Guerra ao tráfico: o que fazer com o usuário?

O sociólogo Dillon Soares, de 76 anos, se dedica há 35 ao estudo da criminalidade urbana. É professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
Sua análise das ações militares contra o narcotráfico no Rio de Janeiro não revela grande otimismo, embora reconheça que um passo importante foi dado.
Segundo o especialista, os ataques até agora foram direcionados as áreas controladas por uma das faccções criminosas que controlam o tráfico de drogas no Rio, o Comando Vermelho. Não representam, portanto o controle sobre o crime organizado na cidade.
Para ter resultados mais efetivos o governo deve avançar com outro tipo de medidas. O professor Soares sugere que o governo brasileiro siga o exemplo do governo de Álvaro Uribe (2002/2010) na Colômbia.
“É o que chamo de de uma proposta de rendição: os soldados do tráfico, os integrantes das facções, se integrariam na sociedade, como esquecimento dos crimes passados, em troca do abandono das armas”.
O governo colombiano ofereceu perdão para os crimes cometidos e até uma bolsa de 180 dólares para garantir sua reinserção de bandidos na sociedade.
Em três anos, conseguiu que 13 mil pessoas entregassem suas armas, principalmente milicianos. No Rio, a questão das milícia ainda não foi atacada.
Quando à ação dos bandidos, diz o especialista que não é inédita a ofensiva que deu origem à reação do governo. Nos últimos anos, desde 2000, mais de 800 ônibus incendiados no Rio, com as ocorrências sempre ligadas à prisão, remoções e mortes de traficantes.
“O que chamou atenção agora foram os ataques em diversos pontos da e uma concentração menor no tempo, o que indica uma coordenação, mas uma coordenação de grupos fragilmente organizados. É um erro pensar as facções como empresas com linhas hierárquicas organizadas. Elas se conectam fragilmente. Vem uma ordem e cada um age do jeito que pode”.
Para Soares, uma das conseqüências inevitáveis dos eventos no Rio é a volta certos temas ao debate, como o fim da maioridade penal aos 18 anos.”A linha dura contra a bandidagem vai ganhar muito terreno”, diz ele. O grupo de intelectuais “foucaultiano” (seguidores do filósofo francês Michel Foucault) que desconfia das instituições e se alinhou com o que se convenciona chamar de política de direitos humanos, sai disso tudo muito enfraquecido”.
A questão mais polêmica que vai se colocar daqui pra frente, segundo Soares, é a questão do usuário. Ele diz:
“Esse é o grande problema: o que fazer com o usuário de drogas. As opções estão ganhando uma definição nítida: ou libera-se ou crimininaliza. Mas fumador de crack das ruas e os que fumam maconha nas redações, nas universidades, nas repartições pública precisam receber o mesmo tratamento”. (Entrevista ao Valor Econômico)

