Inflação atinge mais as famílias de baixa renda

O boletim Focus confirma a projeção de alta do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em 2020. No relatório do Banco Central, a mediana das expectativas para o IPCA deu um salto em um mês de 3,54% para 4,39%, na semana do Natal. O índice ficou acima da meta definida pelo governo, de 4% neste ano, e dentro da margem de tolerância, que varia entre 2,50% e 5,50%.

É a 19ª semana consecutiva que o mercado financeiro tem projeção de alta para a inflação deste ano. Em 10 de agosto, antes da primeira elevação na estimativa, era esperada alta de 1,63% do indicador no ano. Desde então, as estimativas vêm sendo continuamente elevadas. Em novembro passado o IPCA tinha avançado 0,89%, maior resultado para mês desde 2015, quando o indicador foi de 1,01%, conforme o IBGE.

O Grupo de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segue na mesma linha e revisou a taxa de inflação de 3,5% para 4,4% em 2020. A expectativa é de que os preços dos serviços encerrem este ano com uma variação positiva de 2%. Já os preços monitorados devem apresentar alta de 2,5%, e os bens livres (exceto alimentos) de 2,6%. Em relação a 2021, a projeção de inflação passou de 3,3% para 3,4%.

Em janeiro, a situação não deve mudar. A Petrobras informou nesta segunda-feira (28/12) que vai elevar em 4% o preço médio do diesel em suas refinarias e em 5% o da gasolina a partir de terça-feira (29), em meio a uma alta do petróleo nas últimas semanas e desvalorização do real frente ao dólar nos últimos dias.

Uma consequência natural do aumento da inflação é o setor financeiro pressionar para o aumento da taxa de juros básicos, a Selic. A projeção no fim do ano é de 3,13% em 2021, acima da mediana da projeção anterior, que era de 3% e do patamar de 2% com que encerra 2020.

A inflação pesou mais para as famílias com renda baixa, entre um e três salários mínimo, por conta da parcela maior do orçamento destinada à alimentação em casa. A conclusão é do estudo “Inflação por faixa de renda familiar em 2020”, divulgada pelo Banco Central (BC). A alimentação em casa é o segmento que mais tem pressionado a inflação neste ano.

Segundo o estudo, a pandemia de covid-19 tem influenciado a inflação e os preços relativos no Brasil desde março. “Por um lado, distanciamento social, aumento do desemprego e retração da atividade deprimiram os preços de diversos serviços. Por outro, a depreciação cambial, os programas de transferência de renda e o aumento dos gastos com alimentação no domicílio pressionaram os preços dos alimentos”, diz a pesquisa.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em audiência pública virtual no Congresso Nacional que o fim do auxílio emergencial ajudará no controle da inflação. Chega-se à conclusão que, para Guedes, a forma de acabar com o aumento dos preços dos alimentos é que a população de baixa renda simplesmente deixe de comer.

Prefeitura de Porto Alegre projeta superávit de R$ 201 milhões em 2020

A prefeitura de Porto Alegre realizou durante esta semana seminários setorizados por áreas de atuação na transição, tendo como assistência a equipe do prefeito eleito Sebastião Melo (MDB). O secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto, detalhou as reformas estruturais realizadas durante os quatro anos de governo, as medidas de gestão para redução de despesas e aumento das receitas, apesar do impacto da pandemia.

A Fazenda municipal projeta encerrar o ano de 2020 com R$ 201 milhões de superávit do Tesouro Municipal, sem contar com os recursos do IPTU que deverão ingressar até o dia 5 de janeiro de 2021, quando se encerra o pagamento do tributo com desconto de 10% oferecido pela prefeitura. Desta forma, conforme Busatto, o novo prefeito terá dinheiro em caixa para honrar seus compromissos iniciais da gestão.

Busatto chegou ao superávit separando o resultado consolidado, que inclui todos os órgãos da prefeitura, do caixa do Tesouro. “Pode-se ver um crescimento significativo do superávit que é gerado entre as receitas arrecadas e as despesas nas secretarias da administração direta.” Todos os negativos projetados para 2020 do Demhab (R$ – 29 milhões), DMLU (R$ – 63 milhões), Fasc (R$ – 162 milhões) e Previmpa Regime Simples (R$ – 1,052 bilhão), são cobertos com recursos do Tesouro. “São órgãos que têm receitas insuficientes para cobrir suas despesas. A partir dessa metodologia elaborada pela contabilidade da prefeitura, chegamos ao R$ 201 milhões projetados para 2020”, afirmou o secretário.

Busatto ressaltou que o maior problema das finanças da prefeitura é a Previdência do município no Regime de Repartição Simples, pré-capitalização. “Esse déficit terá que ser coberto pelo Tesouro por muitos e muitos anos.” Segundo ele, a pequena redução do déficit do Regime Simples em 2019 (R$ 1,080 bilhão), comparado com a projeção de 2020, foi em função de algumas reformas aprovadas pela Câmara de Vereadores.

Acrescenta que não foram todas as reformas aprovadas. “A próxima gestão terá que tratar do avanço das reformas previdenciárias. Alguns projetos estão na Câmara de Vereadores, entre eles, a idade mínima, alíquota de contribuição e como o Regime de capitalização vai auxiliar o Regime Simples.”

