Câmara de Porto Alegre: O dia do Patriota e a CPI de duas cabeças

Elmar Bones

Rodrigo Lopes disse tudo no artigo sobre o ridículo da promulgação do Dia do Patriota, pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

Um detalhe: a desatenção, que Rodrigo justamente cobra do eleitor em relação aos trabalhos do legislativo municipal, tem origem no descaso da própria imprensa com o que se passa no Palácio Aloísio Filho,(sim, esse é o nome)  onde os edis mal ou bem decidem os destinos da cidade.

O Dia do Patriota, projeto de autoria de um vereador que foi cassado, promulgado esta semana, diz muito sobre a Câmara. Mas diz também sobre uma imprensa que não acompanha os trabalhos do legislativo municipal (nem do Estadual e nem no federal, se for ver bem).

Nem no tempo da ditadura havia tanto desinteresse pelo trabalho parlamentar nos municípios e nos Estados.

Na Câmara de Porto Alegre, por exemplo, ocorre um fato inusitado, inédito talvez: formaram-se duas CPIs para investigar os mesmos fatos: as compras de livros e materiais didáticos e esportivos pela Secretaria Municipal de Educação, em licitações de carona (sem licitação, na verdade).

A carona em licitações alheias é permitida por lei em situações emergenciais, mas que emergência havia em adquirir os livros e todo aquele material para deixar acumulados em vários depósitos, inclusive pagando aluguel?

Os livros não se enquadravam no projeto pedagógico da Secretaria Municipal e teriam sido adquiridos numa carona em licitação do Estado de Sergipe,  junto com outras 15 prefeituras, que compraram um total de quatro milhões de exemplares ao preço médio em torno de 40 reais o exemplar. Como e por que a prefeitura entrou nesta carona? E nas outras?

São alguns dos fatos que precisam ser esclarecidos  e há duas comissões de inquérito na Câmara Municipal com esse objetivo.

Uma formada pela oposição que quer explicações do prefeito. Outra da base governista para mostrar que o prefeito já esclareceu tudo, tomou as providências devidas, não há o que explicar.

E a imprensa? Pelo pouco que publicou até agora tende a endossar a versão oficial.  A informação bombástica, de que o prefeito se reuniu com os empresários antes da compra, revelada pelo Matinal,  foi ignorada  pelos demais veículos.

Como é que a população vai se interessar pelo que se passa na Câmara se não há informação sobre o que se passa na Câmara?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VILSON ROMERO/ Fios soltos na simplificação tributária

Vilson Antonio Romero (*)

Vamos combinar: não está sendo feita uma reforma tributária. O texto em tramitação hoje no Senado Federal traz, isto sim, uma simplificação parcial do “manicômio tributário” no qual vivem os contribuintes brasileiros.

Surgem dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no âmbito federal, fundindo a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Programa de Integração Social (PIS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no subnacional, juntando o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou ISS).

Houve alguns avanços nessa unificação dos impostos e contribuições incidentes sobre o consumo de bens e serviços, usualmente chamada de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) mas as benesses finais do texto aprovado na Câmara exigem a necessidade de compensação na alíquota média dos novos tributos que pode elevar a mesma ao topo da taxação do gênero em termos internacionais.

Há inúmeros fios soltos ainda no processo que tem apoiadores entusiasmados tanto quanto críticos exacerbados. As autoridades afirmam que não teremos o melhor IVA do mundo, mas talvez o melhor sistema de cobrança.

Algumas mudanças sinalizadas são alentadoras, como observar a taxação no destino, acabar com a cumulatividade (tributo dobre tributo) e, a despeito da centralização da gestão em um Conselho, tentar preservar o pacto federativo, assim como instituir um “imposto do pecado” sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Porém as pressões setoriais surtiram efeito: na Câmara, inúmeros setores foram privilegiados com isenções ou redução em até 60% nas alíquotas aplicáveis.

Foram expressamente isentadas atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística; serviços de educação previstos pelo ProUni; serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano; produtor rural pessoa física ou jurídica com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões e para produtos integrados; serviços relacionados ao programa emergencial de retomada do setor de eventos (Perse); bem como itens de uma futura cesta básica nacional.

