Aquecimento global aumenta risco de expansão da dengue, segundo OMS

Genebra (EFE)

Mais de 5 milhões de casos de dengue foram registrados em todo o mundo em 2023, incluindo 5 mil mortes, informou nesta sexta-feira a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que elevou para alto o risco dessa doença, cujo raio de expansão está aumentando devido a fatores como a mudança climática.

O aquecimento global está expandindo o habitat dos mosquitos que transmitem essa infecção viral, explicou em entrevista coletiva Diana Rojas, especialista em arbovírus do departamento de prevenção de epidemias e pandemias da OMS.

Como resultado, metade da população mundial, ou cerca de 4 bilhões de pessoas, corre o risco de ser infectada pela dengue, a doença mais comum transmitida por mosquitos.

“A maioria das pessoas não apresenta sintomas, mas as que apresentam podem sofrer de febre alta, dor de cabeça, dores no corpo, náuseas, etc. Em muitos casos, elas se recuperam em uma ou duas semanas, mas às vezes a situação pode piorar”, analisou.

Rojas também lembrou que 80% dos casos em 2023 (4,1 milhões) foram registrados na América, enquanto as outras regiões mais afetadas foram o sul e o leste da Ásia.

O país americano com mais casos neste ano foi o Brasil (2,9 milhões), seguido por Peru (271 mil) e México (235 mil), enquanto a Colômbia diagnosticou as formas mais graves da doença (1.500, 1,35% do total), seguida pelo Brasil (1.474, 0,05%).

Rojas também alertou que as transmissões locais da dengue estão começando a ser detectadas em países antes considerados não endêmicos, incluindo europeus como Itália (82 positivos em 2023), França (43) e Espanha (três).

“Normalmente, os casos são detectados nesses países por viajantes da América, do Leste Asiático e de outras regiões endêmicas, mas neste ano vimos alguns surtos limitados de transmissão local”, alertou.

Os surtos em países em conflito e em contextos frágeis, como Afeganistão, Paquistão, Sudão, Somália e Iêmen, juntamente com a transmissão de outras doenças, ondas de deslocamento interno e infraestrutura de saúde precária, também foram motivo de preocupação.

A elevação de risco decidida pela OMS busca “maximizar a atenção e a resposta para ajudar os países a controlar os surtos atuais e prepará-los para responder às próximas altas temporadas de dengue”, que geralmente coincidem com períodos quentes e úmidos.

Nesse sentido, a OMS pede aos países membros que fortaleçam os mecanismos de monitoramento de casos, condições ambientais e colônias de mosquitos, e atualizem as diretrizes e melhorem o treinamento dos profissionais de saúde para responder à doença.

A OMS recomenda o uso de repelente de mosquitos para a população em geral, especialmente durante o dia, além da eliminação de áreas com alta presença de mosquitos perto de áreas residenciais nas comunidades.

Fraudes no mel são comuns e difíceis de identificar

Em live pilotada pelo agrônomo Aquila Schneider, que trabalha na Epagri dos Campos de Cima da Serra catarinense, a professora Ana Carolina Costa, do Departamento de Ciências e Tecnologia de Alimentos da UFSC, deu a uma centena de participantes virtuais uma excelente aula sobre as formas mais comuns de adulteração da qualidade do mel de abelhas, o terceiro produto natural mais fraudado no mundo (os maiores seriam azeites e vinhos).

“Um terço do mel consumido no mundo é falso ou adulterado”, disse ela, na abertura do encontro virtual que se prolongou  por mais de 60 minutos na quinta-feira à noite.

Em levantamento feito em março passado em Santa Catarina, detectaram-se irregularidades em cerca de metade das amostras analisadas.

As fraudes se tornaram mais importantes porque a partir da pandemia do coronavirus-19, o consumo de mel aumentou e o Brasil se tornou o quinto maior exportador do produto, com 36 mil toneladas embarcadas em 2022, volume que correspondente a mais da metade da produção nacional (o Brasil é o 11º do ranking liderado pela China).

Algumas partidas de mel brasileiro foram
devolvidas por conter fipronil, ingrediente de venenos usados na agricultura e proibidos na maior parte dos países; outras, por carregar antibióticos.
Apesar das dificuldades de controlar uma produção extremamente pulverizada dos campos e matos aos pontos de venda, passando ainda pelos entrepostos de processamento de mel, Ana Costa afirmou que as maiores
fraudes visam alterar os teores de glicose e sacarose do produto.

Os fraudadores adicionam diretamente açúcares e/ou xaropes à base de milho ou amido de mandioca, além de outros polissacarídeos. Mas não só isso: eles clonam selos e adulteram rótulos, nos quais registram endereços
falsos e indicam fontes apícolas irreais (as principais são eucalipto, flores do campo, laranjeira, melato da bracatinga, silvestre e uva do japão, “invasora” disseminada pela fauna na mata atlântica).

Tudo isso sem falar do enorme volume de méis vendidos em garrafas ou recipientes plásticos sem rótulo e sem procedência definida, geralmente atribuídas pelos vendedores a “um sitiante conhecido – de confiança”.
Todas essas manipulações poderiam redundar em punições legais, se fossem registradas e denunciadas junto a órgãos técnicos responsáveis como a Cidasc, Epagri, Emater, Federação das Associações Apícolas e
prefeituras, além do Ministério da Agricultura.

Ainda que desconfie da existência de maracutaias na produção e na venda de mel, a maioria dos consumidores não se mobiliza para denunciar as violações da qualidade
desse extraordinário produto natural feito pelos pequenos animais alados a partir do néctar e do pólen das flores.

A múltipla variedade das fontes apícolas parece ter gerado nos consumidores a convicção de que a
síntese feita pelas abelhas é naturalmente diferenciada. Na verdade, as mudanças de consistência, cheiro e sabor – entre outras qualidades — resultam de intervenções humanas voltadas para a obtenção de “ganho
econômico”, conforme a expressão da professora Ana.
Nem tudo que dizem ser mel é mel. Se é mel de verdade, não é preciso rotular como “mel puro”. Por mais rica que seja uma florada visitada pelas abelhas no esplendor de uma temporada de muito sol, o mel pode ficar devendo qualidade se for colhido antes de ficar maduro; ou se, nas
casas de mel, a filtração não for feita adequadamente; ou, ainda, se o mel for aquecido acima de 45 graus C por um tempo prolongado (mais de duas horas, citou a professora da UFSC). Nesse caso, pode acontecer uma
inversão da sacarose contida no mel. Segundo a professora, não é fácil detectar as fraudes porque os métodos de análise disponíveis são superados constantemente pelos picaretas que atuam na cadeia produtiva do mel.

A legislação referente à qualidade do mel vai completar 23 anos no próximo mês. Entrando em detalhes técnicos, a palestrante explicou que o método mais prático de detectar adulteração de um mel é mediante o uso de carbono 3 e carbono 4.

São testes químicos de custo elevado. O carbono 3 está presente em 85% das plantas mais procuradas pelas abelhas. O teste com Carbono 3 consiste em misturar
iguais quantidades de mel e água em um recipiente ao qual se adicionam duas gotas de tintura de iodo a 2%. “Se contém amido, o mel muda de cor, fica mais escuro”, esclareceu a mestra.
A dúvida mais óbvia — sobre a cristalização do mel — foi respondida no final da live pelo agrônomo Aquila Schneider, com mais de 20 anos em contato cotidiano com apicultores: “Sob baixa temperatura, todo mel
cristaliza”.
Geraldo Hasse

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Travessia de Viamão (2): Programa alia produção de alimentos a práticas socioambientais

Por Cleber Dioni Tentardini *

Com a abundância de terra, água e reservas naturais, é natural que a vocação do município se volte para a produção de alimentos. Mas, que alimentos?

O engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, coordenador do Programa EcoViamão – curso de extensão do IFRS Campus Viamão – defende que o município esteja cada vez mais voltado para práticas ecológicas, criando zonas de amortecimento no entorno das reservas com produção orgânica.

