Há 20 anos ameaças fermentam na internet

Por Tiago Lobo
No fórum Dogolachan, localizado na primeira camada da Deep Web, uma parte da internet invisível aos motores de busca como o Google, adolescentes intitulados Incels (celibatários involuntários na sua linguagem), trocam informações e pedem dicas de forma anônima. Os assuntos variam desde a compra facilitada de armas, esquemas de bombas caseiras, tipos de ácidos para agredir pessoas, até troca de conteúdo pedófilo e dicas para planejar e cometer atentados terroristas.

Há um espaço, inclusive, que funciona como um confessionário. Um “padre” responde às confissões dos usuários. Um deles pede, por exemplo, ajuda após 9 dias de celibato para se livrar do vício pela masturbação que teria o tornado “impuro”…

O fórum é terreno fértil onde apologia ao crime é rotina. De lá que partiram incentivos para tragédias que mobilizam o país desde o final dos anos 90.

Até novembro de 1999, “tiroteios em massa” não eram uma realidade no Brasil. Isso era tido como um problema da terra do Tio Sam, nada Tupiniquim.

A partir de 20 de abril daquele ano o chamado “Massacre de Columbine” inundou a pauta na imprensa internacional: dois adolescentes mataram 12 alunos  e um professor, feriram outras 21 pessoas para depois se suicidarem em uma escola do Colorado, Estados Unidos. Desde 1996 os adolescentes alimentavam um site onde compartilhavam mapas e estratégias sobre o jogo de tiro “Doom”. No final de 97 já havia conteúdo sobre como construir bombas caseiras e postagens que descreviam o ódio que a dupla sentia da sociedade.

Na noite de 3 de novembro, pouco mais de 6 meses depois de Columbine, cerca de 30 pessoas assistiam ao filme O Clube da Luta na sala 5 do cinema do Shopping Morumbi, em São Paulo. Um estudante de medicina de 24 anos começou a atirar até esvaziar o pente de uma submetralhadora, matando três pessoas e ferindo outras quatro. Ele foi imobilizado quando ficou sem munição e logo em seguida foi detido pela polícia.

Advogados de defesa, na época, tentaram alegar insanidade, o que o tornaria ininputável: alguém que não tem discernimento sobre certo e errado, e possibilitaria o cumprimento da pena em um hospital psiquiátrico. Alegaram também que ele havia sofrido influência de um jogo de tiro, o clássico Duke Nukem: não colou e ele foi condenado a 120 anos e seis meses de prisão.

Um psiquiatra contratado pela família afirmou que o jovem sofria de Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE), caracterizado pelo distanciamento e desinteresse no convívio social e uma gama limitada de emoções em seus relacionamentos interpessoais.

Membro de família da classe média alta de Salvador, o “atirador do shopping” começou a apresentar indícios de depressão e ideação suicida aos 13 anos: queixava-se à mãe que não tinha amigos. Aos 15, durante um intercâmbio nos E.U.A, foi mandado de volta pela família que o acolheu no exterior por conta da sua agressividade e, ao retornar, passou a agredir fisicamente os próprios pais chegando a fraturar a costela de um deles.

Por recomendação médica, foi morar sozinho em São Paulo, para ter “uma vida social independente”. Na faculdade de medicina (seguindo os caminhos do pai), ingressou como aluno brilhante e foi decaindo. Introspectivo e com reações desproporcionais às brincadeiras dos colegas foi ficando sozinho. Um professor o definiria como uma pessoa “apática, diferente”. Nas primeiras férias da faculdade tentou suicídio, depois teve que sair da pensão onde morava por agredir um colega, na sequência ameaçou o porteiro de um apartamento que os pais lhe alugavam e passou a ter alucinações.

Cinco dias antes do crime, resolveu largar a medicação psiquiátrica por conta própria e fazia uso frequente de cocaína. A polícia encontraria 37 papelotes da droga no apartamento do estudante, que não pagava o condomínio havia dois meses.