O caso do déficit do Previmpa precisa de um esclarecimento, que não era o foco do  evento. Os servidores que ingressaram em cargo de provimento efetivo até nove de setembro de 2001 (data de publicação da lei que instituiu o Fundo Municipal de Previdência) pertencem ao Regime de Repartição Simples os que ingressaram a partir de 10 de setembro de 2001 integram o Regime de Capitalização.

O Regime de Repartição Simples tem como base a chamada solidariedade entre os participantes, ou seja, as contribuições dos integrantes deste regime, e da respectiva contribuição “patronal” (Ente), são utilizadas para pagamento de todas as aposentadorias, pensões e demais benefícios dos também participantes deste Regime. O Município deverá fazer o aporte financeiro dos valores que faltarem para o pagamento dos benefícios.

No Regime de Capitalização as contribuições dos servidores deste Regime e a respectiva parte “patronal” formam um fundo (que deve ter registros individualizados) garantidor do pagamento dos benefícios dos participantes, cujos valores devem ser aplicados no mercado financeiro, de acordo com as normas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional, e se capitalizam.

Embora a prefeitura de Porto Alegre reconheça superávit no Regime Capitalizado, aponta um déficit projetado para 2020 de R$ R$ 1,052 bilhão no Regime de Repartição Simples. O presidente do conselho administrativo do Departamento de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Porto Alegre (Previmpa), procurador Edmilson Todeschini, em entrevista ao Jornal do Comércio, disse que, em 2001, quando foi criado o Regime de Capitalização, a prefeitura deveria ter aportado mais de R$ 2,9 bilhões para inserir todos os servidores municipais no Regime Capitalizado. “Em vez disso, o governo municipal optou por separar os municipários em dois grupos: aqueles do Regime de Repartição Simples e os que deveriam contribuir para o regime capitalizado. Quanto aos R$ 2,9 bilhões, ficaram nos cofres da prefeitura, sendo aplicados em políticas públicas do município.”

Resultado orçamentário

Os gráficos apresentados por Busatto mostram que a receita arrecadada projetada para 2020 é de R$ 7,6 bilhões e a despesa empenhada, R$ 6,9 bilhões. Portanto, o resultado orçamentário projetado para 2020 é de R$ 647 milhões. Ele ressaltou que esse resultado positivo não significa dinheiro para a prefeitura gastar livremente, pois tem destinação específica.

Busatto cita dois órgãos com orçamentos positivos: o maior é o Previmpa Regime Capitalizado (R$ 412 milhões) e o DMAE, autarquia que cuida da água e esgoto, com R$ 92 milhões. A novidade em 2020, é que a EPTC passou a ser uma empresa estatal dependente do Tesouro formalmente. Em 2020, a projeção de aporte do Tesouro municipal é de R$ 52 milhões para manter a EPTC funcionando.

Atualização do IPTU

Em relação ao IPTU, o secretário-adjunto da Secretaria Municipal da Fazenda, Teddy Biassusi, disse que a base de cálculo é o valor venal, que envolve uma discussão técnica quanto ao valor o imóvel. Já quanto o imóvel vai pagar, é uma discussão política, que depende da alíquota.

Segundo ele, em relação ao valor venal, um terço dos imóveis da Capital estavam avaliados em até R$ 50 mil. Com a atualização da planta de valores ficou cerca de 9%. Imóveis acima de R$ 500 mil, somente 3% do total e agora, 10%. A média da avaliação era de 31% do valor real de mercado e com a atualização passou para 68%, respeitando a margem de segurança.

Porto Alegre não atualizava os valores dos imóveis há 30 anos, que é considerado renúncia de receita, conforme Biassusi. De um total de 800 mil imóveis, somente 800 processos de reclamação. “Judicialização mínima”, avalia Biassusi.

Responsabilidade Fiscal

A Lei de Responsabilidade Fiscal Municipal foi aprovada pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre em novembro passado e entrará em vigor em 2021. Dispõe sobre as normas de finanças do Município quanto à responsabilidade, qualidade e transparência na gestão fiscal, com a finalidade de alcance do equilíbrio das contas públicas.

Busatto lembrou que entre as normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal que terão que ser seguidas pelo prefeito eleito Sebastião Melo, estão:

a) Veda aumento de pessoal antes do município destinar 10% de sua receita corrente líquida em investimentos

b) Inclui as estatais dependentes no cálculo das despesas de pessoal (EPTC, etc.)

c) Veda aumento na despesa de pessoal ou reposição salarial no último ano de mandato

d) Limita o empenho das despesas sem previsão da receita no ano

e) Veda a concessão de benefícios tributários com renúncia de receita nos dois últimos quadrimestres

f) Propõe correção dos valores da planta de IPTU sempre no primeiro ano de mandato eletivo

g) Cria a comissão permanente de qualidade e transparência da gestão fiscal.

Sem estoques reguladores falta comida na mesa

Após exportação de uma quantidade recorde de soja para a China, o Brasil precisou importar a oleaginosa. O país gastou 503% a mais do que no ano de 2019 para comprar soja de outros países e zerou a alíquota de importação incidente tanto sobre o grão, bem como do farelo e do óleo de soja, até 15 de janeiro de 2021.

A consequência é que as maiores tradings multinacionais do país e de cooperativas processadoras de soja elevaram os preços do grão e de seus derivados. O óleo de soja dobrou de preço nas prateleiras dos supermercados. A importação da soja pressiona também os custos das aves e suínos.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de soja no país alcançará o recorde de 133,7 milhões de toneladas em 2020/2021, 8,9 milhões a mais que em 2019/2020. No entanto, um dos principais produtos do país, não é armazenado pela Conab desde 2013.