– É o potencial natural de Viamão, diz o professor.

EcoViamão surgiu em 2016 com o propósito de implantar  atividades agroecológicas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.

Fioreze lembra que 37% do território é composto por unidades de conservação, de proteção integral e de desenvolvimento sustentável. Ou seja, mais de um terço do município.

– Os assentados estão provando que é possível a convivência da produção com a conservação. Começaram a primeira lavoura de soja orgânica certificada de Viamão. Outros tantos produzem arroz orgânico. Lá em Itapuã, o biólogo Lizandro Pelegrini também está plantando arroz orgânico, na propriedade do O Butiá, ressalta Fioreze.

Fioreze (à dir.) visita produção de soja orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir /Emater
Soja Orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir/Emater

Mas ainda faltam incentivos, segundo ele. O professor cita a cidade de Nova Santa Rita, onde os assentados tiveram apoio do poder público e estão bem organizados, têm agroindústria, abatedouros para carne suína, bovina, frango e outras coisas.

– E Viamão, com esses ativos ambientais poderosíssimos, algo raro de se ver no Brasil afora, precisa do apoio dos governos. Tem que incentivar os produtores com boas práticas ecológicas com a redução do imposto CDO – Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura. Eles já estão prestando um serviço ecossistêmico importante para a APA do Banhado Grande, para o Gravataí, deixando a água mais limpa, menos turva, ao reduzir o uso de agrotóxicos, ao não utilizar adubos industriais solúveis, ao não mobilizar demais o solo, destaca o professor.

Fiorezi integra o Conselho do Parque Estadual de Itapuã, o Conselho da APA do Banhado Grande, é vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, e também é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, cuja coordenação é do Ministério Público Federal.

APA dp Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

O professor ressalta que Viamão está no estômago de uma Região Metropolitana com cerca de 4 milhões de habitantes, num raio de 60km. Se incluir todo o litoral Norte, segundo ele, são mais seis milhões de pessoas num raio de 100km.

– E quem alimenta esse povo, questiona o ex-extensionista rural da Emater. “Toda a produção de arroz orgânico do Estado dá 5 mil hectares em um universo de um milhão de hectares, então nós temos meio porcento do arroz gaúcho ecológico, enquanto nós poderíamos ter muito mais, diminuindo custos e agregando valor para quem produz. Viamão poderia plantar entre 30 e 40 mil hectares de arroz e todo orgânico, ecológico, e sem muito trabalho. Mas ainda existe muito preconceito com a agroecologia, com o MST, e está dentro das universidades, da Academia, com aquele discurso que a produção de base ecológica pode não sustentar a alimentação do mundo, o que é uma grande bobagem. Primeiro, porque a fome no mundo não é por falta de comida, mas por desigualdade de renda. O que se produz hoje dá para alimentar duas vezes a população mundial. Segundo, porque só o que é desperdiçado – segundo a FAO/ONU representa 30 a 40% do que é produzido -, daria para alimentar todos que passam fome. O desperdício se dá por preconceito cultural, desinformação.

Outra pauta em curso é a cobrança pelo uso da água.

– A Bacia do Gravataí é pioneira em implementar essa política com a ideia de premiar as boas práticas. Não é um debate fácil, tem muitos atores com interesses diferentes, mas têm que ir costurando. Se houvesse mais poderes, mais instrumentos econômicos nas mãos desse e de outros comitês, os resultados seriam muito melhores, não só para o Gravataí, mas para todas bacias hidrográficas do Estado.

Assentamento Filhos de Sepé prioriza comida orgânica

A maior plantação de arroz orgânico da América Latina fica em Viamão, no Assentamento Filhos de Sepé, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Mais de 1,5 mil hectares plantados de arroz,, que rendem em torno de 100 sacas por hectare.. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

Orgânico quer dizer que não há uso de agrotóxicos ou culturas transgênicas.

De acordo com o presidente da Associação dos Assentados Filhos de Sepé, o técnico agrícola Ivan Prado Pereira, há 376 famílias, registradas no Incra e, dessas, 130 estão envolvidas com o arroz. São 1,6 mil hectares plantados, o que rende em torno de 100 sacas por hectare.

Agricultores mais antigos, do Assentamento A Reforma, em Itapuã, da época do governo Leonel Brizola (1959-1962), também produzem arroz orgânico.

Pereira diz que é difícil precisar quantas pessoas vivem hoje no assentamento porque muitos foram para lá solteiros, ou somente o casal, aí separaram um pedacinho para a casa do filho e da filha, que também formaram família, e trabalham na mesma terra.

– A estimativa é que morem aqui umas 750 famílias, afirma Pereira.

O assentamento surgiu no final de 1998. Este assentamento é diferente dos demais no Brasil. Está dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Banhado Grande. E totalmente livre de produto químico na lavoura, tanto na horta como no arroz.

Barragem

A terra livre de agrotóxicos pertence ao INCRA e é cedida para os assentados trabalharem. Possui 9,6 mil hectares, e desses, cerca de 2,3 mil integram o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Só a barragem tem 500 hectares de lâmina d’água.

O tamanho dos lotes gira entre de 1 a 3 hectares a parte alta, no entorno da casa, onde as famílias têm sua horta, pomar, galinhas, porcos, e entre 13ha e 16ha na parte baixa, da lavoura. Muitos têm criação de gado de corte, alguns têm vaca de leite. Há famílias ligadas à produção de hortaliças orgânicas, mel.

O Filhos de Sepé possui a escola municipal Nossa Senhora de Fátima, o colégio Josué de Castro, uma escola técnica, e faculdades de Agronomia, Medicina Veterinária, História, e o EJA, com cerca de 150 alunos ao todo.

A associação mantém parceria com a Emater, IRGA, Instituto Federal e UFRGS na área de biotecnologia, estudos para melhoramento do solo e da produção.

O casal Itor e Lurdes Cardoso chegou no Filhos de Sepé em 2013, quando passou a trabalhar somente com produtos orgânicos e pecuária.

Lurdes garante que só trabalha com produtos orgânicos. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

O lote da família é de 10,7 hectares, dividido em duas áreas, a parte da casa e o entorno, onde estão as hortaliças, legumes e as árvores frutíferas, e a outra, maior, onde cria 12 vacas, de leite e de corte, e produz milho.

Itor na feirinha no centro de Viamão

As duas filhas já casadas, Iara e Ana Claudia, permanecem no assentamento, e a mais nova, Ionara, ajuda os pais após o colégio. A produção é vendida na Praça Júlio de Castilhos, no centro de Viamão, e através de entregas à domicílio.

– A demanda aumentou bastante durante a pandemia, agora diminuiu um pouco, mas ainda levamos para Porto Alegre e muitos nos encomendam e buscam lá na nossa banca, explica Lurdes.

Nilza Padilha e Elói Kremer vivem no Filhos de Sepé faz 23 anos. Produzem numa área de 12 hectares hortaliças, frutas, legumes e o arroz orgânico, que é beneficiado na agroindústria da cooperativa em Eldorado do Sul, o Terra Livre. Também criam galinhas e vendem ovos.

Comercializam os produtos em duas feiras de Viamão e também entregam à domicílio. Faz pouco tempo, Elói introduziu a agroflorestal em suas hortas.

Elói

Nilza

 

 

 

 

 

O casal é jovem, idades em torno dos 53 anos, mas o trabalho duro no campo já preocupa o futuro, pois as duas filhas, de 17 e 22 anos, não permanecerão no assentamento. Jéssica, a mais nova, faz curso técnico de enfermagem, e Renata cursa Direito em Florianópolis.

José Derli de Alves, de Nonoai, é outro assentado com mais de 20 anos em Viamão. Além do hortifruti, cria vacas e produz derivados do leite. Vende em feiras e por encomendas. Seu Deco é um homem de sorte, tem vários ajudantes. Trabalha ele e mais quatro, às vezes cinco filhos. Os outros sete filhos já casaram e arrumaram outras ocupações.

