segurança, é nítido o desgaste do governo na condução da pandemia. “O que vale a palavra dos nossos políticos hoje?!”, ironiza Sahra Wagenknecht, ao comentar a proposta da obrigatoriedade de vacinação em seu canal do Youtube. No vídeo, a deputada do partido Die Linke mostra as promessas feitas anteriormente por muitos membros do governo, incluindo o Chanceler eleito, de não introduzir a imunização forçada no país.

Sahra Wagenknecht (Die Linke) debatendo na tv pública com o novo ministro da saúde, Karl Lauterbach (SPD). (ARD)

“Há semanas nos contam esse conto de fadas de que só os não vacinados transmitem a doença. Todos os estudos atuais comprovam que a vacina não impede que uma pessoa infecte outra”, aponta Wagenknecht, uma das poucas vozes contrárias às medidas na esquerda alemã. “Nunca atingiremos a imunidade de rebanho com a vacina que temos hoje, só isso já deveria ser suficiente para descartar a possibilidade de adoção de um passaporte vacinal”, defende ela. Para a parlamentar, há muitas dúvidas não respondidas, especialmente sobre todos os efeitos de longo prazo. “Quantas vezes não retiramos medicamentos já aprovados do mercado, por conta dos problemas que se apresentaram após anos de uso? O princípio da precaução deve ser sempre orientar as decisões desses assuntos”, reclama.

Na segunda-feira (06/12/2021) Karl Lauterbach (SPD) foi confirmado como novo ministro da saúde. Em sua apresentação oficial na sede do partido em Berlim disse sem nenhuma precaução: “a pandemia vai demorar mais do que muitos pensam”.

Omicron aumenta pressão por vacinação na Europa

A chegada da variante Omicron, do vírus Corona, sacudiu a já abalada política de combate da quarta onda da pandemia na República Federal da Alemanha. Antes da “nova variante”, estados como a Bavária estavam sendo obrigados a transferir pacientes a países vizinhos devido à superlotação de hospitais. Ao mesmo tempo, o número de infectados por dia em todo país bateu novo recorde, 75 mil.

“Análises preliminares indicam que essa variante é mais agressiva do que pensávamos”, alertou Karl Lauterbach (SPD), guru da pandemia e um dos candidatos a ministro da saúde, nas primeiras horas depois da notícia. Quatro casos de infecções do novo vírus já haviam sido confirmadas na Bavária.

Especula-se que a nova variante já esteja circulando pelo mundo há meses, assim como a cepa original em 2019. O que faz com que a análise minuciosa e demorada do DNA de um vírus defina sua origem geográfica, é uma questão que só o colonialismo geopolítico ocidental pode explicar. De um jeito ou de outro, a descoberta de Omicron bota mais lenha na fogueira do pânico, norteando a política das potências européias.

Vacinados, curados ou mortos

O ainda ministro já cantou a pedra: “Ao final dessa onda estaremos todos vacinados, curados ou mortos”.

Aconteça o que acontecer, a vacina é, ainda, a única salvação apresentada pelas autoridades do continente. Impossível não lembrar da frase do ainda Ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU), dias antes no parlamento (Bundestag). “Ao final dessa pandemia estaremos todos vacinados, curados ou mortos”.

Outro apelo pela vacina veio da governadora do estado de Rheinland-pfalz, Malu Dreyer (SPD). “Queremos e devemos vacinar 30 milhões de pessoas até o Natal”, declarou ela dia 30 de novembro. O argumento, no caso, visa evitar um Lockdown no Natal, como no ano passado. Da mesma forma que antes, o que os políticos dizem sobre o combate da pandemia já não se escreve mais.

A última determinação, por exemplo, obrigando todos os passageiros do transporte público do país a fazerem um teste antes de qualquer embarque. Teoricamente tudo perfeito. Na prática, impera a dúvida: quem controla? Não sem cabimento que medidas assim não tenham sido adotadas antes. O fato principal é que independente da medida que o governo baixe, a curva do número de vítimas parece repetir a do gráfico do ano anterior. Impiedosamente. E assim também o consentimento da população.

O gráfico do número de mortos da pandemia na Alemanha mostra uma tendência muito semelhante entre a quarta e a segunda onda . (Fonte: https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19)

Três meses

O fechamento dos aeroportos alemães para diversos aeroportos na África foi justificado e aceito como há um ano “É importante nos protegermos ao máximo, retardando dia-a-dia a chegada na nova variante”, defendeu Lauterbach na televisão pública. Para o político, vacinados e não vacinados correm risco agora, ao mesmo tempo em que recomenda: “A vacina de reforço, de tudo o que sabemos, protege também contra essa variante, pois seu efeito de reforço é enormemente forte”. 

Se não funcionar, a receita é simples. “Precisaremos desenvolver uma nova vacina que estaria no mercado em três meses”, sentencia o expert alemão.

Narrativa recorrente

Na história das variantes, antes da Delta, vale lembrar da brasileira Gama. Responsável por milhares de mortes, é conhecida por também escapar bem da proteção das vacinas. 

B 1.1.529 se apresenta como mais uma sequência de números a nos conduzir para o Lockdown. Virologicamente falando, o que se sabe de fato é que Omicron possui 30 ou mais mutações em relação ao vírus original. A título de comparação, a variante Delta tem cerca de 10 mutações.

O raciocínio é simples e parece que vai sendo confirmado pouco a pouco pelos acontecimentos. Se a variante anterior já vencia a barreira da vacina, que dirá a versão mais recente e turbinada. Em outras palavras, o que justifica a pressão redobrada por um imunizante que apresenta indícios  de não funcionar mais?

Vacinação obrigatória

O desencontro entre as informações noticiadas pela grande mídia e os abundantes depoimentos de médicos em redes sociais aumenta na mesma proporção que o número de infectados. Ainda que as análises mais sérias não corroborem com as teorias mais conspiratórias, faltam esclarecimentos rudimentares para amparar o discurso político veiculado no mainstream.

A vacina obrigatória protege nossa liberdade. Esse é o novo slogan dos governadores de alguns estados alemães ao apresentar sua recorrente proposta de combate da pandemia do corona. “Apenas abrimos o debate sobre a obrigatoriedade. Queremos sair o mais rápido dessa pandemia”, sentencia Winfried Kretschmer, governador verde de Baden-Wurttenberg.

Mas e as crianças? A Stiko (Ständige impfkommission), comissão responsável pela recomendação técnica de vacinas, ainda não emitiu seu parecer final sobre o assunto. “Mas a pressão já é enorme”, reclama seu presidente, Prof. Dr. Thomas Mertens.

