Socorro financeiro aos estados e municípios é insuficiente

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira,5, o requerimento de urgência para que o projeto de socorro financeiro aos Estados e municípios, devido a pandemia do novo coronavírus, possa ser apreciado imediatamente pelo plenário da Casa.

O projeto prevê o repasse de R$ 60 bilhões aos entes federados em quatro parcelas mensais. Desse total, R$ 50 bilhões são transferências livres para estados e municípios e outros R$ 10 bilhões para uso exclusivo em ações de saúde pública e assistência social, sendo R$ 7 bilhões aos Estados e o restante aos municípios.

Na versão final votada à noite, os R$ 50 bilhões serão distribuídos na proporção de 60% para os Estados e 40% para os municípios e levando em consideração critérios como arrecadação do ICMS, população, cota-parte do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e valores recebidos a título de contrapartida pelo não recebimento de tributos sobre bens e serviços exportados.

Em nota, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), disse que os valores até agora aprovados são insuficientes para fazer frente à queda de receita e às novas despesas em função da pandemia causada pela covid-19. Segundo o relator, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ),a proposta aprovada no Senado cobre apenas 32,5% das médias de perda de arrecadação de ICMS dos estados.

Os secretários de Fazenda também discordaram da fórmula de divisão dos recursos: 60% para os Estados e 40% para os municípios. Hoje, a divisão do bolo do ICMS e do ISS é 67% para Estados e 33% para os municípios.

No entanto, o secretário da Fazenda do RS, Marco Aurélio Cardoso, ressalta que o auxílio financeiro é muito relevante. “Mesmo que as perdas não sejam integralmente recompostas no volume previsto em decorrência da crise e que as regiões Sul e Sudeste estejam sendo atendidas abaixo de sua participação na economia.”

A perda de tributos próprios gaúchos em abril está sendo contabilizada em valores próximos a R$ 700 milhões brutos (incluindo parcela dos municípios). As projeções são revisadas a todo o momento e, para maio, indicam perdas de R$ 900 milhões brutos. Ou seja, queda de 30% sobre os valores planejados anteriormente à crise. Pelos novos critérios de distribuição em avaliação no Congresso, o Rio Grande do Sul receberá R$ 1,95 bilhão ao longo de quatro meses como auxílio financeiro direto (não repartido com Municípios).

Além do auxílio financeiro, o projeto suspende o pagamento da dívida com a União até dezembro desse ano, medida que não beneficia o Rio Grande do Sul já que pagamento está suspenso desde 2017.

O congelamento dos salários dos servidores, segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é um gesto para milhões de brasileiros de que todos os poderes estão dando a contribuição no combate à pandemia. “Não estamos cortando salário. Acho que em um debate futuro teremos de rediscutir o Estado. Não tem milagre a ser feito.”

Impactos da pandemia

Os sinais dos impactos da pandemia do novo coronavírus na economia estão sendo percebidos nos números do primeiro trimestre de 2020 que começaram a ser divulgados. Queda na indústria, dispensa de pessoal, aumento do contingente fora da força de trabalho. No entanto, isso é apenas o começo, pois os números do segundo trimestre serão realmente aterradores.

Em março de 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial recuou 9,1% frente a fevereiro de 2020, a mais acentuada desde maio de 2018 (-11,%) e levou a produção industrial ao nível próximo ao de agosto de 2003. Ficou 24% abaixo do ponto recorde de maio de 2011.

A Sondagem Industrial Especial do RS, realizada entre 1º e 14 de abril e divulgada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul  (FIERGS), aponta que 97,6% das indústrias gaúchas foram afetadas pelo coronavírus, 91% de forma muito negativa. A demanda recuou em 80% delas, sendo que em 43,6% de forma intensa.

No primeiro trimestre, conforme o IBGE, o comércio dispensou 628 mil pessoas, redução de 3,5% no total de pessoas ocupadas. É o setor que tipicamente dispensa no início do ano, mas que mostrou maior intensidade em 2020. Essa queda também foi a maior da série histórica.

Apesar dessa realidade dramática para os trabalhadores brasileiros, a Câmara dos Deputados aprovou na segunda-feira, 4, por 481 votos a 4 o texto principal da proposta de emenda constitucional (PEC) do “Orçamento de Guerra”, que dá suporte para as despesas do governo federal.  Foi rejeitado o destaque que exigia a manutenção dos empregos para recebimento de benefícios creditícios, financeiros e tributários por empresas durante a pandemia causada pela covid-19.

Exército deu o cotovelo a Bolsonaro

Na chegada ao Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, o presidente Jair Bolsonaro estendeu a mão para cumprimentar o general Edson Pujol, comandante do Exército, e recebeu de volta o cotovelo, gesto recomendado devido a pandemia. Bolsonaro ficou desconcertado e foi em direção ao general Antônio Miotto, que deixava o posto de Comandante Militar do Sul, também com a mão estendida e recebeu novamente o cotovelo. Nesta quinta-feira, 30, Miotto passou o comando para o general do Exército Valério Strumpf Trindade.

O gesto dos chefes militares foi claro e não precisa de análise: o Exército está do lado da ciência, da Constituição. No entanto, não dá, de uma forma simplista, misturar os movimentos do Exército com a ala militar do governo.