Deco na feira do Centro

– Tem que ser, né, porque não dá para parar, as verduras estragam, as vacas não esperam, como dizem, quer ter vaca de leite, casa com ela, se diverte seu Deco.

 

 

“É possível produzir alimentos sem venenos”

Trinta anos atrás, o casal Valcir Carpenedo e Ingrid Bergman Inchausti de Barros decidiu mudar de vida de forma radical. Trocou a rotina em um apartamento na movimentada avenida Cristiano Fischer, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por um sítio de meio hectare no bairro Tarumã, em Viamão. Compraram e reformaram a casa que era a sede da fazenda de Tarumã.

Carpenedo

– Buscamos o meio rural como projeto de vida e queríamos provar para nós mesmos que era possível produzir alimentos sem veneno, afirma Carpenedo.

O casal implantou um viveiro com a proposta de produzir hortaliças, chás, temperos isentos de qualquer química.

Carpenedo tem mudas de hortaliças, vegetais, chás e, dependendo da época. algumas frutas,

O pessoal leva ou encomenda as sementes de alfaces, rúculas, brócolis, alho-poró, beterraba, dependendo da época começa as melancias, abóboras, pepino, melão.

– Este espaço nos ajuda a pagar algumas contas, mas o objetivo é reconectarmos à terra. As escolas aqui no entorno trazem os pequenos e a gente nota que ficam admirados em saber como nascem as plantas. Não é de hoje que as crianças estão desconectadas da realidade do campo, as pessoas não sabem plantar um pé de alface, tomate, milho que seja.

Geólogo, especialista em solos, Carpenedo era professor da UFRGS e, hoje, aposentado, ainda dá aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), onde também estudou.

– Acredito que para produzir é preciso ter um saber holístico das coisas.  Desde a semente até como controlar uma irrigação. A agricultura convencional é bem mais fácil do que a ecológica, porque tu tens que entender todo o processo, entender a planta, a interação com o ambiente. É possível produzir nas bases mais naturais. Aprendemos que se der vida ao solo, ele faz o resto sozinho. Este modelo de agricultura está em prol da comida e da saúde, reforça o professor.

Carpenedo lembra que a localização de Viamão é privilegiada pela quantidade e qualidade da água de que dispõe.

– Nós temos a água que vem do granito, nós estamos no Aquífero Mar de Dentro. Ao arborizar um espaço, a água começa a brotar. A hora que Viamão acordar, vai dar um salto, porque a vocação do município é produzir comida, em vez de commodities. E abrir as portas para as agroindústrias, fazer com que o viamonense trabalhe aqui.

Há cerca de sete anos, ele aceitou convite do amigo Valdon para vender suas mudas na FAE. Gostou tanto que começou a participar de outra feira de orgânicos, no centro de Viamão, com a ajuda do Ricardo Oliveira, seu auxiliar no viveiro.

“As feiras são locais de trocas de saberes muito fortes, cada um ali tem a sua história, sua vivência, ainda temos que conectar mais, trocar mais”, diz.

 

Falta memória das plantas medicinais

Ingrid, engenheira agrônoma, deu aulas durante 39 anos na UFRGS. Especialista em olericultura, ela introduziu o estudo das plantas medicinais na Faculdade de Agronomia e orientou o pessoal sobre as ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais).

Seu primeiro contato com Viamão foi como estudante da Universidade na antiga estação experimental da Fepagro – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária -, com o professor José de Almeida Soares. Depois, trabalhou com o técnico agrícola Luiz Osório de Castro, segundo ela, um visionário.

– Ele tinha um conhecimento incrível da flora daqui. Reuniu a maior coleção de plantas medicinais nativas naquela estação experimental e espalhamos por vários lugares, antes de acabarem com a estação e com tudo. Nós temos essa riqueza enorme em Viamão, de fauna e flora, temos esses recursos e mesmo assim ficamos sem registro. Nós trabalhamos muito toda a estruturação da fitoterapia no SUS. Tivemos projetos grandes, no final dos anos 90, com parceria entre UFRGS e Prefeitura de Viamão, Fepagro e UFRGS, e o município esqueceu disso tudo, lamenta a agrônoma.

Segundo Ingrid, duas pessoas conseguiram potencializar o trabalho do Luiz Osório, a Vera Chemale e a Ana Rosa reuniram em livro (Plantas Medicinais Condimentares e Aromáticas) o conhecimento acumulado de muitos anos.

Pioneiros da FAE

Valdon, Lisiane e a filha Lilian colhendo as hortaliças para vender em Porto Alegre. Fotos: Cleber Dioni

A família Wegner é uma das pioneiras da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece todos os sábados pela manhã na avenida José Bonifácio, em frente à Redenção.

A reportagem acompanhou o trabalho da família meses antes dela arrendar o sítio e sair da FAE. Seu Valdon e a esposa Lisiane decidiram se aposentar e voltar para Santa Cruz do Sul, de onde partiram rumo a Viamão em 1977. Ele trabalhou seis anos como empregado em um tambo de leite, depois arrendou um sítio e começou a plantar verduras. Vendia em Viamão mesmo e, em 1987, foi convidado a participar da feira Tupambaé, que estava sendo realizada desde o ano anterior na área central do Parque Farroupilha (ao longo do espelho d’água) para comercializar produtos e falar sobre ecologia.

No sítio
Na FAE

A feira Tupambaé (palavra de origem tupi-guarani que significa lavoura do comum) foi o embrião da Feira da Coolmeia, e hoje, a FAE – Feira dos Agricultores Ecologistas.

No sítio de dez hectares, plantavam hortaliças, abóbora, acerola, aipim, batata doce, beringela, cebola, entre outros. E contavam com a ajuda da filha Lilian, que alternava no trabalho como fisioterapeuta e na produção e venda dos produtos. O que não vendia na feira, ficava para consumo da família e uma parte era doada.

O que não vende na feira, fica para consumo da família e uma parte é doada.

– Viamão é uma cidade abençoada com a melhor água,  limpa, impressionante. Temos um poço artesiano lá no sítio com 38 metros de profundidade e tem vertentes por tudo, em cinco hectares de mata nativa. Certa vez, fui visitar um sítio na região da Pimenta, e vi a água brotando, cristalina, conta seu Wegner.

Ovos sem hormônios

Na Quinta da Passiflora, a produção de ovos e mel é isenta de aditivos como hormônios, antibióticos ou drogas veterinárias.

A Quinta surgiu em 1984, quando dois irmãos da família Bos Wolff iniciaram a criação de abelhas em parceria. Aos poucos a família foi diversificando as atividades e começou a plantar frutas e hortaliças, aves e ovos, além do mel, própolis e derivados.

Hoje, é administrada por Edson Marcelo Garcia, a esposa Claudia Wolff e os filhos Marina e Maurício. O casal é outro pioneiro da FAE, na Redenção.

 

Edson Marcelo, produtor de ovos orgânicos da Quinta da Passiflora. Fotos: Cleber Dioni

A Quinta trabalha com 800 frangos. A vida útil das poedeiras é de 120 semanas. Depois, são abatidas, algumas são aproveitadas para o consumo da família e as demais transformadas em adubo.

“Esse é um problema que nós, pequenos produtores, enfrentamos, porque não tem abatedouro para poucos frangos. É um investimento muito alto. Além disso, tem que ter toda uma limpeza específica para lidar com o produto no sistema orgânico e agroecológico”, completa Marcelo.

A veterinária Lisiane Feck Ávila, consultora da Emater de Viamão, explica que a linhagem de frango Izabral é a mais comum entre as poedeiras.

– É um animal pequeno. Começa a pôr ovos a partir dos 5 meses e tem vida útil entre 1,5 a 2 anos, afirma a veterinária.

Os desafios da Emater

O engenheiro agrônomo Gladimir Ramos de Souza, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), diz que o público em um município grande como Viamão abarca diferentes grupos, como indígenas, quilombos, pescadores, assentados, pecuaristas familiares, produtores orgânicos, grandes produtores de arroz, de soja.

Gladimir registro a visita,com o professor Fioreze à plantação de soja orgânica no Filhos de Sepé.

O extensionista ressalta que estão trabalhando com o sistema SPDH – Sistema de Plantio Direto de Hortaliças. Viamão tem hoje o maior grupo de produtores de foliosas da Ceasa do RS. Segundo ele, é utilizado muito insumo químico, que ocasiona a degradação do solo, então adotaram a experiencia do plantio direto, feito há muito tempo em Santa Catarina e introduzido no estado pela UFRGS, para, futuramente, o produtor trabalhar com orgânicos.

– Prestamos auxílio, capacitação, ajudamos a desenvolver as comunidades dando ênfase à produção orgânica e ecológica. Por exemplo, na Costa do Oveiro, orientamos a produção do leite a pasto, ou seja, com as vacas livres e, não, confinadas. O custo é bem mais baixo. A tendência é que esses confinamentos de suínos, galinhas, acabe logo porque é muito oneroso, explica.

Souza lembra que o primeiro assentamento do Estado foi em Itapuã, “A Reforma”. Três famílias remanescentes dos primeiros assentados moram próximas ao parque de Itapuã e produzem arroz orgânico.

Alguns agricultores do Assentamento Filhos de Sepé também estão produzindo arroz orgânico, de forma experimental , em parceria com o IRGA, Instituto Federal e Emater.

Plantação de soja orgânica

– Estamos trabalhando também com a agrofloresta. No Filhos de Sepé, plantamos meio hectare. Produzir hortaliças no meio de árvores frutíferas, por exemplo, ou eucalipto. Isso, a médio prazo, melhora muito o solo, até chegar no ponto que não é preciso colocar insumos químicos. Os galhos e folhas das árvores que caem vão fertilizando o solo. Isso vai crescer muito nos próximos anos”, acredita o agrônomo.

Colaboraram com a série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Onça parda, considerada extinta, flagrada em armadilha fotográfica no Rio

Os primeiros registros fotográficos da onça-parda (Puma concolor) na costa da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ganharam manchetes nesta semana..

A parda ou suçuarana era considerada extinta há mais de um século na área litorânea onde foi flagrada por armadilhas fotográficas nas florestas do Refúgio da Vida Silvestre de Maricá (Revimar).

Além da onça-parda, as armadilhas fotográficas instaladas pela unidade de conservação municipal flagraram o gato-maracajá (Leopardus wiedii), um dos animais mais belos da fauna brasileira.

Esse felino selvagem pouco maior que um gato doméstico se parece com uma miniatura de onça-pintada e também era considerado extinto na região costeira, seu antigo habitat.

Tanto a suçuarana quanto o maracajá  moravam nas florestas  perto do mar. Caçados, e expulsos de seu habitat por séculos, eles hoje resistem somente em fragmentos montanhosos e se pensava que haviam desaparecido das áreas costeiras.
— É uma excelente notícia descobrir que espécies tão importantes e ameaçadas da Mata Atlântica ainda resistem perto do mar. São animais espetaculares, patrimônios do país e merecem toda a proteção — afirmou ao Globo o biólogo Izar Aximoff, especialista em felinos, convidado pela direção da unidade de conservação a estudar o local.

“Aximoff afirma que pode haver mais animais. Há certeza da existência de dois maracajás, e o biólogo estima que também vivam no refúgio duas onças, embora apenas uma tenha sido fotografada”.

Ele salienta que, embora a Mata Atlântica e sua fauna estejam sob imensa pressão em todo o Brasil, a zona costeira é pouco pesquisada, principalmente devido à falta de recursos.

Em 2020, uma câmera de segurança do Sítio Burle Marx, em Guaratiba, no município do Rio de Janeiro, captou a imagem de um animal que se pensa ser uma suçuarana, mas o registro nunca pode ser comprovado. A imagem tinha pouca resolução, e o animal não mais apareceu.
Aximoff diz que a onça de Guaratiba continua a ser procurada. Ela pode ser uma sobrevivente ou ter sido uma visitante esporádica, vinda de outras matas e que se aproximou da área durante os momentos de menor mobilidade urbana da pandemia.

A gestora das unidades de conservação de Maricá, Marcia Freitas, celebra a presença da onça e do maracajá. Ela instalou as armadilhas fotográficas em 2020. Sonhava em comprovar os relatos de moradores, que há cerca de uma década relatavam avistamentos da onça-parda.

A suçuarana, o segundo maior felino do Brasil, menor apenas que a onça-pintada, não se deixava flagrar com facilidade. Mas em setembro de 2021, a equipe do Revimar conseguiu finalmente captá-la em foto e vídeo.
felinos silvestres. Ele destrói sua casa, a floresta, e os caça por prazer ou temor infundado. Não existe em toda a América do Sul qualquer registro de ataque de onça-parda a seres humanos.

Biólogos asseguram que ela é inofensiva para as pessoas. Nas palavras do naturalista do início do século XX Armando Magalhães Corrêa, a suçuarana é “muito medrosa”.

Essa onça de olhos verdes é, na verdade, parente mais próxima do gato doméstico do que da onça-pintada. Os pumas têm registros de ataques nos Estados Unidos, mas eles pertencem a uma outra subespécie, que é maior e mais agressiva.
“As suçuaranas são gatonas tímidas e discretas. São selvagens, mas não são agressivas. Só reagirão se alguém tentar capturá-las ou agredi-las — acrescenta Aximoff.

Ele busca nas florestas voltadas para as praias e lagoas de Maricá encontrar mais pistas das onças e dos maracajás e desenvolver um plano de conservação. Não se trata de tarefa simples. O Revimar tem nove mil hectares, mais do que o dobro do Parque Nacional da Tijuca, e se estende por 25% do território de Maricá. É maior que municípios como Búzios e Belfort Roxo, por exemplo.

Mas a área não é contínua e está fragmentada em trechos de floresta atlântica, ilhotas de mata, quase sempre nas montanhas. Aximoff calcula que as onças disponham de cerca três mil hectares para viver sem precisar atravessar rodovias.

“As matas da região de entorno de Maricá, assim como as da maior parte da Mata Atlântica no estado, não são originais. O povoamento da região de Maricá tem quase a idade do Brasil, data do século XVI. A Mata Atlântica ali foi derrubada primeiro para a exploração do pau-brasil e de outras madeiras. E depois para o cultivo de cana-de-açúcar e outras plantações”.

“As florestas de pé hoje são fruto de regeneração natural e não têm, em sua maior parte, mais do que meio século”.

(Com informações de O Globo)

 

Reservas particulares do patrimônio natural somam 811 mil hectares no Brasil

As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), um dos tipos de unidades de conservação (UCs) que contribuem para a preservação da biodiversidade no país, somam uma área de 811 mil hectares, mais do que a área de todas as capitais somadas (803 mil hectares).

A Confederação Nacional de RPPNs  conta 1.741 reservas dessa categoria no território nacional. São unidades de conservação reconhecidas pelo poder público e instituídas por iniciativa voluntária dos proprietários, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Entre os benefícios das RPPNs para o meio ambiente estão a conservação da biodiversidade, a expansão das áreas protegidas no país e a criação de corredores naturais para a circulação da fauna silvestre. As reservas também podem ser usadas para a pesquisa científica, o ecoturismo e atividades de educação ambiental, entre outras formas previstas em lei.

“A partir do momento que uma RPPN é criada, a conservação será perpetuada, já que aquela área sempre será uma unidade de conservação, mesmo que a propriedade seja vendida. Esse é um legado que fica para gerações futuras e que contribui diretamente para a proteção da biodiversidade do país”, ressalta Leide Takahashi, gerente sênior de Conservação da Natureza da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

De acordo com levantamento da Fundação, em 2019, último ano antes da pandemia, 15 milhões de turistas visitaram unidades de conservação no Brasil.

A Fundação Grupo Boticário mantém duas RPPNs:  Serra do Tombador, em Cavalcante, no Cerrado goiano, e Salto Morato, no município paranaense de Guaraqueçaba, no coração da Grande Reserva Mata Atlântica. Enquanto a primeira tem concentrado esforços nas ações de conservação e pesquisas científicas, especialmente em relação à ecologia do fogo, a segunda tem investido em ações recreativas e educativas, sendo aberta à visitação. Juntas, elas preservam mais de 11 mil hectares de vegetação nativa.

Serra do Tombador, no cerrado goiano, uma das reservas da Fundação Boticário /Divulgação/JÁ

Salto Morato recebe, em média, 6 mil visitantes por ano e gera ao município de Guaraqueçaba cerca de R$ 110 mil por ano de ICMS ecológico. De acordo com estudo de valoração realizado pela Fundação Grupo Boticário, a reserva gera R$ 666 mil/ano à região em forma de serviços. Caso o uso agropecuário (antiga finalidade da propriedade) fosse mantido, o local geraria receitas estimadas em R$ 150 mil/ano. A da Serra do Tombador tem servido a ações de conservação e pesquisas científicas, especialmente em relação à ecologia do fogo.

No Rio Grande do Sul, a maior reserva particular pertence à PUC. Fica em São Francisco de Paula, no nordeste gaúcho, onde o Projeto PRÓ-MATA foi desenvolvido pela universidade com o intuito de estabelecer uma área de conservação voltada para o ensino, a pesquisa e a conservação ambiental. A iniciativa teve a parceria da Universidade de Tübingen, da Alemanha, com a qual a PUCRS possui um convênio de cooperação desde 1983.

Em 1993, com recursos próprios complementados por significativa doação da empresa STIHL, foram adquiridas diversas propriedades contíguas, num total de aproximadamente 2.400 hectares. Um adicional de área de 700 hectares encontra-se em processo de reivindicação por usucapião, totalizando aproximadamente 3.100 hectares de áreas destinadas à conservação do bioma Mata Atlântica.

A área  em São Francisco de Paula e está recoberta, na sua maior parte, por florestas primárias e secundárias e também por trechos com campos nativos bem preservados. Entre 1994 e 1996 foi construída uma sede com 900 m², com alojamentos, laboratórios, refeitórios e estruturas de apoio, em local com magnífica vista da planície costeira, entre as lagoas Itapeva e Quadros.

Em 2011, foi criado o Plano de Manejo do Pró-Mata, documento elaborado a partir de diversos estudos, incluindo diagnósticos do meio físico, biológico e social. Em 2018, com apoio da Fundação Boticário, deu-se início ao processo de transformação da área em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

 

Apesar da vacinação, lockdown avança na Europa

O social-democrata Karl Lauterbach, guru da pandemia e agora ministro da Saúde na Alemanha, mostrou a que veio já na sua primeira conferência de imprensa como titular do cargo, dia 16/12/2021. “Compramos 80 milhões de doses para os próximos meses”, anunciou ele em Berlin para os jornalistas na ocasião. O valor do negócio é de € 2,2 bilhões. Pagos antecipadamente, já que a maior parte da compra será entregue somente em março. Na expectativa do ministro, 73 milhões de “Booster” serão injetados nos alemães até o primeiro trimestre do próximo ano. 

No Sábado, 18/12/2021, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Hamburgo contra as medidas para controle da pandemia, especialmente a imunização obrigatória e a campanha de vacinação de crianças em andamento. Outras cidades também tiveram protestos. “Que vacina é essa em que os vacinados temem os não vacinados?”, pergunta o professor Martin Horst, um dos demonstrantes em Freiburgo.

Em Londres, cem mil britânicos protestaram contra a imposição do passaporte vacinal. Nesse mesmo dia, o prefeito da capital inglesa, Sadiq Khan, decretou estado de emergência, alertando para uma iminente superlotacao dos hospitais, devido à Omicron.

Festa da vacina

Inabalada, a campanha de imunização da Alemanha seguiu em grandes cidades como Stuttgart, com postos de vacinação Drive-in, onde a pessoa nem desce do carro, prometendo aplicar 20 mil injeções durante o fim de semana. Na capital Berlim Festas de Vacinação (ImpfParty’s) ocorrem de Sexta a Domingo.  

Enquanto isso, Holanda e Dinamarca capitularam frente à variante Omicron, e decretaram o Lockdown amplo e irrestrito até o meio de Janeiro, pelo menos. Elas se juntam à Áustria, em confinamento total desde a semana passada. “A noite de Natal e a de ano novo serão exceções. Nesses dias, cada casa poderá receber até quatro pessoas convidadas”, anunciou o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte. “Me doi ter que anunciar essa medida. Eu sei o quanto valor há em eventos culturais, mas o que precisamos no momento é o contrário disso”, justificou a chanceler dinamarquesa, Mette Frederiksen, ao anunciar o fechamento de todos os locais de eventos culturais e desportivos do país.

Lauterbach, Wieler e Dötsch, durante a primeira conferência de imprensa do novo ministro. Vacinar! Vacinar! Vacinar! Repetem os três quase em coro. (dpa)

Dejavú

Apesar dos sacrifícios de direitos fundamentais implementados pela estratégia de combate da pandemia na Europa, a doença parece manter o seu curso sazonal. Aos cidadãos, resta uma realidade em Dejavú, onde todas as medidas e promessas das autoridades mudam ou contradizem-se de um momento ao outro, sem apresentar os resultados esperados.

“Vacinar rápido! Mas a vacina não é nenhuma arma milagrosa. Nós precisamos sair dessa montanha Russa em que embarcamos há dois anos”, declarou Lothar Wieler, presidente do Robert-Koch-Institut, órgão do ministério da Saúde responsável pela política de enfrentamento da Covid-19. No Natal de 2020, Wieler dizia não dormir com o número de mortos ultrapassando a casa dos 1000 por dia. Terá insônia esse ano mais uma vez?

Provável protecao

Fatos comprovados são ignorados pela imensa maioria através de um competente trabalho de desinformação produzido pela máquina de marketing da indústria farmacêutica. “Vacinado é mais seguro do que não vacinado. Isso é perfeitamente claro!”, afirma Wieler. “Provavelmente, a terceira dose oferece uma proteção contra uma infecção pela variante Omicron”, espera ele, admitindo a falta de estudos sobre o assunto.

“Os dados mostram que dois meses após a vacina a proteção cai de 25 a 45%. Por isso a necessidade da vacina de reforco”, defendeu também o ministro Lauterbach durante o evento. A estratégia do ministro é uma ofensiva da imunização de reforço, já que as duas doses aplicadas nos últimos seis meses não foram suficientes para frear a variante Delta, agora suplantada pela Omicron. Um milhão e meio de doses por dia é a meta do ministro da saúde alemão.

Proteção de quem?

A necessidade de vacinação dos adolescentes, torna a questão ainda mais paradoxal. Se até pessoas triplamente imunizadas podem ficar doentes, por que as crianças, que não ficam doentes, devem ser vacinadas? “Adolescentes de 12 a 17 anos apresentam um risco de desenvolverem pericardite ou miocardite por conta da vacina na ordem de um para cada 10 mil”, estima o Prof. Dr. Jörg Dötsch, diretor da clínica pediátrica da Universidade de Colônia

Para Dötsch, participante da conferência, 100 novos cardiopatas adolescentes para cada milhão de vacinados é um “claro” argumento para a vacinação irrestrita nessa faixa etária. “Trata-se de uma vacina aprovada no país e na Europa, e como falamos, os efeitos colaterais acometem uma parcela mínima dos vacinados”, reitera o pediatra

Obrigatoriedade radicaliza opositores da vacina na Europa

Em paralelo à massiva campanha de vacinação, a Alemanha se confronta às vésperas do Natal com a “radicalização” dos grupos opostos à política de combate da pandemia. “Eu dividiria em três grupos: radicais de direita e inimigos da democracia, negacionistas e crentes de teorias conspiracionistas, paranóicos e pessoas com medos difusos e irracionais”, ensinou Winfried Kretschmann, governador do estado de Baden-Württemberg, durante o programa do jornalista Markus Lanz.

O Governador de Baden-Württenberg, Winfried Kretschmann, acredita que é fundamental não dividir a sociedade por conta da obrigação da vacina.

Protestos, alguns violentos, irromperam pelo país após o anúncio da proposta de lei para tornar obrigatória a vacinação contra a Covid-19. Ao mesmo tempo em que iniciou na mídia público/estatal a campanha para vacinar crianças de 5 a 11 anos, políticos, médicos e jornalistas começaram a receber ameaças.  No início de Dezembro, um grupo denominado Freie Sachsen (Saxônia Livre) organizou um protesto na frente da casa da secretária de saúde do Estado, Petra Köpping. A ação foi filmada e distribuída nas redes sociais.”Temos um problema fundamental aqui, esse é meu sentimento”, disse Lanz, com relação à polarização da sociedade alemã neste momento.

Influência fascista

Em geral tratados como “minoria”, estima-se que os indignados em alguns casos, como no estado da Saxônia, correspondam à metade da população. No estado da Turíngia menos, mas suficiente para levar milhares de pessoas às ruas, contrariando as ordens da polícia. O fenômeno é o mesmo em outros países da Europa, como Áustria, Luxemburgo, Espanha, Bélgica e Holanda. Em todos os casos, a grande mídia trata o fato de os protestos ocorrerem após a imposição de uma imunização obrigatória, como mero acidente.

A radicalização é associada à influência fascista, sem tratar o cerne da questão. Por que vacinar a todos, até mesmo as crianças, é tão crucial para o governo? Especialmente, considerando todas as incertezas que se acumulam sobre a vacina atual.

O grupo Freie Sachsen (Saxônia Livre) organizou um protesto na frente da casa da secretária de saúde do Estado, Petra Köpping. A ação foi filmada e distribuída nas redes sociais.

Números confiáveis

O virólogo Christian Drosten é um dos mais engajados na campanha de convencimento que circula pelos meios convencionais. “Tivemos problemas de efeitos colaterais graves em crianças na faixa etária acima dos 12 anos, mas no caso era a dose adulta. Atualmente usamos um terço da dose dos adultos”, explica ele, que é membro da comissão de experts recém criada pelo governo. Reiterando os perigos da nova variante, que se espalha mais rapidamente que as anteriores, Drosten minimiza os efeitos colaterais que, ainda assim, podem ocorrer com a vacina. “Seja pelo não fechamento das escolas, seja pela própria proteção, por precaução todos devem se vacinar”, defende ele. 

Na verdade não há números confiáveis sobre a quantidade e a gravidade de casos adversos. Médicos preferem não se pronunciar ou especular sobre o assunto. “É muito difícil você provar a causalidade original de uma morte. Ainda que através da autópsia você consiga saber exatamente porque uma pessoa morreu, a origem do problema é muito mais complicada de se achar”, diz Dr. Stefan Minks, médico clínico geral de Berlim. Segundo Minks, no caso de uma vacina é ainda mais complicado de encontrar e determinar a correlação dela com outros fenômenos fisiológicos. 

Analogia automobilística

“Estudos assim demoram anos para serem concluídos. A urgência fez com que abrissemos mão desses mecanismos de segurança”, acredita o médico. Ele lembra que, das duas mil pessoas com Covid-19 que tratou desde o início de 2020 em seu consultório, 20% a 30% tiveram reincidência da infecção. “A segunda vez é quase sempre pior que a primeira”, garante. Para os céticos da vacina, o Dr. Stephan recomenda a NovaVax, vacina feita da forma tradicional, com vírus inativos. O produto espera a autorização da Agência Médica Européia (EMA) e deve chegar no mercado Europeu no início do próximo ano. 

A grande mídia faz a propaganda da vacina em uma analogia com a indústria automobilística. “A Biontech-Pfizer é a Mercedes, e a Moderna é o Rolls-Royce”, escreveu a Revista Der Spiegel no final de Novembro. Abastecida exclusivamente por esses dois tipos de imunizantes, a Alemanha enfrenta hoje um racionamento. “Nosso inventário demonstrou que não temos vacinas suficientes para imunizar todos agora em dezembro”, declarou o novo ministro da Saúde, Karl Lauterbach (SPD). Ele anuncia que já está em contato com as fabricantes para encomendar o número suficiente de vacinas até o primeiro quadrimestre do próximo ano. Com sorte, todos receberão o reforço antes do lançamento da nova fórmula imunizante da Biontech e da Moderna anunciada para Março de 2022. Ela seria, então, a proteção contra a Omicron. 

Omicron é missão impossível para o novo chanceler alemão

Olaf Scholz faz seu juramento sobre a Constituição no parlamento (Bundestag), e assume como o nono chanceler da República Federal da Alemanha .

O novo Chanceler, Olaf Scholz, e seu gabinete “Semáforo” (Vermelho, Amarelo e Verde), assumiu o mandato na quarta-feira (08/12/21) com uma missão impossível nas mãos. Vacinar cerca de 25 milhões de alemães até o Natal e assim, teoricamente, evitar um Lockdown durante as festas de fim de ano. No caminho dessa meta estão, além dos obstáculos de logística, uma crescente desconfiança de quem ainda não está imunizado.

O jornalista, Markus Lanz, foi direto no nervo da questão. “Temos hoje 25% mais doentes do Covid-19 em UTIs, do que no ano passado”, ponderou ele em seu programa de entrevistas na televisão pública, ZDF. Em 01 de dezembro do ano passado, 3919 pessoas estavam internadas em UTIs na Alemanha. Na mesma data deste ano o número era de 4690 internados. Mais importante, 70% desses pacientes de hoje estão completamente vacinados. A mesma proporção do total da população que já se imunizou.

“A única explicação para isso é que este ano demoramos mais para reagir”, sugere Bernd Böttiger, médico internista, diretor da Associacao Alema Interdisciplinar para Medicina Intensiva  (Deutsche Interdisziplinäre Vereinigung für Intensiv und Notfall Medizin) e membro da Cruz Vermelha Alemã.

“Experts do mundo inteiro estão esfregando os olhos, não acreditando no que vêem. Simplesmente coisas que antes funcionavam, hoje não funcionam mais”, diz o político Omid Nouripour, do partido Verde (die Grünen).

Viabilidade vacinal

“Não temos mais como quebrar essa quarta onda com a obrigatoriedade da vacina”, acredita Hendrik Streeck, diretor do Instituto de Virologia da Universidade de Bonn. “É bom lembrar que a própria avaliação da eficácia dos imunizantes têm sido permanentemente recalculada pelos órgãos responsáveis, pois mudanças de efeito estão sendo verificadas em curto espaço de tempo”, explica ele.

Sobretudo, o virólogo alemão questiona a viabilidade de uma vacina que precisa ser reforçada a cada seis meses. “Israel já prepara sua quarta dose. É isso que queremos para toda a nossa populacao?”, pergunta Dr.Streeck, hoje um dos especialistas mais respeitados na Alemanha para o coronavírus. “Nao há um único serviço público para o esclarecimento da população sobre a vacina, a única mensagem da política é: vacine-se ou você será punido! No mínimo insensível e contra-producente”, opina.

O virólogo, Prof. Dr. Hendrik Streeck, ao centro, entre os entrevistados da noite do jornalista Markus Lanz (à esquerda).

