Alice Schuch*
Ela pensa, procura, mas não sabe o que fazer. É bela, boa, é inteligente, tem tudo e, mesmo assim, às vezes experimenta esta particular insatisfação, falta-lhe alguma coisa, um vazio que não sabe como resolver. Cai em depressão e não consegue sair. Adoece.
A depressão é a principal porta para as doenças e as mulheres são atingidas em peso por esse que é um mal do século. A causa é a falta do projeto de vida que deve ter cada uma, na sua individualidade, deveria ter e defender. Ter sonhos, ambição e independência expande uma força que tira a mulher deste vazio interior que muitas sentem. O resultado é a vitalidade.
A vitalidade dificulta o desenvolvimento até de doenças graves. Pensemos nisso.
A depressão alimenta uma alma doente, logo, reflete um corpo doente. Buscar a ajuda que for necessária, criar um projeto de vida, um objetivo de vida. Com isso, ganhar força e independência. Também pontuo atitudes consideradas historicamente masculinas e que, não sendo, devem ser desenvolvidas nas mulheres: a ação eficiente, formalizando o que se quer, movimentando-se, cumprindo e realizando com certo orgulho e praticidade. Assim é a origem feminina. Devemos retornar à nossa natureza, criando uma forma de agir feminina e eficiente, mudando, assim, a história.
Corriqueiramente, a mulher cumpre regras feitas, passadas há muitas gerações. Vibra, sente a própria força, eleva ao máximo suas próprias pretensões. Pretende o belo, o poder, tem uma sensibilidade especial, uma força de inteligência, sabe que possui o poder de gerar a vida, mas no exato momento que a oportunidade real se mostra, entra uma imagem, uma informação contrária que fixa uma forma que dói dentro. Adoece.
Surge um medo infundado e ela não colhe a oportunidade, retira-se do jogo. Perde o centro da ação vencedora, desiste. Rebela-se, culpa os outros, mas não compreende a causa da sua fraqueza.
Todas as mulheres, principalmente as mais inteligentes, percebem a existência de um erro, mas não conseguem identificá-lo de fato. A diferente é considerada uma ameaça, principalmente se é uma líder. Sente-se combatida, agredida, impotente por fim, sente culpa de não ser igual as outras e desiste. Não conseguindo realizar o seu projeto, passa a considerá-lo impossível, não compreende.
Deixa-se arrastar pela massa e, por sua vez, torna-se parte dela, baila no vazio. Mata a própria luz, em boa fé assassina o próprio núcleo individual. E segue adoecendo.
*Palestrante, pesquisadora do universo feminino e autora do livro “Mulher: aonde vais? Convém?”
Autor: da Redação
Uma trama contra a democracia
Henrique Fontana
A tentativa de retirar uma presidenta legitimamente eleita, com mandato conquistado nas urnas, antes de 2018, atenta contra a democracia. E não bastará aos organizadores dessa trama e aos defensores da quebra das normas constitucionais envolverem suas manobras para um golpe institucional num “verniz” legalista.
As conspirações para o impeachment da presidenta Dilma, tramadas, especialmente, pelo presidente Eduardo Cunha e tucanos no Congresso, são frágeis e contraditórias. Desde a reeleição da presidenta, estes têm promovido diferentes ações, com pedidos de recontagem de votos, rejeição das contas de campanha, rejeição das contas do governo e diversos requerimentos de impeachment.
Assim como a tese das supostas “pedaladas fiscais” nas contas do governo em 2014, procedimento contábil até hoje considerado legal pelo TCU, utilizado inclusive pelos governos de Fernando henrique e Lula, e aprovado pela Câmara, outra tese tenta dizer que as doações eleitorais das mesmas empreiteiras, em alguns casos em valores até maiores, para Aécio Neves seriam legais, e as feitas para a campanha de Dilma seriam ilegais e fruto de propinas, sendo que todas estão registradas dentro das regras eleitorais. Nenhuma justifica um impeachment.
A política e a estabilidade das instituições democráticas não devem ser pautadas pelo revanchismo eleitoral ou humores do mercado. Buscar saídas para a crise econômica mundial, que também nos atinge, é tarefa do governo eleito, e mesmo diante de críticas de alguns setores, estas não são motivo para interromper um mandato.
Respeitadas democraticamente todas as manifestações, é preciso dizer que o clima de “terceiro” turno eleitoral, que tem o objetivo de desestabilizar o governo, na verdade tem prejudicado nossa economia e atrasado a retomada do crescimento.
É tarefa de toda sociedade, respeitada a pluralidade de opiniões, defender as instituições e a legalidade democrática duramente conquistada após mais de 20 anos de ditadura. A política não deve ser um jogo de vale-tudo, a maioria do povo não torce pelo “quanto pior, melhor”. Vamos sim reconhecer e corrigir erros, protegendo o que já conquistamos, enfrentando a corrupção e defendendo a democracia.
*Deputado federal (PT/RS)
O jornalismo que não vê e se omite
Luiz Cláudio Cunha
O Brasil ficou chocado com os 84 segundos de imagens em preto e branco que assistiu nos principais telejornais do país na sexta-feira, 28 de agosto. Mostravam as cenas violentas de um assalto à luz do dia numa avenida movimentada de São Bernardo do Campo, SP, quando o ladrão esmurra o vidro de um carro, arranca a motorista que o dirigia, joga a mulher no chão e arranca com o veículo.
(Reprodução de fotos ABCD Maior)
O ataque: aos 15 seg, o homem começa a esmurrar a porta da motorista.
O recuo: aos 21 seg, o carro branco atrás dá marcha a ré para se afastar do ataque.
A fuga: aos 25 seg, o carro de trás manobra pela direita e foge dali.
A omissão: aos 59 seg surge alguém para ajudar, enquanto os carros passam sem parar.
Foram cenas captadas às 8h da manhã do sábado anterior, 22, pelo sistema de segurança da prefeitura, num trecho da avenida José Fornari, no bairro Ferrazópolis, e divulgadas pelo jornalABCD Maior. Repetida exaustivamente, a sequência impressiona pela brutalidade, que todo mundo vê. Os telejornais viram e reprisaram. Mas, o jornalismo fracassou em sua missão básica ao não ver, ali, o que devia ter visto, registrado e denunciado.
Vamos rever a cena captada com neutralidade pela câmera da avenida e ecoada com insensibilidade pela imprensa brasileira – acessível o YouTube.
