MÁRCIA TURCATO/ Democracia inabalada

Márcia Turcato, de Brasília
Para nunca esquecer, para que não se repita. Há um ano, nesse dia, milhares de pessoas vestindo camisetas verde e amarela, como se fosse a torcida da Seleção Brasileira de
Futebol, desceram o Eixo Monumental em direção à Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Seguiam protegidos pela Polícia Militar.
Um pouco antes, em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação do presidente da República eleito, Luís Inácio Lula da Silva, os mesmos manifestantes haviam promovido um quebra-quebra no centro de Brasília, inclusive queimando carros e ônibus. Ninguém foi preso. Na antevéspera do Natal, dois desses manifestantes planejaram explodir um caminhão tanque de combustível na área do aeroporto de Brasília. O artefato falhou e o
plano terrorista foi desmontado.
Esse contexto continha informações suficientes de que não havia clima de paz entre os manifestantes e que a marcha do dia 8 de janeiro de 2023 até o Congresso Nacional era, no mínimo, suspeita. Mesmo assim, o policiamento era frouxo, amistoso e conivente. O então
Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e que havia sido Ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro, estava de férias nos Estados Unidos. O governador, Ibaneis Rocha, alegava que a situação era de total tranquilidade.
Nesse dia, eu passei de carro ao lado da fila de manifestantes que ocupava duas pistas do Eixo Monumental e seguia gritando palavras de ordem e era protegida pela polícia. Eu diminuí a velocidade para gritar: “Zumbis, vão pra casa!”. Fui vaiada e eles seguiram. Estavam acampados há meses na Praça dos Cristais, área militar, em frente ao QG do Exército. Lá tinham acesso a eletricidade, água, banheiros químicos, distribuição de marmitas e centenas de barracas. Desnecessário dizer que a praça, obra do paisagista Burle Marx, foi
depredada. E foi assim, xingando o presidente eleito, clamando pela volta de Bolsonaro, que estava em
Miami, e exigindo intervenção militar, que a turba tomou de assalto a Praça dos 3 Poderes e invadiu e depredou o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Obras de arte e documentos do acervo público foram saqueadas e danificadas, a arte e a cultura não têm valor para a turba. Isso precisa ser lembrado.

Um ano depois, com a ministra da Cultura Margareth Menezes cantando com entusiasmo o hino nacional do Brasil para celebrar o ato Democracia Inabalada, é uma alegria imensa ver as obras restauradas e os poderes funcionando normalmente.  Aliás, 24 horas após a
vandalização, todos os chefes dos Poderes estavam em seus gabinetes trabalhando. O presidente Lula visitou o cenário de destruição, agradeceu a todos que trabalhavam na limpeza do espaço, e no outro dia estava lá dando expediente.

Apesar dos vândalos declararem seu apoio a Bolsonaro e de afirmarem terem feito o que fizeram para que houvesse uma intervenção militar para trazer o ex-presidente, derrotado nas urnas, de volta ao Palácio do Planalto, é incrível que circule nas redes sociais e entre
deputados, senadores, governadores e prefeitos eleitos, todos de direita, a versão de que a desordem foi promovida pela esquerda para fortalecer o novo governo.

A que ponto chegaram as fake news! Como disse o ministro Roberto Barroso, presidente do STF, a
mentira precisa voltar a ser mentira! E rezar para uma pilha de pneus deve ser visto como uma coisa insana e nunca um ato de fé.

E a direita precisa dizer a que veio. Se os partidos de direita não querem ser confundidos com fascistas, golpistas e vândalos, é necessário que condenem publicamente os atos golpistas e reconheçam que eles foram planejados nos subterrâneos.

Mas onde estão os governadores de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e do Distrito Federal?

Ibaneis Rocha, governador do DF, este eu sei, está em Miami. Eles não estão no ato Democracia Inabalada, que um ano após o vandalismo que sacudiu o país, festeja o Estado de Direito e o fortalecimento das instituições. Que direita é essa que se diz honesta, seguidora da lei e conservadora mas que parece deitar com o fascismo e beijar o diabo? E nesse grupo suspeito também está o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, que na
última hora alegou doença na família e permaneceu na sua Alagoas.
O ministro do STF Alexandre de Moraes, que também é presidente do Superior Tribunal Eleitoral, reafirmou no ato que celebrou a democracia a importância de lembrar, de nunca esquecer, para que manifestações golpistas não se repitam e pregou a urgente regulamentação das plataformas digitais para impedir o avanço da construção de conteúdos falsos que impulsionam nazistas e fascistas. E declarou que a internet não pode continuar sendo uma terra sem lei e ainda criticou as plataformas digitais, que permitem monetizar perfis de ódio.
O presidente Lula, ao fazer o discurso que encerrou o ato, disse que hoje é um dia muito especial para quem ama e pratica a democracia, é um exercício que precisa ser feito todos os dias. A democracia supera as divergências políticas, porque a divergência faz parte da democracia, e é assim que se vence o fascismo. E chamou o ex-presidente (Jair Bolsonaro) e seus seguidores de golpistas, afirmando que o golpe foi tramado nas redes sociais. O
presidente salientou que não há perdão para quem atenta contra a democracia e foi ovacionado diversas vezes.

É isso, sem anista para golpista!