Esta semana (24 a 28/10) ficará na História do Brasil como um marco da inabilidade do time de lideranças que comanda o processo político no Congresso Nacional. Dois erros vão marcar estes dias: o primeiro está por vir, a cassação iminente do deputado José Dirceu (PT-SP) na quarta-feira; o outro se deu no domingo, com o resultado do plebiscito das armas. Ambos demonstram como o parlamento brasileiro perde o contato com a realidade, daí resultando todo seu processo de desgaste que levará à extinção do modelo político-eleitoral vigente no País.
A questão do desarmamento foi derrotada nas urnas porque o Congresso ingenuamente deixou-se levar pelos eslogans do “politicamente correto”, alardeados pelas minorias globalizadas. A proposta sucumbiu, não obstante o horror que a violência provoca em todas as camadas da população, porque a percepção da sociedade insurgiu-se contra a patrolagem desses grupos barulhentos.
O eleitor politizado percebeu o referendo como uma manobra diversionista para abafar a crise e se insurgiu votando contra o Congresso; nos meios populares a proposta sucumbiu porque as gentes das periferias sentiram-se prejudicadas. Neste caso, sabe todo o jornalista que teve experiência de reportagem geral e que botou o pé nos barros de vielas das favelas, que ali o cidadão depende unicamente de si mesmo para sua defesa pessoal.
O caso da inevitabilidade da cassação do deputado José Dirceu é diferente, mas pega o Legislativo na outra perna. A tese é que o sistema, no regime democrático, não se pode usar instrumentos de exceção para fins que não sejam irrefutavelmente legítimos. Neste caso, embora os deputados estejam pressionados pela opinião pública insuflada pela mídia, há um nítido sinal do uso abusivo do poder de suprimir direitos.
A imunidade parlamentar é um direito do eleitor. Ela só pode ser rompida se o representante exorbitar. Os cassados nas últimas legislaturas foram depois processados criminalmente ou ficou provado que agiram para enxovalhar o decoro naquele mandato, como no caso dos anões do Orçamento. Tudo em cima de provas provadas, para não deixar dúvidas dos motivos que levaram ao rompimento da imunidade. Assim mesmo, se o acusado renuncia, extingue-se o processo, pois a contravenção política limita-se ao periodo do mandato. Esta é a questão formal, regimental.
O mecansmo para retirar do cenário mandatários politicos sem legitimidade, seja qual for a razão, é a urna. Ali devem cair os incompetentes de qualquer natureza. Fora isto, é a exceção. Não se pode comparar a degola do ex-ministro com os processos contra demais petistas indiciados, mesmo daqueles que limpidamente se envolveram em irregulariades na operação do sistema eleitoral vigente, até então aceitas pelos usos e costumes.
Sabe-se que dinheiros foram aqueles. Muitos nomes que apareceram nas listas de Marcos Valério estavam repassando recursos que o PT e outros partidos aliados deviam para fornecedores. Julgavam estar num espaço de uma lei para “inglês ver”, pagando atrasados de honorários a seu pessoal de televisão contratado para as campanhas nos municípios em que seus candidatos perderam as eleições em 2004. Enredaram-se na credulidade de que costumes universalmente aceitos não podem ser punidos pela lei descartada pelo desuso. Na letra da Lei, pode-se dizer que receber dinheiro de caixa dois não seria conduta decorosa.
O processo contra Dirceu é diferente, pois, claramente, desenvolve-se sob pressão de seus desafetos de todas as áreas, dispostos a ajustar contas antigas e recentes. Dirceu , desde que pisou na primeira vez uma bancada parlamentar, ainda na Assembléia Legislativa de São Paulo, tem sido um algoz implacável de seus adversários. Entretanto, o exemplo histórico de um parlamentar com esse perfil, o deputado carioca Carlos Lacerda, nunca teve seu mandato ameaçado pelos adversários do binômio PSD/PTB, embora tivese levado tiros e sofrido a censura radiofônica da Lei Rolha. Só perdeu seus direitos políticos numa penada do executivo durante o regime militar.