Um homem de menos de 30 anos aproveita o trânsito parado, circunda por trás de um Honda Fit, como se fosse cruzar a avenida, e aos 10 segundos da gravação se volta de repente em direção à porta da motorista. Com inesperada violência, começa a esmurrar o vidro. O carro tenta arrancar. O primeiro murro acontece aos 15 seg. Aos 16 seg, um segundo murro. Aos 17, o terceiro. Ele força a abertura da porta aos 18, que se abre no segundo seguinte.
Com violência, puxa para fora a motorista, uma senhora de 64 anos, e a joga sobre o canteiro central da avenida, aos 25 segundos. Ele toma o lugar da motorista e arranca com o carro. Outra mulher, que estava no banco de passageiro, consegue sair pela porta direita, pega uma bolsa caída na avenida e vai ao encontro da amiga, caída sobre o canteiro central. Aos 59 seg, enfim, um homem cruza a avenida ao encontro das duas mulheres, para prestar algum socorro.
Na câmera e na consciência
A motorista de 64 anos, a psicopedagoga Rosa Maria Costa, deslocou o tornozelo e sofreu quatro fraturas na perna direita. O ladrão acabou capotando o carro na Via Anchieta e, no acidente, ainda atropelou um homem de 65 anos. Um carro parou para socorrer, o motorista desceu e o ladrão roubou o outro carro, desaparecendo. Um fato nada estranho na Grande São Paulo, onde acontece um roubo ou furto de carro a cada quatro minutos. Entre janeiro e julho, na maior região metropolitana do país, 74.129 veículos foram surrupiados por bandidos.
O que mais espantou na cena de violência em São Bernardo, que todo mundo viu, foi a cena que a imprensa não viu, não comentou ou desprezou. Ninguém da TV, rádio ou jornal, nenhum colunista, nenhum blogueiro, nenhum militante das ubíquas redes sociais destacou o vergonhoso espetáculo coletivo de acovardamento, omissão, negligência e falta de solidariedade que marcou o entorno da agressão na avenida.
Está tudo lá, gravado para sempre na câmera da TV e na consciência envergonhada de quem tudo viu e nada fez. Ou fez errado. Como o motorista do carro branco, provavelmente um Corolla, parado imediatamente atrás do carro atacado pelo assaltante.
Quando o agressor desferiu seu terceiro murro na porta, aos 17 seg, o motorista do Corolla começa a dar ré no carro. Se tivesse feito o contrário, acelerando em direção ao atacante, que não estava armada, ele teria frustrado a agressão e afugentado o agressor. Em vez disso, o carro branco recua uns dois ou três metros, lentamente. No momento em que Rosa Maria é jogada na avenida, o Corolla vira à sua direita e desaparece de cena atrás de uma van parada ao lado, com um motorista, também inerte, à direção. O carro roubado, o Corolla e a van arrancam quase ao mesmo tempo, enquanto a vítima rolava na avenida.
No canto inferior direito da tela, três homens passam pela calçada, indiferentes ao drama das duas mulheres no canteiro central. Só aos 59 seg aparece um homem de jaqueta preta, que atravessa a avenida para socorrer as duas mulheres. Durante os 84 segundos que dura a cena gravada, o que se vê e ninguém comenta é um desfile pusilânime de indiferença, de gente que não se importa, que não vê, não olha, não para e não comete nenhum gesto de solidariedade. Além da van e do Corolla que fugiram da cena do crime, outros quatro carros, dois ônibus e um caminhão passaram pelo local, no sentido do carro assaltado. Do outro lado da avenida, no sentido inverso, passaram 21 carros neste curto espaço de tempo — e ninguém parou, nem por curiosidade.
Nesta sociedade cada vez mais integrada por redes sociais, cada mais conectada por ferramentas como Facebook, Twitter e WhatsApp, cada vez mais interligada por geringonças eletrônicas que deixam todo mundo plugado em todos a todo momento, a cena brutal de São Bernardo escancara o chocante estágio de uma civilização cada vez mais desintegrada, mais desconectada, mais desintegrada. É uma humanidade apenas virtual, falsa, narcisista, cibernética, egoísta, que se decompõe em pixels e se desfaz na tela fria da vida cada vez mais distante e desimportante.
Ninho da omissão
A polícia, sempre fria e técnica, recomenda não reagir em casos de assalto, para evitar danos maiores. No episódio deprimente de Rosa Maria, tratava-se não de reagir, mas de defender uma vida, de proteger um ser humano, de cessar uma agressão, de impedir um abuso, obrigação que cabe a todos e a cada um de nós. A reação de um, um apenas, motivaria o auxílio de outro, e mais outro, numa sucessão de atos reflexivos de autodefesa em grupo que explicam a evolução do homem da caverna para o abrigo solidário da civilização.
Ninguém fez isso — na hora certa, com a firmeza necessária, com a generosidade devida, com a presteza impreterível. Esse espetáculo coletivo de insensibilidade e de crua indiferença atropelou toda a imprensa, em suas várias plataformas. Naufragaram até mesmo os programas e apresentadores que vivem da violência explícita e cotidiana de nossas cidades, grandes ou pequenas, com seu festival interminável de ‘mundo cão’.
Os programas das grandes redes de TV, que cruzam as manhãs e tardes do País com a tediosa banalidade de sangue, morte e violência do cotidiano, se refestelaram com a caso de São Bernardo, reprisando várias vezes a cena da avenida. Como sempre, no estilo furioso e mesmerizado de todos, despontou a tropa de elite da truculência na TV, sob o comando de José Luiz Datena (Band), Marcelo Rezende (Record) e Ratinho (SBT). Aos gritos, aos berros, no jeito gritado de um e de todos, ecoaram como de hábito a visão policial e teratológica da realidade, deixando de lado a preocupação social de uma segurança pública falida e desarvorada pelas balas perdidas da incompetência dos governantes.
Só esqueceram do entorno, da cena explícita de covardia e indiferença das pessoas que testemunham, assistem, presenciam, mas não interferem, não intervêm, não reagem. Ninguém lembrou do exemplo de São Bernardo para denunciar esta falsa sociedade compartilhada, mais preocupada em seus interesses compartimentados, que nenhuma rede social humaniza ou aproxima, a não ser virtualmente.
Um jornalismo que não vê o que é necessário, que não percebe o contexto além do texto, descumpre a sua missão. Esconde a realidade, ao invés de revelá-la. O repórter fiel ao seu ofício deve estar atento ao murro do assaltante no vidro do carro. Mas deve prestar atenção maior ao Corolla branco e aos carros que passam por ali, indiferentes ao que se vê e ao que acontece.