Atualmente, os militares controlam oito dos 22 ministérios do governo de Jair Bolsonaro (36,36%). O Presidente trabalha no Palácio do Planalto cercado por militares.  Tem o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, que chamou o Congresso de “chantagista”. Em tempos de pandemia, anda quieto.

Já o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi ministro-chefe da Secretaria de Governo, deixou o cargo em junho do ano passado, após se envolver em uma crise com o filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Santos Cruz se tornou, então, crítico do governo.

Em fevereiro passado, o general Walter Braga Netto, que era o chefe do Estado-Maior do Exército, ex-interventor do Rio de Janeiro, assume a Casa Civil no lugar de Onyx Lorenzoni. Passa a coordenar o andamento das ações dos demais ministérios. Nas coletivas senta no meio da mesa. Na imprensa, definido quase como um interventor no governo.

Então no dia 22 de abril, uma quarta-feira, Braga Netto, para reforçar a tese, anuncia à imprensa, sem a presença do ministro da Economia Paulo Guedes, o Pró-Brasil para gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país em resposta aos impactos trazidos pela pandemia do novo coronavírus.

O programa reuniria ações de todos os ministérios sob a coordenação da Casa Civil. Keynes na veia, deixando Milton Friedman para trás, fortalecendo a necessidade da mediação econômica do Estado para garantir o bem-estar da população. Portanto, totalmente contrário ao liberalismo radical do ministro Paulo Guedes. A reação contrária dos empresários, Rede Globo, e do mercado financeiro foi imediata, inclusive com boatos de saída de Guedes. Para Bolsonaro, um risco incalculável.

Na quarta-feira, 29, numa coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, com Paulo Guedes e Braga Netto lado a lado, foi esclarecido o “mal-entendido” relacionado ao programa Pró-Brasil. Braga Netto disse que “em nenhum momento se pensou em sair do trilho programado pela Economia”. “Somos um time”, completou Guedes.

O Ministro da Economia afirmou que o caminho para a retomada não é através de obras públicas. A  saída seria através de marcos regulatórios do saneamento e do petróleo.

Em relação ao saneamento, existe projeto no Senado, por iniciativa do governo, de regulação dos serviços de saneamento na esfera federal, instituir a obrigatoriedade de licitação. O modelo proposto abre caminho para o envolvimento de empresas privadas no setor.

Guedes sugeriu a saída do regime de partilha no petróleo. Também existe projeto no Senado que pretende eliminar da legislação brasileira o modelo de partilha de produção, que rege toda a atividade extrativista no pré-sal. E acrescentou:  “Vamos para o marco do setor elétrico, são mais R$ 100 bilhões por ano de investimentos.”

Dá a impressão que para Guedes e elite brasileira o mundo não mudou, mesmo com milhares de mortes por covid-19, quebradeira geral, preço do petróleo no chão, e desemprego avassalador.

Apesar dos desmentidos, o Pró-Brasil sinalizou que a ala militar ainda acredita na participação do Estado para sair da crise, como nos tempos do general Geisel. Aliás, crença compartilhada por governos de todo o mundo.

Paulo Guedes tirou a máscara

“O homem que decide economia no Brasil é um só, chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o Norte, nos dá recomendações e o que nós realmente devemos seguir”. Esse foi o recado do presidente Jair Bolsonaro para acalmar o mercado financeiro na manhã da segunda-feira, 27. Ele estava ao lado do Ministro da Economia e dos ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Tereza Cristina (Agricultura), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O núcleo importante da ala militar do governo não estava presente. Somente Wagner Rosário, capitão do Exército com formação na Academia Militar das Agulhas Negras, mais conhecido por seu perfil técnico.  No entanto, os movimentos da ala militar ainda não são claros.

Desta vez, Paulo Guedes calçou sapatos, vestiu terno, gravata e tirou a máscara, ao contrário de sua performance na sexta-feira passada, 24, quando parecia estar totalmente desconectado do restante da bancada em torno de Bolsonaro.

Logo após a fala de Bolsonaro, na segunda-feira, Guedes arrematou: “Queremos reafirmar a todos que acreditam na política econômica que ela segue, é a mesma política econômica, vamos prosseguir com as reformas estruturantes.” Também foi dito que o governo vai lançar novos editais de concessões de portos, e outros de concessões de rodovias e ferrovias já estão em análise pelo Tribunal de Contas da União.

Na sexta-feira, circulava na mídia a possibilidade de Guedes ser o próximo ministro a ser defenestrado. Como sempre faz quando se sente ameaçado, o mercado financeiro derrubava a bolsa e desvalorizava ainda mais o real. A grande mídia, com a Globo na frente, alardeava que abandonar o projeto liberal de Guedes seria um desastre.

Paulo Guedes (2)
Paulo Guedes

A razão disso tudo foi o anúncio, na semana passada, feito pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, sem a presença de Paulo Guedes, de um esboço do programa Pró-Brasil, um conjunto de ações de investimentos para gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país, em resposta aos impactos trazidos pela pandemia do novo coronavírus. O programa prevê inicialmente aportes de recursos públicos de R$ 30 bilhões até 2022 e a criação de um milhão de empregos no período.

