Bullying: um em cada dez estudantes é vítima

Por Tiago Lobo

O fenômeno sempre existiu mas não era estudado. Virou bode expiatório perfeito para achar motivos para “explicar” tiroteios em massa. Especialistas refutam a tese.

Um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2004 concluiu que o Bullying é um problema universal que afeta cerca de um terço de crianças por mês, em todo o mundo. Para cerca de 11% de crianças, este tipo de abuso, praticado pelos seus companheiros, é severo (várias vezes por mês).

No Brasil, um em cada dez estudantes é vítima segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015. A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação e existe até uma data instituída por meio da Lei nº 13.277 para o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência nas Escolas, 7 de abril.

O Diagnóstico Participativo das Violências nas Escolas, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) em 2015, com apoio do MEC, revelou que 69,7% dos estudantes declaram ter presenciado alguma situação de violência dentro da escola. Isso fez com que o bullying fosse incluído na Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015: 7,4% dos estudantes informaram que já se sentiram ofendidos ou humilhados e 19,8% declararam que já praticaram alguma situação de intimidação, deboche ou ofensa contra algum de seus colegas.

A psicóloga e professora da Pós-Graduação em psicologia da PUCRS, Carolina Lisboa, pesquisa os processos de bullying, cyberbullying, desenvolvimento social e sócio-cognições em contextos virtuais. No estudo “O fenômeno bullying ou vitimização entre pares na atualidade: definições, formas de manifestação e possibilidades de intervenção”, publicado em parceria com os pesquisadores Luiza de Lima Braga e Guilherme Ebert, conclui-se que a participação contínua em episódios de bullying gera distorções nas concepções de emoções e desenvolvimento moral.

Lisboa define o fenômeno como um processo de vitimização entre pares: pelo qual uma criança ou adolescente é sistemática e repetidamente exposta a um conjunto de atos agressivos (diretos ou indiretos), que ocorrem sem motivação aparente, mas de forma intencional. Pode ser protagonizado por um ou mais agressores e é caracterizado pelo desequilíbrio de poder e ausência de reciprocidade. A vítima possui, geralmente, pouco ou quase nenhum recurso para se defender.

O estudo o avalia como um subtipo de comportamento agressivo que gera atos violentos e, na maioria das vezes, ocorre dentro das escolas. E emerge na interação social.

“Como está associado a um processo normativo de formação de identidade e exclusão dos diferentes (na individuação eu vou definindo quem sou a partir de quem não sou), sempre acontece bullying”, afirma Lisboa, ressaltando que não significa dizer que a prática é justificável. Para a pesquisadora o Bullying se mantém por conta do preconceito e juízo de valor agregado a um processo natural de formação de identidade pessoal, passando pelo grupo de iguais.

Os efeitos do bullying variam de acordo com cada vítima: “Uma pessoa pode sofrer bullying e não representar um trauma e pode sofrer um assalto e significar como trauma. Bullying e cyberbullying são violências gravíssimas com impactos negativos”, aponta Lisboa.

Ela explica que as implicações possíveis na saúde mental de crianças e adolescentes passam por baixa autoestima, baixa autoconfiança e autoeficácia, dificuldades de controle de emoções (especialmente de raiva), dificuldades acadêmicas, profissionais, insegurança, agressividade, isolamento, fobia social, uso de substâncias, depressão e ansiedade.

Quando pergunto se o bullying pode levar uma pessoa a cometer um tiroteio em massa Carolina Lisboa é categórica:
“Não vou chancelar essa ideia. Gostaria de deixar claro que não acredito nesta linha de raciocínio. Muitas variáveis influenciam nestas tragédias inclusive histórico de saúde mental pregresso, cultura entre outros. Uma coisa é o bullying e outra é a psicopatologia”.