O bom jornalismo sabe que é nesse ninho da omissão que cresce a violência e prospera o fascismo.
A segunda cassação de Jango
Por Luiz Cláudio Cunha
O índice de boçalidade nacional cresceu assustadoramente na quarta-feira, 19, com a surpreendente decisão do governador socialista de Brasília, Rodrigo Rollemberg, declarando nula a cessão de um terreno no Eixo Monumental para a construção do Memorial da Liberdade e Democracia, dedicado ao presidente João Goulart.
É o último projeto desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e parecia caminhar bem, até trombar numa aliança hostil formada pelos ex-governadores Joaquim Roriz e José Roberto Arruda e pelo empreiteiro Paulo Octávio Pereira.
Rollemberg atropelou um abaixo-assinado de 45 senadores que corre pelo Senado Federal contra a ‘segunda cassação’ de João Goulart.
A paranoia sobrevive
O governador de Brasília espana a responsabilidade com argumentos técnicos e difusos do Ministério Público, mas existem pressões militares que ele não tem coragem de revelar e que mostram a persistência da paranoia anticomunista.
Dias atrás, a senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) teve a prova disso pela boca da maior autoridade militar do País: o general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, comandante do Exército.
— Este memorial não pode ser construído ao lado do Quartel-General. Isso é uma afronta ao Exército! — bufou o general, ao visitar com a senadora o terreno no Eixo Monumental reservado para o memorial, num espaço entre a Praça do Cruzeiro e o Memorial JK.
A seta do susto
O terreno fica a um quilômetro de distância, em linha reta, do QG do Exército onde trabalha o comandante Villas Boas e sua assustada tropa de generais.
No final de 2014, pouco antes de deixar o Ministério da Defesa, na transição entre o primeiro e o segundo mandato de Dilma Rousseff, o então ministro Celso Amorim explicou ao perplexo filho de Jango, João Vicente Goulart, a razão da bronca militar contra o memorial:
— Esta seta já provocou alguns problemas. Ela está apontada para o QG e seria melhor colocar do outro lado da avenida — apontou o ministro Amorim.
A infiltração de Niemeyer
A seta que incomoda os generais é uma cunha vermelha, com a ostensiva inscrição do ano de 1964, encravada na cúpula branca da construção ondulada de 1.200 metros quadrados.
A paranoia dos militares, apesar da queda da ditadura há 30 anos, vai além do Memorial João Goulart.
No passado, eles encrencaram com outros dois projetos ‘subversivos’ de Niemeyer, um comunista assumido: a torre de controle do aeroporto internacional Juscelino Kubitschek e o pórtico do Memorial JK, ambos na capital federal.
Para os generais, antes e agora, tudo aquilo não passa de uma clara alusão à foice e ao martelo, símbolos do comunismo internacional que Niemeyer implantou no horizonte de Brasília. Um horror!
A afasia desastrosa de um governo intimidado
Enio Squeff
Amigos que votaram em Dilma Rousseff, acreditam, com certa razão, que não há sentido em criticar o governo e engrossar, assim, o movimento oposicionista em curso em que, a acusações genéricas de meliantes implicados nos casos de corrupção da Petrobrás, se somam nítidos movimentos golpistas.
A crítica só acrescentaria lenha à fogueira. Faz sentido; mas a senhora Dilma Rousseff parece tomada por um surto de afasia. Ao não se defender de absolutamente nada, parece dar razão aos adversários.
E, como se não bastasse, por enquanto só tem estendido a mão à direita política. Não parece serem de todo incorretos, os que a acusam – e ao seu governo – de ter se esquecido de tudo o que defendeu na campanha eleitoral recente, e que, afinal, a elegeu. E de arrebatar, todos os dias, todos os argumentos da esquerda para a defenderem.
Tentemos algumas hipóteses. Kátia Abreu na Agricultura – se não for confirmada – terá se mostrado apenas mais um gesto de falta de um tática minimamente coerente por parte do governo.
Ninguém com um fio de lucidez entenderá qual a finalidade do desgaste. Se era para testar a fidelidade da esquerda – tudo mal: ela, a esquerda ou as forças democráticas do País, já estão com os ouvidos quentes a ouvirem das sacadas, dos fundos dos bares, pelas ruas – que se era para isso, carece de qualquer sentido seu apoio a uma governante que vem fazendo exatamente o que se esperava de seus adversários.
Trata-se de um movimento tático, dizem alguns otimistas. Ao atender a poderosa direita em seus contornos inclusive nitidamente fascistas, encastelada na mídia, na justiça, e na academia, o governo Dilma se livraria do pior – o descrédito pela situação que, se não é catastrófica como pintam seus adversários – nem por isso deixa de abalá-lo.
Tudo bem, seria isso mesmo. Mas e os que elegeram o atual governo? Onde os argumentos do mesmo governo para uso dos que até ontem estavam nas ruas, a defendê-lo?
As respostas por enquanto não têm despontado de lugar algum do oficialato.
Euclides da Cunha dizia de Floriano Peixoto que era a máscara de uma múmia.
Dilma Rousseff deve levar em boa conta a comparação. Mas se esquece de que uma coisa são os Salazares, os Francos, os Stalins e os Florianos Peixotos de todos os tempos – ditadores que se safavam das situações embaraçosas a ostentarem “caras de paisagens”.
Ainda que não seja um ditador “stricto senso”, Vladmir Putin, o todo poderoso presidente russo, pode-se dar ao luxo de relegar as acusações de seus adversários, como meras suposições.
Dilma não é Putin, não vive numa Rússia protoditatorial. Não tem como se esconder em qualquer cara de múmia de todos os ditadores de todos os tempos.
No entanto, vem sendo sistematicamente acusada de tudo de ruim que acontece no país e até agora não disse se tem alguma coisa a dizer – ainda que tenha sido eleita. Fica difícil saber qual a sua lógica, se é que ela tem alguma que não a de seus marqueteiros.
No tempo dificílimo dos debates eleitorais, digamos sem meias palavras – a presidenta se mostrou timorata, embaraçada, fraca, mal se sustinha às acusações agressivas, principalmente de Aécio Neves.
Salvou-a a solidariedade natural de parte dos brasileiros e brasileiras, com os fracos e a sua condição de mulher.