Em 2010, estavam armazenadas quase 1 milhão de toneladas de arroz, volume que despencou para 21 mil toneladas. O feijão sumiu dos estoques públicos há mais de três anos. A formação de estoques públicos tem como objetivo executar a política governamental de intervenção no mercado para garantir o preço e a renda do produtor, bem como sua administração e manutenção a fim de regular o abastecimento interno, comercializando os estoques na entressafra para atenuar as oscilações de preço. Simplificando: evitar a fome do povo pela falta de alimentos.

Atualmente, os preços dos produtos básicos estão sem controle, dependendo da oferta e da procura do mercado e do dólar, sem interferência do Estado. Em recente entrevista o presidente Jair Bolsonaro disse: “A gente não vai regular, a gente não vai interferir em nada, querer dar uma carteirada, exigir, tabelar, isso não existe, é livre mercado.”

A consequência é que a alta dos preços dos alimentos em plena pandemia pressionou o custo de vida da fatia mais pobre da população. Como resultado, a inflação para a classe de renda muito baixa, no acumulado do ano até novembro, foi quase três vezes a registrada entre a classe renda alta: 4,56%, ante 1,68%, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Esse pouco caso com o mercado interno, com aumento da fome e desemprego, dando prioridade às exportações primárias, não é novidade no Brasil, que tem uma organização econômica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo. Ainda somos uma grande plantation, um modelo em que se destacam quatro aspectos principais: latifúndio, monocultura, mão-de-obra escrava e produção voltada para o mercado externo.

Atualmente, num mundo atingido pela pandemia do novo coronavírus, os países desenvolvidos estão discutindo uma mudança de paradigma no capitalismo e deixando de lado políticas de austeridade e busca do equilíbrio orçamentário. A hora é de adotar uma política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos em infraestrutura, saúde, educação, energia limpa e pesquisa, com retorno muito mais elevado do que os investimentos privados.

No entanto, aqui na província colonial, a discussão econômica ainda é a mesma da década de 1940, do século passado, nos debates travados no interior dos órgãos técnicos do governo federal, quando Eugênio Gudin Filho (1886/1986) apresentava-se como um crítico das medidas econômicas protecionistas e um defensor decidido da liberdade de atuação para o capital estrangeiro e da abolição das restrições à remessa de lucros para o exterior.

Nesse sentido, protagonizou acirrado debate com o industrial paulista Roberto Simonsen (1889/1948), defensor de uma planificação econômica estatal que protegesse a indústria nacional e restringisse a atuação do capital estrangeiro no país. Adepto do monetarismo ortodoxo, para Gudin os problemas da economia brasileira deveriam ser enfrentados por um rígido controle da inflação baseado na redução de investimentos públicos e na restrição ao crédito.

Infraestrutura brasileira está sucateada

O discurso da equipe econômica do ministro da Economia Paulo Guedes de que o setor privado é a solução para eliminar a carência de infraestrutura do país está sendo contestado. A perspectiva de maiores investimentos nos próximos anos em infraestrutura, com aumento da participação privada, não será suficiente para suprir o déficit de gastos no setor. É o que aponta o Livro Azul, levantamento inédito da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), lançado nesta semana, na abertura do Abdib Fórum 2020 – Experience.

Segundo o presidente-executivo da entidade, Venilton Tadini, o objetivo do estudo é “mostrar que, por melhor que tenha sido o esforço para atrair o investidor privado, não dá para o setor privado resolver sozinho”.

O Livro Azul mostrou que os investimentos no país vinham em queda e estão em patamares muito abaixo dos níveis mínimos necessários, classificando o setor como “sucateado”. O investimento realizado na infraestrutura brasileira somou R$123,9 bilhões em 2019, inferior em 31,3% ao pico atingido em 2014, quando foram aplicados R$180,3 bilhões no setor em números atualizados, informa o trabalho.

Seriam necessários ao menos R$284,4 bilhões de investimentos por ano, o que corresponde a 4,3% do PIB, ao longo dos próximos dez anos, para o país reduzir gargalos ao desenvolvimento econômico e social, na conta da Abdib.

A defasagem mais visível é nos setores de saneamento básico e de transportes e logística. Em transportes, seriam necessários R$149 bilhões por ano (2,26% do PIB), mas foram investidos somente R$25 bilhões em 2019 (0,34% do PIB), juntando investimentos públicos e privados.

Foram mapeados 1.200 projetos e/ou iniciativas a partir da consulta ao poder concedente em cada esfera administrativa do país (governo federal e estados). Desse total, aproximadamente 800 ativos são blocos de exploração de petróleo e gás ofertados na 17ª rodada, na nova modalidade de oferta permanente.

O trabalho traça ainda um pequeno perfil de cada projeto e mostra também o seu atual estágio. Por isso, a grande maioria ainda não estima valores de investimentos a partir deles.

A associação mapeou duas áreas específicas para tentar chegar a um valor estimado de investimentos para os próximos cinco anos: rodovias e saneamento. No caso das rodovias, a expectativa é que os projetos de concessão adicionem R$7,4 bilhões de investimentos no ano de 2021.