Bom Jesus ganha ações do Território da Paz

null
A comunidade do bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, está experimentando um novo tipo de relação com a Brigada Militar, que vai além da repressão policial. É o policiamento comunitário, uma das ações que integram o Território de Paz do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), do Ministério da Justiça.
Instalado há dois meses na região, o Pronasci prevê uma série de medidas de segurança e cidadania que visam mudar a rotina dos moradores.
No Bom Jesus, bairro que é formado também por três grandes comunidades carentes, foram criados quatro postos de atendimento, com três policiais em cada, sempre próximos de postos de saúde e de associações comunitárias. O PM Carlos Moraes diz que o trabalho consiste em conversar frequentemente com os comerciantes, a comunidade escolar e moradores. “É uma forma de saber mais sobre o cotidiano das pessoas. Os dependentes químicos, por exemplo, são orientados para uma possível internação. É um serviço diário rotativo, feito com um micro-ônibus”, explica.
A vendedora Daiane da Silva, 29 anos, já nota a diferença. “Estou achando muito interessante. É um trabalho bem feito e intimida as pessoas que estão com a intenção de cometer algum crime, pois o policial está próximo”.
null
Outra ação em andamento é o Protejo – Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável -, que oferece atividades culturais, esportivas e educacionais aos jovens de 15 a 24 anos. De acordo com balanço feito pela Fundação de Assistência Social e Cidadania, responsável pela ação em Porto Alegre, 2.067 jovens se interessaram em participar do Protejo. Nesta primeira etapa, mil jovens serão atendidos.
A estudante Jenifer Madelaine, 16 anos, está entre os inscritos. Ela espera que o Protejo possa tirar os jovens das ruas e do mundo das drogas. “É triste ver as coisas como elas estão. Tem meninos de 12 anos vendendo droga nas ruas. Com o Território de Paz, acho que tudo isso vai melhorar. Eu imagino que o Protejo seja algo bem legal e espero que depois dele jovens como eu tenham vontade de ser alguém na vida”.
O “Mulheres da Paz” é outro projeto muito aguardado pela comunidade de Bom Jesus. As inscrições devem ser abertas até o final do ano. Trezentas e vinte mulheres serão selecionadas e treinadas para identificar os jovens que correm o risco de entrar para o crime e encaminhá-los a projetos sociais. Cada mulher receberá um auxílio mensal de R$ 190.
Segundo a coordenadora do “Mulheres da Paz” em Porto Alegre, Beatriz Morem, o projeto trará inúmeros benefícios para a comunidade. “As mulheres serão orientadoras e mediadoras sociais, com informações sobre direitos que, geralmente, as pessoas não têm nesses locais”, enfatiza. Para saber como funcionará o projeto e a previsão de início das inscrições do “Mulheres da Paz” , as interessadas devem procurar a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, que fica na Rua João Alfredo 607, bairro Cidade Baixa. Telefone: (51) 3289.7022.
Redução da criminalidade
O ministro da Justiça, Tarso Genro, ressalta que os resultados do Pronasci devem ser esperados a médio e longo prazo. “O Pronasci propõe uma mudança de paradigma, que é articular as políticas sociais com as questões de segurança pública, e isso não se faz de imediato.
O ministro ressalta a mais recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, responsável em monitorar e avaliar as ações do Pronasci nos Territórios de Paz, que diagnosticou queda de 70% da criminalidade em Santo Amaro, no Recife (PE), com menos de um ano de implantação do Programa.
“Ninguém acreditava que poderíamos reduzir esses índices de criminalidade e violência e eles têm sido reduzidos. É um esforço conjunto entre os governos federal, estadual e municipal, além da participação efetiva da sociedade civil e da própria comunidade”, acrescentou.
O que já está funcionando no Bom Jesus:
Núcleo de Justiça Comunitária: Moradores da comunidade podem procurar o Núcleo para conhecer os seus direitos e resolver conflitos sem precisar procurar a polícia ou a Justiça. O Núcleo funciona no Instituto Cultural São Francisco de Assis, Centro de Promoção da Criança e do Adolescente, Estrada João de Oliveira Remião, nº 4444 – Lomba do Pinheiro, Porto Alegre.
Núcleo Especializado no Atendimento de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica: Orienta as vítimas e oferece acompanhamento jurídico. Está instalado na Rua Sete de Setembro, nº 666, Térreo – Centro, Porto Alegre.
Assistência Jurídica Integral ao Preso e seus Familiares: Em Porto Alegre, o projeto funciona na Rua Márcio Luís Veras Vidor, nº 10, sala 405 – Praia de Belas, Porto Alegre.
Benefícios para o policial
O Pronasci envolve também ações voltadas para o profissional de segurança pública. São disponibilizados cursos gratuitos para qualificar o atendimento à população e os participantes podem ter direito ao Bolsa Formação, um auxílio mensal de 400 reais concedido a policiais civis, militares, bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários e peritos.
Outro benefício são as condições especiais de financiamento habitacional oferecidas pela Caixa Econômica Federal. Os interessados devem procurar a agência central de Porto Alegre, que fica na Praça da Alfândega.

O crime da rua Venezuela

Renan Antunes de Oliveira

As três últimas casas antes da rua virar mato são de madeira, pintadas de azul, verde e branco. Na azul, com uma roseira carregada de flores vermelhas, morava Viviane, 14 anos. Na verde vive Tati, 13. A branca é de Clairton, 17, primo de Viviane, apaixonado por Tati. O ódio entre as meninas adolescentes foi maior do que aquele pequeno pedaço do mundo e transbordou em tragédia.

A rua Venezuela é um beco sem saída às margens da BR116. Está quase sempre deserta. Seu João e dona Jovenilda, avós de Viviane e tios de Clairton, passam horas na calçada da casa azul, sob uns pés de cinamomo, tomando chimarrão. Nas conversas, quase sempre lembram da tragédia mais improvável já acontecida na pacata cidade de Ivoti, no Vale dos Sinos.