Foi por ser mulher e portanto, frágil, sujeita aos maus bofes de um homem agressivo, e machista que ela se livrou da pecha de pusilânime.
O “tal coração valente” da propaganda oficial por pouco não deixou de bater, na condição de então candidata, a se sentir mal depois de ter sido cruelmente ofendida por Aécio Neves.
Não fosse o próprio Aécio ostentar o título de “batedor de mulheres”, acusação não desmentida que lhe fez Juca Kfouri em sua coluna meses atrás – fato jamais devidamente e explorado pela grande imprensa, mas conhecida pelo grosso dos eleitores – e o tal “coração valente”com que a presidenta se apresentou, teria se infartado definitivamente no famoso debate.
Ficou a lição pensaram os mesmos otimistas. Não, não ficou nada. Os marqueteiros – ou sabe Deus quem – convenceram-na, a ela e ao PT, de que Dilma se saiu bem por não ter respondido à altura o ter sido chamada de “omissa”, “mentirosa”e “corrupta”.
Nada de estranho, portanto, que a arenga continue. E com reações antagônicas dos dois lados.
De parte do Partido da Imprensa Golpista – o já famoso “PIG” – o PT continua a ser o partido “mais corrupto que já governou o País”.
Quanto aos marqueteiros e ao governo em geral – é aconselhável que a presidenta se guarde quietinha às acusações que lhe fazem, à vaias, aos xingamentos e a todo o resto.
Ou seja, se o “Grande Inquisidor”Gilmar Mendes a acusar de corrupta, e de portanto merecer um “impeachment”o tal “coração valente”, a se crer em seus atuais conselheiros, irá se recolher em um convento a pedir a intercessão de Deus e de Santa Terezinha.
Entrementes, os que até ontem saíram às ruas para tentar reelegê-la, ficam a olhar para os lados, assustados dos que os vão acusar de serem, por sua vez, omissos diante de tanta pusilanimidade.
Foi assim, a propósito, durante todo o governo Dilma.
A imprensa a bater, a reforçar os acusadores sem provas dos Mensalões, o Ministério da Justiça a baixar a guarda para a Polícia Federal anti-republicana, devidamente instrumentalizada quase que exclusivamente contra o PT e tudo o mais.
A isso a assessoria de imprensa (??) do governo federal não fez praticamente nada.
Aliás, Franklin Martins, ex-assessor de imprensa de Lula, hoje devidamente aposentado – por que será? – , tentou uma resistência ainda no tempo do governo anterior, quando criou a TV Brasil.
Ela seria a “BBC brasileira” lembram-se? Passado mais de cinco anos, a TV Brasil sequer saiu da condição de TV por assinatura: continua a não ser um canal aberto para todos os brasileiros. Inacreditável, mas é isso mesmo.
Talvez se possas conceder que muitos dos funcionários da TV Brasil seja profissionais aguerridos e que têm tentado inutilmente, ascender à condição de disputar um lugar entre as emissoras de TV do País.
Quem sabe sejam até heróicos. E desconfia- de que sejam mesmo: sabem que servem a um governo amedrontado.
Quem sabe estejam, então, a se preparar para daqui a alguns anos – se Dilma não for derrubada até lá. E então devem estar a calcular, como nós outros, a que tipo de governo de direita irão servir.
Dizem de Dilma Rousseff que é uma mulher que gosta de ópera e de teatro.
Sua atuação na área cultural não tem demonstrado nada disso. Mas se conhecesse uma peça do suíço Max Frisch, chamada “Biedermann e os incendiários” talvez atentasse para a história do sujeito que convida carbonários para se hospedarem em sua casa. E que, contra todas as evidências, por pura covardia, não consegue expulsá-los antes que a destruam.
Dilma gosta de quinta-colunas. Pela sua idade deveria saber o que é que é isso. Mas sequer se deu conta de que ganhou de um candidato comprometido com tudo o que ela diz ser o oposto de seu governo.
Ou melhor, que ela não diz ser o oposto do seu governo, por certamente não ter se recuperado ainda do mal estar que acometeu logo depois do debate em que se sentiu mal.
Desconfiava-se de que fosse um surto afásico. Hoje se sabe que talvez tenha nascido assim, ao menos que ….
Plano para derrotar Estado Islâmico exige tempo e paciência
José Antonio Severo
O ocidente está ainda digerindo a morte do voluntário britânico Alan Henning, degolado na sexta feira passada pela faca de um jihadista inglês (sotaque londrino) nalgum ponto do deserto iraquiano pelo Estado Islâmico (EI), que já apresentou a imagem do próximo na fila da “gravata colorada”, o norte-americano Peter Kassing.
Na falta de jornalistas, que provocam reações iradas da mídia internacional, os degoladores do califado estão sangrando voluntários de grupos humanitários que se arriscaram trabalhar as áreas conflagradas.
O objetivo é atrair uma ação mais efetiva das potências ocidentais para, com isto, criar uma onda de pressão de opinião pública que force os governos cristãos a aprofundar a intervenção e com isso produzir elementos para sedimentar unidade entre as forças islâmicas que operam nesse conflito.
A participação de forças ocidentais alimenta a propaganda para recrutamento de jihadistas nos países desenvolvidos e, no mundo sunita, reforça a unidade (arrecadação de contribuições) para a luta contra o inimigo externo.
Embora o combate às forças das demais confissões islâmicas produza ódio suficiente para manter acesa a chama da luta armada, o confronto contra os “cruzados” tem muito mais vigor para inflamar a guerra santa.
Se a luta contra os “cruzados” robustece a adesão de indiferentes, o extermínio de xiitas é o argumento para captar vultosas somas de milionários e príncipes do Golfo Pérsico, que identificam no Irã a grande ameaça à hegemonia waabita (linha radical seguida na Península Arábica) no mundo islâmico.
Ou seja, lutar contra ocidentais aglutina o povão e bater-se contra xiitas e abre o bolso dos potentados do petróleo que temem os aiatolás de Teerã.
Alguns cálculos, entretanto, não deram certos. No espaço islâmico, o governo de Bagdá não lançou uma contraofensiva empregando tropas xiitas, limitando-se a conter o avanço do EI sobre a capital, evitando o confronto sectário entre as seitas rivais.
Pressionadas pelas potências ocidentais, as monarquias sunitas não tiveram como fazer vistas grossas ao fluxo financeiro e de combatentes voluntários, e enviaram seus aviões para bombardear os jihadistas no solo iraquiano (apenas ocidentais atacam em solo sírio).
