Veneno é a boiada da vez!

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira passada (9/2) Projeto de Lei (PL) 6299/02, conhecido como “PL do Veneno”, que flexibiliza a lei vigente dos agrotóxicos (7.802/1989), que proíbe o registro no país de produtos que possam causar câncer, mutilação, gerar malformações congênitas – ou mutagênicos – que afetam a molécula de DNA –, entre outros problemas de saúde.

O “PL do Veneno” centraliza no Ministério da Agricultura as tarefas de fiscalização e análise desses produtos para uso agropecuário. Atualmente, é necessário o aval de diferentes órgãos para que um novo produto seja aprovado, entre eles a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde.

Também prevê a concessão de registro temporário se o prazo não for cumprido. Atualmente, devido à complexidade da análise dos riscos e à falta de testes em humanos, os pedidos de registro podem demorar cerca de sete anos para terem um parecer definitivo.

Com o projeto de lei, aprovado na forma do substitutivo do relator, deputado Luiz Nishimori (PL-PR), caso o pedido não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois anos, o órgão registrante será obrigado a conceder um registro temporário (RT), para agrotóxico novo, ou uma autorização temporária (AT), para aplicação de um produto existente em outra cultura para a qual não foi inicialmente indicado.

O Rio Grande Sul é duplamente atingido porque, em julho de 2021, o plenário da Assembleia Legislativa aprovou o PL 260 2020, enviada pelo governador Eduardo Leite (PSDB), que altera a Lei nº 7.747 de 22 de dezembro de 1982. A mudança mais polêmica é o fim da exigência, pelo Estado, de que produtos agrotóxicos provenientes de importação tenham seu uso autorizado no país de origem, mantendo-se a exigência do registro junto ao órgão federal competente bem como do cadastro nos órgãos competentes estaduais.

O PL de Eduardo Leite atende principalmente aos interesses dos exportadores de soja, ao liberar agrotóxico proibido no país de origem. O registro do produtor fica por conta da Lei Federal nº 7.082/89, que dispõe sobre a pesquisa do agrotóxico, a experimentação, a produção, a embalagem e a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, etc., e que corre o risco de ser revogada.

O posicionamento do governo Eduardo Leite, favorável aos interesses dos exportadores de soja, não é novo. Nos últimos anos, a deriva de 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético), agrotóxico utilizado em áreas de plantio de soja, atingiu produção de uva (vinho), tabaco, oliva, maçãs, pêssegos, ameixas, mel e hortaliças, provocando perdas significativas. Deriva é a porção do agrotóxico aplicado que não atinge o alvo desejado, podendo se depositar em áreas vizinhas, com potencial de impacto no ambiente. Por isso, a diversificação de culturas do Rio Grande do Sul está ameaçada. Mesmo assim, a deriva continua liberada.

 

Senado sem pressa

Devido às mudanças aprovadas pelos deputados, o Projeto de Lei 6299/02, do Senado, volta àquela Casa para nova votação. O PL 6299/02 terá trâmite “sem nenhuma especificidade” no Senado e será apreciado segundo critérios técnicos, declarou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em entrevista coletiva ao fim da sessão deliberativa da quinta-feira (10).

Ele acrescentou que, independentemente da colocação desse projeto na lista de prioridades do governo federal, sua tramitação dependerá da avaliação dos senadores. “Certamente esse projeto será colocado na reunião de líderes, e os líderes vão poder opinar a respeito da prioridade deles. É o próprio andamento do projeto aqui na Casa”, disse.

A fala de Pacheco e as diversas críticas do meio acadêmico, entidades civis e ONGs importantes deixam claro que não será fácil passar o “PL do Veneno” no Senado em ano eleitoral. Até o conservador jornal O Globo fez um editorial condenando a aprovação do “PL do Veneno”.

A professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Silvia do Amaral Rigon, em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, em setembro de 2021, lembrou que o Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A maior parte é usada em lavouras de soja, milho e cana-de-açúcar nas regiões Sul, Centro-Oeste e em São Paulo. De acordo com a professora, apenas cinco dos maiores produtores respondem por mais de 50% dos agrotóxicos consumidos no Brasil. A professora também chamou atenção para o aumento de suicídios relacionados aos agrotóxicos utilizados na lavoura de fumo na Região Sul.

Dados do Ministério da Economia apontam que o Brasil importou 335 mil toneladas de agrotóxico em 2019. O número representa recorde em uma marca histórica iniciada em 1997 e crescimento de 18% em relação a 2018. Ao todo, a importação desse tipo de produto aumentou 11 vezes desde 2000.

O Brasil encerrou 2021 com 562 agrotóxicos liberados, maior número da série histórica iniciada em 2000 pelo Ministério da Agricultura. Ainda em dezembro, o total de aprovações já tinha superado o recorde de 2020. As últimas liberações de 2021 foram publicadas em janeiro no Diário Oficial da União (DOU). O volume foi 14% superior ao de 2020, quando 493 pesticidas foram autorizados. Os registros vêm crescendo ano a ano no país desde 2016, após a queda da presidenta Dilma Rousseff (PT) e a posse do interino Michel Temer (MDB).

 

Críticas durante tramitação

A tentativa de mudar a lei já foi alvo de críticas de diferentes entidades ao longo da tramitação do chamado “PL do Veneno”, que inicialmente foi apresentado em 2002.

A Comissão Científica em Vigilância Sanitária (CCVISA) divulgou uma moção de apoio à Anvisa. A entidade manifestou-se contrária ao PL 6.299/2002. Para a CCVISA, mudanças na legislação devem ser feitas “sempre na direção de ampliar e fortalecer, tanto as garantias de acesso a alimentos seguros pela população, quanto a proteção do ambiente da nação brasileira, e nunca ao contrário”.

Além de enfraquecer a regulação no país, o PL coloca o Brasil em desalinhamento em relação às políticas e boas práticas internacionais, o que pode gerar impactos negativos na balança comercial brasileira.

“Hoje assistimos a mais um ataque contra a sociedade. A aprovação do Pacote do Veneno é escandalosa e joga no lixo o pouco de proteção que ainda tínhamos. Esses 301 deputados não governam para a sociedade, que tem constantemente se manifestado contrária e clamado pelo caminho oposto, o da redução do uso de agrotóxicos. Gostaria muito de saber o que esses (des)governantes falariam para seus bisnetos lá na frente”, diz Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira de Agroecologia apresentaram um dossiê científico contra o projeto. O material teve apoio da Fiocruz.

Aproximadamente um terço da receita das principais fabricantes de agrotóxicos do mundo vem de produtos classificados como “altamente perigosos”, que têm como destino, em sua maioria, países emergentes, como Brasil e Índia, e países pobres.

O levantamento feito pela Unearthed, organização jornalística independente financiada pelo Greenpeace, em parceria com a ONG suíça Public Eye, mostrou que, em 2018, as vendas desse tipo de pesticida renderam cerca de US$ 4,8 bilhões às cinco maiores companhias do setor.

Aguarda análise do Senado outro projeto de lei que dispensa o registro para a importação de agrotóxicos dos demais países do Mercosul. O autor do PL 4.316/2021 é o senador gaúcho Luís Carlos Heinze (PP-RS).

Com agências de notícias do Senado e Câmara dos Deputados

Fique deitadão ou o fruto do trabalho não pertence ao trabalhador

A pandemia provoca mudanças surpreendentes no mundo do trabalho. Nos Estados Unidos está ocorrendo uma grande onda de pedidos de demissão, que chegou a 4,5 milhões de americanos, deixando seus postos de trabalho em novembro de 2021, no mesmo momento em que número de vagas continuava elevada, de acordo com o Bureau of Labor Statistics dos EUA. O movimento foi chamado de Great resignation – Grande Renúncia.

O fenômeno começou a se registrar nos Estados Unidos em plena pandemia: um abandono massivo e voluntário de empregos raramente visto em seu mercado de trabalho, e que dificultou o preenchimento de vagas por parte dos empregadores.

Segundo analistas, um dos pontos que afastou o trabalhador do mercado é o auxílio fornecido pelo governo norte-americano aos desempregados durante a crise da Covid-19. Existe ainda, para quem se demitiu, a opção de trabalhar como freelancer. Os salários aumentaram e, mesmo assim, as empresas enfrentam escassez de pessoal.

A experiência de uma emergência de saúde pública sustentada levou muitos americanos a reavaliar suas opções de trabalho. A Grande Renúncia pode levar a uma maior regulamentação do mercado de trabalho norte-americano, onde as leis e garantias trabalhistas são muito menos sólidas do que no Brasil.

O relatório “The Next Great Disruption is Hybrid Work – Are you ready?”, da Microsoft, apresentou os resultados de um estudo realizado a mais de 30 mil pessoas, em 31 países.  A pesquisa mostrou que 41% dos trabalhadores estavam pensando em desistir ou mudar de profissão este ano.

Salários estagnados nos EUA

A Grande Renúncia nos Estados Unidos foi precedida por uma estagnação muito maior – de décadas – nos salários e benefícios dos trabalhadores, conforme análise do Wall Street Journal. Nos empregos de menor renda, os rendimentos não acompanharam o ritmo da inflação, enquanto o trabalho se tornou mais informal e precário.

Na Europa social-democrata, uma rede de segurança mais forte levou a um pouco menos de disrupção na força de trabalho. No entanto, dados coletados pela OCDE, mostram que em seus 38 países membros, cerca de 20 milhões de pessoas a menos estão trabalhando do que antes do ataque do coronavírus. Desses, 14 milhões saíram do mercado de trabalho e são classificados como ‘não trabalhando’ e ‘não procurando trabalho’. Em comparação com 2019, mais três milhões de jovens não estão empregados, não estudam nem treinam.

Também na China surgiu o Great resignation, chamado de tang ping em mandarim. O professor Biao Xiang, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, disse à BBC que essas tendências mostram o desejo da geração mais jovem de “abandonar a competição estúpida” e de reconsiderar velhos modelos de sucesso.

No Brasil, onde o movimento foi chamado pela imprensa de “Fique deitadão”, com cerca de 70 milhões de brasileiros entre os desempregados e os informais, obviamente nada aconteceu. O modelo econômico brasileiro é comumente definido como neoliberalismo. Na realidade é um modelo neocolonial de exportação de commodities. Com a destruição do mercado interno, o Brasil torna-se uma grande fazenda de plantação de soja, com uma organização econômica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo.

Segundo a desembargadora da Justiça do Trabalho aposentada e pesquisadora do CESIT/Unicamp, Magda Biavaschi, a reforma trabalhista de 2017, durante o governo interino de Michel Temer, trocou as fontes do direito do trabalho por pactos entre desiguais. Fundamentada no princípio da supremacia do negociado sobre o legislado, avançou no sentido da supremacia do contrato individual, provocando a desconstrução de um processo lento, difícil, tipicamente brasileiro, que iniciou em 1930, com Getúlio Vargas.

Alienação do trabalhador

A insatisfação do trabalhador tem outros motivos mais antigos, que a mídia corporativa prefere não abordar para evitar citar o “inominável”. Karl Marx, escreveu nos seus manuscritos, em 1844, sobre a alienação do trabalhador do produto de seu trabalho. O produto do trabalho não pertence ao trabalhador, que não exerce controle sobre ele. Por isso, que o objeto produzido pelo trabalho se apresenta a ele como um ser alienado, como um poder independente do produtor. A vida que ele emprestou ao objeto o enfrenta de modo hostil e alienado.

Segundo Marx, o desapossamento do trabalho consiste em sua exterioridade em relação ao trabalhador, em seu caráter coercitivo e na autoalienação que impõe ao trabalhador. O trabalho é exterior ao trabalhador, isto é, não pertence à sua essência, em que por isso ele não se afirma, antes se nega no seu trabalho; não se sente bem, mas infeliz.  Não desenvolve qualquer energia livre física ou espiritual, antes mortifica o seu físico e arruína o seu espírito. Por isso, o trabalhador só se sente em si fora do trabalho e fora de si no trabalho.

Ao publicar “A teoria da alienação em Marx”, em 1970, o filósofo húngaro István Mészáros enfatizava a necessidade de se pensar sobre os efeitos nocivos da globalização capitalista. Já nos anos 2000, Mészáros completava: “a verdade incômoda é que a crise estrutural do sistema do capital se aprofunda com o passar do tempo, acarretando destrutividade para todo domínio vital.”

 

A impagável dívida pública do Rio Grande do Sul

O governo de Eduardo Leite (PSDB) obteve, na sexta-feira (28/1), autorização da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O sinal positivo foi publicado no Diário Oficial da União, abrindo espaço para que o Estado apresente o seu plano de reestruturação das finanças públicas para os nove anos seguintes. Se a homologação ocorrer em 2022, o regime vigora até 2031.

Com o deferimento do pedido de adesão, se inicia formalmente o processo de elaboração e negociação do Plano de Recuperação junto ao governo federal. Nesta segunda-feira (31/1), foi realizada audiência entre equipes do Estado e da STN para definição do cronograma das entregas do Plano de Recuperação. Pela legislação do RRF, a elaboração do plano pode durar até seis meses entre a adesão e a homologação, que é a última fase do processo, quando a proposta é assinada pelo presidente da República.

Que dívida é essa?

O governo de Antônio Britto (MDB), a exemplo de outros estados brasileiros, renegociou, através do Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira (PRFF), Lei Federal 9.496/97, sua dívida pública com a União em 1998. Comprometeu-se, como contrapartida, a controlar os gastos e equilibrar as contas públicas, deixar de emitir qualquer de título de dívida pública e vincular o pagamento das parcelas devidas ao limite máximo de 13,0% das receitas líquidas.

O acordo com o governo federal obrigou o Estado a pagar R$ 9 bilhões (cerca de R$ 48 bilhões em valores de hoje) pelo prazo de 30 anos. O Estado pagava juros de 6% ao ano, mais a correção pelo IGP-DI, indexador que subiu mais de 300% em 15 anos. O resultado foi que em 2016, depois de repassar mais de R$ 25 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 66,3 bilhões.

Em 2014, o governo Tarso Genro (PT) conseguiu renegociar o indexador, adotando o IPCA. Foi também criado o Coeficiente de Atualização Monetária (CAM), redutor atrelado à Selic, a taxa básica dos juros no país.

Em 2017, sem condições de pagar as parcelas mensais da dívida, o então governador Ivo Sartori (MDB) conseguiu na Justiça a suspensão do pagamento, até que um novo programa de ajuste fosse acertado com o governo federal. Os valores suspensos pela liminar do Supremo Tribunal Federal acumulam um saldo não pago de R$ 14,5 bilhões até dezembro de 2021.

Do total da dívida pública do Estado do RS, 85% são referentes ainda ao contrato da Lei 9.496/97, assinado por Antônio Britto. Quando foi assinado o contrato de refinanciamento com a União, o total era pouco mais de R$ 9 bilhões. A dívida consolidada líquida do Rio Grande do Sul atingiu R$ 93,8 bilhões no segundo quadrimestre de 2021.

 

Repactuação

Um ano antes, a Lei Kandir, aprovada em 1996, trouxe para os estados brasileiros a desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados. Depois de 25 anos de espera, em 2020, finalmente a compensação para as perdas da Lei Kandir dos estados e municípios foi regulamentada, o que garantiu o repasse no total de R$ 58 bilhões, entre os anos de 2020 e 2037.

No entanto, só o Rio Grande do Sul, um estado agroexportador, que deverá receber cerca de R$ 6,5 bilhões até 2037, calcula perdas na ordem de R$ 80 bilhões no acumulado. Assim, os juros da dívida com a União e a Lei Kandir, provocaram déficits crescentes nas contas do Rio Grande do Sul, que não fecharam mais.

Em 2021, em depoimento à Comissão Especial sobre a Crise Fiscal e a Reforma Tributária Necessária, da Assembleia Legislativa do RS, o próprio o ex-governador Antônio Brito confessou: “Não preciso acompanhar os números para chegar à conclusão de que a atual dívida do Rio Grande do Sul com a União não será paga porque o tempo criou um distanciamento entre o tamanho da dívida e a capacidade de o Estado pagar. É preciso uma repactuação”.

O documento da Comissão Especial, presidida pelo deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), com 102 páginas, trouxe quatro recomendações: foco em políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento, capazes de fazer o estado crescer e catapultar a receita; um movimento em defesa de uma ampla reforma tributária nacional, que garanta justiça fiscal e distribuição mais equânimes dos recursos entre os entes subnacionais; revisão da Lei Kandir, que, atualmente, isenta de impostos estaduais as commodities primárias, o que repercute em perdas na ordem de R$ 4 bilhões/ano para o RS e um forte questionamento aos valores atuais da dívida gaúcha para com a União.

Caminho contrário

No lugar de denunciar uma dívida impagável, o governador Eduardo Leite, preferiu buscar a adesão ao RRF, seguindo a atual política econômica do governo Bolsonaro, que é fruto de mitos e de um liberalismo anacrônico da Universidade de Chicago dos anos 1960. Arrochou os salários dos funcionários do Estado e vendeu o patrimônio público. Privatizou a CEEE-D, CEEE-T e Sulgás, totalizando R$ 3,6 bilhões em recursos. E ainda tenta privatizar a Corsan e o Banrisul.

O que faltava para adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, entre as oito exigências, foi resolvido com a aprovação pela Assembleia Legislativa gaúcha, no final de novembro passado, do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 378/2021, de autoria do governo Eduardo Leite, que criou o Teto de Gastos para as despesas do Estado, limitando o crescimento à inflação por 10 anos. Pelo menos, estão excluídos os excedentes das despesas primárias com saúde e educação.

Medidas Obrigatórias previstas na lei do RRF federal:

  • Desestatização
  • Reforma da Previdência dos servidores públicos do Estado. O Rio Grande do Sul alterou regras para civis e militares, com mudanças em alíquotas, idades mínimas (civis) e tempos de contribuição.
  • Redução dos incentivos fiscais “não-Confaz” de no mínimo 20%.
  • Reforma do regime jurídico dos servidores estaduais. O Estado extinguiu vantagens temporais e vedou incorporações. Foi instituído novo Plano de Carreira do Magistério, com o piso nacional, e houve revisão do Estatuto dos Militares.
  • Teto de gastos estaduais: foi aprovado limitador de despesas pela inflação para o período de 2022 a 2031, o que garantirá disciplina fiscal e espaço para retorno ao pagamento integral da dívida federal.
  • Autorização para realizar leilões de pagamento.
  • Gestão financeira centralizada no Executivo e destinação de saldos não utilizados no encerramento do exercício.
  • Instituição do Regime de Previdência Complementar.

 

Pesquisa mostra que gaúchos ficaram mais pobres na pandemia

Após a realização de cinco seminários e quatro pesquisas de opinião durante o ano de 2021, a Assembleia Legislativa apresentou nesta segunda-feira, 24/01, os resultados do projeto “O RS Pós-Pandemia”. A pandemia impactou 76,8% dos gaúchos, principalmente na questão financeira. Em 45,0% das famílias a renda diminuiu pela metade ou menos da metade. Pouco mais de ¼ precisou de apoio durante a pandemia para comprar alimentos. Desses, 15,5% contaram com a ajuda da família e amigos.

O presidente da Assembleia Legislativa, Gabriel Souza (MDB), entregou ao governador Eduardo Leite (PSDB) uma cópia do livro “A Retomada Baseada em Evidências”, que reúne os resultados do projeto “O RS Pós-Pandemia”. A obra apresenta uma compilação dos seminários e das pesquisas de opinião pública realizadas no decorrer do ano, com o propósito de conhecer as alterações provocadas pela pandemia no estado e construir soluções por meio de ações emergenciais legislativas e políticas públicas para a retomada da normalidade. O ciclo de debates promoveu também discussões sobre economia, trabalho, educação e saúde.

Gabriel Souza afirmou que, apesar da tradição gaúcha de disputas políticas acirradas, o RS Pós-Pandemia promoveu a “revolução do diálogo, da harmonia e das construções coletivas” no último período. “Nem sempre foi assim. Mesmo num passado recente, tivemos momentos mais acirrados, mas estamos construindo um novo paradigma em que a harmonia entre os poderes está produzindo resultados positivos para a sociedade”, ressaltou.

Ele citou dois exemplos de resultados que já estão acontecendo. O “Programa Cirurgia Mais”, lançado pelo governo para reduzir a fila de espera no SUS, que aumentou durante a pandemia. E o Programa Jovem Aprendiz, ainda em construção, que tem como objetivo atingir a geração que não frequenta a escola e nem está inserida no mercado de trabalho.

O Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) ouviu seis mil gaúchos em mais de 60 cidades do Estado. A diretora do IPO, Elis Radmann, explicou que a pesquisa teve dois principais objetivos: compreender a percepção dos gaúchos sobre as desigualdades sociais vivenciadas no RS e verificar a necessidade de leis que possam subsidiar políticas públicas de combate à desigualdade social.

O governador Eduardo Leite considera que a obra “A Retomada Baseada em Evidências” é um “portfólio de soluções”, que poderá funcionar como uma bússola tanto para os atuais gestores quanto para quem postula um cargo eletivo nas eleições deste ano. “Argumentos técnicos ajudam a construir soluções objetivas e convergências. É um material obrigatório para quem quiser debater o futuro do Rio Grande do Sul com base numa realidade apurada de forma científica”, apontou.

O evento desta segunda-feira, que marcou a conclusão do projeto “O RS Pós-Pandemia”, foi o último da gestão de Gabriel Souza, que se encerra dia 31 de janeiro, quando Valdeci Oliveira (PT) assume a presidência da Assembleia Legislativa.

Principais tópicos do estudo

IMPACTO FINANCEIRO – A pandemia impactou 76,8% dos gaúchos, principalmente na questão financeira. Mais de ⅔ dos gaúchos tiveram algum impacto na renda familiar causado pelas medidas restritivas. Entre os trabalhadores informais e autônomos esse percentual chega a 83,0%. Quanto menor a renda familiar, maior o percentual de impacto, sendo que na renda de até 2 salários-mínimos;

PERDA DE RENDA – Em 45,0% das famílias a renda diminuiu pela metade ou menos da metade. Destacam-se nessa situação os que possuem menor escolaridade e renda familiar. Quanto menor a renda familiar, maior o percentual de impacto, sendo que na renda de até dois salários-mínimos 77,1% das famílias sofreram impacto em sua renda. Entre os que possuem ensino fundamental esse percentual chega a 72,7%;

MAIOR POBREZA – Os gaúchos se percebem “mais pobres” durante a pandemia. Antes da pandemia 53,5% se percebiam como pobre ou classe baixa. Durante a pandemia esse indicador passou para 70,6%;

ECONOMIA – Mais da metade dos gaúchos tem expectativa positiva com a economia, 53,8% confiam que a economia do RS vai melhorar e 59,0% que a situação financeira da sua família também irá melhorar;

AUXÍLIO – Pouco mais de ¼ precisou de apoio durante a pandemia para comprar alimentos. Desses, 15,5% contaram com a ajuda da família e amigos. Além disso, ¼ dos gaúchos declararam receber auxílio de algum programa social. O principal é o auxílio emergencial. E há 15,4% que são vulneráveis temporários não oficiais, que passaram por necessidade e não foram atendidos pelo Estado;

PRIMEIRA INFÂNCIA – Os gaúchos são favoráveis a investimentos destinados para a primeira infância, sendo que 89,3% acreditam que o Governo do Estado deveria se preocupar em auxiliar financeiramente as famílias necessitadas que tem crianças de zero a seis anos. E 85,7 % avaliam que o Governo deve priorizar investimentos para a primeira infância, a fim de combater a desigualdade social;

ENSINO SUPERIOR – Em 15,6% dos lares gaúchos que possuem estudantes em ensino superior foi necessário cancelar ou trancar a matrícula durante a pandemia. E 96,4% avaliam que Governo do RS deve investir em bolsas de estudo para os alunos que estão com dificuldades de custear o seu curso superior;

LEGISLAÇÃO – 88,3% dos entrevistados acreditam que a Assembleia Legislativa deveria fazer alguma lei para diminuir a desigualdade social do Estado. A metade não sabe citar a lei, mas 15,8% citam leis relacionadas à educação e à qualificação profissional. Outros 15,6% citam legislação que dê conta da assistência social, inclusão e diversidade;

PERCEPÇÃO SOBRE DESIGUALDADE – 60,3% dos gaúchos acreditam que o novo coronavírus afeta mais a vida dos pobres do que dos ricos. No Brasil, esse índice é menor, 52,0%.

Foto: Joel Vargas/ALRS

 

Marco Legal do Câmbio abre caminho para dolarização da economia

O Novo Marco Legal do Câmbio altera, revoga e consolida 39 documentos legislativos sobre o câmbio estrangeiro, além de trazer novas disposições. Dentre eles, 14 foram totalmente revogados e 24 parcialmente revogados. Não é pouca coisa.

Tem medidas importantes para quem trabalha com importação e exportação. No entanto, abre caminho para uma futura dolarização da economia, criando a moeda do rico, o dólar, protegida contra a inflação, e a moeda do pobre, o real, com desvalorização diária. Em um país como o Brasil, a dolarização aumentaria ainda mais a concentração de renda.

No início dos anos 2000, em um debate no Congresso, o ex-ministro, economista Delfim Netto, disse que a dolarização é um processo em que entram países que estão dispostos a abdicar de sua soberania, que querem ser algemados e já perderam sua auto estima.

Apesar de a matéria já ser regulada pelo Banco Central, o Novo Marco reitera que compete a essa autarquia regulamentar quem pode deter conta em moeda estrangeira no Brasil e quais são os requisitos. Ao abrir essa possibilidade, futuramente a autarquia poderá autorizar pessoas físicas a manter contas em dólar no Brasil.Isso, depois da recente autonomia, significa maior centralização regulatória do BC.

Se for permitido a todo correntista entrar no aplicativo do banco e trocar recursos em real para dólar, o risco da desvalorização da nossa moeda é imenso, aumentando a inflação. A tendência é o Brasil se endividar em dólar, como aconteceu na Argentina.

A proposta ainda aumenta a lista de casos em que será permitido o pagamento em moeda estrangeira de obrigações devidas no território nacional. Passam a ser permitidos os pagamentos de contratos de arrendamento mercantil (leasing) feitos entre residentes no Brasil se os recursos forem captados no exterior.

O Novo Marco revoga outros dois dispositivos. Um deles é a cobrança de imposto suplementar sobre a renda obtida com a venda de imóveis quando o proprietário for pessoa física ou jurídica residente ou com sede no exterior. Esse imposto varia de 40% a 60%.

O segundo item a ser revogado é o que proíbe bancos estrangeiros de comprar mais de 30% das ações com direito a voto de bancos nacionais se a matriz do comprador for em país no qual a legislação imponha restrições ao funcionamento de bancos brasileiros.

Empresas que remetem dinheiro ao exterior a título de lucros, dividendos, juros, pagamento por royalties e outras finalidades regulamentadas poderão fazê-lo sem a necessidade de registro perante o Banco Central, como ocorre atualmente. A única exigência passa a ser o pagamento do imposto.

O Novo Marco revoga ainda a proibição da remessa de royalties pelo uso de patentes de invenção e de marcas de indústria ou de comércio entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior. Atualmente, isso é proibido pela Lei 4.131, de 1962.

Projeto do Executivo

O Senado aprovou no dia 8 de dezembro passado o Projeto de Lei que estabelece um novo marco legal para o mercado de câmbio (PL 5.387/2019, de autoria do Poder Executivo). O texto foi sancionado, sem vetos, pelo presidente Jair Bolsonaro em 30 de dezembro. Caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central a definição de regulamentos específicos e dos prazos de adaptação para o mercado.  As novas regras podem levar até um ano para entrar em vigor.

A norma também aumenta o limite de dinheiro vivo que cada passageiro pode portar ao sair do Brasil ou nele entrar. Em vez dos atuais R$ 10 mil serão US$ 10 mil ou o equivalente em outra moeda. Negociações de pequenos valores entre pessoas físicas também estão permitidas, num limite de até US$ 500.  Assim, não será mais proibido comprar ou vender até o equivalente a US$ 500 em qualquer moeda, dispensando-se ainda exigências de identificação e de taxações se isso ocorrer de forma eventual e não profissional.

Segundo o governo, o objetivo da medida é impulsionar o desenvolvimento de plataformas peer-to-peer (empréstimos realizados entre pessoas sem interferências de um banco, por meio de uma plataforma digital) para negociação de câmbio.

Lavagem de dinheiro

O senador Jean Paul Prates, do PT do Rio Grande do Norte, diz que o texto pode funcionar como uma espécie de blindagem a quem tem contas no exterior.  Além disso, o Projeto pode facilitar a lavagem de dinheiro. “Como o Banco Central se equipou, como ele está preparado para combater lavagem de dinheiro? Porque isso é a porta aberta para lavagem de dinheiro, para circulação de dinheiro em dólar e conta no exterior mais ainda, porque o Banco Central não tem sequer jurisdição sobre isso. Vai estar fora, vai estar na jurisdição do banco dos outros.”

Já o senador Esperidião Amin (PP-SC) perguntou como o Novo Marco beneficiaria a economia brasileira diante de um “ataque especulativo” em âmbito mundial. E também quis saber como o Banco Central terá condições de fiscalizar movimentações financeiras sem ter a experiência da Receita Federal no setor.

Em seu parecer, o relator da matéria no Senado, Carlos Viana (PSD-MG), afirmou que a proposta busca reduzir as barreiras existentes que dificultam exportações e importações de bens e serviços, investimentos produtivos e livre movimentação de capitais. Modernizar o mercado, alinhando a regulação com os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atendendo ao seguinte tripé: modernização, simplificação (redução dos entraves burocráticos) e maior eficiência.

Estratégia perversa do Banco Central

A taxa básica de juros, a Selic, que começou 2021 em 2% ao ano, a menor da história, pulou de 7,75% para 9,25% em dezembro e o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), já sinalizou na semana passada outra alta no mesmo nível para fevereiro de 2022. Essa decisão contraria a mínima racionalidade para a retomada do crescimento econômico e redução da miséria no Brasil.

Ao subir o juro básico, a autoridade monetária justifica que o objetivo é encarecer o crédito e desestimular o consumo pelas empresas e famílias e assim baixar os preços. Como encarecer o crédito e reduzir consumo neste momento, se a inflação não é de demanda, mas de custos. O empresário sempre vai repassar nos preços suas despesas ou não terá lucro.

Esse é o resultado da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, que definiu os objetivos do Banco Central do Brasil e dispõe sobre sua autonomia e sobre a nomeação e a exoneração de seu Presidente e de seus Diretores. A autonomia é do “mercado” para ter o controle da política monetária e defender seus interesses livre de qualquer intromissão.

Câmbio

Nesta segunda-feira, 13/12, o dólar comercial subia 0,24%, para R$ 5,62. Interessa a moeda desvalorizada principalmente ao agronegócio exportador de grãos, mineradoras e indústria de carnes.

O Brasil adota o regime de câmbio flutuante, o que significa teoricamente que o BC não interfere no mercado para determinar a taxa de câmbio. No entanto, a taxa de câmbio reflete nos preços dos produtos que o país importa e exporta, influenciando assim os demais preços da economia.

Os cinco produtos mais exportados pelo Brasil em 2020 foram: 1 – Soja; 2 – Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos; 3 – Minério de ferro e seus concentrados; 4 – Óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos e 5 – Carne bovina fresca, refrigerada ou congelada.

Como a Petrobras deixa de ser um regulador de preços da gasolina, diesel, gás, para garantir os ganhos dos investidores em Nova York, o mercado provoca um aumento em cascata de toda a economia dependente do petróleo. O mesmo ocorre com a energia devido às privatizações.

O Brasil está batendo recorde na compra de gás dos Estados Unidos, mas devolve para seus poços mais da metade de todo o gás natural que produz diariamente. O volume reinjetado nas jazidas mais do que dobrou – de 27,6 milhões de metros cúbicos por dia para 67 milhões. A parte do que volta para os poços não é mais recuperada e se perde para sempre. Isso significa dar um uso menos nobre ao gás e enterrar a possibilidade de uma energia mais barata aos consumidores.

O gás de botijão – conhecido também como gás de cozinha ou GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) – tem composição diferente daquela do gás encanado. Ele é produzido principalmente via refino do petróleo.

A política da Petrobras de exportar óleo bruto e importar derivados começou na gestão de Pedro Parente, nomeado por Michel Temer (MDB), deixando as refinarias subutilizadas no país.

No momento que o Brasil exporta carne bovina, o governo federal, através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), deveria ter um estoque regulador para evitar a alta do preço do produto no mercado interno. Não é o que acontece.

Portanto, o descontrole da inflação é uma decisão política do governo federal. No entanto, essa discussão não entra na pauta da mídia corporativa e seus economistas de plantão.

Linha de pobreza

Com juros altos, como oferecer crédito com taxas viáveis para a retomada do consumo e, consequentemente, dos empregos? Qual o estímulo do governo para projetos de infraestrutura – como acontece na Europa e nos Estados Unidos -, promovendo a volta do crescimento da economia em 2022? Não há respostas. O que o BC sinaliza é a continuidade da alta dos juros e desvalorização do real.

A realidade brasileira fica clara na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad): Em 2021, 34,3 milhões de pessoas estão abaixo da linha de pobreza, 24,5 milhões a mais do que no final de 2020. Segundo o IBGE, no terceiro trimestre de 2021 tínhamos 13,5 milhões de desempregados, 5,1 milhões de desalentados, que deixaram de procurar emprego e ainda cerca de 40 milhões de informais, no total 58,6 milhões de pessoas.

A população ativa soma aproximadamente 79 milhões de pessoas, 46,7% do total, índice muito baixo. E para piorar, a renda média do trabalho em 2021 atingiu o menor valor em quase 10 anos, conforme o Pnad.

Por isso, as empresas de pesquisa de consumo constataram que a mais recente campanha chamada Black Friday foi a pior da história, desde que o evento chegou ao país em 2010. O setor lácteo que já sentia a queda nas vendas de produtos como o iogurte e creme de leite, pela primeira vez observa que acontece o mesmo com o leite UHT.

Enquanto isso, até os investidores mais conservadores agora ganham bem em investimentos básicos destinados a esse perfil, como títulos do Tesouro Direto atrelados à Selic, fundos DI (também chamados de fundos simples) e Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) com rentabilidade perto de 100% do CDI, que segue a taxa Selic.

Mesmo com essa realidade nefasta, o BC afirma que irá “perseverar em sua estratégia”.

 

O petróleo é nosso?

A história da Petrobras é um exemplo claro da luta do Brasil para deixar de ser uma colônia. Aprovado na Câmara dos Deputados em setembro de 1952, o projeto do presidente Getúlio Vargas, com a criação da Petrobras, foi remetido ao Senado, onde alguns senadores se identificavam abertamente com os interesses privados, nacionais e estrangeiros.

Em junho de 1953, o projeto retornou à Câmara com 32 emendas – inclusive permitindo o completo controle pelo capital privado –, mas foram todas derrubadas. Mas duas concessões foram feitas: a que confirmava as autorizações de funcionamento das refinarias privadas já existentes; e a que permitia a participação de empresas particulares, inclusive estrangeiras, na distribuição dos derivados de petróleo.

Em 3 de outubro de 1953, depois de intensa mobilização popular com o lema “O Petróleo é nosso”, Vargas sancionou a Lei nº 2.004, criando a Petróleo Brasileiro S. A – Petrobras, empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição. Ao Conselho Nacional do Petróleo (CNP) caberia orientar e fiscalizar o monopólio da União, sendo reafirmada sua competência para supervisionar o abastecimento nacional do petróleo.

Os números dão a dimensão do resultado: foram necessários 45 anos, a partir da criação da empresa, para que alcançássemos a produção do primeiro milhão de barris de petróleo, em 1998. Quatro anos depois,  a Petrobras atinge a marca de 1,5 milhão de barris de petróleo, em 2002.

Já nesta época o PSDB tentava a privatização da estatal. Em 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) anunciou que a Petrobras iria virar Petrobrax. No mesmo ano, vendeu 30% da Refinaria Alberto Pasqualini, a Refap, à empresa espanhola Repsol, alegando que era preciso diminuir a participação da Petrobras para estimular a concorrência. FHC não teve tempo de terminar o desmonte, deixando a Presidência em 2002.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega à Presidência da República em 2003, e sinaliza que a Petrobras iria reassumir o seu protagonismo no setor de petróleo e gás natural no Brasil. A decisão política fundamental foi apoiar a experiência inédita de furar dois mil metros de sal. O pré-sal descoberto no Brasil constitui uma grande reserva petrolífera e de gás natural localizada em áreas profundas do oceano. Essa reserva situa-se em uma área de três bacias sedimentares: Bacia de Santos, Bacia de Campos e Bacia do Espírito Santo. A descoberta do pré-sal foi muito importante para garantir a autossuficiência brasileira em relação a esse combustível.

Além disso, Lula começa a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí (RJ). O projeto previa uma refinaria com capacidade para 330 mil barris por dia. Também tinha o projeto das refinarias “premium” de petróleo previstas para o Maranhão e o Ceará, voltadas para abastecer o mercado interno.

A refinaria do Maranhão seria a maior do país, com capacidade para processar 600 mil barris de óleo por dia, que teria como prioridades abastecer o Norte e, especialmente, o Centro-Oeste do país. A refinaria do Ceará teria capacidade de refino de 300 mil barris de óleo por dia. Em 2010, a Petrobrás readquiriu 30% da participação da unidade que havia sido vendida à Repsol em 2000.

Desmonte

Em outubro de 2016, um mês após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), o Congresso aprovou o projeto de Lei 4567/16, do senador José Serra (PSDB), que desobrigou a Petrobras de ser a operadora de todos os blocos de exploração do pré-sal no regime de partilha de produção.

O governo do interino Michel Temer, MDB, (2016/2018) também promoveu a aceleração do cronograma de leilões de petróleo no pré e pós-sal; flexibilização da exigência de conteúdo nacional em máquinas e equipamentos no segmento de exploração e produção de petróleo; e a ampliação do Repetro (regime especial que permite a desoneração de impostos para a importação de equipamentos para a produção petroleira).

O governo Bolsonaro (2019/2022) passou a diminuir a capacidade de realização das refinarias, que hoje atuam com 77% da capacidade, sendo que o ideal é a capacidade plena, entre 93% e 94%.  O resultado é o aumento da importação da Petrobras de gasolina e óleo diesel no segundo trimestre de 2021. A importação da gasolina disparou 950% em relação a igual período do ano passado, e a do diesel, 548,1%. Isso afetou os preços nas bombas e, consequentemente, a inflação.

Em dezembro de 2021, a Petrobras concluiu a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para o fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos. O negócio, de US$ 1,8 bilhão, é o primeiro a ser concluído no âmbito do programa de desinvestimentos da estatal no refino. A companhia sinalizou, porém, que as negociações dos demais ativos podem se estender para além das eleições de 2022 – o que lança incertezas sobre a continuidade da abertura.

Bolsa de Nova York

Em 2000, ainda no governo de FHC, houve o lançamento de grande parte das ações da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo e de Nova York. Atualmente, cerca de 40% são acionistas estrangeiros, que capturam os lucros da empresa e remetem seus dividendos para fora do país.

A Petrobras confirmou que pretende pagar de US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões em dividendos entre os anos de 2022 e 2026. Do total, somente de US$ 3,5 bilhões a US$ 4,4 bilhões – aproximadamente R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões na cotação atual – serão destinados à União, principal acionista da empresa.

Por isso, na avaliação do Citibank, com a venda da Rlam, a Petrobras tem capacidade para se tornar uma potência em dividendos.  A análise do Bank of America, aponta uma melhor perspectiva para pagamento de dividendos. De acordo com o BofA, a operação deve dar credibilidade ao plano de desinvestimento que inclui oito refinarias.

Para completar, está nas comissões da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5007/20 que acaba com o direito de preferência da Petrobras na operação dos blocos localizados na camada de pré-sal. O texto também determina que as novas áreas do pré-sal serão exploradas pelo regime de concessão, e não mais pelo de partilha, como é hoje.

Um dos críticos à venda das refinarias, o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, atual pesquisador do Instituto de Estudo Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), faz um alerta sobre a possibilidade de faltar combustíveis no país. Em entrevista ao Portal CUT, ele disse que, se a política de desmonte e falta de investimentos da estatal continuarem neste ritmo, pode haver um apagão de combustíveis daqui a seis a sete anos.

De acordo com Gabrielli, a venda das refinarias tem efeitos a curto prazo, como a diminuição da capacidade de planejamento como um todo. No caso da Rlam, que é a segunda maior do país, sendo gerida por uma empresa isolada, sem se integrar às demais refinarias do sistema Petrobras, a preocupação aumenta.

“Hoje temos 14 refinarias no sistema sendo programadas para produzir diversos derivados de petróleo. Mas, não é a mesma que produz diesel, gás de cozinha e gasolina. Elas são otimizadas para que no conjunto possam fornecer os produtos consumidos aqui no Brasil”, explica Gabrielli.

Segundo ele, desta forma diminui a capacidade de atender, e aumenta a importação de derivados de petróleo. “Hoje importamos gasolina, diesel, gás e querosene de avião, e os planos do governo para os próximos três anos é substituir o gás de cozinha (GLP) pelo GNP (encanado), que tem transporte diferente, manuseio e formas diferentes de utilização.”

Estagflação, agora acompanhada da ômicron

A estagflação está de volta em um momento péssimo à economia, com o crescimento da variante ômicron do coronavírus assombrando o mundo com a possibilidade de novas restrições aos negócios e viagens internacionais.

Um evento econômico caracterizado por inflação alta e crescimento estagnado, associados a altos níveis de desemprego. O termo estagflação foi cunhado pelo político britânico Iain Macleod, em 1965, para descrever o que considerava “o pior dos dois mundos: não só inflação de um lado ou estagnação do outro, mas ambas juntas”.

A estagflação surge na economia global na sequência da Era de Ouro do capitalismo do pós-guerra, que aconteceu de 1949 até o início da década de 1970. Os países árabes organizados na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aumentaram o preço do petróleo em mais de 400%, em protesto pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur. A segunda crise, em 1979, agrava a situação.

Um dos motivos da euforia do pós-guerra era o preço do barril de petróleo saudita que custava em média menos de dois dólares durante todo o período, entre 1950 e 1973. Após, o cenário muda, com baixo crescimento econômico, inflação acelerada e desequilíbrio monetário no âmbito internacional.

Em agosto de 1971, Nixon tirou os EUA do padrão ouro internacional e permitiu que o dólar fosse desvalorizado. O resultado abriu o caminho para o advento de um sistema de taxas de câmbio unicamente regido pelas forças do mercado. As moedas deixaram de ser atreladas ao ouro. Nada de tangível ficou lastreando as moedas, somente as condições econômicas internas e a confiança nas políticas de um país.

Em 1979, Paul Volcker, que foi presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, entre 1979 e 1987, decretou a “nova supremacia” do dólar, quando o sistema monetário e financeiro foi posto de cabeça para baixo. O dólar, que estava em processo de desvalorização acelerada, começa a valorizar-se.

A recuperação do poder do dólar instaurou um novo regime de coordenação da economia mundial e abriu espaço para o comando dos mercados financeiros anglo-saxões sobre as estratégias empresariais, conforme os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, no livro “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo”.

Por que essa história é tão relevante hoje? No artigo “O que Biden pode aprender com Nixon”, Rana Foroohar, colunista e editora do Financial Times, em Nova York, escreve que agora, assim como nos anos 1970, uma era na história do sistema monetário mundial se aproxima do fim. “Trata-se de uma era possivelmente iniciada com a decisão de Nixon de romper a convertibilidade do dólar em ouro. Isso ajudou a tornar as exportações dos EUA mais competitivas (foi a estratégia “EUA em primeiro lugar” da época) e consertou o desequilíbrio comercial que surgiu em função do afluxo de muitos dólares ao exterior.”

Depois de quase meio século, o resultado da financeirização da economia foi uma brutal concentração de renda no mundo, com aumento da pobreza e da fome. Hoje 1% mais rico do mundo tem mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada, de acordo com relatório Oxfam divulgado Fórum Econômico Mundial de 2020, em Davos.

Como nos anos 1970, a importância do petróleo na crise é grande. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo, e seus aliados liderados pela Rússia, grupo conhecido como Opep+, reduziram a produção na pandemia e os preços passaram de 80 dólares o barril. Agora, com a nova variante do coronavírus, está ocorrendo uma queda momentânea nos preços do petróleo e outras commodities. Além disso, vários Estados-membros da União Europeia (UE) pediram uma ação conjunta do bloco contra o aumento recorde dos preços da energia.

Não podemos esquecer que os EUA não enfrentavam ameaça à sua liderança desde o fim da Guerra Fria, em 1991, com a dissolução da União Soviética, quando o país se consolidou como a única superpotência global. No entanto, a China, silenciosamente crescia à base de dois dígitos nos últimos 40 anos e começou a incomodar a Casa Branca com a chegada ao poder de Xi Jinping, em 2013. Desde então, o regime chinês trocou o pragmatismo comercial que sempre marcou sua política externa por uma postura mais assertiva, “para ajudar a criar uma nova governança global”, como o presidente Xi costuma dizer em discursos.

No Brasil, com a inflação subindo e o ritmo da economia desacelerando, o termo estagflação também começou a ganhar espaço nas manchetes. Um cenário de preços altos enquanto a atividade econômica derrapa impacta todos os brasileiros. Muitos economistas já começam a apostar que o que está ruim pode mesmo piorar: o Brasil ingressa em um cenário de estagflação. Será outra década perdida, como aconteceu em 1980? A deterioração das expectativas é uma realidade.

Brasil exporta alimentos e sua população passa fome

Depois de sair do mapa da fome da ONU, em 2013, estamos de volta ao mesmo patamar de insegurança alimentar do início dos anos 2000, final do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Hoje, cerca de 10% dos brasileiros não têm o que comer, ou seja, 21,4 milhões de pessoas. E esse número está aumentando devido aos reajustes de energia, derivados do petróleo, exportação de alimentos sem a manutenção de estoques reguladores, que deveriam estar sob controle do governo federal e não nas mãos do mercado.

A mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia brasileira voltou a cair, de 4,88% para 4,80% em 2021. Um número falsa baiana, porque comparado com 2020, quando a economia estava paralisada pela pandemia. Já a previsão do Produto Interno Bruto (PIB) para 2022 mostra estagnação, caindo de 0,93% para 0,70%, conforme o Relatório Focus, do Banco Central (BC), divulgado nesta segunda-feira (22).

A indústria brasileira continua definhando, com o setor encerrando o terceiro trimestre com retração de 1,7% e nos últimos quatro meses, até setembro, uma perda acumulada de 2,6%. Entre as razões, estão a demanda fraca, alta dos juros e desaceleração da economia.

Dados divulgados na sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma queda generalizada da renda no país. O rendimento médio mensal do brasileiro teve queda recorde em 2020 e atingiu o menor valor desde 2012.

De acordo com o IBGE, o rendimento mensal médio real de todas as fontes no país passou de R$ 2.292 em 2019 para R$ 2.213 – valor mais baixo desde 2013, quando era estimado em R$ 2.250 (já descontada a inflação do período). Este recuo corresponde a uma queda de 3,4%, a mais intensa da série histórica da pesquisa iniciada em 2012.

Inflação e a renda real

Para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a mediana das projeções em 2021 subiu de 9,77% para 10,12%. Em 2022, também sobe de 4,79% para 4,96%.

A inflação é fundamentalmente uma luta entre grupos pela redistribuição da renda real. A elevação do nível de preços é apenas uma manifestação exterior desse fenômeno, conforme Celso Furtado, em seu livro clássico Formação Econômica do Brasil.

Isso significa que a inflação beneficia as camadas que podem repassar seus custos, ao contrário do assalariado, ainda mais num país com milhões de desempregados.

Juros de dois dígitos

Nesse cenário desolador, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, na reunião do fim de outubro. Além disso, sinalizou nova alta de 1,5 ponto percentual para a próxima reunião, que acontece nos dias 7 e 8 de dezembro. O Relatório da Focus segue o Copom, prevendo a taxa básica de 9,25% em 2021. E a previsão do mercado para 2022 é de 11,25%.

A atitude da mídia corporativa de legitimar a decisão do Banco Central de aumentar a taxa básica de juros com o argumento de segurar a inflação é vergonhosa. É uma obviedade para qualquer estudante de economia no primeiro semestre da faculdade que o aumento da taxa de juros faria sentido quando a alta de preços fosse resultado de forte consumo, que não é o caso.

Para o economista André Lara Rezende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, a alta de preços é resultado de gargalos específicos. “Por isso, é altamente questionável e equivocada a ideia que se consiga combater a inflação com a alta dos juros”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Além disso, ao subir a taxa de juros, sobem os custos de carregamento da dívida pública federal, que hoje está em torno de R$ 5 trilhões. O mercado calcula que haverá um custo ao governo federal de R$ 360 bilhões por ano com a alta dos juros. Quem ganha são os grandes bancos e os ricos, seja como instituições financeiras ou fundos de investimento, que detêm hoje 47,5% da dívida pública em suas mãos.

Nos países desenvolvidos, em momentos de crise, as taxas de juros são reduzidas. As principais taxas de juros do Banco Central Europeu de refinanciamento e a de depósitos, permanecem entre 0% e -0,50%, respectivamente. E como estímulos econômicos, manteve o volume de seu Programa de Compras de Emergência na Pandemia (PEPP, na sigla em inglês) em 1,85 trilhão de euros.

O Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, manteve a meta de juros overnight foi mantida na faixa entre 0% e 0,25%. Além disso, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou no dia 19 de novembro o pacote socioambiental de US$ 1,75 trilhão, a peça central da agenda econômica proposta pelo presidente americano, Joe Biden. O projeto será agora analisado pelo Senado.

Modelo neocolonial

O modelo neocolonial de exportação de commodities foi vencedor com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Com a destruição do mercado interno, o Brasil torna-se uma grande fazenda de plantação de soja, com uma organização econômica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo,

O economista Márcio Pochmann, professor da Unicamp, disse em artigo que o paradoxo do Brasil arcaico voltou a se manifestar. “A conjugação de um país com perspectiva de ser uma espécie de entreposto comercial, desova da grandiosa produção primária voltada ao exterior, enquanto parcela crescente de sua população permanece desempregada e passa fome.”

Huawei sai vencedora no leilão da rede 5G sem participar

Um fato jornalístico significativo no leilão das frequências para exploração da futura rede 5G, a quinta geração de internet móvel, foi a vitória das empresas do setor que conseguiram convencer o governo Bolsonaro de não criar restrições para a chinesa Huawei, mesmo com toda a pressão dos Estados Unidos.

Em fevereiro passado, com o modelo de edital revelado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Conexis Brasil, entidade que reúne as maiores prestadoras de serviço de telefonia do país, já dava como superado o possível impedimento à compra de equipamentos da Huawei para construção das redes 5G.

O presidente-executivo da Conexis, Marcos Ferrari, disse ao jornal Valor Econômico: “Não haverá restrição a nenhum fabricante, prevalecendo o princípio constitucional da livre iniciativa. Temos excelentes fornecedores e é justamente isso que nos faz ter um mercado altamente eficiente com benefício direto à população.”

Segundo dados da Anatel, a Huawei está presente em 35% da infraestrutura das redes de telefonia móvel de 2G, 3G e 4G do País, ficando atrás apenas da sueca Ericsson. Líder mundial em patentes do 5G, a Huawei está na liderança, junto com Ericsson e Nokia (Finlândia), no desenvolvimento de produtos para a nova tecnologia.

Por isso, as teles viam com preocupação a ameaça de restrição à Huawei no leilão, que poderia gerar um aumento expressivo dos custos de implementação das redes 5G no país. As marcas não fabricam equipamentos de infraestrutura compatíveis entre si. Não usar Huawei exigiria trocar também a rede 4G — ou implementar uma 5G do zero, o que aumentaria significativamente os valores.

Para o leigo, a não participação da chinesa Huawei no leilão da Anatel para exploração do serviço no Brasil pareceu consequência das restrições. Na realidade, a Huawei fornece equipamentos de infraestrutura para empresas, enquanto o leilão foi destinado a operadoras de telefonia. Por isso, não apresentou propostas.

Sua participação no 5G do Brasil avança agora. Após o leilão, a Huawei informou que já trabalha com as operadoras no Brasil em projetos para a implementação da nova rede e estuda a produção de celulares no país.

Pressão de ambos os lados

Os movimentos que antecederam o leilão são importantes para entender o tamanho da pressão tanto da China, como dos Estados Unidos. Existia o risco da não participação da Huawei na implantação do 5G no Brasil inaugurar uma crise diplomática do Brasil com seu principal parceiro comercial, a China.

O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, deu seu recado em entrevista para o jornal Valor Econômico, em julho de 2020: “Não se trata somente da preocupação de uma empresa em particular, como a Huawei, mas de um importante critério de avaliação das condições de um mercado, que tem impacto significativo nas decisões de investimento e operação de todas as empresas chinesas.”

O embaixador não estava jogando palavras ao vento. O embargo chinês da entrada de carne vermelha proveniente do Brasil, motivada por dois casos de doença da vaca louca em frigoríficos de Minas Gerais, era para ser rápido e durou sete semanas. No final de outubro passado, a China autorizou a entrada somente de um lote específico. As lideranças da bancada ruralista no Congresso associaram o veto a uma motivação política, resultado dos ataques do governo Bolsonaro à China.

Do outro lado também houve pressão. Os Estados Unidos enxergam a participação chinesa no 5G como possível arma de espionagem a favor de Beijing. A visita da delegação do governo dos Estados Unidos ao Brasil em outubro de 2020, tendo como um dos integrantes o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Robert C. O’Brien, mostrou o tamanho da pressão contra a China e a presença da Huawei no leilão 5G.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, avisou que o país teria “consequências” econômicas negativas caso decidisse manter a Huawei no leilão do 5G. Para o diplomata, a presença da gigante chinesa de telecomunicações deve fazer com que empresas “baseadas na propriedade intelectual” evitem investir no Brasil.

Naquele momento, a Huawei distribuiu uma nota, onde afirmou “que nunca houve nenhum grande incidente relacionado à segurança cibernética nos 170 países em que opera nas últimas três décadas. Há 22 anos no país, a Huawei tem no Brasil um histórico de produtos de alta qualidade e segurança cibernética.” A Huawei sofre restrições nos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Japão.

Em setembro passado, o presidente da Huawei no Brasil, Sun Baocheng, afirmou ao jornal “O Globo” que a decisão do governo brasileiro de não criar restrições ao fornecimento de seus equipamentos às teles para a construção da rede 5G pode servir de referência para outros países mundo afora, igualmente pressionados pelos norte-americanos.

Segundo ele, o Brasil é o mercado mais importante para a Huawei entre os estrangeiros. “No Brasil, temos investido em outras verticais, como o setor público, financeiro, infraestrutura e energia. Como é um país grande, a decisão do Brasil vai ser uma referência muito importante para outros países.”

O ministro das Comunicações do Brasil, Fábio Faria, disse que a restrição ao uso dos equipamentos da chinesa Huawei só se dará na rede privativa do governo, uma rede de comunicações exclusiva para órgãos públicos. Marcos Ferrari, da Conexis, afirmou que as operadoras consideram que a portaria criada pelo Ministério das Comunicações provoca incertezas para o setor.

Segundo ele, a norma obriga as operadoras vencedoras a desembolsar recursos, em montante ainda não divulgado, para a construção de uma rede privativa de uso exclusivo do governo e, ainda, a infraestrutura de serviço necessária para levar conexão de dados a regiões isoladas da Amazônia. A expectativa do setor, segundo Ferrari, é de que o Ministério das Comunicações revise o texto da Portaria 1.924/20 para deixar claro todos os critérios.

Onda eletromagnética

A onda eletromagnética é uma das formas pelas quais a energia se propaga. Esse tipo de onda que viaja por estradas virtuais no céu não precisa de um meio para se propagar e não consegue transportar matéria.

As operadoras precisam dela para montar as redes e levar o sinal do celular aos usuários. Para isso, as empresas arremataram 45 lotes de blocos de frequência em leilão realizado nos dias 4 e 5 de novembro pela Anatel. O valor econômico obtido na licitação foi de R$ 47,2 bilhões – preço das outorgas mais obrigações de investimentos.

As grandes teles levaram os blocos de 3,5 gigahertz (GHz) nacionais, mais cobiçados para o padrão 5G puro. Compraram também outras frequências. Telefônica, dona da Vivo, arrematou nove lotes por R$ 1,1 bilhão; TIM investiu R$ 1,049 bilhão em 11 lotes, e Claro pagou R$ 1,738 bilhão por nove lotes.

A nova tecnologia entrará em operação gradualmente, de 2022 – até julho nas capitais e no Distrito Federal – a 2029, cidades com mais de 30 mil habitantes. As empresas que compraram as outorgas precisarão construir as redes. O 5G exige de cinco a dez vezes mais estações de rádio base do que o existente para o 4G. Dados da Conexis indicam que das 27 capitais, só sete têm leis adequadas à legislação em vigor, uma delas é Porto Alegre.