Três jornalistas estavam na sessão de emergência do Congresso Nacional, na madrugada de primeiro de abril de 1964.
Um deles era Flávio Tavares, um jovem de 29 anos, que assinava a coluna política do jornal Última Hora.
Ali, em três minutos, atropelando o bom senso e a legalidade, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República e abriu o caminho político para o golpe que, militarmente, já tinha sido deflagrado pelo general Mourão Filho, em Minas.
“Assisti a tudo, mas só agora, 50 anos depois, fui descobrir os elos da conspiração e da articulação do golpe”, diz Tavares no livro 1964, O Golpe, que escreveu para contar essa tenebrosa história.
(Esta entrevista foi publicada na edição especial da Revista JÁ, alusiva aos cinquenta anos do golpe militar que derrubou o presidente João Goulart e implantou uma ditadura que durou 21 anos)
JÁ – Como foi aquele dia em Brasília?
Flávio Tavares – Estávamos isolados em Brasília, sem telefone, sem telex… O aeroporto estava fechado desde as nove horas da manhã, não sabíamos de nada. A única fonte era a embaixada americana, que tinha comunicação com o Rio. Então, sabíamos alguma coisa indiretamente.
Da mobilização do Mourão, sabiam?
Da mobilização do Mourão se soube vagamente, pois na verdade ela começou dia 30, com um manifesto lançado pelo governador de Minas, Magalhães Pinto. Unindo o PSD juscelinista com a UDN, ele queria criar um estado de beligerância, para ser reconhecido pelos Estados Unidos. Tanto que antes de divulgá-lo, enviou o texto por telex para a embaixada americana no Rio. A Casa Branca e o presidente Lyndon Johnson conheceram o manifesto antes dos mineiros.
Um manifesto ambíguo, no estilo mineiro…
Era mineiro a tal ponto que o Jango ainda no Rio recebeu telefonema de um deputado do PTB de Minas se congratulando: “O Magalhães lançou um manifesto pelas reformas”. É que no final do texto, ele fala nas reformas. Esse manifesto deixou o Mourão furioso, porque ele queria que fosse incisivo, contra o Jango. Mas o Magalhães, como bom mineiro, deixava espaço para um recuo, caso o golpe não desse certo.
E quando o Jango chegou a Brasília?
Quando o Jango chega em Brasília no fim da tarde do dia primeiro de abril, já em fuga, fui de fato o único jornalista a estar com ele. Estávamos no Planalto eu e Fernando Pedreira, do Estadão, mas o Estadão era radical contra o Jango, chamava-o de “presidente totalitário”… o Pedreira logo saiu. Tinha também uma repórter do Correio Braziliense, era comunista, amiga pessoal do Jango… Ficamos eu e essa moça, Maria da Graça Dutra, entramos no gabinete, o Jango estava arrumando uns papéis e falou: “Vou instalar o governo no Rio Grande do Sul. Nomeei o general Ladário para o III Exército…”
Mas o general Ladário Telles ainda nem tinha chegado a Porto Alegre…
Sim, ele chegou já na madrugada do dia primeiro de abril. Era general-de-divisão, foi comissionado para poder assumir o III Exército e acreditou que o Jango queria resistir.
O Jango falou em resistir?
Na verdade o Jango já saiu do Rio em fuga, ele queria negociar. O Jango não sabia resistir, ele era um grande negociador. Havia um serviço de rádio e por ele o Jango fala com Porto Alegre, com o Brizola. Havia um serviço de rádio do III Exército, que funcionava muito bem e era operado pelo major Álcio. Só que o major Álcio gravava tudo e depois passava para o pai dele, o general Costa e Silva [risos]. Havia também no Planalto um telefone no gabinete presidencial, era uma espécie de “telefone vermelho”, levantava e dava direto com a central telefônica no Rio. Por esse telefone Jango falou com o general Moraes Âncora, comandante do I Exército. Era um homem corretíssimo, legalista. Era asmático, estava com uma crise de asma, falava com dificuldade. Ainda não havia tomado providência nenhuma, aguardava ordens… O ministro do Exército estava no Hospital, numa posição dúbia… O ministro da Aeronáutica estava em cima do muro e o ministro da Marinha, que mandava pouco, havia recém-assumido…
Ele decide então instalar o governo em Porto Alegre?