Portanto, o que está em discussão é um estado mais social proposto pela ala militar do governo ou o projeto liberal de Guedes apoiado pela Globo, entidades empresariais e o setor financeiro. O cenário continua incerto.

O orçamento federal previsto para investimentos em 2020 era de R$ 22,4 bilhões, apenas 0,3% do PIB, o menor desde 2004. Agora, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o déficit primário do Brasil deve ficar em torno de R$ 300 bilhões neste ano, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), em razão do novo coronavírus (Covid-19).

E não se fala mais nisso, conforme Guedes, que reforçou o empenho pelas reformas estruturais e garantiu que não derruba a Emenda Constitucional 95/2016, que estabelece o teto de gastos públicos. Entre 2018 e 2020, a estimativa de perda é de pelo menos R$ 22 bilhões do Sistema Único de Saúde, que atende a 75% da população.

Enquanto isso, a auditora fiscal aposentada, Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, lembra que o governo dispõe de mais de R$ 1 trilhão no caixa único do Tesouro, reservados apenas para o pagamento de uma questionável dívida que nunca foi integralmente auditada.

Um projeto de lei do senador Humberto Costa (PT-PE) autoriza a União a aplicar R$ 1,3 trilhão no combate ao coronavírus. De acordo com o PL 875/2020, o Poder Executivo pode usar o superávit financeiro registrado no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2019 nas ações de enfrentamento à covid-19.

Previsão de retrocesso profundo

As economias mundiais estão vendo um retrocesso que vai ser, no mínimo, tão grande quanto a crise financeira mundial de 2008, mas que, muito provavelmente, vai ser muito maior e mais profundo. Ao contrário da política liberal do Governo Bolsonaro, os países estão se valendo tanto de políticas fiscais – aquelas que os governos definem por meio de seus orçamentos – quanto monetárias – praticada pelos bancos centrais.

O jornal britânico Financial Times informou que os bancos centrais estão reduzindo as taxas de juros para facilitar a vida dos captadores de empréstimos. Aqui, apesar da queda da taxa básica de juros, boa parte dos pequenos e microempresários não conseguem sensibilizar os bancos.

Outra ação, conforme o Financial Times, é colocar rios de dinheiro nos mercados financeiros para incentivar os bancos a continuarem dando empréstimos na economia real. Guedes também fez isso, mas no Brasil os bancos guardaram boa parte desse dinheiro nos cofres.

Em relação as políticas fiscais, governos no mundo vêm usando seus orçamentos de forma vigorosa e se valendo de quantias inéditas para amortecer os choques. A maioria dos países da Europa vem se comprometendo a subsidiar os salários das pessoas que estão sendo demitidas. A intenção é reduzir o impacto da pandemia em termos de destruição de empregos e empresas.

O presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo, disse que nenhum cidadão francês ficará sem recursos. No Brasil, a população enfrenta todo o tipo de dificuldades para retirar míseros R$ 600.

Ala militar do governo propõe participação do Estado na recuperação da economia

Em ritmo alucinante, o noticiário vindo de Brasília termina a semana com a polêmica saída do ministro da Justiça, Sérgio Moro do Governo Bolsonaro. Estupefato, o brasileiro comum, confinado de pijama e chinelos devido a pandemia do novo coronavírus, acompanha sem saber se terá dinheiro para comer nos próximos dias.

Pelo viés econômico da coluna, ressalto o anúncio do ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, nesta quarta-feira (22), de um novo programa de investimento lançado pela ala militar do governo em conjunto com os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) batizado de Pró-Brasil.

O objetivo, segundo o general, é gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país em resposta aos impactos trazidos pela pandemia do novo coronavírus. O programa reúne ações de todos os ministérios e será coordenado pela Casa Civil.

Braga Netto ressaltou que não se trata de um Plano Marshall – ajuda dos Estados Unidos para Europa no pós- 2ª Guerra -, por ser um programa interno.  Na verdade, lembra mais o New Deal, um plano coordenado pelo Estados Unidos sob o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt. A ideia era que o Estado usasse do seu poder para acelerar a aprovação de medidas e de ferramentas de ampliação de gastos, para recuperar a economia norte-americana após a Grande Depressão dos anos 1930.

O New Deal foi influenciado pela teoria econômica de John Maynard Keynes, economista britânico que apontava a necessidade da mediação econômica do Estado para garantir o bem-estar da população. Portanto, totalmente contrário ao liberalismo radical do ministro da Economia Paulo Guedes, que não compareceu na coletiva de imprensa de lançamento do programa.

É digno de nota os nomes dados aos dois eixos de ação no Pró-Brasil: Ordem e Progresso. No eixo Ordem serão contempladas medidas como o aprimoramento do arcabouço normativo, atração de investimentos privados, segurança jurídica, melhoria do ambiente de negócios e mitigação dos impactos socioeconômicos. No eixo Progresso, estão previstos investimentos com obras públicas, custeadas pelo governo federal, e de parcerias com o setor privado.

É o lema do Positivismo. O principal movimento de oposição à República Oligárquica durante a década de 1920 foi o Tenentismo, formado principalmente por oficiais de baixa patente do Exército Brasileiro. Os tenentes lutavam, entre outras reivindicações, contra a perda de um espaço de formação política positivista que havia caracterizado o Exército desde os finais do Império. Os ideais tenentistas acompanharam boa parte dos militares durante todo o século XX.