Aconteceu em dezembro, na noite do dia 18: Clairton matou Viviane a pedido de Tati.

Olhando para trás é fácil entender o crime – Tati, por todos os relatos, apesar de quase criança, tinha inveja de Viviane, adolescente com corpo e aparência de bem mais velha. Difícil é compreender como este sentimento comum deu em morte com gente tão moça.

Viviane reagia com zombaria à inveja da vizinha. A rivalidade das duas foi testemunhada por todos que as conheceram. Começou nos primeiros anos de escola delas, no tempo em que a rua ainda não tinha sido calçada com paralelepípedos.

Muitas vezes Viviane teve que voltar para casa quando estava a caminho do colégio porque Tati jogava barro nela. Viviane xingava a rival de bobinha – mas também revidava com crueldade calculada, dizendo que o pai dela era um bêbado, o que afetava muito Tati.

Viviane era fruto de um romance adolescente do pai. Ele morreu afogado no rio dos Sinos quando ela tinha 7. A mãe sumiu e deixou a menina com os avós. Ela tinha liberdade total na casa azul com roseira. Os velhos lhe davam tudo o que precisava e bastante conforto.

rua-venezuela-2
Tati vivia num ambiente opressivo e repressivo. O pai bebum só a deixava ir à escola e à igreja evangélica. Soube-se depois do crime que Tati tinha sido estuprada aos 10 anos, por outro vizinho – o que a ruazinha tem de calma e florida parece ter de ruim.

A rivalidade entre as meninas foi ignorada por pais e professores. Todos achando que tudo ia passar quando elas crescessem.
Não foi assim. Lá por maio do ano passado, Clairton, um grandalhão desengonçado com quase 100 quilos, motoqueiro sem carteira, drop out da escola e drogado, notou Tati já mais crescidinha. E passou a fazer investidas – queria transar com ela de qualquer jeito.

A mensagem foi passada pelo irmão de Tati. Mas ela tinha aquele problema: depois do estupro, os pais não a deixavam mais sair de casa desacompanhada.

Prisioneira da casa verde, Tati via todos os dias Viviane passar pela frente da sua e ir para a casa branca de Clairton. Os primos eram amigos e confidentes. O rapaz morava no porão da casa, onde seus pais tinham feito um quartão com tv e computador, pra ele curtir seus amigos e drogas longe da família. Viviane tinha trânsito livre na toca.

Quem conheceu bem todos eles garante que os primos nunca transaram. O primeiro de Viviane foi Juarez, um vendedor da Liquigás, 10 anos mais velho – e por isso, o principal suspeito da polícia quando ela foi encontrada estuprada, estrangulada e morta no matagal às margens da rodovia BR 116, apenas 100 metros distante da casa branca.

Tati começou a ser cortejada por Clairton à moda antiga, por carta. Bilhetes em folhas de caderno escolar, trocados de mão por amigas comuns.


Foram estas cartas que esclarecem o crime. Em vários trechos estão as pirações de Tati, seu ódio contra a vizinha, o pedido para matá-la e a oferta irrecusável: se Clairton matasse Viviane, ela, Tati, transaria com ele.

Clairton respondeu cedendo à oferta: “Capaz que eu não deixaria tu fazer aquilo com a Vivi, pra mim tanto faz”, escreveu, sendo “aquilo” o matar a própria prima.

“Eu não sei de onde saiu tanta frieza, não consigo aceitar que tenha sido ele”, diz dona Jovenilda, inconformada com a dupla perda – depois do crime, nunca mais falou com o irmão, pai de Clairton.

Por alguma razão qualquer as cartas acabaram nas mãos de uma amiga de Tati. Quando o caso deu na TV ela as mostrou pros pais, que por sua vez as levaram aos pais de Tati. Eles, mesmo horrorizados ao perceberem o que a filha tinha escrito, ainda tiveram coragem de ir à polícia e entregar tudo, 12 dias depois da morte de Viviane.

As cartas mostram que Clairton se tornou cada vez mais participante na trama macabra de Tati: “Por mim, que se f… a Viviane, pode encher ela de bala”. Os dois passaram até a planejar um segundo crime: matar o estuprador de Tati, jamais identificado.

Clairton foi preso em 11 de janeiro, mas nunca confessou o crime. Até o final de março, ele continuava negando.

A polícia suspeita que ele teve cúmplices, três carinhas maiores de idade, marginais da pesada pra quem ele teria pedido ajuda – mas que agora teme delatar porque seria como pedir para ser morto.