Sim, mas fundamentalmente para negociar enquanto o Congresso votaria o impeachment, o que demoraria uns oito dias…
Por que ele hesitou em autorizar a resistência?
Provavelmente porque, num conflito, como aconteceu em 1961, ele seria o menos importante. Os beligerantes é que seriam importantes, o Ladário Telles ou o Brizola… Na verdade, nada deu certo naquele dia. O Jango havia requisitado um Coronado da Varig, um jato intercontinental. Saiu da Granja do Torto depois de gravar um “Manifesto à Nação” que foi redigido pelo Waldir Pires, pelo Almino Afonso e pelo Tancredo Neves. Só que usaram um gravador caseiro, a gravação ficou péssima, foi impossível reproduzir na rádio. Tínhamos tomado a Rádio Nacional, um grupo de jornalistas liderados pelo deputado José Aparecido, dissidente da UDN. Não adiantou nada.
Aí o Jango vai para a Base Aérea…
Sai por volta da oito, para a tomar o avião. Só que o Coronado da Varig teve um “mal súbito”. O velho amigo do Jango, o nosso Rubem Berta, o presidente da Varig, provavelmente se deu conta de que a coisa já tinha virado, ele ia ficar muito mal… Nunca se comprovou, mas foi uma ordem. O Jango embarca e o avião tem uma pane…
Dizem que foi sabotagem…
Não houve sabotagem. Houve um “mal súbito”, como eu chamo. Então decidem passar para um Avro, porque o Viscount presidencial estava no conserto há 15 dias… e aí não tinha tripulação. Até que o coronel Ernani Fittipaldi, da Casa Militar, assume o comando e decolam. O Avro era um bimotor, lento. Saem às onze e meia da noite de Brasília. O Coronado faria a rota Brasília/Porto Alegre em duas horas. O Avro demorou quatro horas ou mais. Sem telefone, sem informação, pensávamos que o Jango já estava chegando a Porto Alegre e ele estava ainda saindo de Brasília.
Perdeu um tempo precioso...
A capacidade de resistência estava minada. Em Brasília, o Mazzili já estava tomando posse como presidente. O Congresso tinha feito uma artimanha: numa sessão de três minutos, sem debate, nem votação, o Auro Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República. O Darcy Ribeiro, como chefe da Casa Civil, tinha feito um ofício ao presidente do Congresso, dizendo que em vista dos acontecimentos o presidente da República o havia incumbido de comunicar que deixara Brasília para instalar o governo em Porto Alegre junto com o seu Ministério, “para proteger-se da tentativa de esbulho”. O Auro nem considerou: “A Presidência da República está acéfala… Declaro vaga a Presidência, com base no do artigo 79 da Constituição… está encerrada a sessão”. O Zaire Alves Nunes, deputado do Rio Grande do Sul, avançou para bater no Auro: “Seu filho da puta…” Não havia o que fazer… Na saída passo no gabinete do Tancredo Neves, ele diz: “Está tudo terminado”. Como bom mineiro, o Tancredo não era de resistir, pelo contrário…
No palácio do Planalto, como foi?
Naquela caminhada da Câmara dos Deputados até o Planalto, às três da madrugada, me veio à cabeça um consolo… Puxa, isso até é bom, porque o Brizola não vai ter mais incompatibilidade, vai poder ser candidato à Presidência…” Ingenuidade nossa, pois o golpe era, mais do que tudo, para impedir a eleição e, mais do que isso, para impedir o Brizola. Engraçado é que, depois eu conto isso para o Brizola, em Montevidéo, e ele diz: “Tu sabes que tive a mesma ideia naqueles minutos iniciais… fiquei tão decepcionado com o Jango que pensei: ‘Pelo menos, agora posso ser candidato”. Pura ingenuidade…
E a posse do Mazzili, também foi a jato, né?
Fomos para o Planalto, onde ele ia tomar posse. Na hora alguém disse: “Falta um general”. Aí saíram para buscar um general… Um grupo de deputados entra no gabinete do Darcy Ribeiro e se deparou com o general Nicolau Fico, que era de Bagé, mas já tinha virado. Darcy estava furioso, expulsa todo o mundo, xingando. Meia hora depois, conseguem o general André Fernandes, chefe do Gabinete do ministro da Guerra, um general apagado, que em seguida vai ser chefe da Casa Civil do Mazzilli, que então toma posse.
A que hora foi dada a posse?
Pouco antes das quatro da madrugada… dez pras quatro mais ou menos.