Aqui está o problema básico: o funcionamento pleno da democracia não admite que se tire de cena sem motivos cabais um político com um perfil tão alto. Se for esmagado, Dirceu encontrará novos espaços para se manter ativo na vida cívica. O expurgo efetivo de tal figura somente seria viável se pudessem prendê-lo, exilá-lo ou bani-lo. Uma simples cassação politica, sem que isto prossiga num processo criminal ou civel, que respaldasse a supressão da imunidade ( e do mandato), abala fortemente as garantias do eleitor e o próprio sistema democrático.
Isto é o que se entende estar ocorrendo, reforçando-se a cada declaração dos parlamentares da Comissão de Ética, que dizem ser um processo que dispensa as provas provadas para sua condenação. Dirceu coloca-se como vítima de uma perseguição política, como mais uma condenação de sua história pessoal. E o Congresso abre um precedente perigoso, que, é provável, seja revertido na Justiça. Mais pacifica seria sua renúncia, submetendo-se depois às urnas, como o fizeram outros cassáveis. Ao persistir, Dirceu inova, prometendo usar toda sua força por fora do sistema. Será mais um desafio para o timoneiro do PT.
José Antonio Severo, especial para o JÁ
Categoria: Análise&Opinião
Carta de Barcelona
Tivemos uma semana cheia na arena política, tanto na Europa, com o desenrolar das eleições na Alemanha e Polônia e pelo início do processo de adesão de Turquia à União Européia, como na Espanha, com a aprovação do novo Estatuto da Catalunha pela câmara catalã e pela invasão de subsaharianos ao território espanhol nas cidades autônomas de Ceuta e Melina.
Chama a atenção que os assuntos europeus mereceram escassa importância pela imprensa espanhola, enquanto que o Estatuto catalão e a “invasão” de africanos ganharam as manchetes de jornais e os mais cobiçados horários televisivos.
A principal preocupação do governo foi a de acalmar o eleitorado, rebaixando as pretensões de maior autonomia dos catalães, tarefa levada a cabo pelo mesmíssimo presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, enquanto que o caso da imigração ilegal, ficou a cargo da vice-presidenta, Maria Tereza de la Vega.
Não é por acaso que o governo socialista de Zapatero deu maior importância a suas diferenças nacionais internas, deixando o problema da imigração em segundo plano. Ele sabe que o caso dos africanos não vai render muitos votos. Pelo menos por enquanto.
No primeiro dia da crise, quando cerca de 300 africanos saltaram as cercas que separam a cidade de Melina de Marrocos, o governo anunciou que o exército estaria no dia seguinte na fronteira para coibir a imigração. No segundo dia mais 300 africanos saltaram a cerca e o governo anunciou que aumentaria a cerca para 12 metros de altura os atuais seis da cerca dupla. No terceiro dia, mais 200 saltaram a cerca e o governo anunciou que colocaria uma terceira barreira, com sensores eletrônicos e todo tipo de parafernália para bloquear a entrada dos africanos.
Estranhamente a oposição conservadora não atacou o governo. Talvez tenha sido a primeira medida do governo que praticamente não sofreu nenhuma contestação da bancada oposicionista. Os especialistas no tema, tão pouco alçaram suas vozes em defesa dos direitos humanos, salvo algumas honradas exceções. Uma espécie de cegueira nacional parece que se abateu sobre os espanhóis que lhes impede de ver a situação com os olhos do outro.
Os africanos do centro e do sul da África que saltam as barreiras são os negros que fogem da fome e da miséria. Caminham um ou dois anos, atravessando o deserto do Sahara, até chegar ao Marrocos para daí passarem à Espanha, via Melina. Melina é uma cidade espanhola encravada em território africano, o que explica o pouco caso que as autoridades marroquinas fazem para deter estes africanos do sul que passam por seu território.
A solução para o problema, dizem os espanhóis, seria a colaboração do governo de Rabat. A soberania compartida de Ceuta e Melina poderia ajudar a resolver a situação, respondem os marroquinos, já que a cidade está na África.
A conta que pouca gente fez ante as câmaras de televisão e nos artigos da imprensa é que enquanto África tem uma população de cerca de 700 milhões de pessoas, 11% da população mundial, com uma alta taxa de natalidade, o seu Produto Interno Bruto (PIB) corresponde apenas a 1% do mundial. O PIB africano é parecido ao da Bélgica, cerca de 250 bilhões de dólares (isso excluindo a parte mais pobre da África que é justamente a subsahariana). Em 1970 a África respondia por 3,5% do comércio mundial, hoje somente por 1,4%. A União Européia é a maior potência comercial do mundo, com um PIB que supera os US$ 10 trilhões, divididos entre uma população de 500 milhões de pessoas e uma taxa de natalidade estancada.
Ou seja, o “problema” da imigração para os europeus recém está começando. Se não mudarem as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que beneficiam os interesses da Europa e Estados Unidos, não vai ter barreiras, por mais altas ou tecnológicas que sejam que detenham a fome e a miséria que a Europa ajuda a criar com as suas políticas comerciais.
Rivadavia Severo, Jornalista
Afirmação da cultura gaúcha
Margarete Moraes – Ex-secretária municipal da Cultura e Vereadora PT
A luta farroupilha é um marco de afirmação da identidade do povo gaúcho. Nestes tempos em que a globalização massifica as culturas, reduzindo tudo a cópias do modelo capitalista, que incentiva modismos consumistas, as comemorações da Revolução Farroupilha estão na contra-mão desta prática, lembrando exemplarmente nossa história de lutas e dignidade. A tradição, neste caso, não é sinônimo de conservadorismo saudosista, mas de orgulho de práticas culturais singulares, ligadas à lida do campo, à produção da terra.
Para o historiador Francisco Riopardense de Macedo, a revolução Farroupilha deixou lições, como: a altivez de comportamento diante de calúnias; liberdade como maior patrimônio a ser defendido; Estado livre e independente; dedicação e sacrifício; confiança na causa; interesse pelo ensino e pela educação; libertação dos escravos; federação para assegurar a autogestão regional, conciliação. Inspirados nos ideais iluministas, que influenciaram os movimentos de Independência dos Estados Unidos, em 1776, e a Revolução Francesa, de 1789, que preconizavam os valores humanistas de Liberdade e Igualdade , os Farroupilhas buscaram ampliar este ideal adotando o lema “Liberdade – Igualdade – Humanidade”. Ao contrário das lutas de libertação, que pretendiam a independência e o separatismo, a luta do Rio Grande se fez contra o autoritarismo do poder central e pela autonomia da província, através do direito de eleger o presidente local e legislar sobre os impostos pagos pela região.
O acampamento Farroupilha, no mês de setembro, em Porto Alegre, celebra a diversidade e a fraternidade. As várias formas de construção, de vestimenta, de preparo de alimentos se encontram e confraternizam. Não como um uma exposição extemporânea, mas como prática de vida. Por alguns dias o campo está na cidade. Mais que uma vitrine, é um modo de vida, é a celebração de uma história que se encontra e se reafirma.
Conselho de Cliente: É bom ouvir!
É bastante provável que você já se tenha perguntado um dia sobre de que
forma seu cliente o encara. Será que seu atendimento é tão eficaz quanto
parece? Sua empresa supre todas as necessidades dos clientes? Estas e outras questões rondam a imaginação de qualquer empresário, vez por outra. Istoquando não permeiam seus sonhos e até seus pesadelos.
Como não existe bola de cristal no mundo dos negócios, o jeito é criar
soluções práticas para este desafio. Naturalmente, a preocupação constante em melhorar o atendimento, em busca da sempre desejada “satisfação do cliente”, requer ações criativas.
Trabalhar como um parceiro dos clientes passou a fazer parte da cultura de várias empresas. Mas o que poderia ser este “algo mais”? A VC — Votorantim Cimentos tem procurado alternativas, passou a observar o mercado do ponto de vista do cliente. Literalmente passou para o outro lado do balcão. Fez mais do que isso. Convidou revendedores para se colocarem na cadeira do diretor-presidente.