Outros setores lograram constitucionalizar a redução das alíquotas em cerca de 60%, como serviços de educação; serviços de saúde; dispositivos médicos e de acessibilidade para deficientes; medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal; produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas; bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e cibernética.

É uma questão aritmética: se a alíquota de referência, estimada em 24%, diminuir ou zerar para alguns, deverá ser compensada com a elevação para outros segmentos econômicos de modo a termos o que se chama da “reforma neutra”, sem elevação da carga tributária já paquidérmica.

Isso sem falar que a Cofins, principal contribuição mantenedora do maior programa de mitigação da desigualdade, a Seguridade Social, deve sumir nesse cipoal, sem que permaneça a garantia e integridade dos recursos orçamentários destinados à saúde, assistência e previdência social, políticas fundamentais do nosso “welfarestate” tupiniquim.

Há inúmeras outras questões que nos fazem duvidar se, efetivamente, teremos uma mitigação da chamada “guerra fiscal”, nos termos do texto em tramitação no Congresso Nacional, até porque com essa simplificação tributária ainda não chegaremos perto de cumprir a promessa eleitoral de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”. Falta muito. Vamos torcer.

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(*) jornalista, auditor fiscal, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, diretor da Associação Riograndense de Imprensa.

 

O Brasil do êxodo urbano

Vilson Antonio Romero (*)

Entre 1960 e 1990, o Brasil viveu um movimento migratório intenso, em razão do intenso processode industrialização nacional, levando hordas de cidadãos do campo para a cidade, fazendo com que mais do que 50% da população fosse morar e se “amontoar” em comunidades nas metrópoles, em especial nas regiões circunvizinhas às capitais da Regiões Sul e Sudeste.

Passado meio século do fenômeno denominado“êxodo rural”, o censo demográfico de 2022, divulgado em julho pelo IBGE,escancara os números de um movimento inverso, com a tendência ao deslocamento da população dos grandes centros urbanos para cidades menores do interior ou polos em desenvolvimento, afastados das regiões metropolitanas.

Capitais estaduais como Salvador, Belém, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Fortaleza, mesmo passados 12 anos do último censo, não cresceram em termos populacionais.

O número de habitantes de cada uma delas caiu, em percentuais superiores a cinco por cento,em alguns casos, com destaque para a capital baiana que perdeu quase 10% de sua população.

Os analistas e demógrafos estão debruçados na busca das motivações e justificativas desse êxodo urbano na direção de municípios com menor densidade demográfica.

Um dos fatores evidenciados pelos próprios pesquisadores do IBGE é a quase absoluta ausência do Estado na periferia das grandes cidades, com carência de serviços públicos, como saúde, segurança, escolas e saneamento básico.

Parte dessa população mais vulnerável decidiu migrar para outras paragens ou retornar para suas origens no campo ou perto dele, na direção do desenvolvimento do agronegócio ou novos polos industriais, como petroleiros, por exemplo.

Houve uma efetiva migração não só dessa parcela da população, mas de um contingente expressivo de brasileiros, em busca em busca de outros aglomerados urbanos ou rurais com melhor infraestrutura ou menor custo de vida.

E a pandemia de Covid-19 também contribuiu decisivamente para isto. As mais de 700 mil vidas perdidas e a ameaça de contaminação,que ainda perdura, assustou os brasileiros, empurrando contingentes expressivos para o isolamento ou locais com menor densidade demográfica e uma melhor qualidade de vida.

As cidades litorâneas são exemplos desse deslocamento. Só no estado do Rio de Janeiro, as localidades da Região dos Lagos aparecem entre os municípios que mais cresceram como Rio das Ostras (48,1%),Búzios (45,16%) Saquarema (20,55%) e Cabo Frio (19,18%).

Esse novo retrato do Brasil, além de ter frustrado a expectativa do crescimento populacional, com a menor taxa registrada em 150 anos, vai exigir um redimensionamento do repasse dos recursos públicos para muitos municípios e reorganização de infraestrutura nas cidades que mais ganharam moradores.