O Jango chegou a Porto Alegre às 3h15 minutos…
A essa altura o Auro já havia declarado vaga a Presidência… E menos de uma hora depois foi dada a posse. Quer dizer, quando ele chegou ao Rio Grande, estava decidido…
O Auro tinha raiva do Jango, não é?
Isso foi decisivo. O Auro tinha ódio do Jango e com razão. O Jango tinha feito uma grande sacanagem com ele, coisa da honra pessoal. O Jango achava que tinha feito uma grande jogada política, mas…
Foi sacanagem mesmo…
Era típico das manobras do Jango. Ele convida o Auro para ser primeiro-ministro. O Auro aceita, tem o voto de confiança no Congresso e passa a escolher o Ministério, ministros de confiança dele. O Jango queria influir, mas o Auro não o consultou. O Auro, que era inteligente, sagaz, com aquela história de ser primeiro-ministro… Jango pede a ele que assine uma carta de renúncia, alegando que podia surgir algum problema insolúvel entre os dois. Na ânsia de ser primeiro-ministro, ele aceitou. Uma carta de três linhas: “Por esse meio renuncio ao cargo de primeiro-ministro tal e tal…” O Jango guarda na gaveta. Dias depois, o Auro está no Congresso, já tinha convidado alguns ministros, tinha começado a escolher… O Auro está no gabinete dele no Senado… Há um alto-falante que transmite as sessões… de repente o líder trabalhista, deputado Almino Afonso, pede a palavra e anuncia que o primeiro-ministro acaba de renunciar. Auro fica sabendo que renunciou pelo alto falante.
Uma manobra do Jango?
Ele telefonou para o Almino Afonso. Disse, textualmente: “Me diz… pelo Regimento Interno tu, como líder, podes pedir a palavra a qualquer momento, para uma comunicação?” O Almino diz: “Posso”. “Podes pedir agora?” “Sim…” “Então há uma comunicação urgentíssima… Comunica que o Auro renunciou”. O Almino se espanta: “Como?”. “Pode anunciar, tenho uma carta dele aqui…” Almino vai para a tribuna e anuncia. Foi o Almino quem me contou isso, tempos depois… Então, o Auro tinha um ódio visceral do Jango… Em 1961, quando os militares tentaram impedir Jango de assumir, o Auro foi a favor da posse. Então, do ponto de vista da honra pessoal, o Auro tinha razão.
O Jango não era dado a deslealdades, não é?
Não, mas essas coisas eram bem do estilo da época. Era uma coisa getuliana, só que o Getúlio Vargas fazia as coisas de uma forma mais astuta. O Getúlio faria com que o próprio Auro se visse na contingência da renunciar… O Getúlio era o grande espelho de Jango, só que ele não era o Getúlio. Não tinha a experiência do Getúlio, que tinha sido presidente do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda, chefe da Revolução de 30… A experiência do Jango era parlamentar. Sua passagem pelo Ministério do Trabalho foi curta… O Jango era muito moço, tinha quarenta e poucos… Ele morreu com 57 anos, muito novo.
Agora, os erros da esquerda…
Faço essa revisão há muito tempo. O Francisco Julião, por exemplo, foi um dos maiores embustes que este país conheceu. Mantinha uma aparência de simplicidade e humildade absoluta, coisa que ele não era. Era um farsante, um místico de esquerda, convencido de que ia ser o Fidel Castro do Brasil. Isso naquele contexto em que o Fidel era a grande figura não só da esquerda mundial, era a grande figura heróica e humana daqueles tempos. Ele havia vencido uma ditadura odiosa e vencido mesmo, pelas armas. Para ter uma ideia, o Fidel foi aplaudido nos Estados Unidos quando visitou o país. Foi aclamado pela multidão em Buenos Aires. Quando veio ao Brasil foi elogiado até pelo Carlos Lacerda. O Julião queria ser o Fidel brasileiro e foi o grande provocador daqueles anos.