Assim, de uma idéia aparentemente simples, nasceu o Conselho de Clientes, um conceito que transformou o relacionamento entre o líder do setor cimenteiro e o dono da loja de materiais de construção do seu bairro, do nosso bairro.
A imagem daquela megacorporação, intocável, não era real. Isso foi comentado por um lojista, numa de nossas reuniões! Naquele momento, a Votorantim revelou-se a parceira de todas as horas, aqui, no chão da loja, no balcão do comprador.
O Conselho de Clientes foi criado em 2003 e vem sendo implementado passo a passo, em cada uma das regiões de atuação da nossa empresa. Devido ao seu sucesso, o conselho conquistou um papel estratégico dentro da VC.
Seu funcionamento é simples: fazemos reuniões com vinte clientes convidados de cada região. Podem ser grandes e pequenos lojistas. Todos têm o mesmo espaço democrático, a mesma importância. Por que? Porque é a sua experiência diária, são seus problemas cotidianos e suas sugestões que nos fazem criar soluções para os problemas de todos os nossos clientes. Esta é a real dimensão do conselho.
Um exemplo prático: criamos uma alternativa de crédito a pequenos lojistas, que se encontra em fase de piloto, a partir de sugestões tiradas do conselho. Foi uma reivindicação das revendas de menor porte, que assim ganham maior competitividade no mercado e podem atender melhor o cliente final.
Temos exemplos iguais a este nas mais diversas áreas: logística,
atendimento, marketing. A implantação de janelas de carregamento nas
unidades reduz o tempo de espera e garante pontualidade e estoque. O sistema informatizado oferece rapidez e clareza na troca de informações com clientes, que remotamente acompanham seus pedidos, programam carregamentos, verificam extratos, créditos e cobranças. O programa de fidelidade “Diga Sim à VC”, premia os pontos de vendas com melhores resultados. Tudo isso surgiu porque o nosso cliente tem total liberdade para expor suas críticas, sugestões e elogios aos produtos, serviços e profissionais da VC.
Maurício Luchetti*
* Diretor Executivo da Votorantim Cimentos
O valor da Semana Farroupilha
Roque Jacoby – Secretário da Cultura do Rio Grande do Sul
A Semana Farroupilha, no ano em que comemoramos os 170 anos da eclosão da epopéia dos farrapos, evoca-nos sentimentos muito profundos ligados ao amor que devotamos ao Rio Grande do Sul. Mesmo os gaúchos que migraram para outras querências, na busca de sobrevivência em outras terras, e são muitos os rio-grandenses que procuraram diferentes destinos, não esquecem seu pago, e o amam profundamente.
O amor ao Rio Grande do Sul não abandona os rio-grandenses, mesmo quando eles estão longe dos pampas. No município de Relvado, na região do Alto Taquari, por exemplo, a cada janeiro, em torno da realização de um rodeio, os exilados voluntários do Rio Grande do Sul que montaram churrascarias pelo mundo afora se reúnem para matar as saudades de suas famílias e dos costumes dos pampas, herdados por atavismo.
E é na Semana Farroupilha que o amor pelo Estado em que nascemos ou que nos acolheu com tanto carinho é expressado pelos desfiles em que cavalarianos, garbosos, traduzem, numa estética impecável, o orgulho de serem filhos do Rio Grande. E com que orgulho estufam o peito para proclamar que aqui nasceram…
Esse é o momento em que vamos às ruas para mostrar um sentimento arraigado ao nosso inconsciente coletivo: de gratidão, admiração e reconhecimento a todos os homens e mulheres que lutaram pelos ideais farroupilhas, de que fosse respeitada nossa terra e de que não houvesse, por parte do Império, um centralismo político e econômico, que aparecia, por exemplo, na cobrança escorchante de impostos, retirados da produção do charque. E o Governo do Estado, por inspiração do governador Germano Rigotto, busca ressaltar muito essa data histórica, tão importante no calendário histórico, estimulando e realizando eventos que a valorizem.