As investigações continuam no mesmo ritmo lento da cidade. A polícia identificou um trecho das cartas onde Clairton diz que botou “200 reais na mão de um ‘louco’ (que tinha pedido 400), mas ele disse que tinha uma proposta melhor pra me fazer”, tipo de papo de um contrato para matar Viviane.

Na noite em que a matariam, Viviane foi vista pela última vez pelos avós em companhia do primo, mas eles nada suspeitaram.


Eram sete da noite. “Entrei em casa e vi que ela tinha tomado banho e saído limpinha e bem vestidinha”, conta dona Jovenilda. Na calçada, vó e neta conversaram sob os cinamomos. Viviane usava tamancos de salto alto, saiu pipocando pelo calçamento irregular, aos pulos pelos 50 metros da casa azul até a branca, passado pela verde onde, é bem possível, Tati espreitava na janela.

“Quando começou a novela das 9 e ela não voltou, eu liguei. Ela me disse que estava baixando músicas pelo celular do Clairton”, ainda lembra a vó. A velha senhora foi então até o porão do sobrinho, espiou por uma fresta, nada viu de suspeito, bateu na porta e perguntou pra Clairton por Viviane: “Tia, Ela foi embora faz tempo”, mentiu, com calma.

Na manhã seguinte, angustiada, dona Jovenilda foi na casa de Juarez. Ela não estava lá. Ele jurou que a respeitava muito e que estaria esperando que Viviane completasse 18 anos para ficar com ela – uma mentira que a avó dispensou, porque sabia de tudo: “Se ela quisesse ficar com ele eu deixaria, ela não precisaria mentir, nem fugir”.

Se não estava com Juarez, tentaram a casa da mãe, mas ela dificilmente passaria por lá. Então só restava a polícia. Dia 19 de dezembro, manhã de sexta. Na delegacia, disseram pra vovó que “uma menina na idade dela faz coisas que nem o diabo acredita”, avisando que buscas só iniciariam 72 horas depois.

A juíza Célia Lobanowisky acreditou nas coisas que a polícia diz que Tati e Clairton fizeram, mandando os dois para a Febem, ela em Nova Hamburgo, ele na da Porto Alegre.

No início de abril ela preparava a sentença sigilosa para puni-los. É uma tarefa inútil, já que pelo Estatuto da Criança e do Adolescente os dois não podem ser presos. Suas fotos e seus nomes sequer podem ser publicados, o caso corre em segredo de Justiça.

Em juízo, Tati negou ter mandado matar Viviane. Disse que Clairton a interpretou mal e que fez tudo por conta própria – descontada a possibilidade dele ter agenciado o crime com aqueles carinhas pra quem ofereceu os 200 reais.


Quem quer que tenha matado Viviane foi bem cruel. Não se sabe os detalhes, nem quando e se ela percebeu que iria morrer, mas sabe-se o resultado da ação do matador/matadores.

Do porão da casa de Clairton ela foi levada por uma picada no matagal dos fundos da casa para perto de um tronco de guarapuvu, cerca de 100 metros distante.

Seu corpo foi encontrado apenas na manhã de 23 de dezembro, o quinto dia do desaparecimento, sem que a polícia tivesse organizado nenhuma busca. Foram outros irmãos e sobrinhos de dona Jovenilda e seu João que combinaram, na noite do dia 22, começar a procurar perto de casa.

Quem se ofereceu pra ajudar ? Clairton solícito com os tios.

“Eu sai procurando pelo lado do muro (de uma empresa de lacticínios) e fui indo pra baixo”, conta o avô. “Clairton me apontou uma árvore lá longe (o tronco seco do garapuvu) e me disse pra ir praquele lado, eu nem imaginei nada”.

Seu João, falando sob os cinamomos, chora quando lembra a cena final: “Eu dei uns passos perto de um córrego e vi um vulto no chão, gritei ‘ai está ela’ e sai correndo, porque tudo se escureceu na minha vista”.

E lá estava a menina mais bonita da rua Venezuela: morta, deitada de costas, sobre os braços amarrados pra trás por um fio elétrico, com um saco plástico enfiado na cabeça e um pano cobrindo o rosto.

Os legistas confirmaram que ela foi estuprada e morta por estrangulamento e asfixia. O assassino ou assassinos tentaram encobrir o crime queimando seu tórax, mas apenas chamuscaram o corpo.