O homem das Ligas Camponesas…
Vou contar um detalhe: em 1969, eu saí do país no grupo dos 15 presos políticos que foram trocados pelo embaixador americano Burke Elbrick, junto estava o Gregório Bezerra, o grande dirigente comunista que organizava os sindicatos rurais no Nordeste. Era pernambucano como o Julião. Quando chegamos ao México, eu digo para o Gregório: “Vamos visitar o Julião”. O Julião estava asilado lá. Aí, noto que o Gregório não quer aparecer do lado do Julião. Ele me diz: “Camarada Flávio, não tenho nenhum interesse em falar com Julião”. Gregório era um homem respeitabilíssimo, era o Velho, tinha sessenta e tantos anos. Depois é que fui saber: o Gregório tinha feito um trabalho sério no Nordeste de organização dos sindicatos rurais. O Julião fazia agitação. Pegou as Ligas Camponeses, articuladas pelo Pedro Teixeira, um grande líder, assassinado em 1962, e fazia demagogia pura. Só que ninguém sabia… Ele foi eleito deputado federal por Pernambuco, mas foi comparecer pela primeira vez na Câmara no dia 30 de março de 1964, para não perder o mandato por faltas continuadas. Não era conhecido nem pelos guardas da Câmara, que não queriam deixar ele entrar. Chega à tribuna, no meio daquela crise, e fala como um general… Anuncia que 60 mil homens das Ligas Camponesas, armados, estão prontos para se rebelar no Brasil inteiro… Cinco mil só no distrito federal… Na verdade, não tinha nada…
Mas figuras respeitáveis, como o Prestes, erraram também…
É, tem a célebre reunião em Moscou em que ele diz que não havia a mínima chance de golpe, pouco antes do golpe… Depois se soube também que Prestes disse nesta reunião que no Comitê Central do Partido Comunista do Brasil tinha um monte de generais… Essas coisas davam um vigor falso para a esquerda. Eu tenho muito respeito pelo Prestes, pela figura íntegra dele, mas ele foi sempre um sonhador, sempre acreditou nas coisas sem penetrar no âmago das coisas. Na revolução de 30, o Prestes recebeu uma proposta do Getúlio aqui no Palácio Piratini, ele mesmo conta isso… Ele vivia na Argentina e veio clandestino falar com o Getúlio, que oferece a ele a chefia militar da revolução, ele era o grande herói, o capitão Luiz Carlos Prestes, da Coluna. Ele começa a falar, diz que só acredita na revolução socialista, proletária, que não acredita naquela revolução burguesa… Getúlio só ouvindo… No fim, segundo o próprio Prestes, Getúlio diz mais ou menos o seguinte: “Sua dialética é bela, profunda e convincente, mas a mim não convenceu…”. O Prestes queria outra revolução… preparar o proletariado… nem havia o proletariado, no sentido sociológico. Havia pobres, sem cultura urbana, sem organização… Então, esses otimismos do Prestes…
O Brizola também foi um pouco irrealista, em 1962, por exemplo…
Aí, é outra coisa. O Brizola ia ser deputado pelo Paraná, foi convencido… que tinha que ser candidato pelo Rio de Janeiro, para enfrentar o Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro. O problema do Brizola é outro. O Brizola nunca preparou herdeiros. O Brizola nunca foi corrupto… Foi investigado de todo jeito nunca acharam nada…
Nem herdeiros, nem concorrentes…
Terminou com todos os concorrentes aqui no Rio Grande do Sul: José Diogo Brochado da Rocha, Fernando Ferrari, Loureiro da Silva… a consequência é que na eleição para governador em 1962 não havia um candidato, então o trabalhismo no Rio Grande do Sul foi escolher Egydio Michaelsen, diretor jurídico do Banco Agrícola Mercantil (que depois veio a ser o Unibanco), nada representativo do trabalhismo.
E então sofreu uma derrota que foi decisiva em 1964…
As melhores e as piores recordações da minha vida foram com o Brizola… Quando cheguei do exílio, por exemplo, tive uma recepção calorosa no Rio. Quando desembarquei o Galeão, um funcionário me disse: “O Brizola chegou de manhã cedo e está no aeroporto à sua espera”. Ele tinha chegado do México, de uma reunião da Internacional Socialista. Chego e estão lá umas 50 pessoas, a tevê Globo vem me entrevistar. Estou junto ao Brizola e a Neusa. Uma das perguntas que me fazem: “para qual partido vai entrar?” Respondi com uma expressão que ele usava: “Na camisa de força do regime militar, partido nenhum. Meu partido é o jornalismo”. No que digo isso, o Brizola se retira. À noite, vou ao Hotel Everest, onde o Brizola estava hospedado. Havia uma reunião do PTB, ele me diz: “Fica aí, é só o pessoal do Rio…”, e me dá um chá-de-banco. Quarenta minutos depois, ele sai: “Flávio, vem aqui. Tu fizeste nessa manhã algo terrível, tomei como uma agressão. Eu estava ao teu lado, e disseste que não vais te filiar a partido nenhum. Isso é uma afronta…” Não admitia posições discordantes…
Os erros da esquerda alimentaram o discurso golpista.