O número sobe gradativamente até R$22,4 bilhões em 2024. No total, a estimativa é de acréscimo de investimentos de R$82 bilhões de concessões no setor. Já para o saneamento básico, estima-se que os investimentos privados comecem em R$1,3 bilhão em 2021 e alcancem o pico de R$8,5 bilhões até 2025, somando R$ 32 bilhões no período.

Num outro recorte, com obras de valor superior a R$ 1bilhão, foram indicados 50 projetos, que somam R$334 bilhões. O maior deles é o conjunto de trechos rodoviários chamado de rodovias integradas do Paraná, em estudos com valor preliminar de investimento previsto de R$42 bilhões.

De acordo com Venilton Tadini, o caminho de investir em infraestrutura via setor privado está acertado, mas ele é insuficiente. Em 2019, o investimento privado já passou de 70% do total de investimentos, mas em algumas áreas, como a de rodovias, ele corresponde a menos de 20% da necessidade estimada do país.

Brasil tem renda baixa e alto desemprego

O desemprego no Brasil tem uma nova taxa recorde de 14,6% no trimestre encerrado em setembro, afetando 14,1 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada nesta sexta-feira (27/11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O índice de 14,6% corresponde a um aumento de 1,3 ponto percentual em relação ao 2º trimestre (13,3%), e de 2,8 pontos percentuais frente ao mesmo intervalo do ano passado (11,8%).

Segundo o IBGE, essa é a maior taxa registrada na série histórica iniciada em 2012 e corresponde a 14,1 milhões de pessoas. Ou seja, mais 1,3 milhão de desempregados entraram na fila em busca de um trabalho no país.

Tem ainda a população fora da força de trabalho, 78,6 milhões, atingindo o maior nível da série histórica, com altas de 1,0%, mais 785 mil pessoas, ante o trimestre anterior e de 21,2%, mais 13,7 milhões de pessoas, frente ao mesmo trimestre de 2019. São pessoas que, na semana da pesquisa, não procuraram trabalho por algum motivo.

E tem a população desalentada, definida como aquela que estava fora da força de trabalho por uma das seguintes razões: não conseguia trabalho, ou não tinha experiência, ou era muito jovem ou idosa, ou não encontrou trabalho na localidade. Chega a 5,9 milhões, outro recorde da série, com alta de 3,2%, mais 183 mil pessoas, frente ao trimestre anterior e de 24,7%, mais 1,2 milhão de pessoas, ante o mesmo trimestre de 2019.

Orçamento miserável

Além do crescente desemprego, outra pesquisa do IBGE mostra que mesmo antes da pandemia o orçamento de boa parte das famílias brasileiras já era miserável. Entre os 10% da população mais pobre, quase a metade da renda mínima – R$ 244,60 de um total de R$ 470,29 – não tinha dinheiro como origem, ou seja: bens e serviços gratuitos providos por governo, instituições e outros, como doações. É o que mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Perfil das despesas no Brasil, do IBGE, divulgada esta semana.

A POF 2017-2018 é a sexta pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE sobre orçamentos familiares. A adoção do termo “família” nas publicações de resultados da POF é por amostragem, na qual são investigados os domicílios particulares permanentes. No domicílio, por sua vez, é identificada a unidade básica da pesquisa – unidade de consumo – que compreende um único morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de alimentação ou compartilham as despesas com moradia.

No Brasil, o gasto médio per capita com moradia é R$ 264,66. O maior componente dessa despesa é o aluguel estimado (R$ 202,08 ou 76,4%), seguido do aluguel (12,7%), condomínio (6,8%) e IPTU ou IPR (4,1%). As famílias no décimo de renda menor gastaram a maior parte (42,2%) do seu orçamento com o serviço de energia elétrica.

Os indicadores subjetivos da Pesquisa de Orçamentos Familiares mostram que 38,2% da população viviam em áreas afetadas pela violência ou vandalismo e 25,3%, em áreas com problemas ambientais.

A despesa per capita com saúde foi de R$ 133,23, sendo R$ 90,91 na forma monetária e R$ 42,32 na não monetária. A despesa não monetária representou 20,9% do total gasto com medicamentos e produtos farmacêuticos e 37,6% nos serviços de assistência à saúde. As famílias em que ninguém tinha plano de saúde chegam a 64,4%.

A pesquisa mostrou, ainda, clara conexão entre baixa renda e raça: 77,8% de toda a pobreza no país recai sobre famílias cuja pessoa de referência, chefe de família, se declarou preta ou parda. Essas famílias sobrevivem no mês com quase metade do orçamento de uma família cuja pessoa de referência é branca.

Desigualdade social

É importante complementar a Pesquisa de Orçamentos Familiares com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) sobre todas as fontes de rendas, divulgada em maio passado pelo IBGE.

A parcela dos 1% mais ricos dos trabalhadores brasileiros, integrada por 2,1 milhões de pessoas, recebiam R$ 28.659 mensais no ano passado, 33,7 vezes mais do que a metade mais pobre da população naquele ano (R$ 850), grupo que incluía 104,7 milhões de pessoas.

A desigualdade de renda no Brasil é alta e persistente por conta de fatores históricos e estruturais, como a herança escravocrata, o patrimonialismo a partir de recursos estatais, os empregos públicos antes com a possibilidade de aposentadoria com o último salário, as políticas de crédito público subsidiado voltadas a grandes grupos econômicos, etc.. E para complementar, uma estrutura tributária regressiva, onde se cobra proporcionalmente mais impostos de quem ganha menos.