Não podemos esquecer que em 1974, no governo do general Ernesto Geisel, foi lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), definido no estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como uma das mais ousadas iniciativas do nacional‑desenvolvimentismo. O objetivo era enfrentar a crise internacional da época sem levar o país à recessão, definindo uma série de investimentos em setores-chave da economia. Combinava ação do Estado, da iniciativa privada e do capital externo. “Foi capaz de dotar o Brasil de uma cadeia produtiva completa, algo inédito na periferia.”

Até o momento, os generais integrantes do Governo Bolsonaro não tinham demonstrado claramente se apoiavam uma política desenvolvimentista, com participação do Estado, ou o ultraliberalismo do ministro Paulo Guedes, que em uma conferência na Câmara de Comércio dos Estados Unidos, em Washington, disse que o Brasil estava à venda.

Parte dos empresários e economistas conservadores, mas não da extrema direita, já vinham pedindo ao governo federal a elaboração de um “novo Plano Marshall” para salvar a economia brasileira de um possível colapso.

No entanto, a reação negativa da Globo, de entidades como a LIDE – Grupo de Líderes Empresariais – e o mercado financeiro ao Pró-Brasil foi imediata. Vieram os discursos do déficit primário na casa dos R$ 550 bilhões, equivalente a 7,5% do PIB, pelas perdas de receitas com a recessão e do aumento das despesas para mitigar os efeitos perversos da pandemia. A área econômica do governo apelidou o Plano Pró-Brasil de “Dilma 3” por prever a ampliação do gasto público para a retomada econômica por meio de obras em infraestrutura.

O economista André Lara Resende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, em mais um artigo provocador publicado no jornal Valor Econômico, diz que dogmatismo fiscal não ameaça só a economia: “é hora de parar de repetir chavões anacrônicos e de repensar, senão quem pagará é a democracia.” E acrescenta: “Até os mais empedernidos defensores do equilíbrio fiscal – e no Brasil de hoje eles dão as cartas – reconhecem que diante da crise é preciso que o Estado gaste para evitar uma verdadeira catástrofe humanitária.”

Os defensores do equilíbrio fiscal preferem não lembrar que na Europa, o BCE já sancionou uma expansão monetária superior a 6% do PIB.  A França aprovou gastos de emergência que chegam a mais de 15% do PIB. Talvez o temor do mercado financeiro é que o programa Pró-Brasil tire dinheiro do pagamento dos juros a dívida pública, que chega a 45% do orçamento, que vai para os cofres dos bancos.

Eles esquecem também que, ao contrário de países como Estados Unidos, França e Alemanha, o Brasil já está em estado de calamidade pública há muito tempo, piorando nos últimos cinco anos. O Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) prevê uma “profunda recessão” em 2020, com o desemprego próximo dos 18%.

No Relatório de Riqueza Global, divulgada pelo banco Credit Suisse em 2019, o Brasil foi um dos países do mundo onde mais cresceu o grupo de milionários “ultra-high”, aqueles com riqueza acima de US$ 50 milhões, perdendo apenas para os Estados Unidos. A estimativa do banco é que o 1% mais rico da população brasileira detém 49% de toda a riqueza familiar do país. Quem sabe taxando as grandes fortunas teremos dinheiro para financiar o Pró-Brasil.

Ampliação do auxílio emergencial será votado pelo Senado

Nesta quarta-feira (22), às 16h, acontecerá a sessão deliberativa remota do Senado Federal para votar a proposta que amplia para mais pessoas o direito de receber o auxílio emergencial de R$ 600,00, que está sendo pago a trabalhadores informais (cerca de 40 milhões) prejudicados pela pandemia do novo coronavírus.

O governo federal divulgou em 2 de abril o auxílio com uma burocracia com requintes de crueldade para quem não tem nada, como baixar aplicativo, regularização do CPF, provocando filas debaixo de chuva, com pessoas passando a madrugada em frente as agências da Receita Federal. O resultado é que até agora o auxílio só foi pago a 24,2 milhões de pessoas, num total de R$ 16,3 bilhões, conforme o Ministério da Cidadania.

O que vai para votação é um texto substitutivo da Câmara dos Deputados ao projeto do Senado, que estende o benefício para outras categorias de trabalhadores informais e autônomos, como caminhoneiros, diaristas, garçons, catadores de recicláveis, motoristas de aplicativos, manicures, camelôs, garimpeiros, guias de turismo, artistas, taxistas, entre outros.

O texto do Senado inclui no auxílio os sócios de empresas que estão inativas e as mães adolescentes (não contempladas pela lei porque o auxílio é destinado aos maiores de 18 anos). Também estende para aos lares monoparentais a possibilidade de receberem duas cotas do auxílio emergencial (R$ 1.200), uma vez que a lei havia restrito essa possibilidade apenas às mulheres chefes de família.

O PL 873/2020 é do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e foi relatado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC) no Senado, onde foi aprovado por unanimidade. Ao passar pela Câmara, no entanto, ele ganhou emendas e, por isso, deve ser analisado novamente pelos senadores.