Isso é muito esquemático. Não foi o discurso da esquerda que alimentou ou deu pretexto à conspiração e ao golpe. O que fez o golpe foi a Guerra Fria. Isso hoje está provado. No dia 30 de julho de 1962, na Casa Branca, Lincoln Gordon convence o Kennedy que o Brasil está sendo comunizado e eles têm que intervir, para evitar uma outra Cuba. Transcrevo todo o diálogo no meu livro.
Mas o discurso da esquerda radical assustou…
Sem dúvida, o discurso do Julião… e do Brizola, também. Agora, quem atiçou o golpe foi a Guerra Fria. Em 1962, quando Vernon Walters vem ao Brasil como adido militar para preparar o golpe, quem o recebe no aeroporto é o general Ulhoa Cintra, que não se conformou com a solução que levou Jango ao poder. Quem atua como contato com o coronel Vernon Walters e os militares da conspiração é o Ulhoa Cintra. São os derrotados de 1961, engajados na Guerra Fria. O general Golbery dizia que o Jango não poderia ser presidente porque era homem dos interesses da União Soviética no Brasil.
O IPES foi criado três meses depois da posse de Jango…
Foi antes, já em setembro de 1962 ele está em gestação. O general Golbery pede a reforma ainda em setembro e já estava conspirando. Em novembro formaliza, se instala no Rio. O IPES foi o grande instrumento na guerra psicológica. O Golbery auxiliado por um sujeito que hoje é um romancista conhecido, o Rubem Fonseca… Começou a fazer ficção ali, nos filmes que ele fazia para o IPES, que são muito bem-feitos, maravilhosos, tecnicamente falando. O IPES foi o “grande contubérnio”.
Até panfletos com listas de pessoas a serem eliminadas eram forjados…
Tudo inventado, falsificado, para assustar. O IPES foi a grande arma ideológica. Antes, já no governo do Juscelino, funcionava o IBAD, que fazia o trabalho sujo. Uma comissão de inquérito da Câmara de Deputados provou isso. Bancava os caras, isso está mostrado no filme “O Dia que Durou 21 Anos”. Os Estados Unidos, imediatamente, reconheceram os golpistas e estavam prontos a intervir, se necessário.
Foi por saber disso que Jango não quis resistir?
Jango nunca soube. O que San Thiago Dantas disse a Jango é que Minas Gerais seria reconhecida como Estado beligerante… Mas da movimentação da esquadra americana, ele só foi saber em 1976, quando liberaram os papéis reservados. La Nación, de Buenos Aires, publicou uma nota sobre o livro de Phyllis Parker que revelou isso. Jango ficou sabendo aí, no exílio.
Mas ele havia sofrido pressões…
Sim, muitas pressões… Quando o Jango visita os Estados Unidos, em 1962, o John Kennedy foi esperá-lo na escadinha do avião. Já no helicóptero que transporta os dois até a Casa Branca, Kennedy o questiona sobre a reforma agrária. Jango desfilou em Nova York sob chuva de papel picado, tudo programado, para impressioná-lo. O Lincoln Gordon sugeriu outra coisa: uma visita do Jango à Base Militar de Offutt. Ele foi o primeiro chefe de Estado a ser recebido lá. Um general chamado Thomas Powell começa a mostrar num computador… Ninguém tinha visto antes… mostrava na tela a rota dos B52 com bomba atômica, voando 24 horas… Em seguida disse: “Vou lhe mostrar uma outra coisa”, e levou Jango para ver o silo subterrâneo onde estava o foguete intercontinental Atlas, a mais poderosa arma do planeta, capaz de eliminar 500 mil pessoas em Moscou, Pequim, ou São Paulo. Jango, com o general Kruel, chega à base sorridente e sai completamente acabrunhado…
Lincoln Gordon foi o grande artífice…
Sim, isso hoje está provado. Reproduzo no meu livro os documentos e gravações que foram liberados depois de 30 anos. Ele e Vernon Walters alimentaram a conspiração, com muito dinheiro inclusive.