Três anos depois do julgamento, a pena foi reduzida a 48 anos e nove meses de prisão por uma tecnicalidade da legislação. Hoje ele segue preso, institucionalizado no Hospital de Custódia e Tratamento de Salvador, destinado a doentes mentais.

Logo após ser detido, policiais do 96º DP perguntaram se havia alguma namorada ou amigos para avisá-los da situação do atirador. “Eu não gosto de ninguém”, ele respondeu. A primeira escola

A cidade de Taiúva, a 363 km de São Paulo foi o palco para o primeiro tiroteio em massa dentro de uma escola que o Brasil registra. Às 14h40min do dia 27/01/2003, um jovem de 18 anos armado com um revólver calibre 38 e 105 projéteis invadiu o pátio da sua ex-escola e disparou quinze vezes contra alunos, professores e funcionários. Após ferir cinco estudantes, zelador e vice-diretora, se matou com um tiro na cabeça. Uma das vítimas ficou tetraplégica.

O colégio estadual Coronel Benedito Ortiz, cena do crime, foi frequentado pelo atirador durante toda sua vida escolar. À época a diretora da escola, Maria Luiza Gonçalves Oliveira disse para a imprensa que eram muito amigos e que “ele nunca deu problemas, era educado, sempre andou bem vestido”.

A polícia concluiu que o atirador teria cometido o crime motivado por revolta, devido ao bullying que sofria por ter “problemas com peso”. Em 1999, segundo a diretora Oliveira, o jovem conseguiu emagrecer quase 30 quilos.

Filho único de família simples, o pai trabalhava no campo e a mãe dona-de-casa, o atirador de Taiúva era tido como bom aluno, sem problemas com disciplina e sem inimigos. Saía pouco e não tinha namorada.Luto nacional

O caso que teve maior repercussão na imprensa e comoção pública, levando a então presidente Dilma Roussef a decretar luto nacional, teve início na manhã de 7 de abril de 2011.

Um rapaz com 23 anos, ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, invadiu a instituição armado com dois revólveres calibres .32 e .38 e abriu fogo contra alunos deixando 12 crianças mortas (10 meninas e 2 meninos) e 17 feridas. Uma sobrevivente que foi entrevistada pela TV Record logo após o crime revelou que o assassino atirava nas meninas para matar e nos meninos para ferir.

Após ser baleado na perna por um policial, o atirador se matou.

Os investigadores apuraram que a motivação seria vingança por conta do bullying que sofria. O jovem já havia chamado de “irmão”  o atirador que matou 32 pessoas na Universidade Virginia Tech, nos E.U.A., em 2007. Este último venerava os autores de Columbine. O autor do massacre em Realengo também se identificava com o atirador de Taiúva.

Ele chegou a deixar um vídeo onde dizia ter sido vítima de “bullying”. “Muitas vezes, aconteceu comigo de ser agredido por um grupo e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria sem se importar com meus sentimentos”, declarou em a nota suicida. Nela também havia instruções de como deveriam ser feitas a retirada de seu corpo e o sepultamento. Nenhuma pessoa “impura” poderia tocar no cadáver. Análises do computador do jovem mostraram que ele constantemente fazia pesquisas sobre terrorismo e se identificava com Osama Bin Laden.

15 dias após o massacre nenhum familiar compareceu ao Instituto Médico Legal para liberar o corpo do atirador: ele foi enterrado como indigente.

Padrões se repetem

Mesmo com um intervalo de tempo, parece que o efeito de um atentado em massa se desdobra em cascata.

Em setembro de 2011, 5 meses após Realengo, uma criança de 10 anos atirou contra sua professora e, em seguida, cometeu suicídio na escola Professora Alcina Dantas Feijão, no município de São Caetano do Sul, do ABC paulista.  O crime ocorreu às 15h50min, após uma discussão em sala de aula. A arma foi um revólver calibre .38 que pertencia ao pai da criança, um guarda civil. Ambos foram socorridos com vida, mas após duas paradas cardíacas o menino foi declarado morto às 16h50. A professora sobreviveu. Os investigadores chegaram a afirmar que o menino era “manco”, que sofria gozações dos colegas e esta seria a motivação do crime, mas abandonaram a tese.