A Câmara foi além das categorias previstas por Randolfe e incluiu entre os possíveis beneficiários vendedores porta a porta, esteticistas, pessoas que atuam na economia solidária e pescadores artesanais que não recebam o seguro-defeso, entre outros. Também poderão receber o auxílio os empregados de contrato de trabalho intermitente, aqueles com renda mensal inferior a um salário mínimo, bem como aqueles empregados rurais e domésticos, ainda que tenham contrato de trabalho formalizado.

O texto também veda que instituições financeiras responsáveis pelo pagamento efetuem descontos a pretexto de recompor saldos negativos ou saldar dívidas preexistentes dos beneficiários. Ou seja, se alguém estiver devendo ao banco, o auxílio não poderá ser automaticamente retirado para cobrir a dívida.

O substitutivo da Câmara proíbe a recusa do auxílio emergencial a quem declarar não ter CPF. O governo se comprometeu a regulamentar o tema a fim de evitar fraudes, indicando os documentos que serão aceitos. Os deputados previram a regularização automática dos CPFs sem cobranças bancárias. O texto da Câmara manteve a possibilidade da suspensão de pagamentos ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

O que o Congresso está fazendo é incluir entre os beneficiários dos míseros R$ 600, além dos 40 milhões de informais, microempreendedores individuais (MEI), algo próximo de 10 milhões; desempregados, 12 milhões; ainda cerca de 6,4 milhões de estabelecimentos, 99% micro e pequenas empresas (MPE), conforme o Sebrae. As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões), boa parte deles já dispensados. Portanto, são aproximadamente 100 milhões de pessoas sem renda, que deveriam receber, mais de um salário mínimo, hoje cerca de 209 dólares, para que o Brasil não entre em caos social.

Argentina enfrenta os tubarões

O jornal “Financial Times” divulgou esta semana que três grupos que reúnem os principais credores da Argentina rejeitaram a proposta do governo para reestruturar parte de sua dívida externa sob legislação estrangeira. Esta situação é exemplar para entender como a globalização sugou a renda das populações da América Latina.

Entre os membros desses credores os maiores gestores de ativos do mundo, como AllianceBerstein, Amundi Asset Management, Ashmore, BlackRock Financial Management, BlueBay Asset Management, Fidelity Management & Research e T. Rowe Price Associates.

Vejam só: o grupo afirmou que a proposta apresentada pela Argentina é “injusta”, porque fica sobre os ombros do grupo “uma parte desproporcional dos esforços de ajustamento de longo prazo”. Na última semana, o governo do presidente Alberto Fernández pediu três anos de moratória no serviço da dívida externa, desconto de 62% sobre o total dos juros e de 5% sobre o estoque da dívida.

Bem-vindos ao século XXI

Na década de 1990, os ativos financeiros adquiriram uma expressão sem precedentes na história do capitalismo mundial. Observou-se um crescimento significativo da participação dos haveres financeiros na composição da riqueza privada.

“Essa maior participação dos haveres, tanto nos ativos das famílias como nos das empresas, fez com que a taxa de juros passasse a ser uma variável determinante nas decisões de consumo e investimento. Esse movimento caracteriza-se como o fenômeno da financeirização das economias capitalistas”, escreveu Antônio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela Unicamp, no livro “Globalização e investimento estrangeiro no Brasil”.

O valor da massa de ativos financeiros transacionáveis nos mercados de capitais de todo o mundo cresceu de US$ 5 trilhões no início dos anos 1980, para US$ 35 trilhões em 1995, segundo o Bank of International Settlements (BIS).

O especialista em cenários de risco global em uma instituição financeira de Londres, Toni Timoner, escreveu num artigo publicado por Letras Libres, traduzido pelo Centro de Promoção de Agentes de Transformação (CEPAT), Instituto Humanitas Unisinos: “A Covid-19 é o espinho na globalização. O que a crise de 2008-09 e a revolta identitária não tinham conseguido em uma década, um vírus alcançará em meses. O mundo será instável, compartimentado e suas partes sob suspeita mútua. Haverá empobrecimento geral e desaceleração tecnológica. Se antes havia sincronia e concerto, agora haverá assincronia e desordem. Navegação em águas turbulentas. Bem-vindos ao século XXI.”

O economista Paulo Nogueira Batista Jr., que trabalhou 10 anos no FMI e nos Brics, em live esta semana no Brasil 247, juntamente com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, e o ministro no governo Lula, José Dirceu, disse que a desglobalização já está ocorrendo. “A globalização durou 30 anos e desde 2000 vem sofrendo repetidos baques. O primeiro foi na crise do subprime, em 2008 e 2009, quando houve um grande exercício para preservar o paradigma liberal. Depois o segundo grande baque das lideranças de direita foi a briga com a China. Agora, o coronavírus.  É o momento de mudar o paradigma.”