As monarquias ainda não estancaram a ajuda financeira, mas isto pode ocorrer a qualquer momento, fechando a torneira de dinheiro para o Estado Islâmico.
Por fim, os governos acidentais não se deixaram arrastar para o confronto terrestre, o que frustra enormemente a mobilização da opinião pública maometana.
Se o plano norte-americano e iraquiano der certo, se as lideranças dos governos envolvidos tiverem paciência e determinação política para seguir o projeto que costuraram e se não perderem a cabeça afrontando a tradição muçulmana, poderão encurralar o EI e desgastá-lo, juntando forças para poderem derrotar o califado no campo de batalha. Entretanto, isto levará tempo.
O confronto militar no terreno, atualmente desempenhado pelos curdos sunitas, é outra história. Para derrotar o Estado Islâmico serão necessários 100 mil homens bem treinados e armados, todos de tradição sunita.
Leva tempo, meses ou anos, para montar esse exército. O emprego contido da ajuda estratégica das potências ocidentais e a preparação dessa legião é o que se trama nos bastidores da crise médio oriental.
O brasileiro seduzido pelo grupo extremista Estado Islâmico
José Antônio Severo
Apareceu o primeiro brasileiro nas fileiras do Estado Islâmico, aquela força multinacional que invadiu o Iraque e a Síria para restabelecer o califado de Bagdá, extinto pelo grão mongol Hugalu, em 1258. Abu Qassen Brazili, que tinha o nome cristão de Brian de Mulder, cidadão belga filho da brasileira Rosana Rodrigues, natural de Antuérpia, na Bélgica, é que defende as cores da camiseta canarinho nas hostes de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do movimento sunita que tem como meta estratégica restabelecer as antigas fronteiras do império Abássida, que começavam no Irã, abarcando todo o oriente médio, o norte da África e a Península Ibérica.
Brian é um caso bem típico de descendente de imigrante, vidrado na cultura de seus ancestrais, no caso de sua mãe brasileira, doente por futebol, falante em português, que tentou a carreira da bola, mas não deu no couro. Deprimido, aos 17 anos de idade foi cooptado pelos muçulmanos belgas e trocou Jesus Cristo por Maomé e Deus Pai por Alá. É o que conta sua genitora Rosana, desesperada, esperando saber a qualquer momento que seu menino explodiu e esfarelou-se como homem bomba. Entretanto, pelo menos enquanto estiver em Alepo (Síria), onde ficou sabendo que ele está não explode, pois ali se espera que ele seja um combatente convencional, de arma na mão.
A Bélgica é o maior celeiro de jihadistas ocidentais. Estima-se que no Levante estejam 300 belgas combatendo ao lado dos extremistas islâmicos dos países muçulmanos tradicionais.
Essa história do califado é importante porque nela está a origem desta guerra contemporânea, que se perde nos confins da idade média ocidental, mas coincide com o apogeu da civilização árabe. Com a destruição do califado os árabes foram dominados pelos mongóis e, a seguir, pelos turcos, só recuperando sua independência política depois da Primeira Guerra Mundial, passando por uma transição colonial europeia bem curta, é verdade, se considerarmos que os franceses e ingleses controlaram aqueles estados por menos de 50 anos, tempo ínfimo numa história que já mais para mais de um milênio de submissão forçada.
A origem dessa briga é a destruição da dinastia omíada, xiita, com sede em Damasco, que comandava o mundo muçulmano. Não é por acaso que os restauradores do califado marcham sobre a capital da Síria procurando recuperar a mística da conquista histórica do califado de Bagdá.
Tudo começou em 750. O líder sunita al-Mansur, unindo as tribos do deserto e seus senhores da guerra, caudilhetes do Levante, destronou os descendentes do sheik Ali, marido da filha de Maomé, Fátima, e fundou o califado, ou seja, seu império. Autodenominou-se califa, que é um sinônimo de rei no sentido muçulmano, chefe de estado e da religião, como a rainha da Inglaterra ou o imperador do Japão, que são chefes de estado e chefes das igrejas nacionais. Construiu sua capital, Bagdá (que significa “A Cidade da Paz”) nas proximidades da antiga Babilônia e deu curso ao extermínio dos fatimídias, impondo a hegemonia sunita e criando a guerra irreconciliável até hoje. Nunca houve convívio entre sunitas e xiitas. A regra é a submissão dos derrotados.
No entanto, nos últimos séculos, sunitas e xiitas árabes foram abafados sob a hegemonia turca. A hostilidade sectária parecia adormecida, pois o poder do estado estava em mãos de outra facção, a dissidência sufista de Istambul, que não é nem uma coisa nem outra. Tudo isto, uma questão de mil está abalando a cabeça do meio brasileiro Brian.
A questão é que o califado não é, como muita gente pensa, um grupo homogêneo, com liderança e comando centralizado, algo que lembrasse as brigadas internacionais da Guerra Civil espanhola. Além disso, para quem vê de fora, tampouco é uma luta nacional de árabes contra ocidentais ou, mais ainda, rebeldes contra governos de seus países. De fato, é um conflito interno de sunitas contra as demais facções muçulmanas, sem distinção de fronteiras, entremeado por rivalidades internas dos dois de todos os lados.
Por isto há tanto receio dos países europeus e dos Estados Unidos de botar a mão nessa cumbuca. Na resistência ao ocidente, que poderia ser um fator para unir a todos contra um inimigo comum, o proselitismo remete à Idade Média. O porta voz do califado, Abu Muhammad al-Adami, ao desafiar Barak Obama, por exemplo, denominou o presidente americano de “mula dos judeus”. Isto tem um significado que pode surpreender, porque ao chamar Obama de “mula” ele não está se referindo ao simpático híbrido que tanto contribuiu para o transporte no Brasil colonial, mas evocava uma expressão do dialeto árabe da Mauritânia usado na região do al-Graheb, hoje aportuguesado para Algarve, para denominar os cristãos que viravam a casaca, oferecendo-se para se converterem ao islamismo nos tempos da dominação moura da Península Ibérica. Esses “muçulmanos-novos” eram denominados “mahalati”, de onde surgiu a palavra “mulato”, usada pelos muçulmanos da África sub saariana para chamar os filhos de brancos com pretos, no tempo das navegações, comparando-os a ao estranho animal resultante dos cruzamentos de cavalos com jumentos, sem sentido pejorativo. Portanto, ao chamar Obama de “mula dos judeus” está dizendo que o presidente norte-americano, um cristão, está se passando para o judaísmo religioso. Portanto, é uma “mula”.