Imposto sobre as grandes fortunas tem impacto direto na desigualdade

A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou esta semana (18/11) um imposto sobre grandes fortunas, que agora segue para votação no Senado. O presidente argentino, Alberto Fernández, acredita que o Estado possa arrecadar cerca de US$ 3,7 bilhões para compensar os impactos econômicos da pandemia da Covid-19.

O projeto do deputado Máximo Kirchner, filho da vice-presidente, Cristina Kirchner, foi aprovado por 133 votos favoráveis, 115 contrários e duas abstenções. O novo tributo se aplica àqueles que possuem ao menos US$ 2,3 milhões e inclui ativos financeiros, como títulos públicos.

Estima-se que o imposto atingirá de 9 mil a 12 mil das pessoas mais ricas de toda a Argentina, um país com mais de um terço de seus 44 milhões de habitantes considerados abaixo da linha da pobreza.

No seu livro “O Capital no Século XXI”, lançado em 2013, traduzido para 40 línguas e com 2,5 milhões de exemplares vendidos, o francês Thomas Pikety aprofundou o tema da desigualdade e concentração de patrimônio. Ele diz que imposto não é uma questão apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica. “Sem impostos, a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva é impossível. O Antigo Regime – denominação do sistema político e social da França anterior à Revolução Francesa (1789) – desapareceu quando as assembleias revolucionárias votaram pela abolição dos privilégios fiscais da nobreza e do clero, instituindo um regime fiscal universal e moderno.”

Por isso, ele considera que a progressividade fiscal para as rendas ou patrimônios mais elevados pode ter um impacto dinâmico considerável para a estrutura agregada da desigualdade. “Tudo parece indicar que a progressividade fiscal no topo da hierarquia das rendas e das heranças explica em parte por que a concentração dos patrimônios, depois das duas guerras 1914-1945, nunca mais atingiu seu nível astronômico da Belle Époque.”

Nas democracias liberais ocidentais, a era pós-Segunda Guerra Mundial pode ser dividida em dois subperíodos. O primeiro, de cerca de 1945 a 1970, foi a era da “social-democracia”, o estado do bem-estar social. O segundo, iniciado por volta de 1980, foi o de “mercado livre global”, ou o do “consenso Thatcher-Reagan”.

Nesse momento, começa novamente a queda da progressividade sobre as rendas, a redução de cobrança da renda sobre o capital. A financeirização da economia trouxe o aumento da desigualdade social, com as elites mundiais buscando concentrar a renda como antes das guerras do século XX.

Piketty percebeu que uma questão lançada em seu best-seller precisava ser aprofundada: a forma como a ideologia agiu para justificar e perpetrar a desigualdade em todas as sociedades ao longo dos últimos séculos. Em julho de 2020, lançou o livro “Capital e Ideologia”, de 1.056 páginas.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele disse que as sociedades humanas precisam de ideologia, porque precisam tentar dar sentido ao nível de suas desigualdades, de suas estruturas sociais em geral. “Não há sociedades na história em que os ricos se contentam em dizer que eles são ricos e os outros são pobres, e é sempre assim. Na verdade, os grupos dominantes vão sempre tentar explicar que são ricos, mas é do interesse dos mais pobres, porque é isso que permite manter a ordem nas sociedades de propriedades, manter a estabilidade social, inovação técnica.”

Piketty acha que as elites brasileiras que recusam redistribuir a riqueza fazem um erro histórico, porque a longo prazo todo mundo pode se beneficiar de um sistema com mais justiça econômica, mais justiça social e prosperidade e desenvolvimento do que numa sociedade muito desigual que é o Brasil de hoje.

Em “Capital e Ideologia” ele deu atenção a nações pouco analisadas no livro anterior, como a Tunísia, a Rússia, o Líbano e a China, discutindo longamente o caso do Brasil. Para Piketty, o Brasil, atualmente, é um país, do ponto de vista da repartição da renda e do patrimônio, ainda mais desigual do que a Europa de antes da Primeira Guerra (1914-1918).

Para termos uma ordem de grandeza: os 50% mais pobres no Brasil em termos de renda têm apenas 10% da renda total, enquanto os 10% mais ricos têm mais de 50% do total. Se olharmos a propriedade, seria ainda mais extremo. Os 50% mais pobres teriam 2% ou 3%, enquanto os 10% mais ricos teriam 70% a 80% [de tudo]. São níveis de desigualdade que tínhamos na Europa no fim do século XIX ou começo do século XX.

A taxação de grandes fortunas está prevista na Constituição brasileira e é vista como alternativa para obtenção de recursos e avaliar a crise fiscal no enfrentamento ao coronavírus. O Senado analisa quatro propostas sobre o tema. Uma delas é o PLP 50/2020, apresentado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que está entre as 12 propostas definidas como prioritárias pelos líderes da Casa para serem votadas durante a crise sanitária atual. Há ainda o PLP 183/2019, do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o PLS 315/2015, apresentado por Paulo Paim (PT-RS), e o PLP 38/2020, do senador Reguffe (Podemos-DF).

Candidatos não discutiram como transformar Porto Alegre numa cidade inteligente

Não existe futuro para o planejamento das cidades sem uma camada de inteligência e tecnologia. Por isso, em tempos de eleições municipais é importante refletir sobre a entrevista do professor Su Yunsheng, PHD em Urbanismo Contemporâneo, da Universidade Tongji, de Xangai, especialista em super cidades. Ele está participando do planejamento do Plano Diretor de Xangai até 2035 e falou para a série Expresso Futuro, do Canal Futura, temporada feita na China, e apresentada por Ronaldo Lemos, professor, pesquisador, especialista em temas como tecnologia.

Segundo Su Yunsheng, o planejamento urbano tradicional costuma focar no espaço físico e como podemos desenvolvê-lo. Para o novo Plano Diretor de Xangai até 2035 os planejadores estão mais focados na população. “A China é muito boa na infraestrutura off-line. Por exemplo, na construção rápida de pontes, túneis e infraestrutura como energia, água, tudo isso. É importante como vamos integrar esses ecossistemas sustentáveis com tecnologias inteligentes para construir a próxima geração das cidades. Online e off-line devem estar muito interligadas.”

Para Su Yunsheng, integração é a palavra. “Quando falamos do futuro, por exemplo, de veículos autônomos, precisamos de sistemas rodoviários integrados com a rede 5G e um carro que possa se conectar à rede. Também podemos imaginar um futuro com menos carros nas estradas e, consequentemente, menos trânsito. A população terá mais conveniência, mais tempo de lazer com a família. Isso são coisas que a tecnologia pode ajudar no futuro.”

Ele entende que uma cidade inteligente não é apenas tecnologia. “Uma cidade inteligente precisa também conectar as pessoas. Qualquer dispositivo inteligente tem uma CPU, mas nós temos também nossos cérebros. Se conectar nossos cérebros às CPUs em uma nuvem, sim, teremos cidades inteligentes. A chave é conectar as CPUs aos dispositivos, aos edifícios, aos usuários. Tudo junto. Esse é o caminho para as cidades inteligentes.”

Muito se fala em tecnologia e câmeras, conforme Su Yunsheng. “No entanto, o segredo são as pessoas. Como conectar as pessoas, como fazer todos pensarem juntos e aproveitar a sabedoria coletiva. Para mim, isso é como uma cidade inteligente deveria ser. Precisamos tornar as cidades mais inteligentes, mãos conectadas e convenientes. Para seguir em frente é preciso primeiro ter um bom plano. Assim, cada um saberá o seu papel e trabalhará para um objetivo comum. Só assim podemos despertar o poder das cidades.”

Xangai mudou muito nos últimos 30 anos. Pudong era uma área de cultivo de arroz até 1990, quando o governo chinês decidiu implantar uma Zona Econômica Especial no distrito. A parte ocidental do distrito de Pudong foi planejada para ser o novo centro financeiro da China moderna chamada Lujiazui Finance and Trade Zone. Quando o professor Yunsheng chegou para estudar na Universidade Tongji, em 1993, a área de Pudong era completamente plana. As torres foram construídas nos anos 1990.

Já em Porto Alegre….

Enquanto os chineses discutem o Plano Diretor para 2035, em Porto Alegre o tema passou praticamente ao largo dos debates dos candidatos à prefeitura. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA), instituído em 1999, deve ser debatido pela comunidade e revisto pelo município a cada 10 anos para atender as novas necessidades, conforme o Estatuto das Cidades.

Por isso, durante o mandado do Nelson Marchezan Júnior (PSDB) – 2017/2020 – deveria ter acontecido uma série de reuniões na comunidade, com o envio de um texto para aprovação da Câmara de Vereadores até o final de 2019.

Em agosto de 2019, Marchezan preferiu assinar  um memorando de entendimento com a ONU-Habitat, braço da Organização das Nações Unidas que atua com assentamentos humanos. Uma consultoria técnica para auxiliar no processo.

Já a tentativa de transformar Porto Alegre numa smart city (cidade inteligente), é também constrangedora. Em julho de 2015, ainda na administração de José Fortunati e seu vice Sebastião Melo, foi dada a largada para o projeto de revitalização do 4ª Distrito de Porto Alegre.

Em 2018, transformar Porto Alegre em uma smart city continuava como tema de um workshop promovido pela Aliança pela Inovação no Tecnopuc. A iniciativa das universidades Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia Universidade Católica (PUC) e Unisinos contou com a presença do prefeito Nelson Marchezan Júnior, que provocou os participantes a construir essa nova realidade de forma coletiva. O ano  de 2020 está acabando e a cidade inteligente ainda não saiu do papel.

Porto Alegre já foi uma referência brasileira em termos de harmonia de seu desenvolvimento, articulando de maneira permanente os interesses da cidadania, do meio ambiente e do crescimento urbano sustentável. Em 1914 criou um Plano de Melhoramentos. A primeira legislação data de 1959, com o Plano Diretor da Cidade. Posteriormente, foram promulgados, em 1979, o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento. Tudo isso, no século passado.

FMI sugere apoio fiscal além do teto durante a pandemia

Até mesmo o insensível Fundo Monetário Nacional (FMI) – que costuma impor de forma brutal suas receitas para o pagamento das dívidas que atingem os países que dependem de seus financiamentos -, entende que dada a elevada incerteza em relação ao cenário econômico e sobre como a pandemia vai evoluir, as autoridades devem estar preparadas para oferecer apoio fiscal adicional se as condições ficarem piores do que elas esperam.