A bandeira do nosso Estado a que assistimos hasteada e desfraldada em todos nossos rincões é uma demonstração de que o pendão empunhado em 11 de setembro de 1836, quase um ano depois de iniciada a Revolução Farroupilha, pelo general Antônio de Souza Neto para marcá-la como símbolo da República Rio-grandense, continua vivo em nosso coração.
Pode ser vista como um sonho de liberdade e um anseio de que as decisões democráticas que os comandados do general Bento Gonçalves da Silva procuravam defender em suas batalhas sejam hoje ampliadas, promovendo-se a inclusão social de milhões de brasileiros aos benefícios da realidade econômica.
Que os ideais farroupilhas nos inspirem a lutarmos para que essa intenção construa, de fato, uma sociedade brasileira mais fraterna e solidária para todos.
Entre Namíbia e Noruega
Vilson Antonio Romero
No sudoeste da África, em cerca de 825 mil km2, vivem mais de 1,9 milhões de pessoas, compartilhando seu espaço com dois grandes desertos, o da Namíbia e o de Kahlahari. Fronteiriça com Angola, Botswana, África do Sul, Zimbabwe e Zâmbia, e banhada pelo Oceano Atlântico, a República da Namíbia, com um PIB de US$ 9 bilhões, é o segundo maior produtor mundial de chumbo e possui expressivas reservas de urânio e diamantes.
Mesmo tendo a menor densidade demográfica do planeta, é o país mais desigual do mundo, aliado à constatação de que aproximadamente 15% de sua população é soropositiva do HIV, chaga que assola o continente africano.
Com muitas montanhas e um terço de seu território situado ao norte do Círculo Polar Ártico, mais precisamente na península escandinava, localizamos os mais de 4,5 milhões de habitantes, que ocupam os 386 mil Km2 da monarquia constitucional da Noruega. Costeados pela Rússia, Finlândia e Suécia e banhados pelo Mar do Norte e Oceano Atlântico, vivem 4,5 milhões de noruegueses, produzindo um PIB de US$ 152 bilhões. O país dos fiordes, do bacalhau, do sol da meia-noite e da aurora boreal destaca-se como uma das indústrias pesqueiras mais importantes do mundo, bem como grande exportador de gás natural, petróleo e carvão.
Por que tudo isto? Porque a Namíbia foi apontada como a nação ocupante da 125ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, divulgado pela ONU e a Noruega continua, pela quinta vez consecutiva, liderando a classificação, que considera dados de 2003.
No meio destes dois países, encontramos o Brasil, na 63ª posição entre 177 nações analisadas. Em 8,5 milhões de Km2, mais de 184 milhões de pessoas produzem um PIB de mais de R$ 1,5 trilhão. Apesar disto, e sabedores que os números de 2004 e 2005, mais alvissareiros, com crescimento da economia, podem resultar em um novo e melhor enquadramento, há dados alarmantes: o Brasil “miserável” – 10% mais pobres – é o 6º mais pobre do mundo e a desigualdade nacional é a 8ª maior do planeta, somente superada, segundo a ONU, por Namíbia, Lesoto, Botswana, Serra Leoa, República Centro-Africana, Suazilândia e Guatemala.
Por mais que o primeiro mandatário da Nação, impassível aos escândalos que pululam à sua volta, tenha dito, no dia da Pátria, que a economia, a indústria, o comércio, as exportações, o emprego, o salário, a transferência de renda para os mais pobres, tudo cresce em seu governo, paralelamente às quedas da inflação e do custo da cesta, muito ainda há a nos preocupar no desfraldar diário de nossa bandeira.
Embora estejamos longe da Namíbia, com seus safáris, 300 dias de sol anuais e sua desigualdade, falta muito para chegarmos próximos ao reino da Noruega, suas 75 mil ilhas e o vento cortante das ruas de Oslo, a capital. O abismo entre ricos e pobres perdura como uma das maiores pragas a serem enfrentadas pelos governos e muito há a ser construído na direção de uma melhor qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, como demonstram a ONU e suas estatísticas.
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(*) jornalista, administrador público, auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Riograndense de Imprensa e consultor da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social – E-mail: Vilson.romero@terra.com.br
Carta de Barcelona
Escrevi umas cartas de minha viajem a Itália, mas parece que o correio andou arisco e só uma delas chegou ao seu destino. De todas formas, o desocupado leitor não perdeu grande coisa.
De volta a casa, retornam também as aventuras do cotidiano e o mês de setembro traz um pouco de tudo. É o começo do ano por aqui. A agenda política, por exemplo, está lotada. A luta contra o terrorismo (estamos no país de ETA) e a reforma dos estatutos das comunidades autônomas (sobretudo a catalana) são os dois assuntos predominantes nos debates e que não encontram nenhum tipo de consenso entre o governo socialista de Zapatero e a oposição conservadora-liberal liderada por Rajoy.
A primeira reunião do ano entre os dois líderes acabou em rodas de imprensa em que cada qual reclamava das posturas alheias, sem espaço para a tão saludar autocrítica. O governo apoia que as comunidades autônomas, como Catalunha e País Vasco, aumentem a sua autonomia em relação ao governo de Madri (que a bem da verdade não é pequena) e mantém uma postura de ouvir ao governo vasco la luta para exterminar ao ETA. A oposição discorda disso por medo de que se rompa a unidade do estado espanhol e de tudo o mais que o governo tente colocar na agenda.
Debates espanholes a parte, importantes países europeus estão as portas de suas eleições presidenciais. Alemanha escolhe, no próximo fim-de-semana, entre a manutenção da coalizão de centro-esquerda de verdes e os sociais-democratas de Schröder, e os democratas cristianos capitaneados pela favorita nas pesquisa de opinião Angela Merkel.
Enquando Itália vai às urnas em outubro para optar entre o conservador Beslusconi e o ex-presidente da Comissão Européia, Romano Prodi que reúne um “frentão” de centro-esquerda. No outro lado da Europa, Ucrania está envolvida em uma crise de governo provocada pela corrupção galopante em todos os seus níveis. O presidente Yúshenko demitiu toda a equipe de assessores que haviam sido os protagonistas da recente Revolução Laranja. Lembram de um caso semelhante em algum outro país aí pela América?
Rivadavia Severo, Jornalista
Gaivotas para a crônica
Marcos Sosa, Professor de Literatura
Fazia falta um livro assim na minha estante. Um livro pequeno, meio artesanal, que tivesse fotos bonitas. Um livro bonito. Em “Crônica: o vôo da palavra”, de Walter Galvani, lançado na primeira semana de agosto pela editora porto-alegrense Mediação, as páginas de leitura têm suspensões, por meio de fotografias, que versam sobre o horizonte, o mar, barcos e reflexos de sol. E gaivotas. Muitas. Ora sozinhas ou em bandos, ora em revoada ou em comunhão. Gaivotas para a medida exata da metáfora levada a efeito pelo autor, sugerindo que, enfim, o ato de escrever precisa e exige um movimento rente às ondas, para fisgar o alimento e, justo depois, voar mais e mais.
Resultado de um curso para aspirantes a cronista ministrado pelo autor, o
livro desenvolve-se a partir de uma adequação de comentário prático e de uma linguagem acessível, menos técnica do que aquela presente em livros de crítica literária. Não por acaso, uma linguagem que aposta na simplicidade para falar desta manifestação de literatura que come o pó das ruas, bebe os cafés dos bares, cantarola versos de canção popular e vive dividindo espaço com a ficção.
Essa opção de linguagem abre espaço não só para o candidato a cronista, mas também para o leitor de crônicas – este sujeito que, da outra ponta do processo, encontra neste gênero um ponto de fuga cotidiano, entre uma fila de banco ou o intervalo do almoço. Em muitas passagens, Galvani dá atenção a este leitor que busca a fresta do dia, ávido de entrosamento com essa natureza flexível, explosiva e um tanto arbitrária que norteia a razão de ser do texto cronístico.
De onde se conclui por um caminho excelente de inserção no universo dos livros e do conhecimento. Ao ter em mãos um trabalho que aborda este caminho, o leitor agrega a seu repertório um saber que se encontra no meio-fio entre a crítica e a produção, seja no recorte histórico evocado pelo autor ao comentar, por exemplo, a literatura dos viajantes e o natural desdobramento desta à produção jornalística posterior, seja visitando, de modo especial, o quadro específico, moderno e brasileiro, da crônica.