Anticorpos naturais

Na Alemanha, crianças a partir dos 12 anos vêm sendo vacinadas desde junho. E já há jurisprudência para casos em que menores de idade decidem isso em contrário à recomendação dos próprios pais. “Vacinar contra a vontade dos adultos responsáveis já é possível”, conta Jakob Maske, diretor da Federação de Pediatras Profissionais da Alemanha. 

Foi o que quase aconteceu com a adolescente Dora Kuhlmann, de 13 anos. Pressionada pela escola e pelas associações desportivas da qual participa, ela estava decidida a ser vacinada. Por influência do avô, clínico geral, foi convencida a fazer um exame de anticorpos para verificar sua imunidade. A menina havia contraído Corona em dezembro de 2020, passando pela doença sem nenhum sintoma grave. 

O resultado do exame contradiz as recomendações e análises dos experts do governo. Apesar do tempo, Dora apresentava uma quantidade de anticorpos para o Corona bem acima do mínimo determinado. Algo como 80% de imunidade. “Ficamos aliviados por agora, pois com o resultado ela ganha a carteira de imunidade por mais alguns meses”, diz a mãe da menina.

General da crise

O novo chanceler Alemao, Scholz, antes mesmo da posse, já anunciou que vai propor a vacinação obrigatória contra a covid-19. (dpa)

De qualquer forma, a pressão vem aumentando para os que ainda não se vacinaram. O próprio futuro chanceler, Olaf Scholz (SPD), já anunciou que irá propor a análise de um projeto de lei para a vacinação obrigatória contra o coronavírus. “Precisamos aplicar milhões de vacinas nos próximos meses, e para isso já constituímos um gabinete de gerenciamento da crise”, anunciou Scholz, se referindo a um grupo criado semana passada e comandado por um general de brigada. A expectativa é ter a obrigação aprovada até o fim do primeiro trimestre do ano que vem.

Buscando uma saída convergente para a nação, o presidente da República, Frank-Walter Steinmeier, apelou em seu discurso de 29 de novembro para uma redução voluntária de contato, “visando evitar um Lockdown”. O desenfreado contágio do coronavírus, no momento, conduz sem dúvidas para um novo confinamento. Independente do nome que ele receba.

Novo lockdown reabre debate da vacina obrigatória na Europa

 

A Europa está sendo arrastada pela quarta onda da pandemia para um novo confinamento. Depois de adotar restrições a não vacinados, países como Áustria e Holanda já decretaram lockdown na última semana. Na Alemanha, entra em vigor a versão “light” das medidas para reduzir a circulação de pessoas. Não vacinados estão proibidos de fazer qualquer atividade sócio-cultural e desportiva, e podem receber, no máximo, outras quatro pessoas não vacinadas em seu ambiente privado. Quem for vacinado está liberado, mas deve apresentar um teste válido a cada ocasião.  

Com o número de testes positivos batendo recorde há 10 dias, a Alemanha tem 87% da capacidade para tratamento intensivo comprometida. Logo após a Áustria iniciar seu lockdown e anunciar a obrigatoriedade da vacina a partir de fevereiro, Bavária e Saxônia decretaram toque de recolher e cancelaram seus mercados de Natal. A incidência semanal já ultrapassou 300 por 100 mil habitantes em nível nacional e chega a 1.000 em diversas regiões.

Vacinação obrigatória

Markus Söder, governador da Bavária, propõe vacinação obrigatória até fevereiro para evitar quinta onda.

“Verificamos nas últimas semanas uma média de 0,8% de mortos por número de casos. Isso significa que, dos 52 mil infectados oficiais de hoje, mais de 400 irao morrer”, avisou Lothar Wieler, presidente do Robert-Koch-Institut, em apelo à nacao durante uma live promovida pelo governador da Saxônia, Michael Kretschmer (CDU). “Temos três milhões de não vacinados acima de 60 anos. Se só eles contraíssem o vírus, já seria suficiente para ocupar todas as nossas camas de UTIs… Ao todo são 15 milhões de não vacinados, é demais se queremos evitar um desastre no Natal”, alerta Wieler.  

No final de semana, o número de infectados na Alemanha chegou a 65 mil/dia, enquanto a Organização Mundial da Saúde previu 450 mil mortos para todo o continente durante o inverno. No enfrentamento dos números fúnebres, o próximo assunto é a recorrente “vacina obrigatória”. “Se queremos evitar a quinta onda, precisamos da obrigatoriedade antes de Fevereiro”, defendeu o governador da Bavária, Markus Söder (CSU).

Assunto ignorado

A atual política de combate à pandemia inflama os europeus. Protestos e confrontos se espalharam pela Áustria, Bélgica e Holanda. A grande mídia dá destaque às agitações, mas está longe de explicar o que há por trás do fenômeno.

Rotterdamm foi uma das cidades com protestos violentos durante o fim de semana (https://www.tagesschau.de/ausland/europa/rotterdam-proteste-101.html)

Uma das dimensoes racionais dele, diz respeito ao debate sobre os efeitos colaterais causados pela imunização contra a Covid-19. O noticiário das grandes redes públicas ou privadas praticamente ignora o assunto. Essa cobertura vem sendo feita por profissionais independentes nas redes sociais.

Gosto na boca

Nikk é uma enfermeira em Kent, condado do sudeste da Inglaterra. Em fevereiro ela recebeu a primeira dose da vacina, produzida pela AstraZeneca.

“No momento em que a agulha entrou no meu braço senti instantaneamente um forte gosto químico na boca”, conta ela em entrevista ao podcast do Dr. John Campbell. Sintomas como náusea, tosse e dor de cabeça foram sentidos ainda nos primeiros momentos após a injeção. “Sentia arrepios subindo e descendo por todo o meu corpo, enquanto meu nariz corria, como se eu estivesse gripada”, lembra Nikk.

Incrivelmente desidratada

Mandada para casa, a enfermeira de 50 anos recebeu do médico que a vacinou uma receita de paracetamol. “A maior preocupação deles parecia ser o meu sistema respiratório, que dava sinais de bloqueio. Eu me senti horrível todo o resto do dia”, relata. A noite também foi difícil, com arrepios e calafrios até a manhã do dia seguinte. “Parecia um ataque de convulsão em alguns momentos. Nunca tinha sentido isso”, diz.

No dia seguinte seus rins estavam doendo, enquanto ela tomava litros e litros de água. “Me sentia incrivelmente desidratada, mesmo sem ter suado”, conta, reiterando o ineditismo da experiência. Quando tentava levantar-se tinha a sensação de que o mundo desabava sobre ela. “Parecia bêbada, caindo e levantando. Tentando me agarrar às coisas, que também caíam. Como em um navio enfrentando uma tempestade em alto mar”. Nikk acrescenta que em termos de percepção, todas as coisas pareciam confusas. “Por semanas não tive coragem de dirigir meu carro”, exemplifica.