Para Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, temos uma crise da hegemonia dos EUA: “É só olhar o comportamento do presidente Trump, de quem está perdendo. São reações desproporcionais, como o anúncio da suspensão do financiamento dos EUA à Organização Mundial da Saúde. Ironicamente, essa hegemonia está sendo perdida pela forma de expansão do poder norte-americano a partir dos anos 1980. Veja só, a 3M está fornecendo máscara produzida na China. Esse é um movimento do capitalismo norte-americano que ajudou o projeto nacional de desenvolvimento chinês. A globalização dos Estados Unidos permitiu que a China realizasse seu projeto econômico nacional. Nesse jogo, os Estados Unidos acabaram construindo um rival que está conseguindo superá-lo na sua capacidade de construção interna.  E não é só a China, mas também seus aliados asiáticos. O Brasil está numa posição muito ruim em relação a isso, pois quer se aliar com um país declinante. Não é que os Estados Unidos vão ficar um país fraco, mas está perdendo hegemonia.”

No artigo “Schumpeter, o Dinheiro e a Moeda”, publicado em fevereiro passado no Valor Econômico, Belluzzo diz que a dita “financeirização” não é uma deformação do capitalismo, mas um “aperfeiçoamento” de sua natureza. Na incessante busca da “perfeição”, ou seja, na busca de dinheiro a partir do dinheiro, o capitalismo excita esperanças de enriquecimento e solapa as ilusórias realidades da “economia real”.

E finaliza: “O mundo das finanças viveu uma relativa calmaria nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Há quem sustente que a escassez de episódios críticos deve ser atribuída, em boa medida, às políticas de “repressão financeira”. Nascidos da Grande Depressão, esses controles impuseram a separação entre os bancos comerciais demais intermediários financeiros, direcionamento do crédito, tetos para as taxas de juro e restrições ao livre movimento de capitais entre as praças de negócios de moedas distintas. Tentaram disciplinar o Espírito Dinheirista para dar curso à Boa Alma Moedeira. O Espírito escapou.

Governo Bolsonaro é contra pacote de ajuda aos Estados e municípios

O pacto federativo estabelecido na Constituição de 1988 foi baseado no princípio da descentralização político-administrativa. No contexto de redemocratização do País, os constituintes rejeitaram a centralização que vigorou no regime militar e deram especial destaque ao papel dos municípios.

Para que os governos locais pudessem oferecer saúde, educação e outras ações sociais, além de fazer investimentos de urbanização considerando a realidade específica da população, foram concedidas competências tributárias e aumentadas as transferências do governo federal para os níveis subnacionais.

Nas décadas seguintes, porém, o cenário fiscal foi marcado pela reconcentração de receitas no âmbito federal, seja pela criação de tributos na forma de contribuições que não são compartilhadas, seja por políticas de renúncia fiscal sobre os impostos compartilhados.

No Brasil, aproximadamente 60% dos recursos arrecadados da população ficam na mão da União, estados com 25%, enquanto os municípios brasileiros, os primos pobres, recebem cerca de 15% dos repasses.

Conhecendo essa realidade, a Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o pacote de ajuda para o governo federal compensar estados, Distrito Federal e municípios pela queda de arrecadação do ICMS e do ISS em razão da pandemia de Covid-19.

A ajuda emergencial do governo federal prevê a transferência de recursos diretos para Estados e municípios enfrentarem a queda de arrecadação tributária. O auxílio financeiro corresponderá à diferença nominal entre a arrecadação do ICMS e do ISS de cada Estado nos meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2020 em relação aos mesmos meses do exercício anterior. Os recursos serão repassados diretamente, sendo 75% ao Estado e 25% aos municípios, nos meses de maio a outubro.

De acordo com o secretário da Fazenda do RS, Marco Aurélio Cardoso, a recomposição da arrecadação é extremamente importante para o Rio Grande do Sul e outros Estados que já vêm enfrentando, desde março, dificuldades fiscais agravadas pela pandemia do novo coronavírus. “É o governo federal que consegue dar suporte e respostas aos Estados neste momento, antes de entrarmos em colapso financeiro diante da emergência sanitária imposta pela Covid-19. O Rio Grande do Sul tem perdas de arrecadação estimadas em R$ 2,5 bilhões caso a crise se estenda por três meses e precisamos realmente que aporte de recursos para controlar a queda de receita do ICMS seja aprovado de forma célere”, ressaltou.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, pulou de sua cadeira estofada, derramando café no piso de granito, e esbravejou: “Vincular a ajuda financeira aos entes à queda na arrecadação de ICMS e ISS daria um cheque em branco a estados ricos”. Ele quer, ainda, obrigações e contrapartidas.

No entanto, o Banco Central lançou recentemente um conjunto de medidas para aumentar a liquidez do Sistema Financeiro Nacional (SFN) em R$ 1,2 trilhão, com o objetivo de garantir que as instituições financeiras tenham recursos para atender às demandas do mercado e nenhuma contrapartida foi imposta. Inclusive, pesquisa feita pelo Sebrae, constatou que a maioria (60%) dos donos pequenos negócios que já buscou crédito no sistema financeiro desde o início da crise do Coronavírus teve o pedido negado.

A matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados por 431 votos a 70, na forma do substitutivo do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), e prevê que o dinheiro deverá ser usado em ações de enfrentamento ao coronavírus.  O projeto ainda terá que passar pelo Senado. Congressistas acreditam na derrubada de um possível veto do Presidente.