Paradoxalmente, é justo aqui, num país com graves deficiências de leitura, que a crônica se apresenta como uma grande feira, com sabores para todos os gostos.
Carta de Barcelona
Rivadavia Severo
Este ano comemora-se os 400 anos da publicação de Don Quijote de la Mancha. Data com especial devoção, em terras espanholas, ao livro que inaugurou a narrativa moderna e que dizem por aqui que é o mais editado e traduzido depois da bíblia. O romance escrito por Miguel de Cervantes conta as aventuras do engenhoso fidalgo Don Quijote em princípios do século XVII, durante o reinado de Felipe III, quando Espanha estava perdendo sua condição de potência global que lhe seria finalmente arrebatada, escassos anos depois, com a assinatura do Tratado de Westphalia, em 1648, que prefigurou o mundo dos estados nacionais que vivemos até hoje. Cervantes, como todo grande novelista, tece as suas 1.200 páginas sobre este pano de fundo, onde deixa transparecer as transformações da sociedade e de seu sistema de valores e crenças
Quijote é um personagem que alterna momentos de profunda reflexão, com disparates. Diz o prêmio nobel português, José Saramago, que Alonso Quijano, o fidalgo que transforma-se em Quijote para poder viver suas aventuras, não era um louco, simplesmente buscava moldar a realidade a sua maneira para poder buscar o seu próprio eu. Coisas de homens de letras. Também interessante era o seu fiel escudeiro, que acompanhava o Cavaleiro da Triste Figura, não para salvar donzelas, nem para fazer justiça como seu amo, só queria a sua porção de terras a que governar e claro, enriquecer. E tanto queria que uns duques de Aragão lhe presentearam, mesmo que por burla, uma pequena ínsula. Como a boa literatura imita a realidade, nem 400 anos puderam separar o que aconteceu com Sancho Panza e o que ainda hoje ocorre em algumas repúblicas por aí. O escudeiro era um homem baixo, gordinho e barbudo que viu-se envolvido em uma série de artimanhas engendradas por seus súditos que o levaram a demitir de seu governo. Suas reflexões sobre os meandros do ato de governar são dignas de registro. “Agora verdadeiramente entendo que os juízes e governadores devem ser de bronze para não sentir a inoportunidade dos negociantes” e logo adiante justifica a sua demissão “…subi nas torres da ambição e da soberba…”
Naquela época, os governadores eram responsáveis pelos atos de seus vassalos e só deviam obediência ao Rei e a Deus. Hoje seus pares parecem que não são responsáveis por nada e nem devem explicações a ninguém. Talvez o exemplo deste simples escudeiro que demitiu de seu governo por ter entendido não haver sido capaz de governar a seu povo deva voltar às rodas palaciegas.
Cidade não é mercadoria
Margarete Moraes, Vereadora
Art. 92. As Áreas de Interesse Cultural são áreas que apresentam ocorrência de Patrimônio Cultural que deve ser preservado a fim de evitar a perda ou o desaparecimento das características que lhes conferem peculiaridade.
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, Lei Complementar 434 de 1999.
As cidades vivenciam uma elaboração cultural em movimento constante, a partir da cidade real, procurando compatibilizar o novo com o existente. A partir desta concepção, estudo realizado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), da Secretaria Municipal da Cultura, em 2003, em conjunto com a Faculdade de Arquitetura do Centro Universitário Ritter dos Reis, dentro de convênio firmado pelas duas instituições, considera as raízes de Porto Alegre de nossos dias, uma cidade que se mantém um tanto provinciana, um tanto cosmopolita, mas sempre hospitaleira e fiel as suas vinte e cinco etnias.