Casos documentados

Até hoje ela tem dificuldades para se locomover por conta das dores nos rins e no peito, além de outros sintomas adversos sentidos após a vacina, como tinnitus. E mais importante, nenhum médico sabe dizer ao certo a causa, ou o remédio para os problemas que ela enfrenta. Ela conta que ainda não foi examinada por nenhum cardiologista e nenhum neurologista. O sistema de saúde do seu país parece prejudicar esse tipo de investigação sobre efeitos colaterais da aplicação de medicamentos e vacinas.

O caso de Nikk é só mais um, entre muitos documentados pela iniciativa C19 Vax Reactions . Segundo a própria descrição do site, um grupo de pessoas afetadas pelas vacinas contra a Covid-19 hoje no mercado (Pfizer, Moderna, J&J e AstraZeneca). “Os médicos têm dito a nós que se isso estivesse ocorrendo, eles seriam informados dessas reacoes adversas pelos órgaos reguladores e pelas empresas farmacêuticas”, diz um trecho da carta aberta.

Formado inicialmente por profissionais da saúde que se apresentaram como voluntários para testar as vacinas nos primeiros meses do ano, o grupo representado no site reclama da resposta dada até agora pelas fabricantes e autoridades. “Eles negam que isso esteja realmente acontecendo”, traz outro trecho da carta.

Falsas informacoes

A versão é corroborada na quase totalidade dos depoimentos colhidos pela mídia oficial. Dr. Erik Sander, chefe do Laboratório de doenças Infecto-respiratórias da Charité-Berlim, defende a vacinação de crianças a partir dos 5 anos, apesar de admitir não haver estudos sobre os efeitos da vacina nas pessoas dessa faixa etária. “Temos um problema de informações falsas circulando. Nós não temos nenhuma evidência de efeitos colaterais de longo prazo relacionados à vacina”, declarou ele, defendendo a imunização obrigatória, logo no começo da crise.

Na Alemanha há um protocolo vacinal autorizado pelo governo para imunizar crianças a partir de 12 anos contra o vírus Corona. No momento a Stiko (Ständige Impfkomission), comissão responsável pela regulamentação de vacinas, analisa o pedido para iniciar a vacinação de crianças a partir de 5 anos.

Em Viena, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas protestar contra as últimas medidas do governo austríaco, incluindo o Lockdown e a vacina obrigatória. “Tirem as mãos das nossas criancas”, diz o cartaz no protesto do partido de extrema-direita, FPÖ (Vadim Ghirda / DPA)

Risco desconhecido

“Eu não vacino crianças contra a Covid-19”, afirma Dra. Ilona Ziethen-Borkhoni, pediatra que há 30 anos atende crianças de todas as idades no bairro de Wilmersdorf, da capital Berlim. “Elas (as crianças) não precisam de imunização para uma doença que, na imensa maioria dos casos, não é perigosa para elas”, justifica a médica. 

Vacinada duplamente com o imunizante da Pfizer, Dra. Ziethen-Borkhoni explica que se existe um risco, ele é desconhecido. “Tudo isso é muito novo ainda, muito incerto. Não vale a pena arriscar com a saúde das criancas”, acredita, ponderando que respeita a posição divergente de outros colegas.

Transparência ajuda

A posição da pediatra é na prática o contrário do que pregam as autoridades alemãs. A principal ação do governo é ainda a terceira dose para todas as pessoas acima dos 18 anos. “Mais de sete bilhões de doses já foram aplicadas no mundo, muitas delas em ambientes muito controlados, por um período de mais de um ano. Isso demonstra sua seguranca”, argumenta a viróloga Ulrike Protzer, diretora do Instituto de Virologia da Universidade Técnica de Munique.

Na análise metódica do Dr. John Campbell, questões importantes continuam sem resposta, atrapalhando a conquista da confiança do público que resiste à vacina. “Empresas que estão ganhando muito dinheiro controlam todo o processo”, cita,  ao lembrar que os estudos oficiais de avaliação das vacinas para a Covid-19 são feitos pelas próprias fabricantes, e elas não disponibilizam abertamente seus dados. “Mais transparência só ajudaria”, diz ele.

Muito raro

Ao entrevistar outras pessoas afetadas, profissionais e pesquisadores, Dr.Campbell aponta também denúncias de problemas na consistência dos dados usados para aprovar as vacinas nos EUA e Europa. “São perguntas em aberto. Os documentos oficiais não especificam um percentual de efeitos adversos, por exemplo. Falam apenas que eles “são muito raros”. Mas quanto é “muito raro?”, indaga o professor aposentado de Enfermagem. 

Na opinião dele, o mais sensato agora seria trabalhar para esclarecer todas as dúvidas da população. “Só assim para cada um calcular o seu risco, seja com a vacina, ou sem ela”, ensina.  

Impasses no combate da pandemia aprofundam crise na Alemanha 

O fiasco da política de combate da pandemia na Alemanha só piora. Após a contra-ordem com pedido de desculpas da primeira-ministra, Angela Merkel (CDU), veio o cancelamento da Conferência de Governadores, que acontecia semanalmente na sede da Chancelaria (Kanzleramt). Dias antes da reunião, marcada para Segunda-feira (12/04), o gabinete de Merkel comunicou a decisão como um adiamento, mas sem nova data, até agora. 

O motivo foi a falta de coordenação entre o plano implementado em cada um dos 16 estados, e a política encampada pelo governo federal em Berlim. O ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU), se pronunciou por um Lockdown radical em nível nacional, o mais rápido possível. Já estados como a Turíngia, preferem uma política alternativa. “Há discrepâncias regionais intransponíveis. Nossa opção é por uma política baseada em testes e controle rígido das medidas de distanciamento e higiene, mas permitindo minimamente o funcionamento do comércio, enquanto nossos índices de infecção continuarem estáveis”, explicou o governador, Bodo Ramelow, do partido de esquerda, Die Linke.

Com o impasse, Merkel apresentou no parlamento um projeto de lei para uma nova mudança na fatídica “lei de proteção à infecções” (Infektionschutzgesetz). É a terceira alteração da lei desde o início da pandemia. Diferentemente das anteriores, aprovadas a toque de caixa, a de agora enfrenta mais oposição, dentro e fora do parlamento. O Partido Liberal da Alemanha (FDP) ameaçou entrar com processo judicial para barrar a proposta. Lá dentro, ainda que poucos, até mesmo os sociais democratas (SPD), oficialmente parte do governo, se posicionaram contra o novo adendo.

Distanciamento continua sendo uma mera teoria para os usuários do sistema de transporte público de grandes cidades da Alemanha, como a capital, Berlim (Foto: Mariano Senna)

Toque de recolher

Como nas outras alterações dessa mesma lei, o principal ponto da controvérsia é a maior centralização do poder de decisão sobre certas “regras de proteção contra infecções” no governo federal. A bola da vez é o toque de recolher, instrumento chave do chamado “Freio de Emergência” da política de abertura do confinamento. A chanceler tenta puxar esse freio desde antes da Páscoa, tendo suas determinações volta e meia derrubadas em tribunais pelo país.

“Eu escuto muito bem, quando pesquisadores dizem que pessoas se infectam mais em lugares fechados, do que em lugares abertos. Mas quanto ao toque de recolher, isso diz respeito a algo diferente. Diz respeito a reduzir a circulação de pessoas em locais públicos e nos meios de transporte”, explicou a chanceler na Sexta-feira, 16 de Abril, em sua defesa da proposta no Bundestag. 

Um dia antes, o ministro da saúde, Jens Spahn (CDU) fez um apelo enfático para evitar a sobrecarga do sistema de saúde. “A prioridade nesta pandemia”, declarou ele, durante a coletiva de imprensa. De acordo com dados oficiais, a Alemanha tem, no momento, cinco mil das 6,9 mil UTIs disponíveis ocupadas. “No ritmo atual de crescimento chegaremos a 6 mil UTIs ocupadas até o final do mês”, alertou Spahn.

Mal necessário

A dúvida a esclarecer fica por conta dos já vacinados, em sua maioria do grupo com maior risco, os acima dos 80 anos. O que explica o aumento do número de doentes, mesmo com cada vez mais gente do grupo de risco vacinada? Independente das diferentes teorias, o fenômeno já é chamado pela imprensa de “paradoxo da vacina”. O número de mortos está na casa dos 300/dia, segundo o ministro, em tendência de crescimento, assim como o de infectados diariamente, já oscilando por volta dos 30 mil. “Não é algo bom, mas é necessário”, finalizou ele, defendo o Lockdown radical imediato.

A oposição apelativa e populista da AFD, partido da extrema direita, veio na voz de Alice Weidel, uma das principais líderes da legenda, que chamou a proposta de “recaída ao demônio autoritário”, em alusao ao período Nazista. Fato é que cada vez mais cidades têm adotado o toque de recolher a partir das 21 horas, conforme determinação do governo federal. Quem for pego na rua dando bobeira, após essa hora, é advertido e pode ser multado. A justificativa para isso é o aumento do número de infecções, acima da marca dos 100/dia por 100 mil habitantes, na média semanal. Atualmente esse número está em 148,1 em nível nacional. 

A representacao gráfica das três ondas da pandemia na Alemanha, usando o número de infectados por dia, e a média desse número por semana (linha vermelha escura).

Política zigue-zague

Interessante notar que esse “teto”, tipo um gatilho que dispara as medidas, era de 50 infectados/100 mil habitantes durante a segunda onda, que matou mais de 60 mil pessoas na Alemanha, mesmo com Lockdown. Os comentaristas das redes públicas defendem abertamente a proposta de desempoderar os estados, em nome de uma ordem única e mais “segura”, embora admitam a falta de credibilidade da política de combate ao covid-19 como um todo.

Poucos pais usam máscara nos parques infantís da capital da Alemanha, e para as criancas o desrespeito ao distanciamento é uma questao de tempo. (Foto Mariano Senna)

Nas ruas, o resultado dessa “política Zigue-Zague”, intercalando lockdowns e reaberturas, cansou a população. A prova maior é o movimento de pessoas pelas ruas, estações, praças, parques. Na imensa maioria dos parques infantis da capital federal, por exemplo, quase ninguém usa máscara. E o distanciamento é uma questão frequentemente esquecida.  

“É, está meio ridículo mesmo”, opina Daniel Arruda, dono de um café no bairro turístico de Kreuzberg (Morro da Cruz), em Berlim. Muitos clientes já não usam mais máscara, coisa obrigatória para quem trabalha no comércio da cidade. “Se não é multa, melhor não correr o risco”. Ele conta que mesmo aberto, por conta de todo o medo que paira no ar, o movimento do seu estabelecimento não chega à metade do que foi no último ano antes do corona. “Já mandei quase todos os funcionários embora. Se continuar assim, serei obrigado a fechar”, lamenta Arruda.

Só para levar. Cafés e restaurantes podem operar sob estritas normas sanitárias. Já o público vai pouco a pouco relaxando nos cuidados. (Foto: Mariano Senna)

Tecido social

Em outros casos, o baque é ainda maior. “Já era! Em agosto eu pego a minha aposentadoria, entrego a loja e vou embora pra nunca mais”, avisa Robert Lahn, proprietário de uma loja de caça e pesca. Fechado por dois meses no primeiro Lockdown e três meses no “Lockdown Light” desde novembro, ele reclama da situação como um todo. “Eu, na verdade, vendi muito mais na pandemia”, revela, explicando que as atividades na natureza foram as preferidas no período de confinamento. A questão para o comerciante é aquilo que os cientistas chamam de “tecido social”. 

“Eu estou aqui há 42 anos. Nunca vi nada assim. O meu bairro é dominado hoje por quatro máfias. Árabe, turca, azerbaijana e chechena. É droga, prostituição, assalto, briga, assassinato. Agora com toda essa pandemia, muita gente ficou desempregada. É impressionante o número de drogados pela rua, em praças, estações de trem aqui da área. Aumentou muito a olhos vistos. Se todo esse estrago tiver conserto, eu não acredito que vou estar vivo pra ver”, diz o alemão de 69 anos.

Saúde, economia e política em jogo na terceira onda do Corona

A Alemanha inicia abril na crista da terceira onda da pandemia do Corona. Além da saúde, a catástrofe maior que se desenha no horizonte é a da política, arrastada pela da economia. A incidência de infectados por semana era 139,6 por cem mil habitantes em 1 de Abril. Um dia depois era 142,1. O principal número da política do governo Angela Merkel na luta contra o covid-19 não pára de crescer desde o fim de fevereiro.

Na segunda metade de março, quando a marca de 100 infectados por 100k.habitantes foi ultrapassada, Merkel quis puxar o “freio de emergência” das medidas de relaxamento do confinamento e reabertura, baixadas um mês antes . Após 12 horas de “consultas e debates” com todos os governadores, anunciou um Lockdown total para o período da páscoa, que na Alemanha dura duas semanas.

Contra-ordem

“Não vejo sustentabilidade nas medidas, dentro do que prescreve a constituição. Os direitos fundamentais são sagrados dentro do direito constitucional, e é necessário uma situação de calamidade, que não existe no momento”, declarou o professor de direito constitucional Dr. Volker Bohimme-Nessler, da universidade de Oldenburgo, horas após o anúncio, em entrevista ao jornal Die Welt. 