Em outubro de 2017 um adolescente de 14 anos matou dois colegas e feriu outros quatro ao disparar uma pistola .40 da mãe, que assim como o pai, era policial militar. O crime ocorreu no Colégio Goyases, em Goiânia (GO). Segundo os colegas, o jovem era constantemente chamado de “fedorento”.

Este ano, o ataque ocorrido na escola paulista Raul Brasil, em Suzano, no dia 13 de março, deixou 10 mortos e 11 feridos, por dois jovens encapuzados que abriram fogo nas dependências da instituição. Suspeita-se que os atiradores tenham sido frequentadores do Dogolachan, onde são celebrados como heróis.

Acompanhe as reportagens da série:

Aragão chama Dallagnol de fascista!

É um delírio pensar que se controla a corrupção com uma corporação descontrolada.

É evidente que o Senhor Dallagnol, por melhor que se ache, por mais ungido que se sinta para erradicar a corrupção no Brasil, não pode pretender ter comando sobre o processo legislativo de um projeto que de iniciativa popular não tem nada senão a casca. Foi gestado in camera por um grupinho de procuradores justiceiros, que, tendo logrado criar no País um ambiente de obsessão pela agenda do “combate” à corrupção, não teve dificuldade de juntar 2 milhões de chamegões desavisados. Foram intensamente apoiados pela direita política que tinha só um objetivo: enlamear a esquerda representada pelo PT. E, para se cacifar, esse grupo fez o papel que se esperava dele, tendo o Senhor Dallagnol se prestado a apresentar um pífio PowerPoint em que Lula era representado como o próprio capeta, princípio e fim de todo o mal na terra. Agora, que seus parceiros de caminhada política veem-se na iminência de serem colhidos pelo monstrinho que cevaram, mostra indignação por aquilo que chama de “manobra” e quer a seu lado todos os brasileiros.
A mim ninguém perguntou se estou com Dallagnol e sua trupe de justiceiros. Mas, mesmo não perguntado, digo-lhe NÃO. HISTERIA FALSO-MORALISTA NÃO!
Já vimos ontem onde esse processo de inoculação de apoios obsessivos chegou. Fez ressurgirem em pleno século XXI fantasmas de um fascismo que se esperava superado.
Por fascismo entendo essa pratica politica oportunista que se aproveita das fobias coletivas para incutir ao público o ódio a um inimigo comum: o judeu, o índio, o corrupto, o político, o comunista… seja lá o que for. E, mobilizado esse ódio, busca, com a promessa populista de soluções não realizáveis, com argumentação simplória de autoridade, estabelecer seu domínio totalitário sobre a sociedade e o estado.
É isso que essa campanha pelo “combate” à corrupção está trazendo. O só uso do substantivo “combate” já diz a que essa campanha veio: a uma guerra, com inimigos a serem eliminados.
Foi assim que um pai dominado pela ira obsessiva matou seu filho único em Goiânia e depois se suicidou. Foi assim que ontem um grupelho de fascistas desvairados assaltou o plenário da Câmara dos Deputados para pedir a volta da ditadura militar. Foi assim que senadores resolveram jogar seu carro oficial sobre um grupo de estudantes que bloqueava o acesso ao Palácio da Alvorada.
O que mais estamos esperando? Mais mortes? Mais mártires? Um Horst Wessel?
Estamos jogando nossa democracia arduamente conquistada no lixo da história. E fazemo-lo mesmo sabendo que o preço a pagar será altíssimo para nossos filhos e nossos netos. Convertemo-nos numa república bananeira, onde resultados eleitorais são desrespeitados pelos perdedores sob os cândidos olhares do judiciário e do ministério público!
E agora essa: a pretensão de que a coleta de 2 milhões de chamegões desavisados bastam não só para apresentar a iniciativa popular fake (porque, na verdade, trata-se de iniciativa corporativa), mas também para comandar o parlamento! O sonho parece ser Deltan Dallagnol para presidente do Congresso, se é que o congresso para esses obsecados ainda faz sentido, já que sujeito a “manobras”.
Isso é puro fascismo, desrespeito profundo ao processo político, ao mandato e à soberania popular.
Não seremos reféns dessa corporação. O Congresso tem o direito e o dever de adequar esse projeto ao que é política e funcionalmente comportável pelo País e não pode ser levado a jogar a sociedade à aventura de aniquilar garantias processuais em nome de um”combate” em que sequer valem os costumes da guerra expressos nas convenções da Haia e de Genebra.
Pensar que corrupção se controla com uma corporação empoderada e descontrolada é um delírio.
Urge, isso sim, pacificar o País, ainda que para isso se calem os protagonistas da guerra do ódio e da violência estrutural e institucional.
Assina:
Eugênio Aragão – Ex-Ministro da Justiça