O cadáver ficou exposto aos vizinhos por quatro horas, que fizeram cortejos para vê-la. Dona Jovenilda fez questão de ir ver o cadáver. Chocada, não quis que tirassem o pano do rosto – sob o qual, soube-se depois, estavam dentes quebrados. Ela disse que reconheceu a neta por um piercing que usava no umbigo: “Era a minha Vivi”.

 

Tráfico murcha no Bom Fim e floresce na Cidade Baixa

O tráfico de drogas está decadente no Bom Fim. A avenida Osvaldo Aranha por anos foi point de distribuição para os traficantes. Na última semana de janeiro, repórteres do Jornal Já percorreram os pontos conhecidos e constataram uma redução na oferta.
Mas, logo apurou-se que a venda de entorpecentes está deslocada para a Cidade Baixa, bairro de diversão noturna. A Redenção continua abrigando este tipo de atividade, de dia no prédio abandonado do auditório Araújo Viana e na avenida José Bonifácio à noite.
À luz do sol, o usuário que deseje algum tipo de droga pode encontrar facilmente seu objeto de consumo na trilha entre o Araújo Viana e o parque Ramiro Souto. Entre as árvores que projetam sombra no local, ponto de passagem de famílias e amigos que pretendem se divertir nas quadras, os vendedores de entorpecentes abordam o transeunte que demonstre o menor sinal de ser um potencial comprador.
Numa quarta-feira, o ponto tinha três pessoas fazendo o comércio: dois rapazes aparentando ter 20 anos e um sujeito de barba, prováveis 30. Eles abordam o possível cliente oferecendo maconha, mas também trabalham com outros tipos de drogas. Caso o interlocutor peça algo de consumo mais restrito, LSD, por exemplo, e eles não tenham a substância, prometem a mesma para o dia seguinte a um custo de R$ 50 a dose. Nos arredores, nenhum sinal de policiamento.
O mapa dos pontos de venda muda após o pôr-do-sol. Às 22 horas é possível encontrar dois ou três sujeitos andando em círculos, ironicamente na frente do Colégio Militar, a poucas centenas de metros de um posto da Brigada.
A maconha é vendida ali a partir de R$ 5, e os traficantes não parecem se incomodar com a proximidade da polícia. “Aqui é sereno”, disse um dos negociantes, que aparentava a mesma juventude de seus colegas diurnos. Quando um potencial comprador expressa intenção de adquirir a droga, eles já começam a negociação caminhando em direção ao parque, dando a entender que o produto fica escondido ali.
O morador de Porto Alegre que não freqüentou a Osvaldo Aranha nos últimos anos estranharia o cenário. A avenida estava completamente “limpa” no primeiro dia de levantamento da reportagem, entre 18 e 23 horas, causando frustração aos usuários.
Antigamente, era fácil identificar alguns pontos de venda de drogas na avenida, principalmente entre as esquinas com as ruas Fernandes Vieira e João Teles.
Uma rápida busca nas redondezas, inclusive nos recantos mais ermos, como a avenida Cauduro, fazia concluir que o Bom Fim está mesmo com menos traficantes do que antes.
O mercado do bairro, revitalizado e com acesso restrito durante a noite, deixou de ser ponto de venda.. A explicação pode estar num comentário feito por um funcionário de um tradicional estabelecimento de comércio da Osvaldo. “Limparam tudo, ainda bem”, comemorou, explicando que “eles sumiram depois que foi instalado o posto da Brigada ali no mercado. Foram todos para a Cidade Baixa”.
Entretanto, a noite seguinte acabaria frustrando o trabalhador, já que uma dupla vendia maconha, sem encontrar problemas, na porta do local, às 23 horas, mesmo após chuva intensa. De aparência maltratada e roupas velhas, representavam, como todos os traficantes localizados por esta reportagem, o elo mais frágil e pobre de um negócio que movimenta bilhões de verdinhas ao redor do mundo.
Não foi difícil verificar, em apenas uma noite, a existência de pontos de venda no festivo bairro citado pelo funcionário. Quem ali entrasse pela rua da República, repleta de pessoas em seus bares, logo encontraria gente vendendo maconha. Na rua Sofia Veloso, entre a República e a badalada Lima e Silva, haviam três sujeitos, um deles enrolando a droga na seda. Faziam o negócio de uma forma aparentemente mais amadora que os encontrados na Redenção, vendendo a erva sem preço fixo.
O grande movimento da noite no bairro e a ostensiva presença de brigadianos não inibiam a atuação dos comerciantes de substâncias proibidas. Na Rua João Alfredo, entre a República e a Luiz Afonso, um sujeito ficava parado na calçada leste, apenas esperando ser abordado. “Eu não tenho aqui, mas tem no posto na vila aqui perto. Posso buscar”, explicou o rapaz. Ele afirmou estar esperando por um consumidor que lhe compraria pó e que trabalha no ramo há três anos. “Aqui é sereno”, falou, repetindo seu colega da José Bonifácio, enquanto viaturas da BM passavam na sua frente, abrindo caminho na via movimentada.
Falando nos veículos policiais, três foram avistados na curta caminhada entre a Sofia Veloso e a João Alfredo, revelando massiva presença policial. Na tarde seguinte, lá estava o mesmo indivíduo, no mesmo local, papeando com uma pessoa que aparentemente trabalha no comércio formal da João Alfredo – e nada da polícia nesta hora..
O preço da maconha, consumida por gente de todas as classes sociais, curiosamente rivaliza com o do crack, mais popular entre pessoas de baixa renda. Um vivente que tem as ruas da Cidade Baixa como lar, denominado Tuni, disse ser muito fácil encontrar a pedra maldita na região. “Custa uns R$ 5”, informou com naturalidade à reportagem. Mas os preços variam, chegando a ficar mais caros que a erva, o que depende do vendedor. Segundo flanelinhas do local, costumeiramente bem informados sobre o ramo, a pedra de crack pode custar até R$ 10.
Na rua José do Patrocínio pode-se questionar algum guardador de carros. Um deles revelou a atividade de seus colegas ao redor do bar Opinião. Numa visita ao entorno do local durante a primeira noite, parecia impossível identificar alguém, já que a esquina estava repleta de freqüentadores.
No entanto, perguntando a outro sujeito que cuida automóveis estacionados entre as esquinas com a Joaquim Nabuco e a Venâncio Aires, foi possível saber que ele faz a intermediação da venda de “erva, pó e pedra”. O usuário que desejar outra substância pode esperar por ali, segundo ele, porque o intermediário diz conhecer “quem vende”. Logo após a conversa com o rapaz, duas viaturas da Brigada passaram cheias de homens e com as sirenes ligadas, indo rapidamente para os lados da Azenha.
A presença visível, além de chamar a atenção, não é a mais indicada nem a utilizada para abordar especificamente o tráfico de drogas em locais de grande circulação, de acordo com a corporação. Segundo o Capitão Vaine, do 9° Batalhão da Brigada Militar, responsável pela segurança na área investigada, “a viatura ostensiva acaba dispersando os locais de grande movimento, facilitando a fuga dos traficantes, e isso inclui o local onde se vende na Redenção”.
O brigadiano à paisana faz a chamada “abordagem discreta”, o método indicado para identificar e prender os vendedores de drogas. Já a presença ostensiva, com viaturas e uniformes, é destinada a casos especiais nas vilas. Barreiras nas ruas para vistoria do interior de veículos representam a terceira forma de coibir o lucrativo negócio. Das 22 prisões por tráfico feitas pela BM em janeiro na área central de Porto Alegre, uma ocorrência foi registrada na Osvaldo e a outra na República. De acordo com o Capitão Vaine, a corporação faz o possível para combater o comércio ilegal de entorpecentes.