Um estudo que pretenda alçar alguns bens culturais ao patamar de patrimônio deve guardar coerência com o passado e com o presente. Sobretudo, deve ter um comprometimento ético com um futuro saudável e sustentável para as próximas gerações. Partindo destes princípios, a pesquisa apurou a necessidade de tratamento especial em oitenta áreas, divididas em quatro macro-regiões. Essas áreas, verdadeiros nichos patrimoniais, concentram-se na orla do Guaíba, no Centro, no interior da malha urbana e na área rural, neste caso, já prevista nos próprios parâmetros do Plano Diretor. Segundo as propostas, é possível construir, demolir e reestruturar edificações seguindo normas definidas universalmente que orientam a ocupação dos espaços privados e oferecem diretrizes para o espaço público, respeitando a vocação e as peculiaridades de cada área.
A Agenda 21 da Cultura, assinada por mais de 200 autoridades locais, em Barcelona, 2004, recomenda: “Os governos locais desenvolverão estudos e legislações específicas que objetivem a proteção de bens imóveis, conjuntos arquitetônicos incomuns, espaços de sociabilidade pública, bairros, quarteirões ou ruas e avenidas, lugares e ambientes que guardem relação de identidade histórica ou social com as populações, prevendo a necessidade de impedir suas descaracterizações e/ou a agressão aos mesmos pelo mercado imobiliário”.
Os porto-alegrenses podem se orgulhar do trabalho, que já vinha sendo realizado pela Administração Popular na valorização da memória e da história, incluindo o patrimônio urbano edificado. O Orçamento Participativo aprovou a restauração e reciclagem do Mercado Público, amparados por trabalho da pesquisa histórica da EPAHC, garantindo o significado e a mística daquele espaço referencial à sociedade. Em 1993, teve início a restauração da Casa Torelly, sede da Secretaria Municipal da Cultura. Antes disso, o Conselho do Orçamento Participativo aprovou a reciclagem da Escola Apelles Porto Alegre, transformada no arquivo municipal Moisés Vellinho, equipado com reserva técnica totalmente climatizada e informatizada, compatível com as normas internacionais, espaço freqüentado por escolas e pela comunidade. Já o Solar da Travessa Paraíso, talvez o exemplar “vivo” da casa mais antiga de Porto Alegre, tornou-se um centro de educação patrimonial e ambiental, desde 1997, aberto às escolas e à comunidade, com oferta de oficinas, mostras e cursos, depois de salvo pelos bombeiros de incêndio, provavelmente criminoso, e efetivada sua restauração pelo poder público. O governo municipal devolveu à cidade o viaduto Otávio Rocha restaurado, comprou e reconstruiu a cobertura da Casa Godoy, exemplar raro de arquitetura art nouveau, restaurou a Fonte Talavera e o Paço Municipal, tombou o Parque Farroupilha. A Usina do Gasômetro, um bem tombado e restaurado pelo poder público, foi reciclado como um centro cultural plural, reconhecido internacionalmente, e abriga a Galeria Iberê Camargo, o cinema P.F. Gastal, o espaço Vasco Prado.
São exemplos de trabalhos que ilustram a função constitucional do poder público, em diversos âmbitos, para valorizar, preservar e difundir a memória das comunidades expressas em sua materialidade. Os critérios de intervenção propostos pelos EPAHC, em 1994, foram respeitados pelo governo municipal, até 2004.
Infelizmente, é preciso registrar, que hoje a Casa da Travessa Paraíso encontra-se fechada ao público, para uso administrativo, portanto, espaço cultural público perdido pela cidade. A Usina do Gasômetro está loteada entre diversos grupos artísticos, sem cuidados com a preservação patrimonial e respeito às diretrizes da EPAHC. Também no Paço Municipal reformado, áreas destinadas a galerias de arte foram tomadas ao público para uso administrativo.
Não se preserva para o passado, mas para o futuro. Uma lição simples, mas difícil de ser compreendida por alguns setores. Valores culturais, morfológicos, funcionais e paisagísticos se repetem em algumas situações, mas sempre se articulam e se complementam. Em uma época em que a tendência avassaladora da globalização coloca em perigo a sobrevivência da diversidade cultural planetária, a preservação das identidades é um dever de todos aqueles que se comprometem com o futuro. Só assim Porto Alegre será saudável e sustentável.