Otimismo cauteloso

Na última sexta-feira (03/12/21), o fundador e CEO da Biontech, Ugur Sahin (56) admitiu em uma conferência da Reuters, que “a Omicron possivelmente têm condicoes de infectar pessoas vacinadas…em algum momento precisaremos de uma nova vacina contra essa nova variante”. O empresário se mostrou surpreso pela velocidade da mutação ocorrida. “Era esperado que uma variante assim aparecesse, mas eu achava que seria só em meados do próximo ano”, contou Sahin.

Na concorrente AstraZeneca, a perspectiva vai na mesma direção. “A verdade é que a próxima onda ou a próxima pandemia podem ser ainda mais contagiosa, ou com maior taxa de mortalidade, ou as duas coisas juntas”, declarou à BBC Sarah Gilbert, uma das cientistas que desenvolveram a vacina da empresa para a Covid-19. Para a professora da Universidade de Oxford, especializada no desenvolvimento de vacinas virais, as mudanças no genoma da nova variante “indicam que os anticorpos induzidos pela vacina possam ser menos efetivos em prevenir uma infeccao. 

Vigilância

Até o momento, análises mais minuciosas indicam que a Omicron, ainda que mais contagiosa, é menos perigosa. “Em um mês todo mundo terá sido infectado pela Omicron. Mas eu continuo otimista porque ainda que o número de infectados dobre a cada dia, o número de pacientes internados nao tem aumentado.”, diz Dr. John Campbell, em seu canal no Youtube. A Inglaterra registra até o momento quase 500 casos confirmados da Omicron, mas nenhuma hospitalização ainda com o novo vírus. “Esse número já é muito maior, pois nenhum sistema de vigilância consegue seguir um vírus com precisao”, avisa o professor. 

Nos últimos dois anos, mais de 5,2 milhões de pessoas morreram vítimas do Cov-SARS2, segundo a Organização Mundial da Saúde. Levantamento da Economist indica que na realidade esse número é quatro vezes maior. Além das vidas, o estrago se alastra pela vida social e econômica, com um rastro de inflação, desemprego e miséria.

Lockdown dos não vacinados inicia a troca de poder na Alemanha

“Um ato de solidariedade nacional”, definiu Angela Merkel, ainda primeira-ministra, com relação ao novo pacote de medidas para enfrentar a quarta onda da pandemia na Alemanha. “A situação é muito séria”, justificou ela em sua última conferência de imprensa como chefe de estado na quinta-feira (02/12/2021). Não vacinados estão oficialmente em Lockdown. “Pessoas não imunizadas podem encontrar-se no máximo com outra pessoa, vacinada ou nao”, anunciou. Isso vale para qualquer tipo de ocasião em todo o território nacional.

Supermercados e farmácias dispensam tais cuidados, assim como o transporte público. Neles, dependendo da situação regional, será exigido um teste. Em locais com incidência acima de 350 infecções por 100 mil habitantes, vale a regra mais restrita. No máximo duas pessoas podem encontrar-se em locais fechados. Ao ar livre, o limite é de 200 pessoas, mas só vacinados ou curados. Exceção à regra, os jogos de futebol, permitidos para até 15 mil pessoas com o passaporte vacinal em dia.

Vacina obrigatória

Em escolas o controle será redobrado, com máscaras, testes e cuidados como distanciamento e medidas de higiene. “A vacina obrigatória será discutida até o início do ano no parlamento”, informou Dra. Merkel, avisando que uma comissão de experts foi estabelecida para embasar o trabalho dos deputados.

O vice-chanceler e sucessor eleito atribui diretamente aos não vacinados a surpreendente escalada de infecções. “Temos bastante gente vacinada, mas não o suficiente para evitar que a doença se espalhe por todos os lados”, declarou o social-democrata, Olaf Scholz, apelando à população para tomar a vacina de reforço. São 30 milhões de doses a serem aplicadas até o Natal, e assim evitar um já anunciado completo Lockdown. “Sabemos que é uma meta ambiciosa, mas essa campanha precisa ser levada até o fim, pois é a única solução que temos no momento”.

“O momento é agora. Não podemos esperar”, acrescentou o presidente da Conferência dos governadores dos 16 estados da Federação, Hendrik Wüst, somando-se ao coro pela vacinação urgente de toda a população. “Isso salvará vidas”, disse ele, lembrando que desde a segunda guerra mundial o país não enfrentava uma situação assim. 

Autoexplicativo

O prefeito de Berlin, Michael Müller, deixou mais ou menos claro que não se trata apenas da população adulta. “É uma minoria da população que não está vacinada. Mas essa minoria é responsável pela maior parte das internações e casos”, declarou ele durante a conferência de imprensa para apresentar as medidas. “Precisamos reagir a isso”, complementou ao justificar a razao para um duro Lockdown apenas para os não vacinados. “É uma questão de solidariedade, isso deveria ser autoexplicativo para uma vida em sociedade”, finalizou o prefeito.

Apesar das justificativas e explicações, todas as autoridades admitiram que não há garantias. Um novo e irrestrito confinamento não está descartado. “Vai depender do engajamento das pessoas em se vacinarem”, sentenciou o ainda não empossado, Scholz.

Questoes abertas

“Eles não garantem que o Lockdown funciona, não garantem que a vacina funciona, tudo depende de nós mesmos no final. Então, por que não deixam pra gente mesmo decidir? Por que querem nos obrigar?”, indaga Lindomar Gomes, proprietário de uma loja de bicicletas no bairro de Kreuzberg em Berlim. Há 18 anos vivendo na capital, o paulista de São Sebastião reclama da falta de transparência e abertura por parte dos responsáveis para esclarecer questões cruciais.

“Dos 30 milhões que faltam vacinar, pelo menos metade são crianças. Sem elas continuaremos sem a imunidade de rebanho, mas e o risco de vacinarmos as crianças com uma vacina experimental?”, raciocina o brasileiro pai de uma menina de 14 anos. A imunização das crianças é talvez o ponto mais polêmico de toda a estratégia oficial.

Obrigação infantil

Dr. Thomas Mertens, presidente da Ständige Impfkommission (Stiko): “Um quadro grave ou fatal para adolescentes saudáveis é uma absoluta raridade”. (Dpa)

Segundo a Stiko (Ständige Impfkommission), responsável pela recomendação e avaliação de vacinas na Alemanha, existem cerca de 200 mil infecções confirmadas para jovens entre 12 e 16 anos desde o início da pandemia. Aproximadamente 2.000 precisaram ser hospitalizados, dos quais 20 em unidades de tratamento intensivo. Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas dois óbitos foram registrados nessa faixa etária, e de crianças com outras enfermidades. “Um quadro grave ou fatal para adolescentes dessa idade é uma absoluta raridade”, atesta o presidente da comissão, Dr. Thomas Mertens.

Ele admite que crianças com co-morbidades devam ser, dependendo do caso, vacinadas. “Mas isso não é nenhuma clara indicação para a vacinação de todas as crianças saudáveis”, reitera o representante da Stiko, lembrando que a relação com inflamações da musculatura cardíaca, como efeito colateral do imunizante da Pfizer/Biontech, ainda não foi conclusivamente investigada. “Além do mais, a vacinação de crianças influenciaria minimamente a situação em UTIs, ou o número de óbitos”, conclui.

Princípio da precaução

Mesmo encenando coesão e segurança, é nítido o desgaste do governo na condução da pandemia. “O que vale a palavra dos nossos políticos hoje?!”, ironiza Sahra Wagenknecht, ao comentar a proposta da obrigatoriedade de vacinação em seu canal do Youtube. No vídeo, a deputada do partido Die Linke mostra as promessas feitas anteriormente por muitos membros do governo, incluindo o Chanceler eleito, de não introduzir a imunização forçada no país.