Essa transição demográfica vai exigir imediata providência sobre a estrutura de seguridades social, sobre a constatação da tendência de envelhecimento, o esgotamento do chamado bônus demográfico, e consequente redução de jovens e força de trabalho da população economicamente ativa.

Faltam as avaliações mais detalhadas do censo eas variáveis detectadas de fecundidade, mortalidade, migração internacional, faixas etárias e de renda. Mas, de fato, um novo Brasil bate à porta.

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(*) jornalista, vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

 

 

A imprensa e a Lava Jato: quem vai botar o guizo neste gato?

O processo do MP para cassar a concessão da Jovem Pan por atentado à democracia, abre uma picada que pode dar na responsabilização dos grandes grupos de comunicação pela adesão e apoio incondicional à Operação Lava-Jato, cujos desmandos começam a ser desvelados.

“Esse é um capítulo que ainda não foi aberto, mas não há como fugir dele”, sentenciou Gilmar Mendes em entrevista recente à Record. A entrevista foi encerrada quando ele tocou no assunto.

Como a Rede Globo vai justificar centenas de manchetes no Jornal Nacional, ilustradas por um duto que jorrava dólares, baseadas em vazamentos ilegais de delações premiadas que, agora se esclarece, eram obtidas sob tortura psicológica?

O jornalista tem a prerrogativa de preservar a fonte para revelar informações  de interesse público.  Mas dois anos de manchetes baseadas em vazamentos ilegais?

O caso de Antônio Palocci é exemplar. Foi mantido na prisão até fazer uma delação como queriam os procuradores, com acusações sem provas (que ele agora desmente), e divulgada na reta final de eleição de 2018.

Os grandes grupos de mídia – Globo, Estadão, Folha de São Paulo, com  todos seus afiliados e apadrinhados – tem muitos esqueletos no armário.

Para ficar nos últimos 70 anos:  a campanha que levou Vagas ao suicídio, a tentativa de impedir Jango em 1961, o apoio irrestrito aos militares em 1964, a farsa de Fernando Collor, “o caçador de marajás” em 1989, o “fenômeno Bolsonaro” em 2018…

Em todos esses episódios sombrios para a democracia encontra-se as nítidas digitais da chamada “grande mídia”.

Em nenhum deles, no entanto,  o engajamento foi tão entusiasta e declarado quanto na Operação Lava-Jato.

Passada à limpo, a Lava Jato revela-se uma armação. Estou ansioso para ler o editorial do Globo justificando seu apoio incondicional à República de Curitiba;

Na novela, na CPI, no campo, nas cidades: a disputa pela terra no Brasil

Na novela da Globo, o conflito entre um coronel dono de terras e a viúva de um posseiro.

No  Congresso uma CPMI para investigar o Movimento dos Sem Terra.

Em diversos pontos do Brasil, o protesto dos indígenas contra o marco temporal para demarcação de suas terras.

No bairro do Santinho, em Florianópolis, a campanha dos moradores contra condomínio que vai tomar o terreno que eles usam como praça.

A questão da terra no Brasil, sua posse e seu uso, só está fora do noticiário dos grandes veículos de comunicação.

É a questão mais antiga, que remonta às origens do Brasil.

Antes de ser um território conhecido,  já era alvo de disputa.

A concessão de terras a súditos fiéis foi o principal instrumento do império português  para garantir o seus domínios.

Aí formou-se uma casta de proprietários de terras, que anda hoje vivem e se reproduzem à sombra do poder que sustentam e  que lhes garante os privilégios.

A ausência do tema no noticiário corrente revela a incapacidade dos meios tradicionais para abordar as questões que realmente importam.

 

 

 

 

Museu Ivo Caggiani: a memória sem fronteiras

O pronto acolhimento que o  Museu Departamental de Rivera deu ao acervo do historiador Ivo Caggiani,  revela a compreensão de que o importante é preservar uma memória, que transcende as fronteiras traçadas por guerras ou políticas.

A linha imaginária que separa os territórios de Brasil e Uruguai, entre Santana do Livramento e Rivera, foi o arremate de um processo de guerras e arranjos diplomáticos ao longo de séculos, para demarcar as fronteiras no extremo Sul.

O historiador Fernando Cacciatore tirou dessa vitória final da diplomacia, que se deu em Livramento/Rivera,  o título de seu brilhante livro “Fronteira Iluminada”.

Segundo  ele, a demarcação dos limites entre Brasil e Uruguai concluída em 1920 com a definição da linha imaginária entre Livramento e Rivera,  encerrou  500 anos de disputas entre Portugal e Espanha pelos territórios do Sul da América.

Diz o historiador: “Em nosso Estado, a saga de Tordesilhas, na verdade iniciada em 1421 com a primeira bula papal concedendo vantagens territoriais a Portugal, encerra-se 500 anos depois, mais precisamente em janeiro de 1920, quando são demarcados os limites entre o Brasil e o Uruguai, pelas ruas, avenidas e praças de Santana do Livramento e Rivera”.

Sim, aquela  fronteira é iluminada. Mas nos últimos dias deu um apagão pro lado de Livramento.

Bolsonaro e a vacina

Márcia Turcato

Na Operação Venire a Polícia Federal identificou que Jair Bolsonaro e seus assessores haviam fraudado o registro da vacina contra covid-19 e isso trouxe à tona uma série
de suspeitas que a gente já sabia, mas que faltavam indícios.

A fraude da vacina, uma coisa tola e que seria facilmente superada se o grupo tivesse se vacinado,
aconteceu para que Bolsonaro pudesse entrar nos Estados Unidos, apesar dele
dizer que estava dispensado de apresentar o comprovante.

Improvável, porque esta  exigência está valendo até o dia 11 deste mês de maio, quando então será suspensa. O presidente Lula, que esteve nos Estados Unidos em fevereiro, apresentou o certificado internacional de vacinação contra covid-19, assim como toda a sua comitiva.
Bolsonaro sempre disse que jamais se vacinaria e fez campanha contra o imunobiológico e ainda colocou sigilo de 100 anos em informações sobre a sua saúde.

O fato de ter entrado nos Estados Unidos em dezembro, para não repassar a faixa presidencial ao presidente eleito Lula, quando o país exigia certificado de vacinação, foi o que provocou a suspeita da PF e a consequente investigação.
Essa ação está no bojo de uma investigação maior que é a das fakes news.

A estratégia adotada por Bolsonaro e sua assessoria -a provável falsificação- logo será revelada.

A deputada federal Luciene Cavalcante (PSol/SP) questionou nesta quinta-feira (4) a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil se Bolsonaro apresentou
comprovante de vacinação ao desembarcar no país em dezembro.

No mesmo documento a deputada indaga à embaixadora Elizabeth Frawley que medidas o governo daquele país adotará caso fique comprovado que Bolsonaro usou
documento falso.

Todo o esquema de falsificação de dados da carteira de vacinação do SUS estava ancorado na Secretaria de Saúde de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, reduto eleitoral de Bolsonaro e sua família e, por que não dizer, reduto da
milícia.
Esse episódio é só a ponta de um iceberg. Na operação da PF entorno da caderneta de vacinação, veio a tona uma sinistra conversa de assessores de Bolsonaro sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 14 de março 2018, no Rio de Janeiro, onde também foi assassinado o motorista Anderson Gomes.
Nessa conversa, degravada e divulgada pela PF, Ailton Barros, militar da reserva,  diz a Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que sabe quem mandou
matar a vereadora. Incrível de tudo isso é que ele é um militar, diz conhecer a autoria do crime, e nunca relatou isso ao delegado titular da investigação do
assassinato. Ou seja, ele está protegendo o assassino. Barros e Cid foram detidos pela PF no âmbito da investigação do certificado falso de vacinação.
Outro fato importante que surgiu com a vacinação falsa foi a prisão do coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, também envolvido na fasificação de documentos.
Ele era responsável por uma ABIN paralela no governo Bolsonaro. A ABIN é a  Agência Brasileira de Inteligência, órgão que tem a missão de investigar ameaças
ao Estado Democrático de Direito e à soberania nacional. O militar comandava um serviço de inteligência paralelo no Palácio do Planalto onde conduziu investigações
e fez dossiês que causaram demissões de ministros.