Na manhã do dia 24 de março, a chanceler que está há 16 anos no poder da maior economia da Europa, voltou ao mesmo salão de imprensa onde anunciara o confinamento da Páscoa. Não apenas retirou as medidas baixadas na madrugada do dia anterior, como pediu desculpas. Um fiasco sem precedentes na história política do país.

Desgastada paciência

“O que foi isso? Diletantismo? República de bananas? Caos?… que chance temos contra o vírus assim?”, satirizou o comediante e apresentador Oliver Welke, em seu programa semanal de humor na rede pública ZDF (Heute Show). Na prática, segundo explicaram vários políticos, o que ocorreu foi que além do direito fundamental de ir e vir, a “páscoa do toque de recolher” interromperia as redes de distribuição de suprimentos fundamentais para a época, como os ovinhos de páscoa.

“Cinco meses de confinamento desgastaram a paciência da população”, declara Welke no programa, lembrando do pedido do governo à população para aguentar só mais três semanas, e assim poder ter um Natal. A piada pronta seria engraçada, não fosse o fato de que desde o início da segunda onda, em Outubro de 2020, Merkel e seus ministros pediram por cinco vezes paciência aos alemães, prorrogando impiedosamente o Lockdown. Mesmo com o sacrifício, mais de 60 mil pessoas morreram de covid-19 na segunda onda. Seis vezes mais do que na primeira. 

Idas e vindas

Outros números aumentam a preocupação atualmente. Com tendência de alta, o número de novos casos passa dos 20 mil por dia no país. Cerca de 90% deles relativos à variante britânica do vírus. Também em alta é a ocupação de UTIs. Na capital Berlim, por exemplo, menos de 15% dos leitos disponíveis estão vagos, e o número de pacientes só aumenta. No total, abril começa com 3,9 mil UTIs ocupadas, das cerca de 6 mil disponíveis em toda Alemanha. Dez milhões de alemães já foram vacinados. Menos da metade deles com a segunda dose.

As idas e vindas com a vacina também somam para o debacle da confiança no governo. O case do momento é o vacina da Astra-Zeneca. Desde o início do ano ela já foi liberada e proibida três vezes na Alemanha, por diferentes razões. A última delas devido a observação de casos de trombose em pessoas que receberam a primeira dose. Ao final, o Comitê Permanente de Vacinação (Stiko), órgao do Robert-Koch-Institut (www.rki.de), responsável pela política de imunização, inverteu sua recomendação anterior, e liberou a Astra-Zeneca para pessoas com mais de 65 anos. As mais jovens, podem receber a vacina também, mas sob o próprio risco. De trombose, no acaso. 

Vácuo

Da mesma forma, é impossível explicar para o cidadão comum, as discrepâncias presentes na política de combate da pandemia, encampadas pelos partidos da coalizão em Berlim. Merkel e alguns governadores, como o da Bavária, Markus Soder, propunham cancelar as férias, dentro da Alemanha, durante a páscoa. Por outro lado, as férias em Maiorca estavam liberadas. Afinal, de acordo com os índices oficiais, a ilha mediterrânea deixou de ser área de risco e os hoteleiros locais dependem crucialmente dos turistas alemães para sobreviverem.

Em território nacional, o vácuo deixado pela contra-ordem da primeira ministra abriu espaço durante a páscoa para o sentimento de autodeterminação dos cidadãos, cada vez mais atônitos com as medidas impostas. “Não sabíamos do recrudescimento do toque de recolher”, revela Peter Wolsniak, dono da pizzaria W no bairro de Neukölnn da capital, Berlim. Dois de seus funcionários foram abordados pela polícia quando saíam do trabalho, na sexta-feira santa. O proprietário acabou notificado pelas autoridades, pois os rapazes deveriam portar um documento do restaurante, justificando o motivo de estarem na rua depois do toque de recolher, às 21 horas.

Hiper-burocracia

“É a hiper-burocratização do problema para não resolvê-lo”, reclama ele, apontando para a praça na frente da pizzaria. A famosa Weichsel Platz, onde adultos e crianças, jogam, brincam, conversam sem máscara, diariamente. “Nunca vi ninguém da polícia ali controlando quem não usa de máscara”, conta Wolsniak. Para ele, após cinco meses de confinamento, é natural as pessoas passarem a ignorar as medidas de higiene e distanciamento. “Ninguém pode viver permanentemente com medo”, acredita.

No comércio, aberto com restrições, a norma mais recente é a exigência de um teste rápido para entrar em uma loja de eletrodomésticos, por exemplo. “Gasto 20 ou 30 Euros para entrar em uma loja onde vou comprar um produto de 15. Que lógica há nisso?!”, indaga-se espantado Damian Ojan, músico cubano radicado há 20 anos na capital. Ele buscava um fone de ouvido, e gostaria de provar o produto antes de comprar em uma das filiais do grupo Media Markt.

Distopia kafkiana

O ministro da saúde, Jens Spahn (CDU), prometeu testes gratuitos em meados de março. Na farmácia, a poucos metros da loja do Media Markt, localizada dentro do shopping center Arcaden de Neukölln, informa-se: para obter um teste é necessário marcar hora no site da secretaria de saúde local, e comparecer ao posto de teste indicado. Todas as pessoas residentes no país têm direito a um teste por semana. Mais do que isso, é necessário comprar um, que na farmácia em questao custava 29 Euros, a caixa com cinco testes rápidos. “Às vezes, me parece que estou vivendo em uma distopia kafkiana”, diz o cubano.

A crescente insatisfação da população pode ser vista principalmente nas manifestações organizadas pelo “Movimento do Pensamento Esquisito” (Querdenken Bewegung). Tratado, na esmagadora maioria dos casos, com desdém pela mídia mainstream, a organização tem conseguido reunir centenas de milhares de pessoas, em protestos semanais itinerantes. 

Desafio

No Sábado, 03 de abril, foi a vez de Stuttgart, no Sudoeste, receber os “pensadores esquisitos”, pecha galvanizada nos corredores das redes públicas de comunicação, ARD e ZDF. Como de costume, sem respeito ao uso obrigatório de máscaras e ao distanciamento mínimo, os manifestantes desafiaram a polícia, marchando juntas pelo centro e principais ruas da cidade.

“Reprimir uma manifestação dessa magnitude só pioraria o risco de contaminação de todos”, justificou na televisao, o comandante do policiamento durante o evento, Carsten Höfler. Nao é a primeira vez que manifestações contra as medidas de combate da pandemia ignoram as determinações do governo e desafiam as ordens da polícia. Antes da capital de Baden-Wurttenberg, Leipzig, Kassel, Dusseldorf, Dresden, Berlim, entre outras também viveram cenas semelhantes.

Terceira onda chega com conta política para Merkel 

“A ciência é um dos quatro cantos da enganação, juntamente com a mídia, a política e a religião”, Noam Chomsky.

No aniversário de um ano do primeiro Lockdown na Alemanha, sexta-feira, dia 12 de março, o presidente do Robert-Koch Institut (RKI – www.rki.de), Lothar Wieler, responsável pela aferição do número de infectados, anunciou que o país está entrando na terceira onda da Covid. “Vivemos um momento muito delicado”, alertou Wieler. O principal motivo, segundo ele, é a variante britânica do vírus. “Observamos um aumento exponencial das infecções de pessoas mais jovens. Não apenas abaixo de 65 anos, mas também de 15 a 6 anos”, declarou.

A informação confirma, sobretudo, o fiasco anunciado da política de Angela Merkel, e promete apresentar agora uma conta bem amarga para a mulher que está há 16 anos no poder da principal nacao da Europa. Dois dias após o anúncio do início da terceira onda da gripe do Corona, o partido dela (CDU – www.cdu.de) sofreu uma derrota histórica nas eleições regionais. No pleito, ocorrido nos estados de Baden-Wurttenberg e Rheinland-Pfalz, os Cristaos Democratas foram os que mais cederam eleitores aos outros partidos. 

Além da exaustão por quatro meses de confinamento, a derrota é apontada como um efeito dos escândalos envolvendo deputados da coalizão no Bundestag. Dois deles, Nikolas Löbel (CDU) e Georg Nüßlein (CSU), perderam os mandatos e foram expulsos dos partidos na semana passada, por receberem comissão (200 mil e 600 mil Euros) pela compra de máscaras do governo. “A corrupção é um veneno para a democracia”, disse o presidente alemão, Frank Walter Steinmeier (SPD), lembrando que o controle da atividade lobista é fundamental. Como resposta, o governo parece que finalmente vai encaminhar a criação de um registro de lobistas, mas sem criar a obrigatoriedade da declaração de renda para todos os políticos. 

A retrospectiva do primeiro ano da pandemia corrobora com a tese do fiasco político da estratégia do governo em Berlim. Além do pedido de perdão antecipado do ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU), as idas e vindas com o uso e os tipos adequados de máscaras, o anúncio das vacinas que nao existem, a ociosidade dos centros de vacinacao construídos às pressas, a rápida e generosa ajuda às grandes empresas que agora iniciam o enxugamento de pessoal, e o excesso de cuidado para o acesso dos pequenos aos recursos. Sem explicações convincentes para esses e outros erros no combate da pandemia, o governo de Angela Merkel parece ter recebido só a primeira parte dessa conta. O resto será cobrado em Setembro, na eleição que definirá quem ocupará o seu lugar.

Combate à pandemia afeta saúde política da Alemanha

Desde 25 de Janeiro, passageiros que desembarcam na Alemanha devem apresentar um teste negativo para o Coronavírus. Ao chegar em solo alemão, devem ainda fazer novo teste. Os que se negarem serão mandados de volta. Assim diz a portaria baixada no fim de semana pelo Ministério do Interior.

A medida afeta pessoas viajando de 120 países, considerados de alto risco para o Coronavírus, como o Brasil. Ela é parte do esforço do governo de Angela Merkel em busca de resultados no combate à doença. Há meses, apesar das medidas para reduzir drasticamente a circulação de gente, a média de novas infecções oscila na casa dos 20 mil por dia. “Conseguimos estabilizar o número de infectados, mas ele ainda é muito alto”, atesta Lothar Wieler, presidente do Robert Koch Institut, responsável pelo processamento e análise dos dados oficiais.

Educação pandêmica

Além do número de doentes, o que inquieta é o desgaste político causado pelo aparente fracasso das medidas adotadas desde Outubro. “Precisamos manter a unidade das ações por só mais três semanas”, apelou Franziska Giffey, ministra da família do governo Merkel, em coletiva no dia 21 de Janeiro. Ela se referia ao principal furo na estratégia para a pandemia. O sistema de educação. Professores, pais e alunos são unânimes em avaliar o impacto negativo do confinamento no rendimento escolar. E isso, sem obter a propalada redução do número de doentes. 

Um dia antes da coletiva de Giffey, sua chefe, a primeira-ministra Angela Merkel anunciou, após debater por horas com os governadores, que o Lockdown seria prorrogado até 15 de fevereiro. Mais uma vez, ela agradeceu o esforço de todos, e reiterou seu pedido de paciência por “algumas semanas”. Longe de um consenso, a manutenção das medidas enfrenta crescente contestação no parlamento em Berlim e nos estados. Sobre escolas e creches, por exemplo, Merkel conseguiu apenas fazer uma “recomendação enfática” para evitar aulas presenciais. Na prática, cada estado, ou mesmo região tem autonomia para definir sua própria estratégia para o sistema de educação. 

Às vésperas do seu primeiro aniversário, a pandemia mostra que a incerteza se contrapõe às duras e inflexíveis medidas. Em outras palavras, políticos e experts continuam tateando no escuro. Fica a dúvida de como sair do cabresto estatístico que embasa a política do confinamento. 

Números e interesses

Um outro número que aprisiona o país é o de óbitos. A barreira dos 1.000 mortos por dia foi ultrapassada em 29 de Dezembro de 2020 na Alemanha, dando o argumento final para as medidas que, na prática, cancelaram a festa de Ano Novo no país. Desde então, o número varia, mas não cede, sobrecarregando o já estressado sistema de saúde. O último recorde foi registrado em 19 de Janeiro, com mais de 1.700 mortos em um único dia. O ano também começou com os primeiros casos de “triagem” de pacientes para tratamento intensivo, registrados no estado da Saxônia. Tudo isso apesar do “lockdown light”, adotado desde Outubro.

A estatística do número de mortos é outra que forma o imaginário do Corona na Alemanha. Pelo gráfico, é possível ver que as medidas de confinamento só conseguiram estabilizar o já alto número de óbitos em decorrência do Covid-19.

Marcada por contradições e conflitos de interesse, a estratégia do governo teve sua credibilidade novamente comprometida depois que o ministério da saúde admitiu não ter encomendado quantidade suficiente de vacinas para os centros de imunização já montados. O ministro da saúde, Jens Spahn, em resposta, lembrou o que havia dito em Abril, no auge da primeira onda alemã:  “… nesta pandemia devemos estar preparados a perdoarmo-nos”. 

Quando, em Agosto, jornalistas do jornal Tagesspiegel ousaram noticiar em primeira página a compra, pelo ministro e seu marido, de uma mansão milionária em um bairro nobre da capital, Spahn não teve misericórdia. Processou os jornalistas, e obteve medida liminar proibindo a publicação de notícias relativas ao assunto, sob o argumento de uso político da questão. 