Sahra Wagenknecht (Die Linke) debatendo na tv pública com o novo ministro da saúde, Karl Lauterbach (SPD). (ARD)

“Há semanas nos contam esse conto de fadas de que só os não vacinados transmitem a doença. Todos os estudos atuais comprovam que a vacina não impede que uma pessoa infecte outra”, aponta Wagenknecht, uma das poucas vozes contrárias às medidas na esquerda alemã. “Nunca atingiremos a imunidade de rebanho com a vacina que temos hoje, só isso já deveria ser suficiente para descartar a possibilidade de adoção de um passaporte vacinal”, defende ela. Para a parlamentar, há muitas dúvidas não respondidas, especialmente sobre todos os efeitos de longo prazo. “Quantas vezes não retiramos medicamentos já aprovados do mercado, por conta dos problemas que se apresentaram após anos de uso? O princípio da precaução deve ser sempre orientar as decisões desses assuntos”, reclama.

Na segunda-feira (06/12/2021) Karl Lauterbach (SPD) foi confirmado como novo ministro da saúde. Em sua apresentação oficial na sede do partido em Berlim disse sem nenhuma precaução: “a pandemia vai demorar mais do que muitos pensam”.

Omicron aumenta pressão por vacinação na Europa

A chegada da variante Omicron, do vírus Corona, sacudiu a já abalada política de combate da quarta onda da pandemia na República Federal da Alemanha. Antes da “nova variante”, estados como a Bavária estavam sendo obrigados a transferir pacientes a países vizinhos devido à superlotação de hospitais. Ao mesmo tempo, o número de infectados por dia em todo país bateu novo recorde, 75 mil.

“Análises preliminares indicam que essa variante é mais agressiva do que pensávamos”, alertou Karl Lauterbach (SPD), guru da pandemia e um dos candidatos a ministro da saúde, nas primeiras horas depois da notícia. Quatro casos de infecções do novo vírus já haviam sido confirmadas na Bavária.

Especula-se que a nova variante já esteja circulando pelo mundo há meses, assim como a cepa original em 2019. O que faz com que a análise minuciosa e demorada do DNA de um vírus defina sua origem geográfica, é uma questão que só o colonialismo geopolítico ocidental pode explicar. De um jeito ou de outro, a descoberta de Omicron bota mais lenha na fogueira do pânico, norteando a política das potências européias.

Vacinados, curados ou mortos

O ainda ministro já cantou a pedra: “Ao final dessa onda estaremos todos vacinados, curados ou mortos”.

Aconteça o que acontecer, a vacina é, ainda, a única salvação apresentada pelas autoridades do continente. Impossível não lembrar da frase do ainda Ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU), dias antes no parlamento (Bundestag). “Ao final dessa pandemia estaremos todos vacinados, curados ou mortos”.

Outro apelo pela vacina veio da governadora do estado de Rheinland-pfalz, Malu Dreyer (SPD). “Queremos e devemos vacinar 30 milhões de pessoas até o Natal”, declarou ela dia 30 de novembro. O argumento, no caso, visa evitar um Lockdown no Natal, como no ano passado. Da mesma forma que antes, o que os políticos dizem sobre o combate da pandemia já não se escreve mais.

A última determinação, por exemplo, obrigando todos os passageiros do transporte público do país a fazerem um teste antes de qualquer embarque. Teoricamente tudo perfeito. Na prática, impera a dúvida: quem controla? Não sem cabimento que medidas assim não tenham sido adotadas antes. O fato principal é que independente da medida que o governo baixe, a curva do número de vítimas parece repetir a do gráfico do ano anterior. Impiedosamente. E assim também o consentimento da população.

O gráfico do número de mortos da pandemia na Alemanha mostra uma tendência muito semelhante entre a quarta e a segunda onda . (Fonte: https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19)

Três meses

O fechamento dos aeroportos alemães para diversos aeroportos na África foi justificado e aceito como há um ano “É importante nos protegermos ao máximo, retardando dia-a-dia a chegada na nova variante”, defendeu Lauterbach na televisão pública. Para o político, vacinados e não vacinados correm risco agora, ao mesmo tempo em que recomenda: “A vacina de reforço, de tudo o que sabemos, protege também contra essa variante, pois seu efeito de reforço é enormemente forte”. 

Se não funcionar, a receita é simples. “Precisaremos desenvolver uma nova vacina que estaria no mercado em três meses”, sentencia o expert alemão.

Narrativa recorrente

Na história das variantes, antes da Delta, vale lembrar da brasileira Gama. Responsável por milhares de mortes, é conhecida por também escapar bem da proteção das vacinas. 

B 1.1.529 se apresenta como mais uma sequência de números a nos conduzir para o Lockdown. Virologicamente falando, o que se sabe de fato é que Omicron possui 30 ou mais mutações em relação ao vírus original. A título de comparação, a variante Delta tem cerca de 10 mutações.

O raciocínio é simples e parece que vai sendo confirmado pouco a pouco pelos acontecimentos. Se a variante anterior já vencia a barreira da vacina, que dirá a versão mais recente e turbinada. Em outras palavras, o que justifica a pressão redobrada por um imunizante que apresenta indícios  de não funcionar mais?

Vacinação obrigatória

O desencontro entre as informações noticiadas pela grande mídia e os abundantes depoimentos de médicos em redes sociais aumenta na mesma proporção que o número de infectados. Ainda que as análises mais sérias não corroborem com as teorias mais conspiratórias, faltam esclarecimentos rudimentares para amparar o discurso político veiculado no mainstream.

A vacina obrigatória protege nossa liberdade. Esse é o novo slogan dos governadores de alguns estados alemães ao apresentar sua recorrente proposta de combate da pandemia do corona. “Apenas abrimos o debate sobre a obrigatoriedade. Queremos sair o mais rápido dessa pandemia”, sentencia Winfried Kretschmer, governador verde de Baden-Wurttenberg.

Mas e as crianças? A Stiko (Ständige impfkommission), comissão responsável pela recomendação técnica de vacinas, ainda não emitiu seu parecer final sobre o assunto. “Mas a pressão já é enorme”, reclama seu presidente, Prof. Dr. Thomas Mertens.

Anticorpos naturais

Na Alemanha, crianças a partir dos 12 anos vêm sendo vacinadas desde junho. E já há jurisprudência para casos em que menores de idade decidem isso em contrário à recomendação dos próprios pais. “Vacinar contra a vontade dos adultos responsáveis já é possível”, conta Jakob Maske, diretor da Federação de Pediatras Profissionais da Alemanha. 

Foi o que quase aconteceu com a adolescente Dora Kuhlmann, de 13 anos. Pressionada pela escola e pelas associações desportivas da qual participa, ela estava decidida a ser vacinada. Por influência do avô, clínico geral, foi convencida a fazer um exame de anticorpos para verificar sua imunidade. A menina havia contraído Corona em dezembro de 2020, passando pela doença sem nenhum sintoma grave. 

O resultado do exame contradiz as recomendações e análises dos experts do governo. Apesar do tempo, Dora apresentava uma quantidade de anticorpos para o Corona bem acima do mínimo determinado. Algo como 80% de imunidade. “Ficamos aliviados por agora, pois com o resultado ela ganha a carteira de imunidade por mais alguns meses”, diz a mãe da menina.

General da crise

O novo chanceler Alemao, Scholz, antes mesmo da posse, já anunciou que vai propor a vacinação obrigatória contra a covid-19. (dpa)

De qualquer forma, a pressão vem aumentando para os que ainda não se vacinaram. O próprio futuro chanceler, Olaf Scholz (SPD), já anunciou que irá propor a análise de um projeto de lei para a vacinação obrigatória contra o coronavírus. “Precisamos aplicar milhões de vacinas nos próximos meses, e para isso já constituímos um gabinete de gerenciamento da crise”, anunciou Scholz, se referindo a um grupo criado semana passada e comandado por um general de brigada. A expectativa é ter a obrigação aprovada até o fim do primeiro trimestre do ano que vem.

Buscando uma saída convergente para a nação, o presidente da República, Frank-Walter Steinmeier, apelou em seu discurso de 29 de novembro para uma redução voluntária de contato, “visando evitar um Lockdown”. O desenfreado contágio do coronavírus, no momento, conduz sem dúvidas para um novo confinamento. Independente do nome que ele receba.