Nos Estados Unidos o gangster Al Capone, “o rei de Chicago”, foi condenado no dia 24 de outubro de 1931 a 11 anos de prisão por sonegação de impostos. Autor de diversos assassinatos, só foi preso por ter feito uma contabilidade amadora em seu imposto de renda.

Bolsonaro, ao que parece, terá o mesmo fim. O seu erro capital foi o de duvidar da eficácia da vacina contra covid-19 e do SUS.

VILSON ROMERO/ Voto da discórdia no Carf

Vilson Antonio Romero (*)

Talvez você nunca tenha ouvido falar no Carf, mas esse é um dos assuntos que deve movimentar a pauta política no Congresso, nesta quaresma, além do chamado arcabouço ou âncora fiscal e a eterna ladainha da reforma tributária (agora vai, dizem os otimistas!).

Unificando três Conselhos (Primeiro, Segundo e Terceiro – cada um com sua abrangência tributária), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foi criado pela Medida Provisória n°. 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei n°. 11.941/2009.

Integrando o Ministério da Fazenda, é o colegiado responsável por julgar, em segunda instância, ainda na esfera administrativa, os processos de cobrança de tributos (impostos e contribuições) administrados pela Receita Federal.

São 130 conselheiros, distribuídos em seções, turmas e câmaras, especializados em espécies de tributos, com divisão meio a meio entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, estes indicados pelas confederações empresariais, e sendo presidido por um Auditor Fiscal.

Num dos primeiros atos do atual governo, foi editada a Medida Provisória n°. 1.160/23, que, entre outras providências, reverte legislação anterior, restabelecendo o chamado “voto de qualidade ou de desempate” em prol da fazenda pública.

Isso significa que quando há posicionamentos conceituais e de enquadramento sobre eventual aplicação de sanção tributária ou acerca de determinado fato gerador, com equilíbrio entre as partes, o representante da fazenda pública desempata, em favor da União, por óbvio.

Ao contribuinte litigante cabe ou liquidar seu passivo tributário, atualizado monetariamente, ou judicializar a autuação efetuada pela Receita Federal.

Desde 2009, sempre havia sido assim, até que um “jabuti” foi inserido na Lei n°. 13.988/2020, “virando” esse posicionamento, nos seguintes termos: “ Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade (…), resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”.

Essa determinação legal encaminhou para centenas de decisões favoráveis aos devedores, num perda bastante elevada de arrecadação, num conselho que tem mais de R$ 1 trilhão de processos a serem julgados. Com o agravante de que, sendo perdedora, a União não pode recorrer ao Judiciário, encerrando-se aí o litígio. Segundo o ministério da Fazenda, a mudança na legislação fez disparar o estoque de processos acumulados no Carf, de R$ 600 bilhões, em dezembro de 2019, para mais de R$ 1 trilhão em outubro de 2022.

Com a mudança proposta na MP, estima-se que a União poderia ter ganho fiscal de R$ 50 bilhões em 2023, sendo R$ 15 bilhões de forma permanente, por uma “mudança de cultura” no próprio Carf, avaliam as autoridades.

Pois os representantes do “Senhor Mercado”, tributaristas e confederações empresariais estão bradando contra essa nova “virada no jogo”, inclusive com ações judiciais no STF. É matéria polêmica que ainda será debatida e deliberada nas duas Casas do Congresso Nacional.

Tentando mitigar a divergência, o ministro da Fazenda firmou acordo com a OAB no sentido de que permaneça o voto de desempate com a União, mas que se permita ao contribuinte perdedor liquidar seus débitos com expressiva redução das cominações legais. Há especialistas questionando esse acordo, por entenderem ser um evidente incentivo ao chamado “planejamento tributário abusivo” ou até à inadimplência, sem isonomia aos demais contribuintes devedores de menor porte. Matéria na pauta. Com a palavra, os parlamentares federais e, por fim, o presidente da República na sanção ou veto do texto aprovado.