Apesar de o ambiente escolar ser o palco de maior prevalência de bullying, o fenômeno ocorre em outros contextos, não se restringe a um determinado nível socioeconômico, tampouco a uma faixa etária específica ou gênero

A pesquisadora revela que o que mais aprendeu nos seus estudos é que agressores também sofrem e permanecem na violência com medo de que sejam vítimas no futuro. Eles ficam reféns em um ciclo, e podem não ter intenção de machucar e nem entender que estão machucando, visto que as pessoas têm diferentes níveis de empatia e alguns não são empáticos.

Para lidar com vítimas e agressores, a comunicação familiar é fundamental. Pais devem ir até a escola, estabelecer limites claros e criar oportunidades para favorecer diferentes habilidades que nutram a autoestima dos filhos, favorecendo relações do jovem fora da escola.

Agressividade sempre gera agressividade e somos influenciados por modelos, portanto, Lisboa sugere que “Ao invés de eleger culpados deveríamos pensar em uma cultura não agressiva e violenta em todas as escolas e na sociedade. Sem punições inadequadas e com valorização do amor, da alegria, da solidariedade”.
Acompanhe as reportagens da série:

RS ocupa o 4º lugar no “ranking do ódio”

Por Tiago Lobo

Durante três meses – de abril a junho de 2016 – o Comunica Que Muda (CQM), uma iniciativa da agência de publicidade nova/sb, monitorou dez tipos de intolerância nas redes sociais e lançou um dossiê. Foram analisadas 542.781 menções. Nos dez temas pesquisados, o percentual de abordagens negativas estava acima de 84%. A negatividade nos temas que tratam de racismo e política era de 97,6% e 97,4%, respectivamente.

A intolerância de maior audiência na época era a política (quase 274 mil menções), mais de três vezes superior à misoginia, que aparece em segundo lugar, com quase 80 mil menções. Vale lembrar que o país recém passara pelo processo de Impeachment da ex-presidente Dilma Roussef.

A quantidade em números absolutos colocava o Rio Grande do Sul em 4º lugar com 14.479 menções. Analisando a proporcionalidade em relação à sua população, que era de 11.247.972 segundo dados do IBGE de 2015, o estado gaúcho desce 2 posições, ficando em 6º mais intolerante na internet.

Imagine que o Facebook recebe, por dia, cerca de 1 milhão de denúncias de postagens de ódio ou conteúdo ilegal. Devido ao aumento dos casos, em fevereiro de 2016 ele inaugurou no Brasil a Central de Prevenção ao Bullying, que já existia em outros 50 países. Em maio do mesmo ano as gigantes Microsoft, Google, Twitter e Facebook assinaram um documento elaborado pela União Europeia para que o discurso de ódio fosse controlado com mais eficiência.

Desde 2006  A ONG SaferNet Brasil*, mantém um canal para receber denúncias relacionadas a crimes de ódio online. Já foram mais de 2 milhões de casos reportados. 28% são sobre racismo e 69% das vítimas que procuram ajuda são mulheres. E estes dados são apenas de uma iniciativa que monitora a surface web, a camada que todos nós navegamos.

De acordo com dados da ONG, entre 2010 e 2013 houve um aumento de mais de 200% no número de denúncias contra páginas que divulgaram conteúdos racistas, misóginos, homofóbicos, xenofóbicos, neonazistas, de intolerância religiosa, entre outras formas de discriminação contra minorias em geral.

“De maneira geral, o discurso de ódio costuma ser definido como manifestações que atacam e incitam ódio contra determinados grupos sociais baseadas em raça, etnia, gênero, orientação sexual, religiosa ou origem nacional”, diz o site da SaferNet Brasil.

Protegidas, pelo suposto anonimato, pessoas se sentem seguras para ofender, atacar, criar boatos e propagar preconceitos contra minorias. Isso é cyberbullying. Um crime. Mas como diria o escritor italiano Umberto Eco ao receber um título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, em junho de 2015, “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. Em alguma medida ele pode ter razão.

*Caso encontre imagens, vídeos, textos, músicas ou qualquer tipo de material que seja atentatório aos Direitos Humanos, faça a sua denúncia aqui.

Acompanhe as reportagens da série: