Pinheiro do Vale
Quando a presidente Dilma Rousseff se compara a Getúlio Vargas, como fez na visita à reunião da Executiva do PDT que fechou questão contra o impeachment, ela de fato não se refere à questão política na Câmara, mas aos ataques à sua família.
Embora não tivesse falado de viva voz, ainda lhe repugnava a baixeza da reportagem de capa da revista Época em que uma equipe inteira procurou sem êxito encontrar alguma migalha que pudesse ligar seu ex-marido Carlos Araújo a algum malfeito, por menor que fosse.
A matéria de Época é um vexame para o jornalismo brasileiro, que se mostra ridículo por produzir profissionais dessa categoria. Expõe sócios controladores cobrando resultados a qualquer preço, sem nenhum prurido ético; um diretor de redação desesperado por sua incompetência para manter-se no cargo; editores de texto medíocres distorcendo declarações e comprometendo descaradamente amigos da família com conteúdos contrários ao que disseram; repórteres tresloucados, errantes no deserto a procura de cavalos com chifres. Uma vergonha! Diria o velho Boris Casoy.
Isto vem da sofreguidão para esconder o tamanho do fracasso, diminuir a distância de concorrentes. Uma ideia brilhante do gênio da redação de Época: “O ex-marido”. Deve ter pensado: como estes coleguinhas são burros, depois de tantos anos cavoucando não se deram conta que o ilibado Carlos Araújo seria o furo do ano. E lá se foram. Que equipe mais esperta…
A matéria foi um espanto: a capa dramática e, lá dentro, nada. Nada vezes nada. Nem uma pista. Coitadas das “fontes” expostas só em negativas. Nem uma linha que levantasse a menor suspeita. Apenas má fé e falta de assunto. Pobre leitor! Esse número da revista dá direito ao comprador de reclamar no PROCON.
Entre os profissionais de imprensa, Época expõe a fraude que se converteu esse tipo de jornalismo investigativo. Os velhos profissionais do ramo lembram-se dos tempos antigos, nos anos 70 e 80, quando o repórter precisava conquistar uma fonte antes de ter uma notícia. Era quase um ritual. Uma alta fonte contava um segredo (“não é para publicar”), deixava “descuidadamente” um papel sobre a mesa e pedia licença para dar um telefonema noutra sala. O repórter rapidamente lia e anotava. Chegando à redação era interrogado duramente pelo editor, tinha de ouvir o outro lado e, sempre, iniciava a matéria com a versão do acusado.
Na fase seguinte já havia mais flexibilidade do editor, a fonte passava um “dossiê”. Vieram os tempos do “denuncismo”. Em meio a muitas verdades também havia as manipulações. Muitas reputações de repórteres furões se fizeram por aí. Pelo menos o jornalista precisava ter uma fonte que lhe passasse um dossiê. Dava algum trabalho.
Agora é mais fácil. Tecnológico. Qualquer hacker passeia como se estivesse em casa nos arquivos dos órgãos públicos. É só plugar o pendrive e tem todo o vazamento em áudio e vídeo sem precisar se esforçar para encontrar uma fonte confiável para lhe passar o “vazamento”. Não precisa prática nem habilidade.
É o caso dos “vazamentos seletivos” do Lava Jato. É melhor para a imagem da Política Federal deixar o público pensando que há uma “garganta profunda” irrigando uma multidão de repórteres do que reconhecer que seus computadores são uma peneira de tela tão grossa que passa tudo. E pior: os órgãos de segurança máxima do País não têm como se defender.
Essa vulnerabilidade veio à tona quando os hackers do Wikileaks de Julian Assenge entraram nos escaninhos mais secretos da presidente Dilma Rousseff. Ela ficou quatro anos brigada com o presidente Barack Obama por causa disso, até o ministro José Eduardo Cardoso confessar que não podia fazer nada par impedir a invasão das delações. Quando um veículo diz que “teve acesso” está na verdade dizendo que invadiu um computador indefeso. Então ela fez as pazes com os norte-americanos.
Por estas e por outras que o programa prioritário do Exército Brasileiro para defender a soberania nacional não fala de tanques e canhões, mas de Segurança Cibernética (a Aeronáutica cuida de segurança espacial e a Marinha de motor nuclear). Se nem os mais profundos segredos de estado estão resguardados, imagine como não estão vulneráveis as pobres máquinas do tempo do Onça da Polícia Federal e do sistema judiciário.
Foi por isto aí que a “esperta” equipe da Época saiu a campo procurando escarafunchar a vida do irrepreensível e discreto Carlos Araújo. E é isto mesmo: tape o nariz e leia a matéria da Época e confirme que ele é irrepreensível e discreto.
Certamente foi por causa dessa grosseria que a presidente Dilma invocou o exemplo de Getúlio Vargas. Ele também teve seus parentes na alça da mira, o irmão Benjamin e o filho Lutero. Com Dilma já tinham procurado o irmão Igor, mas em vez de um nababo encontraram um advogado aposentado com um fusquinha igual ao do presidente Mujica, do Uruguai. Agora foram atrás do Araújo. Encontraram um ex-político de primeira linha retirado e um advogado que tem de trabalhar, mesmo doente, para ganhar seu sustento. Fizeram a anti-matéria. Vergonha!
Voltando a Getúlio, a imprensa ligou o pronunciamento de Dilma no PDT ao impeachment, pois a reunião fechava questão a seu favor e ela estava lá para isto. Entretanto, embora todos os presidentes de 1950 para cá tenham enfrentado pedidos de afastamento na Câmara (e só Collor perdeu), os casos são diferentes. Mas como os jornalistas não atinaram, ficou como se ela estivesse se comparando ao presidente suicida que se concluiu com um tiro no coração e a subsequente derrota eleitoral do candidato da oposição, general Juarez Távora, e eleição do candidato situacionista, Juscelino Kubitschek.
Em todo o caso, naquele ambiente, comparar-se a Vargas foi uma boa tirada retórica, pois ali estavam reunidos os que se apresentam como herdeiros legítimos do legado getulista.