Biografia de Kleiton e Kledir sobrevive no olho do furacão editorial

GERALD0 HASSE 

Competente e gratificante, eis dois adjetivos que servem para qualificar a biografia da dupla Kleiton & Kledir escrita pelo pesquisador musical Emílio Pacheco, que desde adolescente acompanha a carreira dos irmãos de Pelotas.

Se poderia acrescentar outros adjetivos como minuciosa, exaustiva ou completa.

Sim, tudo isso, mas não se trata de obra de fã babão: bancário aposentado com formação em jornalismo, o
autor não exagera ao contar em detalhes a história completa da dupla desde sua primeira formação, Almôndegas, em meados dos anos 70.
“Foi realmente uma bênção poder escrever esse livro que já nasce com potencial de vendas pelo prestígio dos biografados”, disse Pacheco, salientando que contou com a colaboração sincera e transparente dos músicos e de familiares, a começar pela possibilidade de consultar
recortes de jornal, releases e fotos colecionados ao longo dos anos (desde as primeiras apresentações em escolas) por D. Dalva, a mãe deles.
Graças a isso e a pesquisas, entrevistas e depoimentos dos dois artistas e integrantes de suas troupes pela vida afora, o pesquisador chegou a um resultado fora do comum. Não há canção gravada ou apresentada em shows que não tenha sido dissecada em todos os aspectos: letras, melodias, arranjos, vocais e instrumentistas. É quase um exagero, mas o autor não deixa barato: “Prefiro que o livro seja criticado por ser excessivo e não por ser resumido”.

A biografia começou a ser escrita em 2019 e ficou pronta no final de 2022, a tempo de ter uma tiragem inicial de 100 exemplares colocada à venda sem alarde na banca da Livraria Erico Verissimo nos últimos cinco dias da Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro do ano passado.
Depois disso, houve uma noite de autógrafos no Mercado Público de Pelotas no dia 27 de março de 2023, uma segunda-feira em que a dupla estava na cidade após se apresentar no Theatro Guarany.

Com divulgação mínima feita pelo autor e a Prefeitura, o evento literário teve pouco público, mas no final da noite o autor, os biografados e familiares confraternizaram num jantar no restaurante Cavalo Branco, ali mesmo no
Mercado.

Dado o improviso, apenas no dia seguinte à sessão de autógrafos o Diário Popular de Pelotas publicou uma reportagem de página inteira sobre o livro.

http://emiliopacheco.blogspot.com/2023/03/como-foi-sessao-de-autografos-em-pelotas.html

Como lembra o autor, desde o começo Kleiton e Kledir se declararam disponíveis para esclarecimentos, mas deixaram bem claro que o projeto era de Pacheco. Sem qualquer contrato com quem quer que fosse, o jornalista mergulhou na pesquisa por sugestão do amigo carioca Marcelo Fróes, ex-editor do International Magazine, um jornal de música para o qual Pacheco escrevia. Fróes era sócio de uma editora que publicaria a biografia.

No meio do caminho, porém, ele se desligou da sociedade
editorial, deixando Pacheco a pé em plena pandemia. Sem recuar, o jornalista foi em frente, sem contar com ajuda de custo, cachê ou “avanço” sobre futuras vendas. Na reta final, apenas duas editoras se dispuseram a bancar a edição. “Optei pela Bestiário porque a outra era
de Florianópolis. Achei que seria mais fácil fazer tudo por aqui mesmo”, diz Pacheco, que vive em Porto Alegre.

E aqui estamos diante de mais uma luta daví x golias.

Com seu primeiro livro, prefaciado por Juarez Fonseca, o mais ativo jornalista cultural do Sul do Brasil no último meio século, Pacheco enfrenta praticamente sozinho a barra pesada de um mercado editorial em ebulição, no qual livros impressos em papel estão sendo triturados pelas edições digitais, muito mais baratas. Não é por acaso que alguns gigantes editoriais-e-livreiros estão sucumbindo. O mar imensurável da internet está absorvendo os tradicionais percentuais do atacado (40% do valor de capa dos livros) e do varejo (30%) com que trabalha(va)m editoras e livrarias. Somando os percentuais acima, o leitor vê que sobram os 20% dos custos gráficos e os 10% dos direitos do autor. Nada de novo no front literário. Para não cair na vala em que se debatem as
pequenas editoras, a Bestiário fixou em 80 reais o preço do livro (394 páginas, sendo 35 de fotos) e optou pela venda pela internet, dando uma colher de chá para apenas duas livrarias de Porto Alegre venderem o
livro físico; em Pelotas, a cidade natal dos biografados, e no Rio, onde K&K vivem desde o século XX, o livro físico não está em oferta.

Quer comprar? Vá ao blog do autor ou ao seu Facebook. Ou encomende no site
https://bestiario.com.br/livros/kleitonekledir.html

Registro final: o livro é muito bom não apenas pelo que conta da obra e da vida da dupla pelotense – dois artistas sem máscaras –, mas por traçar um raro panorama da evolução da Música Popular Gaúcha e sua inserção no quadro geral da MPB.

Enfim, é um livro de histórias que se
insere na História da Cultura Brasileira. Merece estar em bibliotecas públicas e escolas. Tomara que chegue lá. O retrospecto da carreira dos irmãos Kleiton & Kledir, hoje septuagenários que mantêm a chama juvenil que os projetou, pode ter um sabor relatorial em alguns momentos, mas na realidade será de grande utilidade para pesquisadores, agora e depois.
Não é pouca coisa. Daí a segura profissão de fé do biógrafo: “Mesmo que amanhã ou depois esse livro apareça numa caixa de saldos da Feira do Livro a preço de banana, eu sei que o valor informativo dele não será
afetado. Servirá como referência de uma época”.