Artigo originalmente publicado no site Conversa Afiada.

As eleições do desencanto com a política e da ilusão com os “não políticos”

Benedito Tadeu César
Cientista político e professor da UFRGS
Diferentemente do que noticiou a grande imprensa corporativa e do que tentam nos fazer crer alguns analistas oficiais, o resultado do 1º Turno das eleições municipais de 2016 não representou a vitória das forças políticas que depuseram Dilma Rousseff e que se dedicaram ao aniquilamento do PT e de seu projeto de governo e de país.
O resultado expressou, em primeiro lugar, o desencanto com as instituições políticas e, ainda, o crescimento de candidaturas apresentadas como “antipolíticas” ou “novas” na política.
O somatório das abstenções (não comparecimento), dos votos brancos e dos nulos, que em ciência política é denominado de alienação eleitoral (com o significado de que o eleitor abre mão de sua capacidade de interferir no resultado do processo eleitoral) registrou, em 2016, um aumento expressivo frente às eleições anteriores.
Tomando-se os exemplos das capitais dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, verifica-se, de acordo com os dados do TSE, que a alienação eleitoral praticamente dobrou durante o período das cinco eleições municipais realizadas de 2000 até 2016.
Como se pode verificar nos gráficos e tabelas abaixo, a alienação eleitoral para a Prefeitura de São Paulo saltou de 22,60% em 2000 para 34,70% em 2016, enquanto praticamente dobrou em Porto Alegre em igual período, passando de 19,04% em 2000 para 38,40% em 2016.
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Os gráficos e as tabelas acima e abaixo permitem observar que, se ocorreu um salto brusco do crescimento da alienação eleitoral na eleição do corrente ano nas duas capitais em questão, este salto foi mais intenso em Porto Alegre. Nesta capital, além disso, os votos nulos praticamente dobraram entre 2012 e 2016, saindo de 4,82% para atingir 8,88%. Fenômeno similar foi observado também com relação à votação para a Câmara Municipal, mas que não será aqui analisado.
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O crescimento significativo da alienação eleitoral ocorreu em todo o país. A análise dos resultados eleitorais de 2016, realizada a partir dos dados fornecidos pelo TSE, permite constatar que, em 11 das 26 capitais onde foram realizadas eleições municipais neste ano, a alienação eleitoral foi superior à votação do candidato mais votado no 1º turno. O caso de São Paulo é emblemático, pois o candidato eleito já no 1º turno obteve votação inferior à alienação eleitoral.
Mais grave do que este fato, em três capitais, a saber, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a alienação eleitoral superou o somatório dos votos conferidos aos dois primeiros colocados, ou seja, o total de “não voto” foi superior aos votos totais obtidos pelos dois candidatos mais votados e que disputarão o 2º turno, como se pode constatar no quadro abaixo.
Cumpre alertar que, neste quadro, os percentuais de votos dos candidatos apresentados diferem daqueles fornecidos pelo TSE, uma vez que o TSE calcula os percentuais eleitorais tomando por base apenas os votos válidos, ou seja, excluindo as abstenções e os votos nulos e brancos, enquanto os dados apresentados no quadro foram calculados sobre o total do eleitorado apto a votar, única maneira de se trabalhar com a mesma base numérica para o cálculo da alienação eleitoral e dos votos em cada candidato.
Alienação eleitoral e votação dos candidatos melhor colocados nas capitais no 1º turno em 2016