Furto deixa Camelódromo às escuras

No seu segundo dia de funcionamento, o Centro Popular de Compras sofreu um furto que interrompeu suas atividades por meia hora, na quarta-feira.

Às 15 horas, muitos lojistas reclamavam da falta de iluminação e alguns já estavam fechando suas bancas, indo embora. Meia hora depois a luz foi restaurada, ainda que parcialmente, pois só os andares superiores voltaram à normalidade.
Desinformado, o engenheiro Rafael Alves de Oliveira, da Verdi Construções, responsável pelo projeto do CPC, disse que a falta de luz seria conseqüência da manutenção da subestação do local – instalação elétrica que controla a transmissão e distribuição de energia.
A verdade é que, com apenas dois dias de funcionamento, o Camelódromo tinha sido alvo de um furto, segundo depoimento dos próprios funcionários da empresa Martins e Moura, que trabalhavam na manutenção: “ Foi roubo de fios de cobre”, informou Gilmar Guzenski, responsável pela operação.
Os ladrões acarretaram prejuízo estimado em R$ 5 mil reais. Não existe nenhum sinal de arrombamento, portanto suspeita-se que os ladrões tenham utilizado uma chave padronizada da empresa CEEE. “Por questões de segurança nos já compramos cadeados para as portas da subestação”