O jornal encarou a briga, e descobriu que o ministro havia adquirido, pelo menos, outros dois imóveis de alto valor em Berlim. Os repórteres do Tagesspiegel levantaram ainda, que o financiamento milionário dos imóveis havia sido feito pelo Sparkasse, a Caixa Econômica Federal dos alemães, onde Spahn fora membro do conselho de administração entre 2009 e 2015. 

Um desenvolvimento natural para o homem que, junto com amigos, fundou em 2006 a Agentur Politas, empresa de lobby da indústria farmacêutica na Europa. O lobby é legalizado no continente, e como no Brasil é permitido o sigilo de ganhos privados dos parlamentares. Spahn vendeu sua parte na Politas em 2010, mas o fato de ter comprado durante a pandemia um imóvel de um diretor de empresa farmacêutica, para a qual ele já atuara como lobista, compromete qualquer argumento que tente provar a inocência do ministro. 

País das contradições

Angela Merkel, colega de partido de Spahn, ŕeage impassível, colocando tudo na conta das teorias conspiratórias, mas sem solucionar os dilemas que unem, pelo menos no discurso, duas forças antagônicas da oposição: a esquerda coerente do die Linke, herança dos comunistas da DDR, e a direita atuante do AfD, principal representante dos radicais neo-nazistas. 

No parlamento, essas duas forças remam na mesma direção: a do questionamento das medidas do governo da longeva Angela Merkel. “É o maior ataque aos direitos fundamentais dos cidadãos na história da República Federal da Alemanha”, declarou a Dra. Alice Weidel, proeminente parlamentar do Alternartive für Deutschland (AfD), no Bundestag em 09 de Dezembro.

Para Frau Weidel, a política do governo está dividindo o país. “Vejam os policiais, estão cada vez mais armados para repreender pessoas sem máscaras nas ruas”, disse ela, criticando a obrigatoriedade adotada pelo governo para o uso de máscaras, mesmo ao ar livre. Segundo Weidel, durante a pandemia a Alemanha se tornou “um país das contradições”.

Sahra Wagenknecht, ex-líder do die Linke, partido de esquerda da Alemanha, ao lado do marido, Oskar Lafontaine.

No lado oposto do espectro político, aponta-se também para essas e outras contradições. “Quando um remédio não funciona para uma determinada doença, pode-se aumentar a dose. Mas pode ser também que o remédio não funcione, por não ser o remédio certo”, provocou a também doutora, Sahra Wagenknecht, em analogia ao aumento das restrições do governo desde o final do ano. A ex-líder do die Linke, único partido de esquerda representado no Bundestag, acha absurdo não haver “sequer o questionamento sobre a eficácia das medidas”.

Apontando a incompreensibilidade da opção de parar todo o país, ao invés de focar na proteção do público idoso, correspondente a mais de 80% das mortes por covid, Wagenknecht defende uma mudança de rumo. “Transferimos o risco de infecção das lojas do pequeno comércio para os centros de logística da Amazon, que lindo!”, ironiza ela.

Inconsistente, ilógico, revoltante

Outras medidas como a limitação da locomoção das pessoas a no máximo 15 km da residência, determinadas após o Natal, também carecem de lógica e bom senso. “Ao mesmo tempo, às empresas que continuam obrigando seus funcionários a irem ao escritório trabalhar, a primeira ministra dirige apenas um pedido encarecido”, alfineta a filósofa especializada em microeconomia.

“É tão inconsistente, tão ilógico, tão revoltante ver os mesmos responsáveis pelas medidas culparem a população pela ineficiência das suas decisões, e depois ainda se surpreendem quando as pessoas já não acreditam em mais nada do que eles dizem”, acrescenta Wagenknecht. 

Nos últimos dias do ano, a norma era a esperança milagrosa, depositada na vacina. Mas estimativas do próprio Ministério da Saúde apontam que, “na melhor das hipóteses”, a imunidade de rebanho só será atingida no verão. Como alternativa, o ministro Spahn anunciou, na última semana de Janeiro, a compra de 300 mil doses do mesmo medicamento usado pelo ex-presidente Donald Trump, a chamada imunoterapia, outra menina dos olhos da indústria farmacêutica.  O ministro parece ignorar os erros de sua própria política de combate da pandemia.

 “Sabe quanto eu recebi do prometido “bônus do Corona”? Nem um centavo. Mas meu marido, que é policial, recebe”, reclama Doris Sorgenfrei, enfermeira de um centro clínico para doentes mentais no norte do país. Ela se refere ao bônus salarial, anunciado ainda no início da pandemia, e dado a diversas categorias do serviço público, mas especialmente aos serviços essenciais e de emergência. “Meu marido trabalha com computador e papéis. É um burocrata da polícia. Eu cuido de gente todo o dia. Qual o sentido dessa política?”, pergunta ela, do alto dos seus 25 anos de profissão.

Após meses de confinamento, os alemães desejam muito mais do que análises estatísticas. Necessitam de uma perspectiva que os liberte da escravidao dos números. A pandemia é um caldeirão de incertezas, onde a resposta mais fácil apresentada pelas autoridades se resume a uma ou duas picadas de uma injeção, ainda não disponível. Além de convencer os céticos a serem vacinados, o governo precisa antes responder questões sobre a eficácia da vacina para a última mutação do vírus.

Recorde de mortos ameaça o Natal do lockdown alemão

E o que já era esperado em Outubro foi confirmado no início de dezembro. O confinamento light dos alemães acabou estendido até o dia 10 de Janeiro de 2021. Com a possibilidade de nova prorrogação, ou de maiores restrições. Cidades como Mannheim, no Sul, já cancelaram o Natal e Ano Novo devido ao número de doentes. Ainda não está claro se algum mercado de Natal irá abrir a partir do dia 20 de Dezembro, ou se a principal data comercial do ano será completamente abortada, para o desespero de milhares de empresários e trabalhadores.

“Nós vivemos uma pandemia, nós vivemos uma situação de exceção”, justificou a primeira-ministra, Angela Merkel, ao defender a proposta de déficit histórico do orçamento federal no Bundestag, na manhã do dia 09 de dezembro. Mais de 200 bilhões de Euros em 2020, e 180 bilhões para o ano que vem. Esse é o rombo causado pelas medidas de contenção da pandemia do Coronavírus na Alemanha até agora. O último relatório do Fundo Monetário Internacional prevê uma queda de até 6% da economia como um todo este ano. Uma conquista, segundo ela, comparando com países como Itália, França e Inglaterra, com prognósticos de, pelo menos, 10% de retração do PIB.

“Estou consciente de que a “situação do corona” é uma preocupação de todos, por isso a necessidade de permitir o fluxo de recursos de nossa parte”, declarou a chanceler da quarta economia mundial. “Um plano só produz crescimento econômico quando o dinheiro flui”, insistiu. A maior parte dos recursos visa a manutenção do “Kurzarbeit” e dos programas de ajuda emergencial em todos os setores. A proposta do governo contempla ainda investir bilhões de Euros em áreas chave do desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. 