Capital Alienação Eleitoral 1º candidato mais votado no 1º Turno 2º candidato mais votado no 1º turno Total dos dois candidatos mais votados no 1º turno
Porto Alegre 38,40% 19,45% 16,90% 36,35%
Florianópolis 22,86% 31,70% 19,25% 50,95%
Curitiba 30,22% 27,66% 17,04% 44,71%
São Paulo 38,48% 34,72% 10,88% 45,60%
Rio de Janeiro 42,54% 17,19% 11,30% 28,49%
Vitória 21,44% 34,93% 28,16% 63,08%
Belo Horizonte 43,14% 20,54% 16,33% 36,88%
Campo Grande 30,35% 24,82% 19,11% 43,93%
Goiânia 30,48% 28,95% 22,77% 51,72%
Cuiabá 33,55% 23,62% 19,64% 43,26%
Salvador 34,72% 50,42% 9,91% 60,33%
Aracajú 38,94% 25,13% 24,69% 49,82%
Maceió 29,56% 33,99% 17,94% 51,93%
Recife 23,32% 38,51% 18,54% 57,05%
João Pessoa 25,27% 45,54% 25,59% 71,13%
Natal 36,78% 42,23% 8,90% 51,13%
Fortaleza 25,42% 37,70% 23,68% 61,37%
Teresina 20,09% 41,37% 32,17% 73,53%
São Luís 21,48% 36,34% 16,98% 53,32%
Palmas 25,51% 39,82% 23,90% 63,72%
Belém 26,98% 23,12% 21,98% 45,10%
Macapá 24,50% 34,26% 20,26% 54,52%
Boa Vista 26,71% 59,51% 7,06% 66,57%
Manaus 18,40% 28,99% 20,50% 49,49%
Porto Velho 36,78% 18,11% 17,40% 35,51%
Rio Branco 22,16% 43,25% 25,24% 68,48%

Como se pode observar, não se tratam de resultados eleitorais que legitimem fortemente os eleitos e/ou os candidatos que chegaram ao 2º turno e, muito menos, que impliquem ampla aprovação popular e eleitoral aos projetos de governo que eles representam.
A análise da geografia eleitoral nas capitais brasileiras, isto é, da distribuição espacial dos votos segundo as zonas eleitorais e os bairros, evidencia que foram nas regiões com eleitores de mais baixa renda onde se observou as maiores incidências de alienação eleitoral, ou seja, de “não votos”. Estas áreas, normalmente localizadas nas periferias das grandes cidades e capitais, são áreas onde o PT detinha a preferência da maioria do eleitorado.
O caso de São Paulo é, novamente, emblemático, uma vez que não apenas o candidato petista perdeu grande parte do eleitorado das regiões de menor poder aquisitivo e que havia votado nele em 2012, como foi também nessas regiões onde ocorreu o maior percentual de alienação eleitoral ou de “não votos”.
É expressivo, além disso, o fato de Porto Alegre e Belo Horizonte terem sido administradas pelo PT durante longos anos e serem duas das três capitais onde a alienação eleitoral suplantou o somatório dos votos obtidos pelos dois candidatos que chegaram ao 2º turno, conforme referido acima.
O desencanto com o PT e, mais do que isto, o desencanto com a política de modo geral, provocou o crescimento do “não voto” e fez com que candidatos “alternativos”, que se apresentaram como “novidade” e/ou como “não políticos”, obtivessem a maioria dos votos válidos. Maioria obtida em grande parte das capitais apenas porque parcela expressiva do eleitorado (média de 29,54% e mediana de 28,27%) se alienou do processo, deixando de votar em qualquer dos candidatos concorrentes.
Em relação aos candidatos “alternativos” vencedores no 1º turno ou levados ao 2º turno eleitoral nas capitais analisadas, vejam-se os exemplos da vitória de João Dória Jr, em São Paulo, um empresário que se apresenta como “não político”, e a ida ao 2º turno de Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, senador e antes de tudo pastor evangélico, e, ainda, de Nelson Marchezan Jr., em Porto Alegre, deputado federal, filho do líder do governo Figueiredo (o último da ditadura civil-militar de 1964/85) e apoiado pelas forças políticas tradicionais mais conservadoras no estado, o qual  se apresenta como um “novo político”.
Se o PT foi o partido que mais perdeu postos e eleitores nestas eleições e o PSDB o que obteve o maior crescimento percentual, enquanto o PMDB manteve-se ainda como o partido detentor do maior número de Prefeituras e o segundo em eleitorado, isto se deveu muito mais ao desencanto do eleitorado com a política, em geral, e com o PT em particular, do que ao encantamento com as propostas e/ou os candidatos peessedebistas e/ou peemedebistas.
Considerando-se os resultados eleitorais nacionais registrados em 2012 e em 2016, verifica-se que o PT perdeu 60,1% do eleitorado total que havia conquistado na eleição municipal anterior e passou da primeira para a quinta posição nestas eleições, enquanto o PSDB teve um crescimento eleitoral total de 25,1% e passou a ocupar a primeira posição.
O bom desempenho eleitoral do PSDB pode ser atribuído ao fato de ele ser o partido que tradicionalmente polarizou com o PT, caracterizando-se como o seu antípoda ideológico, e, talvez, principalmente pelo fato de as denúncias envolvendo muitas de suas principais lideranças não terem sido investigadas judicial e criminalmente e nem terem sido exploradas pela grande imprensa, como ocorreu principalmente com o PT e suas lideranças e, secundariamente, com o PMDB.
Tão significativo quanto a diminuição eleitoral do PT e o crescimento do PSDB, foi o decréscimo registrado na votação nacional de boa parte dos partidos tradicionais, aqui considerados como os partidos com presença histórica nas disputas eleitorais e/ou que já haviam obtido resultados eleitorais expressivos em eleições municipais anteriores. Neste grupo de partidos, apenas o PDT, o PPS e o DEM cresceram eleitoralmente e, mesmo assim, o fizeram de modo débil: o primeiro cresceu 2%, o segundo 4,4% e o último 6,3%.
Todos os demais partidos aqui considerados como tradicionais, incluindo-se neste grupo também os partidos de esquerda, exceto o PT e o PPL (que cresceu 8,2%, mas que passou de apenas 146.686 para 158.650 votos), sofreram uma diminuição eleitoral total de 27% frente aos votos que haviam conquistado em 2012. Entre estes partidos, o campeão de perdas foi o PMDB, que teve uma redução de 12,5% em seu eleitorado, o que representa quase a metade do decréscimo eleitoral deste conjunto de partidos.
Votação por partido em 2012 e 2016