Por outro lado, os líderes ocidentais estão relutantes em armar os exércitos de Bagdá, porque o novo governo, controlado pelos xiitas, favoreceria a unidade dos sunitas contra o governo legal do Iraque. A estratégia é obrigar o governo a formar uma coalização com sunitas antes de atacar o califado. Isto é tão difícil quanto apoiar o presidente Assad, da Síria, da seita alauíta que, com o apoio dos cristãos locais, está enfrentando o califado com objetivos puramente sectários, sem motivações da guerra fria. Putin manda armas para Assad resistir, pois assim os jihadistas chechenos ficarão no Levante, deixando os russos em paz por algum tempo.
Marina Silva, uma candidata de alto risco
por Cláudia Rodrigues
Em entrevista publicada em 24 de julho de 2013 na revista Exame, Marina Silva abriu o jogo sobre seus planos ao jornalista Daniel Barros. Na ocasião, ela estava tentando fundamentar o partido Rede Sustentabilidade, sob a batuta econômica de Eduardo Giannetti da Fonseca e a ideia era ser candidata à presidência. Muita água rolou embaixo da ponte, Marina acabou como vice de Eduardo Campos, do PSB, e em poucos meses o jogo virou. Com a morte trágica do candidato, volta Marina como candidata à presidência, dispara nas pesquisas tirando parte importante dos eleitores de Aécio Neves e causando uma guerrilha ideológica interna entre o que seria ela como candidata da Rede Sustentabilidade e o que vem a ser a Marina representante do PSB.
É uma candidata de alto risco, pode levar muitos votos de quem vive cantando a música de que os políticos são todos iguais, mas um eleitor um pouco mais leitor, ao ler a trajetória política de Marina, vai perceber que se ela não sabia fazer o jogo político quando saiu do PT, indignada contra os transgênicos, contra Belo Monte, aprendeu direitinho assim que entrou no PSB, um partido que quer assegurar melhorias ao agronegócio.
Entretanto, Marina não abre mão de seu discurso ambientalista e nessa área é impossível chupar cana e tocar flauta ao mesmo tempo. Se existe um jeito de contemplar as duas políticas e levá-las adiante, então já há quem faça com maestria: o atual governo do PT, que tem tirado tomate de pedra de ambos os lados. Garante subsídios aos grandes, investe na agroecologia, em pesquisas, na expansão da agricultura familiar, na produção e distribuição de alimentos orgânicos.
A única mágica que Marina poderia fazer na área seria radicalizar para um lado ou para outro, o que ela afirma que não vai fazer, então é alto risco investir em alguém que vai reinventar o mesmo caminho do governo atual, de viver sob pressão de ruralistas e ambientalistas. E se ela tender para os ruralistas? E se ela tender para os ambientalistas e se for apenas um troca-troca de cadeiras, anos de desorganização e instabilidade quando as abóboras já estavam razoavelmente acomodadas na carroça?
Na área da saúde, das discussões sobre gênero e direitos sociais como aborto e legalização da maconha, educação sexual na escola, a candidata de novo é de alto risco. Ela sofre pressão severa dos grupos radicais da ala evangélica. Quando resolve ser mais moderninha, o discurso é de boazinha, aquela coisa “somos todos iguais, mas eu não pegaria uma mulher, somos todos iguais, mas nunca dei um tapa num baseado, de minha parte não cometo pecados, os pecados são dos outros”. Quando é para bancar de fato uma posição, ela foge. Ninguém sabe em que casinha política ela vai se esconder, que camiseta irá vestir para cada caso, cada causa.
Marina é uma candidata de alto risco tanto para eleitores conservadores, que querem ver a sociedade repetindo padrões de comportamento congelado, quanto para eleitores que querem e lutam por mudanças reais com base em leis e garantias, mergulho em processos e promoção de educação pública sob paradigmas laicos que trabalhem preconceitos com pulso firme.
Marina é uma opção de alto risco para os grandes e para os pequenos. A classe média, que está sempre por fora a dar tiros no pé, pode pegar esse bonde de alto risco achando que assim finalmente chegou o seu dia de virar protagonista de novela.
E dará outro tiro no pé, porque Marina vai ter que ‘oPTar’. Se mexer muito nessa regra de três que o PT desenvolveu para ficar no poder, vai ser uma bagunça, começaremos tudo outra vez. Se aceitar o que tem no cardápio neoliberal do mundo tentando adequar e melhorar a vida de quem é pequeno, o que já faz o PT, vai dar no mesmo, mas com mais pressão.
O fato é que apostar em Marina é um tiro no escuro, é alto risco, com o discurso que ela prega, pode fazer qualquer coisa, para um lado e para outro e a última classe que ela atenderá será justamente a de seus eleitores de pensamentos médios e mágicos.
Marina Silva: o mundo de olho no Brasil
Por JOSÉ ANTONIO SEVERO
A eleição de Marina Silva seria a vitória do antipetismo, e a chegada ao governo de uma terceira via, pois levaria junto de roldão o PSDB, que é a versão acadêmica da mesma vertente da antiga esquerda paulista, que domina e divide o eleitorado do Brasil em dois.
Não haveria nada de mais num sistema democrático liberal, pois a alternância do poder não é apenas uma teoria, mas resultado natural e previsível da exaustão de uma corrente majoritária, substituída por outra. Isto já era preconizado pelos cientistas políticos. Só que se esperava isto para 2018 ou 22.
No Império o bipartidarismo alternativo assegurou a estabilidade política do Brasil, que foi uma ilha de jogo político eleitoral na América Latina convulsionada pelas rebeliões armadas, gerando seus produtos costumeiros, as ditaduras mais ou menos caudilhistas, comandadas por generais vencedores de batalhas.
No Brasil, do alto de sua legitimidade monárquica, Dom Pedro II promovia a alternância por decreto. Quando percebia que a corrente governante se exaurira, dissolvia o parlamento, convocava eleições e favorecia a formação de governos ora liberais ora conservadores.
Na República essa alternância não se deu. A mudança de hegemonias sempre foi tumultuada.
Os cafés com leite da República Velha foram apeados por uma revolução, em 1930. A vertente castilhista de Getúlio Vargas só foi cair de fato em 1964. Dutra era caudatário de Vargas e Jânio não chegou a governar. A UDN subiu ao poder pelo golpe de 1964, mas tampouco ficou muito tempo, pois já em 1969, com o AI-5, nada sobrou dos conspiradores que derrubaram João Goulart. Depois vieram os originários da antiga oposição reunida no MDB e fracionada no pluripartidarismo atual.
Marina vai mudar esse quadro, se vencer.
A novidade será que ela traz para o governo uma nova maioria desagregada, unida em torno de teses desconexas e hostis à política convencional. Compõem uma formidável força eleitoral, mas sem representação política. É uma manifestação da democracia de massa, que se esgota no fenômeno eleitoral.
Entretanto, passada a eleição, o regime demanda a representação organizada, que ficará ainda nas mãos das forças derrotadas nas urnas majoritárias, mas maciçamente vitoriosas na eleição parlamentar. O mesmo eleitorado elege dois animais diferentes. Como isto vai funcionar na prática para gerir o estado ninguém pode ainda dizer com certeza.
GOVERNO MARINA
Num exercício de cenário futuro, que se poderia dizer a olho nu? Marina poderá montar precariamente uma base parlamentar com pequenos partidos de esquerda e alguns segmentos religiosos.
Dificilmente atingira um terço da Câmara e quase nada no Senado Federal. Teria, em tese, um governo algemado. A alternativa seria compor uma coalisão no estilo PT/PSDB, ou como dizia José Genoíno, ex-presidente do PT, uma coalização para governabilidade. Então de nada valeria sua pregação. Seria o passo atrás, a traição do eleitorado, tal qual Fernando Collor. Pode ser, isto já vimos.
No entanto, na área internacional, Marina poderá ser a maior estrela do cenário mundial devido ao apoio entusiástico que arrancará de todas as militâncias ambientalistas, pacifistas e defensores das chamadas minorias discriminadas.
Não foi por nada que ela foi convidada pelas autoridades do Comitê Olímpico Internacional para desfilar na abertura das Olimpíadas de Londres.
A presidente Dilma, presente ao evento, quase teve um treco quando a viu marchando entre as celebridades mundiais. É uma boa pista para se previr como ela aparecerá na mídia: ambientalista famosa, figura amazônica, líder de uma potência mundial, a primeira presidente da nova política que deverá dominar o Ocidente neste século XXI.
Lula foi muito famoso e popular mundo a fora, mas ainda era uma expressão do Século XX: operário da indústria, esquerdista moderado e nascido na pobreza. Marina é pobre de família, mas não foi isto que a projetou. Muitos pobres chegaram ao cume no Brasil.
Ela é a herdeira de Chico Mendes, ícone mundial. Também diferente do líder petista, ela tem formação universitária, historiadora e psicopedagoga, formada na Universidade Federal do Acre e pós-graduada na federal e na PUC de Brasília, além de ter iniciado estudos na Universidade de Buenos Aires. Não é pouco. Ela faz parte da elite intelectual.
Como ambientalista ganhou uma dezena de prêmios internacionais de primeira linha. Ela foi chamada pelo New York Times de “Ícone do Movimento Ambientalista Mundial” e uma das dez personalidades brasileira mais influente. É a musa do aquecimento global. Marina será uma presidente com muita mídia. Há que ver como ela conciliaria se eleita, sua fraqueza política interna com essa expressão global. De qualquer forma o mundo está de olho no Brasil.
Shakespeare, 450 anos de reinvenção do humano
Por Enio Squeff
Goethe tinha uma opinião muito além de lisonjeira sobre o “Dom Quixote”, de Cervantes; do alto de sua inegável autoridade estimava que se, por ventura, ou quem sabe, por desgraça, toda a literatura ocidental desaparecesse, mas só restasse a obra do espanhol, então, toda a literatura do Ocidente, “estaria salva”.
Talvez excluísse desta consideração William Shakespeare, cujos 450 anos de nascimento são comemorados em 2014. Goethe viveu o bastante e produziu o suficiente para os tempos de romantismo, de que ele também foi participante – mas muito dificilmente os mais jovens artistas de seu tempo, como Hector Berlioz (músico) e Eugène Delacroix (pintor), para citar apenas dois franceses, do século XIX, negariam ao inglês uma parte essencial, não apenas na literatura, mas no pensamento do Ocidente.
Instada certa vez a comparar o dramaturgo português quinhentista, Gil Vicente, com Shakespeare, a professora e crítica brasileira Bárbara Heliodora – maior autoridade talvez na obra do dramaturgo e poeta britânico – negou-se a entrar nesse tipo de cotejo: “Shakespeare – disse – não é um autor a mais, é uma categoria”.
De fato, o romantismo – mais que outra escola ou estilo – parece ter revelado um Shakespeare que, no fim das contas, pode ser adaptado por todos os tempos e por todas as artes. Essa a categoria a que talvez se referisse Bárbara Heliodora, Nas incursões que fez à obra de Shakespeare, o compositor Giuseppe Verdi – nas palavras de Otto Maria Carpeaux – ombreou-se ao bardo inglês pelo menos numa ópera, “Otelo”. Especialmente na cena em que Desdêmona pressente a morte, ou seja, o seu assassínio injusto pelo personagem título, que é movido por um ciúme doentio e culpado, não há como não entrar no clima tristíssimo e definitivamente trágico do drama. Sem Shakespeare, Verdi não comporia a sua, talvez, melhor ópera (o “talvez” fica por conta do “Falstaff”, também baseado em Shakespeare, que Verdi iria criar no fim da vida). Mas a afirmação vale para todos os artistas que nele se inspiraram.
Pode-se interpretar o “Macbeth” do grande cineasta Roman Polanski como a resposta catártica à morte trágica de sua esposa grávida, a atriz Sharon Stone, perpetrada por um assassino psicopata nos EUA na década de 70 do século passado. Catarse, no caso de Polanski, pode ser uma resposta. Mas todos os artistas que se inspiraram em Shakespeare, de um modo ou de outro, assumiram-no, não apenas em seus dramas pessoais, mas na universalidade de sua visão de mundo.