Para a oposição, o plano apresentado é um cheque em branco. “O seu governo têm sido muito bom em compensar rapidamente grandes conglomerados, deixando esperar os mais fragilizados”, antecipou no discurso anterior outra doutora, Alice Weidel, uma das mais proeminentes figuras da AfD, terceira força dentro do parlamento depois dos partidos da coalizão, CDU/CSU e SPD. Ela se referia a liberação no início de Dezembro de mais 1,8 bilhões de Euros para a TUI, a maior operadora de viagens do continente. Desde o início da pandemia a empresa já recebeu 5,4 bilhões.

Enquanto isso, autônomos e pequenos empresários aguardam a ajuda prometida para novembro. “Um problema no software vai fazer milhões de pessoas esperarem até janeiro”, ironizou Weidel em relação ao argumento do governo para o atraso na liberação dos recursos. 

Ai Weiwei, famoso dissidente chinês, defendeu sua selfie com Alice Weidel da AfD em um restaurante de Berlim. Weidel postou a foto em seu Twitter, com o comentário: ‘#AiWeiwei está na capital!!!! Quase que não ouso pedir a selfie ;-)’. A líder da AfD declarou à agência alemã de imprensa (DPA) que era admiradora de longa data da arte Ai Weiwei e de sua luta contra a repressão estatal.

Na Alemanha do Corona, a AfD (Alternative für Deutschland), partido de direita ligado a movimentos radicais neo-nazistas, assumiu o papel de defensor da democracia. Atualmente, a AfD é a principal voz daqueles que não entendem ou aceitam as medidas adotadas pelo governo Merkel. Tanto que membros do partido da primeira-ministra (CDU), União Democrática Cristã, já indicam a possibilidade de aliança com os “alternativos”. “Essa crítica inflexível, contra qualquer cooperação com a AfD, é oriunda exclusivamente da zona de conforto de membros da parte ocidental do país, e mesmo que bem fundamentadas, pouco têm a ver com a realidade política que vivemos no leste”, analisa Mike Mohring, membro da mesa diretora do CDU nacional. 

As escolas funcionam, quase que normalmente, por outro lado restaurantes, bares, cafés e academias de ginástica permanecem fechados para o público. “Não tem sentido essa discriminacao contra determinadas atividades em detrimento de outras”, reclama o empresário Daniel Arruda, dono de um café na área chique do bairro de Kreuzberg, na capital alemã.

Ainda atendendo o público delivery, Daniel calcula uma redução de 70% do seu movimento de clientes desde o início do Lockdown-soft em Outubro. “Não está valendo a pena, isso que já dispensei quase todos os funcionários”, revela ele. O empresário pretende fechar o café antes do Natal e não sabe quando poderá reabrir. “Vai depender das medidas. Como está hoje, é inviável”, garante Arruda.

Nas escolas, a incerteza com as medidas do governo também é grande. “Não será surpresa se aumentar o número de alunos gripados durante esse inverno”, especula Heike Lambrini, mãe de um aluno do ginásio em uma escola pública de Berlim. O medo dela vem do procedimento adotado pela escola. Entre uma aula e outra, todos os alunos são obrigados a saírem da sala e esperarem pela troca de professores no pátio.

“Pelo menos três vezes por dia os alunos são obrigados a esperar no frio, por pelo menos 15 minutos. Há intervalos que chegam a durar meia hora. Isso em temperaturas que não raro estão abaixo de zero”, revela a mãe. A direção da escola, que pede para não ser identificada, garante que a medida visa permitir a adequada circulação de ar no interior das salas, e está de acordo com as determinações da secretaria de educação do município e do ministério da saúde. 

Mesmo com o total de infectados estabilizado na casa dos 20 mil por dia, a Alemanha continua prisioneira de um outro número da pandemia: o de mortos. Foram 568 na terça-feira (08/12), superando o recorde de 510 óbitos com Covid-19, registrado dia 15 de Abril. Desde outubro o número oscila, mas não pára de crescer. 

No parlamento, Angela Merkel revelou que “ainda não sabe como reagir à pandemia nesse início da temporada de inverno”. Todo o conhecimento acumulado desde a primeira onda em março, parece não bastar.

“Já houveram gripes que mataram a mesma quantidade de gente, mas isso sem as medidas de isolamento e proteção em vigor hoje”, explica Felix zur Nieden, especialista em demografia e taxa de mortalidade do Statistisches Bundesamt, o IBGE alemão. Apesar das controvérsias, é consensual a idéia de que a Covid-19 seja uma infecção fora do padrão até então conhecido para as gripes sazonais.

Paradoxalmente, para os especialistas, a pandemia do coronavírus não é um fenômeno completamente atípico. Usando ainda a taxa de mortalidade, em relação ao número de infectados, como padrão de comparação, houveram outras gripes e infecções mais mortais na história recente. A exemplo:

  • Gripe espanhola (1918) = 5 – 20%

    Em “Epidemiologistas mortos”, Rob Wallace trata das origens do corona virus e suas relacoes com o sistema de producao capitalista.
  • SARS 1 (2003) = 10% 
  • Gripe aviária – H5N1 (2006) = 60%
  • Ebola (2013) = 25 – 90% 

“Ainda não sabemos essa equação para o Covid-19, pois a epidemia ainda está evoluindo. Mas se tivermos uma mortalidade de 1% para um número aproximado de 4 bilhões de infectados no mundo todo, serão 40 milhões de mortos”, raciocina Rob Wallace, epidemiologista evolucionário do Instituto de Estudos Globais da Universidade de Minnesota nos Estados Unidos.

Autor do Livro “Dead Epidemiologists” (Epidemiologistas Mortos, Monthly Review Press/2020), sobre as origens do Covid-19, Wallace considera incorreta a comparação entre a atual pandemia e a temporada sazonal de gripe. “Não é uma questão da Influenza versus o Covid-19, mas sim Covid-19 mais Influenza”, explica ele, defendendo a tese de que a pandemia do corona é uma demonstração clara do fracasso do atual modelo de saúde pública preponderante no mundo.

Anualmente, cerca de 650.000 mortes ocorrem em decorrência da temporada de gripe em todo o mundo. Pela estatística oficial, em 2020, mais de 1,5 milhão de pessoas já pereceram por conta do Corona. Parece assustador, mas olhando para os números de cada país, ainda não houve aumento significativo do número de mortos. Na Alemanha da Doutora Merkel, morrem 2.600 pessoas por dia. Com ou sem pandemia. Entre Outubro de 2019 e Outubro de 2020 essa média foi mantida.