A expectativa de queda de arrecadação dos estados é da ordem de 30% em relação ao ano passado, algo em torno de R$ 80 bilhões se forem contados os seis meses (maio a outubro).

BC é contra imprimir dinheiro para recuperar economia

A pandemia do novo coronavírus foi o imponderável que surgiu na frente do projeto liberal-financista do governo Bolsonaro, que reduz o Estado, precariza o trabalho, saúde e educação pública, fortalece o domínio do capital através da concentração de renda e avança no processo de desindustrialização. O resultado é a nação brasileira voltando ao modelo de organização econômica próximo da Plantation (monocultura para exportação), espaço a ela destinada na geopolítica imperialista, com a miséria espalhada por todos os cantos.

Ao contrário do projeto do Governo Bolsonaro, o mundo no pós-pandemia precisará de um Estado forte para enfrentar uma crise econômica e o desemprego. A Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentou esta semana dois cenários e no melhor deles o comércio internacional declinará 13% em 2020. No pior, 31,9%.

No entanto, a agenda de reformas liberais e concentradoras de renda continuam na mesa dos burocratas do governo federal, esperando a pandemia passar. Esta semana, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, avisou que a agenda das reformas é essencial para a economia brasileira e – mesmo com a pandemia da covid-19 – não pode ser totalmente abandonada.

O presidente do BC afirmou, ainda, que imprimir dinheiro para conter a crise do coronavírus não é a melhor saída. Ele saiu do economês “expandir a base monetária” e repetiu linguagem mais popular utilizada pelo secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central no governo Lula. Meirelles, que foi um dos principais executivos internacionais do americano BankBoston, deu um recado ao governo federal: é hora aumentar fortemente suas despesas para conter o impacto do coronavírus sobre a saúde e a economia.

Para Meirelles, a retração da economia agora será tão brutal que não existe risco de inflação, caso a autoridade monetária emita moeda para ajudar a turma do andar de baixo da economia. Ele entende que o Banco Central tem grande espaço para expandir a base monetária e recompor a economia. “Não há risco nenhum de inflação nessa situação”, completou em entrevista à BBC News Brasil.

O economista André Lara Resende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, disse recentemente que “a atual política econômica do governo brasileiro está asfixiando e destruindo o Estado, o que elimina a chance de se criar uma economia de mercado saudável. “Esse viés fiscalista é fruto de mitos e de um liberalismo anacrônico de Chicago dos anos 1960.” Recado direto ao Chicago boy, ministro Paulo Guedes.

Segundo a agência Reuters, os ministros das Finanças e os presidentes dos bancos centrais do G7 se comprometeram nesta semana a ampliar as ações fiscais e monetárias pelo tempo necessário para restaurar o crescimento e a confiança, abalados pelo coronavírus. O Reino Unido pagará até 80% dos salários dos empregados.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) informou que vários governos de todo o mundo já desembolsaram US$ 8 trilhões em medidas de estímulo fiscal desde o início da crise. Nos últimos dois meses, mais de US$ 100 bilhões saíram dos mercados emergentes. O montante é três vezes maior do que o registrado na crise financeira global de 2008-2009.

Enquanto isso, no Brasil, os informais ainda estão envolvidos com uma burocracia de pura crueldade para receber 600 reais. O restante das medidas favorece bancos, sugere endividamento das pessoas e empresas ou antecipam valores que seriam recebidos no futuro.

Apesar das medidas anunciadas nas últimas semanas pelo governo federal, a maioria (60%) dos donos pequenos negócios que já buscou crédito no sistema financeiro desde o início da crise do Coronavírus teve o pedido negado. E ainda há bastante desconhecimento dos empresários a respeito das linhas de crédito que estão sendo disponibilizadas para evitar demissões (29% não conhecem as medidas oficiais e 57% apenas ouviu falar a respeito).

Esses dados foram revelados pela segunda pesquisa “O impacto da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios”, realizada pelo Sebrae entre os dias 3 e 7 de abril. O levantamento, que ouviu 6.080 empreendedores de todo o país, mostrou que além da dificuldade de acesso a crédito, os pequenos negócios também enfrentam queda no faturamento.

Falta humanidade para ajudar o pessoal do andar de baixo

No Brasil, a maior dificuldade para enfrentar a pandemia do novo coronavírus, sem sucumbir numa crise econômica de proporções avassaladoras nos próximos meses, é um governo que nunca olhou nada além dos interesses do “mercado”, bancos e grandes fortunas.

Até agora, com boa parte da população confinada em suas casas e sem renda, o governo federal ofereceu a fundo perdido só 200 reais por mês para os informais de baixa renda, ampliado pelo Congresso para 600 reais. Existem uma série de condicionantes para pegar esse valor ínfimo. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, terá que abrir 30 milhões contas digitais gratuitas para os beneficiados pelo auxílio que não têm conta bancária.

Todas as propostas são assim. É preciso uma lupa para entender os detalhes, quem serão os beneficiários, empréstimos com juros. Questões fundamentais como a possibilidade de o banco ficar com os 600 reais das contas negativas não foi pensado. Mais da metade da população está endividada. A imprensa levantou a questão e o governo ficou de analisar.