Partido 2012 2016 Diferença
PSDB 14.074.121 17.612.606 25,1%
PMDB 17.007.755 14.877.621 -12,5%
PSB 8.760.546 8.304.485 -5,2%
PSD 6.064.464 8.005.878 32,0%
PT 17.448.801 6.822.964 -60,9%
PDT 6.265.198 6.388.898 2,0%
PP 5.675.405 5.667.418 -0,1%
DEM 4.596.112 4.886.817 6,3%
PR 3.818.374 4.388.095 14,9%
PRB 2.615.553 3.882.494 48,4%
PTB 4.102.470 3.555.638 -13,3%
PPS 2.509.908 2.621.541 4,4%
PSOL 2.400.892 2.097.623 -12,6%
PC do B 1.882.526 1.767.051 -6,1%
PSC 1.695.643 1.761.688 3,9%
PV 2.165.078 1.691.752 -21,9%
SD 1.469.099
REDE 995.447
PHS 319.572 945.782 196,0%
PMM 570.684 797.449 39,7%
PTN 354.028 697.627 97,1%
PROS 689.958
PSL 324.604 487.592 50,2%
PMB 288.893
PEN 286.493
PRP 385.586 280.645 -27,2%
PTC 412.783 268.155 -35,0%
PT do B 301.338 267.680 -11,2%
PSDC 240.480 211.648 -12,0%
PRTB 328.750 162.215 -50,7%
PPL 146.686 158.650 8,2%
PSTU 178.607 77.952 -56,4%
NOVO 38.512
PCB 46.107 24.501 -46,9%
Fonte: G1, com base em dados do TSE

Na verdade, os grandes vencedores do 1º turno das eleições municipais deste ano, considerando-se os resultados obtidos nacionalmente, foram os partidos de orientação religiosa ou de defesa de interesses clientelísticos. O PR obteve um crescimento eleitoral de 14,9%, o PSD de 32%, o PRB de 48,4%, o PSL de 50,2%, o PTN de 97,1% e o PHS de 196%.
Somados, os votos obtidos pelo PR, PMM, PRB, PSL, PTN e PHS representam 19.204.917 eleitores, o equivalente a 13% dos votos válidos consignados em todo o país. Isto faz com que o eleitorado deste conjunto de partidos se torne numericamente mais expressivo do que o do PMDB ou do PSDB tomados isoladamente, já que o primeiro obteve 14.877.621 ou 10% dos votos válidos e o segundo 17.612.606 ou 12% desses votos nacionalmente.
A tendência é, portanto, o aumento do poder de pressão e de chantagem política desse conjunto de partidos e, a se repetir o mesmo fenômeno nas eleições nacionais de 2018, o revigoramento do chamado “presidencialismo de coalizão” brasileiro, reforçado em suas práticas de barganha.
Afastado dos partidos e dos candidatos que anteriormente mereciam a sua preferência, o eleitorado se dividiu. Cerca de 1/3 dos eleitores das capitais decidiu-se pela alienação eleitoral, abdicando de seu direito de interferir no resultado eleitoral, enquanto cerca de 1/4 do total dos eleitores do país decidiu votar em partidos alternativos, ou seja, em partidos que não tinham obtido expressão nas eleições anteriores.
Verifica-se, deste modo, que uma parcela importante do eleitorado total do país não votou nos candidatos e/ou os partidos que tiveram maior responsabilidade nos governos anteriores ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, nem votou nos candidatos e/ou partidos que interferiram diretamente na sua derrubada e que dão sustentação política ao atual governo federal.
Assim, mais do que uma eleição que legitime os atuais governantes em nível federal e que autorize seu projeto de governo, o 1º turno das eleições municipais de 2016 revela a existência de um eleitorado à deriva, a ser disputado pelos diferentes partidos, e que está sendo ganho, até aqui, em grande parte, pelos partidos que defendem não projetos políticos para o país,  mas interesses de parcelas restritas da sociedade e que, por este motivo, encontram-se, quase sempre, distantes dos interesses públicos.
Fica claro, além disso, que todo o esforço para a desconstrução do PT e de seus políticos não foi suficiente para liquidá-los. Não obstante a perda significativa de seu eleitorado e do número de Prefeituras sob o seu comando, o PT manteve-se entre os maiores partidos nacionais, como o 5º maior partido brasileiro em termos eleitorais, o que lhe reserva, ainda, um grande potencial de crescimento.
Nas eleições municipais de 2016, foram a criminalização da política e o desencanto do eleitorado, na verdade, os grandes vencedores do 1º turno. Um resultado altamente preocupante, porque contribui para que lideranças oportunistas possam se apossar do poder de Estado e se manter nele por meio de ações ilegítimas, ainda que travestidas pelos ritos legais.