Uma nova fase no sistema penitenciário

Escolha longamente pensada indica mudanças na administração das casas prisionais do Estado.
Poucos dias antes de completar seu terceiro mês como titular da pasta da Secretaria de Segurança Pública do RS – cargo que assumiu na manhã tempestuosa de 27 de julho, um domingo – Edson de Oliveira Goularte escolheu, com o devido aval da governadora Yeda Crusius, o homem que deverá administrar a Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários). A escolha recaiu sobre o procurador do Estado Paulo Roberto Zietlow, 43 anos que terá a responsabilidade de administrar a conduta funcional de três mil profissionais que mantém sob controle uma média aproximada de 27 mil apenados. Trata-se da primeira decisão concreta do silencioso secretário Goulart que mantém, por ora, nos principais postos da Segurança a mesma equipe montada por seu antecessor, José Francisco Mallmann. Sigam-me.
Cabeças
Zietlow, do alto de sua jovialidade de 43 anos, chega pleno de entusiasmo. Ele promete implantar um choque de gestão – cujos detalhes não chegou a definir – e, simultaneamente, fará uma racionalização administrativa, o que significa, pelo senso comum, que poderão rolar cabeças. Com relação ao déficit de servidores, o novo superintendente vai conduzir, pessoalmente, uma comissão que terá como objetivo maior a solução do problema. Em princípio, portanto, tudo está encaminhado para que o sistema penitenciário gaúcho ingresse num patamar superior de administração. Ressalto, no en-tanto, que sobre salários, Zietlow não falou.
Interdições
Dos 91 presídios existente no Estado, 15 estão interditados devido a superlotação e problemas de infra-estrutura . Em São Jerônimo , Passo Fundo e Camaquã a interdição é total. Ontem a justiça determinou a interdição parcial da penitenciária de Rio Grande. A Susepe terá dez dias para resolver o problema na rede de esgoto. O governo pretende amenizar a questão da superlotação, com a inauguração – meio apressada, meio atrasada – da penitenciária regional de Caxias do Sul, nesta terça-feira.
Super
Oito homens encapuzados e armados com pistolas e revólveres assalta-ram, na noite de quinta-feira, o Supermercado Max, na avenida A.J Renner. A quadrilha rendeu funcionários e clientes. Os criminosos roubaram equi-pamentos eletrônicos, televisores de LCD, pacotes de cigarros e dinheiro dos caixas.
Trafico
Operação do Denarc realizada, ontem, em Viamão, resultou na apreensão de 240 pedras de crack e na detenção de quatro pessoas. Entre os presos, foram identificados Luis Paulo dos Santos Rosa, que além das drogas por-tava ilegalmente uma arma, e Giovani Cordeiro Pacheco, acusado de ser olheiro do ponto de tráfico. Em Estrela, em operação conjunta da Polícia Civil e da Brigada Militar foram apreendidas 149 pedras de crack. A droga estava acondicionada em sacos plásticos e enterrada em uma área verde na rua Frederico Helfeinstein, no bairro Imigrantes. Também foi apreendido um Taurus de calibre 32.
Sufoco (1)
Todas as entidades de classe da Polícia Civil e da Brigada Militar vão participar, na próxima terça-feira, dia 23 de setembro, de coletiva à impren-sa. Considerando o encaminhamento ao Legislativo da peça orçamentária, que prevê reajuste zero ao funcionalismo público em 2009, os policiais de-vem apresentar proposta de implantação de subsídio para remunerar as ca-tegorias, conforme dispõe o § 9° do artigo 144 da Constituição Federal. Sobre o tema, os líderes da entidades representativas dos policiais já manti-veram contato com todas as bancadas partidárias na Assembléia Legislati-va, menos com a do PSDB, que preferiu ficar fora do debate inicial.
Sufoco (2)
A união inédita e, por isso, histórica, de todas as entidades representativas dos profissionais da Brigada Militar e da Polícia Civil, que resultou em pro-jetos paralelos para buscar estabelecer um nível de dignidade de remunera-ção, inexistente há mais de dez anos, foi tratada de forma burocrática tanto pela chefia da Polícia Civil como pelo comando-geral da Brigada Militar. Os projetos foram envelopados na Secretaria da Segurança e encaminhados silenciosamente para a Casa Civil do Piratini, onde já começam a adorme-cer.