Os informais que serão beneficiados com a bolsa de três meses são estimados em aproximadamente 40 milhões de pessoas. Só que cerca de 100 milhões de brasileiros, praticamente a metade da população, precisa de ajuda imediatamente, pois vive da mão para boca.

Estão fora do benefício os informais com rendimentos tributáveis em 2018 acima de R$ 28.559,70, que dividido por 12 meses dá 2.380,00 por mês; aqueles “microempresários” inseridos no regime tributário do Simples Nacional, que tratam o antigo “patrão” como “cliente”, sem direito a nada; os desempregados, etc..

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 45% dos trabalhadores no Brasil têm empregos em setores de maior risco de demissões, redução de salários e de horas trabalhadas entre abril e junho. A deterioração financeira atinge diretamente o consumo das famílias, responsável por 65% do Produto Interno Bruto (PIB) do país pelo lado do consumo.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em 2010 que moram em favelas, vilas, assentamentos, 11 milhões de pessoas. Hoje, esse número deve ser bem maior. O Estado não chega lá. As favelas mais populosas e organizadas, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo, estão se defendendo da pandemia por conta própria, inclusive higienizando as ruas.

Enquanto isso, o Governo Bolsonaro injetou nos bancos R$ 1,2 trilhão, com a redução da alíquota de pagamentos compulsórios, entre outras medidas. Uma injeção de liquidez no sistema bancário para impulsionar o crédito, mas os bancos relutam em emprestar neste momento ou pedem pesadas garantias, reclamam os empresários.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende instituir o “Orçamento de guerra”, em discussão no Congresso Nacional, agregou um item que autoriza o Banco Central a “comprar e vender direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”. Significa que o BC, muito provavelmente, vai aliviar as carteiras dos bancos dos chamados “títulos podres”.

Na Argentina, governo de Alberto Fernández não segue o viés liberal-financista do governo brasileiro. Oficializou na segunda-feira (6) o adiamento do pagamento da dívida em dólares emitida sob legislação nacional, só dos títulos de credores locais que venceriam ainda em 2020. A grande imprensa chama de “calote técnico”, para não melindrar o pessoal do andar de cima, detentores dos títulos da dívida pública.

Entidades pedem suspensão do pagamento dos juros da dívida 

A Auditoria Cidadã da Dívida, associação sem fins lucrativos, manifestou-se publicamente por meio de uma Carta Aberta, devido a necessidade de recursos urgentes a fim de socorrer a calamidade provocada pelo novo coronavírus: “Diante do quadro de pandemia, o governo deveria decretar uma completa auditoria da dívida pública, acompanhada da suspensão imediata do pagamento dos juros e encargos, a fim de liberar recursos para investimentos relevantes em áreas essenciais à população, como saúde pública, assistência social, educação. O documento foi enviado às autoridades dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público.

A dívida pública tem consumido quase R$ 2 trilhões do orçamento federal todo ano. O Projeto de Lei do Orçamento de 2020 (PLN 22/2019), aprovado pelo Congresso, prevê o valor total de R$ 3,8 trilhões. Destes, R$ 1,9 trilhão refere-se à amortizações, juros, refinanciamentos e encargos financeiros da dívida pública. Isso corresponde a 50,7 % do total do Orçamento de 2020, maior volume já gasto na história do país em manutenção anual da dívida pública.

Há 20 anos, a Auditoria Cidadã exige o cumprimento da Constituição Federal, que no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina que no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro, sem contrapartida em investimentos de interesse da sociedade. Até agora, nada foi feito.

Também as centrais sindicais dos trabalhadores entregaram ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal o documento “Medidas de proteção à vida, à saúde, ao emprego e à renda dos trabalhadores e trabalhadoras”, onde pedem a “suspensão do pagamento da dívida pública e utilização dos recursos para fortalecer a seguridade social (saúde, previdência e assistência social)”.

Esses documentos foram ignorados pela grande mídia porque a suspensão do serviço da dívida pública é assunto proibido. Por incrível que pareça, a obrigatoriedade do pagamento do “serviço da dívida” está na Constituição e ninguém explica como foi parar lá. Já foi apresentada no Senado uma Proposta de Emenda Constitucional para alteração do art. 166, com supressão em particular a alínea “b” do inciso II do parágrafo 3º, mas está esquecida nas gavetas do Congresso.

Neste momento de paralisia da economia mundial pela pandemia do coronavírus, que já deixou só nos Estados Unidos quase 10 milhões de pessoas sem emprego nas últimas duas semanas, os pagamentos dos juros da dívida estão sendo questionados não só no Brasil. O presidente do Banco Mundial, David Malpass, quer credores bilaterais suspendam temporariamente, até junho de 2021, o pagamento do serviço de dívidas, uma forma de aliviar a situação de alguns países.  Malpass informou que teve uma conversa produtiva com representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o tema.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse “que os credores privados devem deixar de cobrar juros dos países com dívida porque não é possível pagá-los hoje em dia”. Ele transmitiu a mesma mensagem na reunião do G-20.

O diretor-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), espécie de banco dos bancos centrais. Agustín Carstens, propõe soluções urgentes para canalizar liquidez dos bancos centrais, via instituições financeiras, para companhias e indivíduos que mais precisam de recursos na atual crise provocada pela covid-19.