No entanto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante evento promovido pela agência Bloomberg, nesta terça-feira, 10/11, disse que os custos dos programas de transferência de renda no Brasil são “insustentáveis” e serão reduzidos à medida em que a covid-19 recuar. “Estamos determinados a voltar para nossos programas de ajuste fiscal.” Caso haja uma segunda onda de contaminações pelo novo coronavírus, Guedes disse que o governo manterá os programas emergenciais, mas com valores mais baixos.

O ministro também comentou que a dívida pública está sendo rolada “sem nenhum problema”. Os números do BC mostram, ao contrário, que o país está pendurado no curto prazo. Quase metade dos R$ 5,280 trilhões da dívida líquida interna (R$ 2,260 trilhões) vencem até 12 meses.

O Brasil pré-pandemia já apresentava uma relação dívida-PIB cerca de duas vezes a média das economias emergentes. A dívida pública brasileira deve subir para cerca de 100% do PIB no final de 2020.

Uma discussão mais apurada sobre nossa dívida pública nunca é estimulada pela imprensa corporativa, mesmo com os mais de 14 milhões de desempregados. A dívida do governo federal é quase toda interna e detida indiretamente por indivíduos, bancos e firmas, através de intermediários financeiros. Sua reestruturação teria um forte impacto negativo no patrimônio das famílias e empresas, na intermediação financeira e no mercado de capitais.

Economistas calculam que o custo médio da dívida no país está em torno de 6% – 3% acima da inflação – e os tomadores vêm exigindo prêmios crescentes. É possível que o custo médio da dívida chegue a 4,5% em termos reais ou até mais.

Para 2021, o FMI projeta um crescimento de 2,8% para o Brasil, uma recuperação gradual depois do tombo forte esperado para 2020. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Alejandro Werner, diretor do departamento para o Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional, disse que a organização espera que a recuperação em 2021 seja contida pelos efeitos persistentes da crise sanitária, pela retirada do apoio fiscal e pelas cicatrizes relacionadas à crise no mercado de trabalho.

Para ele, a redução da poupança das famílias acumulada durante 2020 vai “suavizar o consumo” em alguma medida. “Como em muitos países, o investimento vai ser afetado pela capacidade ociosa e pela elevada incerteza sobre as perspectivas de crescimento. Os desafios de longo prazo da baixa expansão da produtividade, combinada ao baixo investimento, também vão restringir o crescimento, na ausência de reformas estruturais decisivas.”

No relatório Perspectivas Econômicas, sobre o crescimento na região da América Latina e Caribe, o FMI projeta uma contração de 8,1% no PIB real em 2020. Um aumento significativo da pobreza, exacerbando a disparidade de renda, já entre as mais elevadas do mundo antes da pandemia. A recuperação provavelmente será demorada. Na maioria dos países, o PIB não voltará aos níveis pré-pandemia antes de 2023 e a renda real per capita, não antes de 2025, mais tarde do que em qualquer outra região.

Congresso aprova compensação de perdas da Lei Kandir

O Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 18/2020, que dá início ao cumprimento do acordo para compensação das perdas dos estados com a Lei Kandir, foi aprovado nesta semana. Os termos do acordo preveem o repasse de R$ 65,6 bilhões pela União aos estados e o Distrito Federal. Desse total, R$ 58 bilhões devem ser repassados obrigatoriamente até 2037. O PLN segue para sanção do presidente da República.

Devem ser transferidos pela União, anualmente, R$ 4 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões serão divididos entre as unidades da federação e R$ 1 bilhão entre os municípios. Pelos cálculos do governo do Estado, o Rio Grande do Sul deve receber cerca de R$ 300 milhões. Para o governador Eduardo Leite (PSDB), é possível a União pagar a primeira parcela de R$ 4 bilhões ainda em 2020. Em contrapartida, os estados deverão desistir das ações judiciais protocoladas na Corte para cobrar as perdas.

O projeto altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em vigor para permitir que o Executivo seja dispensado da apresentação de medidas compensatórias, como aumento de impostos, em razão da transferência.

Estão previstos ainda dois repasses extras da União. Um, de R$ 3,6 bilhões, está condicionado à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição do Pacto Federativo (PEC 188/2019). O outro, de R$ 4 bilhões, depende do futuro leilão de petróleo dos blocos de Atapu e Sépia.

Aprovada em 1996, a Lei Kandir previu a isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre alguns produtos primários destinados à exportação, com a respectiva compensação aos estados pela União. O Congresso, entretanto, nunca regulamentou a fórmula de cálculo para os repasses e a inércia provocou uma disputa judicial de 24 anos.

A Lei Kandir não teve como objetivo só regulamentar o ICMS, mas também minorar os efeitos negativos da política de estabilização econômica do Plano Real, provocados pelas âncoras cambial – valorização do real – e monetária – elevação da taxa de juros – que afetam respectivamente os resultados da balança comercial e o volume dos investimentos produtivos da economia. No entanto, hoje a Taxa Selic está em 2% ao ano e o desvalorizado real vale aproximadamente R$ 6,00 por dólar.

O governo gaúcho calcula uma perda em torno de R$ 50 bilhões em mais de duas décadas de Lei Kandir. Em entrevista recente, o ex-senador Pedro Simon (MDB) disse que a Lei Kandir foi uma desgraça para o estado gaúcho. “Se reparar nas finanças do Rio Grande do Sul, onde é que ela começou a degringolar? Quando a Lei Kandir entrou em vigor, a nossa economia deixou de arrecadar, aí é que está o déficit. Então, hoje, tudo é em função disso.”