CPI das Prisões já foi esquecida

“NEM O CAPETA FICA LÁ”
Elmar Bones
A CPI do sistema carcerário visitou 102 presídios, onde a imprensa só entra com autorização judicial. Mesmo assim ou talvez por isso, a imprensa pouco se interessou pelo assunto. Atenção foi desviada pelo factóide do indiciamento de 30 pessoas ( que seriam responsabilizáveis pelo caos) e o descrédito, que atinge as CPIs de modo geral, fez o resto. Um mês depois, é assunto esquecido.
Surpreendentemente, o jornal de circulação nacional que deu maior destaque foi a Folha Universal, órgão oficial da Igreja Universal do Reino de Deus, de distribuição gratuita. Na edição de 6 de julho a FU publicou quatro páginas, com os números gerais extraídos do relatório e depoimentos do relator, presidente da CPI e do fotógrafo que acompanhou os trabalhos.
440.000 presos
220.000 vagas
1.000 mortes por ano
30 mil fugas por ano
15 a 20% trabalham
5 a 7% são mulheres

“Ninguém faz idéia do caos que é o sistema penitenciário brasileiro.Nem o Hitler tratou tão mal os judeus”, disse o relator da CPI da Câmara dos Deputados que investigou as condições das prisões no pais, Domingos Dutra (PT-MA)
“Hoje a maior parte do crime é comandada da cadeia”, disse Neucimar Fraga (PRE-ES), que presidiu a Comissão. “Vimos homens dormindo com porcos, penitenciárias com lixo e esgoto, gente com doença de todo o tipo, pessoas dormindo dentro de banheiro…”
Além do relatório com denúncias detalhadas de violências, a CPI produziu um documentário de 40 minutos e fotos.
“Cada cadeia tem uma característica . Se eu for lhe contar qual a pior eu não consigo. Cada uma tem peculiaridades de mau-trato e um papel na agressão do ser humano”.
”Acho que só não vi o capeta porque é tão ruim que nem ele mora lá”, relata o fotógrafo Luiz Alves, da Câmara dos Deputados, que acompanhou a comissão nas vistorias. Lembra: cadeia de valparaiso (SP) com 40 pessoas numa cela onde não caberiam nem 12. Dos presos vivendo sobre poças dágua em Formosa (GO), das mulheres atulhadas em contêineres de navios no calor de Belém (PA).
“A gente via pessoas que estavam presas por pensão alimentícia, por furtos simples, junto com traficantes e assassinos. Você pega o ser humano e coloca em uma máquina de moer carne”..
CENTRAL DE PORTO ALEGRE, O PIOR DO BRASIL
O presídio Central de Porto Alegre ficou em primeiro lugar no ranking dos dez piores presídios do país, segundo o relatório da CPI. Ali estão empilhados 4.400 presos, num espaço que só caberiam 1.600.
Após a divulgação da lista, a governadora Yeda Crusius anunciou que o sinistro prédio seria desativado aos poucos e demolido. Antes que se conhecesse detalhes da decisão, o assunto saiu de pauta.
OS DEZ PIORES
Os piores dez presídios elencados pela CPI revelam que a mazela das prisões é nacional, com o destaque previsível do Rio de Janeiro, onde estão três entre os dez piores.
1- Presídio Central de Porto Alegre (RS)
2- Colônia Penal Agrícola do Mato Grosso do Sul
3- Empatados: Distrito de Contagem (MG)
Delegacia de Valparaíso (GO), 52ª.Delegacia de Polícia em Nova Iguaçu (RJ) e 53ª. DP DP de Duque de Caxias (RJ).
4- Empatados: Presídio Lemos de Britto, em Salvador (BA), presídio Vicente Piragibe (RJ), presídio Aníbal Bruno, de Recife (PE), Penitenciária Masculina Dr. José Mário Alves da Silva, o Urso Branco (RO), e Complexo Policial de Barreirinhas (BA)
5- Centro de Detenção de Pinheiros, em São Paulo
6- Instituto Masculino Sarasate, em Fortaliza (CE)
7- Penitenciária Feminina Bom Pastor, em Recife (PE)
8- Penitenciária Feminina de Santa Catarina
9- Casa de Custondia Masculina do Piauí
10- Casa de Detenção Masculina da Sejuc (MA).