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(*) jornalista e auditor fiscal, conselheiro da ABI, membro da Diretoria Nacional do Dieese e presidente no DF da Pública Central do Servidor

 

VILSON ROMERO

VILSON ROMERO/ Mulheres, empoderamento e proteção

Vilson Antonio Romero (*)

Na população brasileira, elas são cinco milhões a mais. São 82 milhões (52,65%) entre os mais de 156 milhões de eleitores.

Porém estes números não se refletem nos diversos setores da sociedade, seja nos parlamentos, tribunais e governo, nas posições de chefia e liderança das empresas, nos postos decisórios da nação.

São somente 96 entre os 594 congressistas federais, 18% dos deputados estaduais e distritais, 16% dos vereadores, 12% dos prefeitos e duas governadoras entre as 27 UFs. No Poder Judiciário, melhora um pouco a representatividade, com cerca de 38% de magistradas em todo o Brasil. No Executivo federal, houve um avanço no atual governo, com mulheres ocupando 11 dos 37 ministérios.

Nas 250 maiores empresas nacionais pesquisadas pela consultoria Grant Thornton, 6% responderam, em 2021, que não mantém nenhuma mulher em cargos de liderança, mas cerca de 35% dos postos de presidente executivo (CEO) são do sexo feminino.

Além desse empoderamento tímido, como nunca, a mulher tem sido muito atacada na sociedade brasileira.

Todas as formas de violência aumentaram no Brasil em 2022, com 18,6 milhões de mulheres vítimas de agressão segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A lista de ataques envolve ofensas verbais e sexuais, perseguição, ameaças com faca, arma de fogo ou físicas, espancamento ou tentativa de estrangulamento, lesão provocada por algum objeto que foi atirado nelas e esfaqueamento ou tiro. A pesquisa também apresentou um outro dado repudiável: uma em cada 3 brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida.

As medidas protetivas, a proliferação de delegacias de mulheres, as prisões em flagrante, o respaldo da Lei Maria da Penha e diversas formas de acolhimento têm sido insuficientes para cessar essa tragédia diária que deixa vítimas e órfãos por todo o Brasil.

O FBSP reuniu as estatísticas de feminicídio e estupro dos primeiros semestres dos últimos quatro anos e registrou um total de 2.671 mortes. 699 somente de janeiro a junho de 2022. A misoginia e o machismo estão à solta. Temos que combater isto, para preservar, proteger e defender nossas mulheres. Basta de violência! Reflexões e atitudes indispensáveis neste Dia Internacional da Mulher e em todos os demais dias de nossa existência.

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(*) jornalista, vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) 

 

ELMAR BONES/ Jornalismo: a esperteza engoliu o dono

O que está em crise não é o jornalismo.

O que está em crise é o modelo de negócios montado em cima do jornalismo.

O jornalismo padece de um efeito colateral dessa crise do modelo.

Esse modelo nasceu quando um espertalhão descobriu que, além de vender notícias, um jornal podia também vender anúncios.

Consta que foi um alemão no porto de Bremen, dono de um folheto que informava sobre o movimento de navios.

Passou a ter duas receitas,  do produto (o folheto que vendia nas ruas) e dos espaços dentro do folheto, vendidos a comerciantes.

A combinação permitiu baratear o produto, ampliar a circulação, atrair mais anunciantes…

Bem aplicada, a fórmula construiu impérios de todos os portes ao redor do mundo, o modelo disseminou-se por mais de dois séculos.  Agora faliu.

A esperteza engoliu o dono, os anunciantes tomaram conta do negócio e contaminaram irreversivelmente o produto (o noticiário).

Já o dominavam completamente quando a internet chegou com a pá de cal. Com as redes sociais, o anunciante não depende mais do jornalismo para alcançar seu público.

E como fazer jornalismo num grupo cujo negócio é usar o jornalismo para fazer negócios?

O modelo ruiu. Soterrado nos escombros está o jornalista. Justamente no momento em que é mais necessário e na hora em que novos meios oferecem possibilidades como nunca.

Ele sobreviverá? Quem vai salvá-lo?