O Ministério Público de Goiás recomendou ao governador do Estado, Ronaldo Caiado (DEM), a realização de estudos no sentido de taxar a exportação de produtos agrícolas in natura. O órgão considera que a medida não geraria prejuízos aos produtores rurais, já que os grãos têm suas cotações formadas no mercado internacional e deu 30 dias para que Caiado se manifeste sobre o tema. A taxação é uma reivindicação da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) para estimular e baratear o processamento de soja e milho pelas empresas radicadas no Estado.

Senado aprova autonomia formal do Banco Central

O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (3/11) o substitutivo do senador Telmário Mota (Pros-RR) ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, do senador Plínio Valério (PSDB/AM), que estabelece mandatos estáveis e requisitos para nomeação e demissão do presidente e dos diretores do Banco Central. Foram 56 votos a favor e 12 contrários. O projeto segue agora para análise da Câmara dos Deputados e pode voltar ao Senado caso os deputados façam alterações no texto.

A presidência do Banco Central, hoje ocupada pelo economista Roberto Campos Neto, e os outros oito integrantes da diretoria colegiada são indicados pelo presidente da República e passam por sabatina e aprovação no Senado Federal. Mas o Executivo pode demiti-los quando quiser, sem precisar de justificativas. Esse é o principal ponto a ser alterado pelo PLP 19/2019 – Complementar. Ao estabelecer um mandato fixo para os diretores, o BC ganha autonomia formal em relação ao governo federal. Entre as alterações do substitutivo aprovado, há a determinação de que o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleça as metas para a política monetária, cabendo ao Banco Central o cumprimento dessas metas.

Os mandatos da diretoria serão de quatro anos, com uma recondução permitida, e a dispensa de um diretor antes do fim do período só seria possível em casos de condenação judicial ou desempenho insuficiente. Nessa última hipótese, o Senado precisaria concordar com a decisão.

O texto diz que o presidente e os diretores deverão ser nomeados em 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República em exercício. Portanto, no governo de Jair Bolsonaro, seria no início de 2021. O senador Plínio Valério e o relator, Telmário Mota (Pros-RR), inseriram uma emenda que prevê que, como já estão nos cargos, Roberto Campos Neto e seus diretores não precisarão passar por todo o processo de indicação novamente, sendo apenas nomeados. No caso de Campos, seu mandato será fixado até 31 de dezembro de 2024.

O texto do PLP admite a recondução para o presidente e para os diretores do Banco Central do Brasil “que houverem sido nomeados na forma prevista neste artigo”. Assim, Campos, se reeleito, poderá conduzir o BC por mais quatro anos, até 31 de dezembro de 2028, totalizando 9 anos e 10 meses. Ele seria o presidente do BC a exercer o cargo por mais tempo desde que a instituição foi criada, em 1965.

Também consta que o BC passará a ser uma “autarquia de natureza especial”, não se subordinando a nenhum ministério. Pelo substitutivo, o BC estará no mesmo nível dos ministérios, devendo atender às normas que disciplinam todos os sistemas da Administração Federal. O substitutivo aprovado atualiza as competências privativas do BC, previstas na Lei 4.595. de 1964,  permitindo que o BC aprove seu próprio regimento interno e efetue , como instrumento de política cambial, operações de compra e venda de moeda estrangeira e operações com instrumentos derivativos no mercado interno.

Para o economista Bruno Moretti, o BC não deveria atuar com autonomia em relação ao governo federal, principalmente num contexto de crise econômica, quando o governo precisa usar instrumentos monetários e fiscais combinados para estimular a retomada do crescimento e a geração de emprego e renda. Por isso, para ele, a proposta não deveria ser aprovada.

“Não concordo com a tese de que é preciso se livrar das influências políticas para que o Banco Central desempenhe adequadamente a sua função. Na verdade, esse conceito de autonomia do Banco Central é um conceito falso, ele não será um Banco Central autônomo, haverá um risco muito grande de captura da política monetária pelas pressões de mercado, e é isso que me preocupa e me faz ser contrário à autonomia, precisamente o risco que há de captura do Banco Central e da política monetária pelo mercado”, disse em entrevista à Agência Senado.

Moretti explicou que o Bacen operando em harmonia com o Tesouro Nacional é fundamental para não ceder a pressões do mercado, e a autonomia em relação ao governo eleito, seja ele qual for, pode causar dificuldades de coordenação dos esforços de política econômica e fiscal para promover o crescimento econômico.

O economista acrescentou que não adianta comparar o Brasil com outros países desenvolvidos com bancos centrais autônomos (Japão e Estados Unidos, além da União Europeia), já que o momento em que isso foi feito por lá é totalmente distinto do que os brasileiros vivem agora, de crise.

“O momento atual é dos BCs passarem a usar instrumentos de política econômica não convencionais. Ou seja, as taxas de juros já estão muito baixas, você precisa atuar com outras políticas para estimular a retomada da economia, com o lado monetário. São as chamadas políticas de afrouxamento monetário. O momento do mundo é de integrar os BCs ao esforço de reconstrução da economia, não de fazer um BC autônomo e com mandato único”, completou.

Propostas que dão autonomia ao Banco Central para executar a política monetária (determinar a quantidade de moeda em circulação, a oferta de crédito e as taxas de juros na economia brasileira para controlar a inflação) estão em discussão no Congresso Nacional desde a década de 1990 e nunca se chegou a um consenso para aprová-las.