Quem parece ter atentado de perto para esta característica foram, paradoxalmente, os franceses. Hector Berlioz(1803-1869) que escreveria uma “sinfonia dramática”- na verdade um poema sinfônico, baseado no “Romeu e Julieta” – foi, quem sabe, o mais entusiasta deles. Aqui também se pode formular a hipótese de que pelo fato de ter encontrado numa atriz irlandesa, Harriet Smithson, que fez de “Ofélia”numa encenação do “Hamlet”, em Paris, um entusiasmo que se transformou num rumoroso caso de amor, pode ter favorecido sua admiração sem limites por Shakespeare. Mas antes disso, Berlioz, que foi também um grande escritor, já desencava alguns franceses – especialmente Voltaire – por ter ignorado o grande dramaturgo em sua viagem à Inglaterra. É da mesma linha o entusiasmo de Delacroix (1798-1893), um dos mais importantes pintores que antecederam o impressionismo francês. Não bastasse sua admiração explícita pelo grande dramaturgo inglês, não foram poucas as vezes em que se valeu de Shakespeare para suas pinturas e gravuras.
Há toda uma linha de artistas shakespearianos que realmente confirmam a idéia de que Shakespeare é uma “categoria”. Contemporaneamente, há quem se lembre de Inokenki Smotuknovski – não pelo complicado de seu nome – mas por sua atuação memorável numa versão cinematográfica do”Hamlet”russo, filmado por Gregori Kozutsev na década de 60. Outro russo, mas compositor, Dmitri Shotakovitch, foi ameaçado com graves represálias por Stálin, quando adaptou Shakespeare a uma ópera denominada “Lady Macbeth no Distrito de Msensk”: a peça, como é presumível, resgatava a figura sinistra da peça de Shakespeare, mas ambientada num contexto ruinoso em plena URSS. Que Shakespeare se reportasse a uma assassina, tudo bem. Em plena União Soviética, porém, tudo mal. Pelo menos para os zelosos censores do período.
O fato, contudo, demonstra o alcance de Shakespeare – cuja dramaturgia não se limitou à cultura ocidental, muito menos à Europa. Machado de Assis rendeu-se várias vezes à literatura shakespeariana. Não há como desalinhar o grande romancista brasileiro do drama de Otelo para encontrar a gênese de seu “Dom Casmurro”, só para remeter a uma obviedade.
Na linha das categorias, aliás, há que alinhar Shakespeare com todos outros escritores da literatura ocidental do período em que o dramaturgo viveu. Arnold Hauser (1892-1978), que escreveu uma alentada obra sobre a literatura e a pintura do período posterior ao Renascimento, pôs Shakespeare como a expressão típica do maneirismo – uma escola que ele localizava entre o classicismo renascentista e o barroco; e do qual ele extraía o fundamento para sua tese – de que o maneirismo – vale dizer, Shakespeare e Cervantes, mas também El Greco e Caravaggio, para só lembrar alguns – seriam os precursores da arte contemporânea. Por nosso ceticismo, viveríamos um novo maneirismo. Talvez seja isso.
Como nas peças de Shakespeare, os intelectuais, artistas, políticos e homens do povo, que saíram do grande cisma protestante e das guerras religiosas da Europa do século XVII, parecem ter sido exemplarmente “contados” nos palcos do grande dramaturgo inglês. Mas também por ele antecedidos. Compreende-se enfim, o alcance sem tempo nem lugar definidos de Shakespeare. Quando Kurosawa, o genial cineasta japonês, valeu-se do “King Lear” para um de seus filmes – ninguém estranhou. Shakespeare vale para a China ou o Japão atuais, como valeu um dia para a Inglaterra Elizabetana. Os maneiristas – mas especialmente Shakespeare – descreveram o homem ocidental num contexto existencial além do espaço e do tempo na sua descrença desesperada. Inclusive nas seguidas releituras feitas ao longo dos séculos dos dramas de Shakespeare.
Certa vez, Flávio Rangel, num diálogo que tivemos sobre as relações entre a música e o teatro, me lembrou que a interpretação recorrente, tanto no teatro quanto na música, era um desafio permanente a todos os diretores de teatro em todos os tempos. Citou como exemplo máximo o “Hamlet”. Como interpretá-lo no palco? A partir da idéia de um louco alucinado, um lúcido tresloucado pela existência, ou simplesmente um bobo a percorrer os corredores de seu castelo como pintou “Lady Macbeth”, o pintor Eugene Delacroix em uma de suas telas?
Flávio Rangel dizia não haverem “Hamlets”definitivos. Mesmo porque não há um Shakespeare definitivo.
Recentemente alguns especialistas insistiram sobre um aspecto da biografia não muito conhecida do grande escritor: sua vida secreta. Era católico e persistiu como tal até o fim da vida, assistindo missas nas florestas, encenando, assim, dissimuladamente, qual um ator, uma vida dupla num país em que o anglicanismo fundado por Henrique VIII e continuado por sua filha, Elizabeth I, não punha nenhuma dúvida em degolar católicos explícitos, conhecidos então como “papistas”.
O quanto isso foi importante para a sua obra é difícil conjeturar. Mas dias atrás tive a idéia do que são os dramas shakespearianos em todos os tempos e quadrantes da vida. Foi quando soube que o ex-presidente Médici deixou, em manuscrito, a intenção que ele e outros generais tinham de fazer o ato institucional número 5 – que eliminou a liberdade de imprensa e escancarou a ditadura sanguinário de 64, muito antes das manifestações que alguns historiadores pensavam ser a causa do fechamento do Congresso. O general presidente e seus iguais, os oficiais da ditadura, já intentavam um golpe contra a democracia – pura hipocrisia. Sem querer, remeti-me aos personagens pérfidos de Shakespeare – Iago, lady Macbeth, Ricardo III e outros. Ou seja, o grande dramaturgo não reinventou senão a verdade de nossa condição humana.
O que talvez nos consolasse, em parte, pelo menos na justiça restaurada, foi a ideia que me veio, então, à cabeça, na cena final de uma das versões filmadas de Otelo, quando tudo fica esclarecido, e a autoridade que substitui o doge de Veneza, dá a seus comandados a ordem de punirem Iago, por suas calúnias e crimes. Diz ele: “Prendam-no e o torturem para que se arrependa de ter nascido”. Só nisso os nossos tempos talvez discordem dos do grande dramaturgo. Os torturadores e criminosos da ditadura não precisavam ser torturados e mortos – mas bem que poderiam ser presos. Esta medida era algo que o grande Shakespeare não previa em suas tragédias: a prisão e não a morte para os assassinos.
Isso para só falar das tragédias – pois há as comédias. Para este gênero, porém, no Brasil de hoje, talvez pudéssemos encontrar algumas semelhanças resolutamente shakespearianas.
Shakespeare vive.