MARCELO SGARBOSSA*
Num cenário de catástrofe social, como o que vivemos, a população de rua é a que mais sofre. O poder público nem ao menos sabe informar o total de pessoas nesta situação. De qualquer forma, é visível o agravamento deste quadro.
Em Porto Alegre, a questão ainda é tratada de forma higienista, com cunho policialesco. Para piorar, as manifestações de gestores públicos aumentam a criminalização sobre estas parcelas da população, deixando o quadro ainda mais dramático.
Para problemas complexos, não existem soluções simples.
Mas é urgente e necessário buscar formas de incluir essas pessoas em atividades que gerem trabalho e renda. Neste sentido, temos um projeto de Lei que determina a reserva de 5% das vagas de trabalho para pessoas em situação de rua em contratos firmados pelo Município com empresas privadas para a execução de obras e prestação de serviços.
A proposta segue as diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto Federal 7.053/2009), que incentiva ações de inclusão produtiva.
Sabemos que a medida não vai resolver por completo a questão. É apenas um primeiro passo para tentar tirar da invisibilidade tanta gente que enfrenta tamanhas dificuldades.
*Vereador (PT)
Autor: Análise & Opinião
Incertezas não faltam
No Brasil neste momento se conjugam três fatores perigosos, que podem gerar uma situação explosiva: economia estagnada, população dividida e governo vacilante.
Dentro desse quadro geral, ao qual não falta sequer um crise militar ( por enquanto abafada), desdobra-se um outro enredo dramático e de desfecho incerto: o vazamento dos diálogos do, então, juiz Sérgio Moro com os procuradores da Lava Jato..
As gravações mostram que Moro exorbitou de sua função de juiz e influiu nas investigações que levaram à prisão de Lula, por ele julgado e condenado.
Agora ministro da Justiça, se empenha em cercar o Intercept, o site que recebeu e divulgou as mensagens hackeadas que revelam a sua parcialidade.
Ele busca caracterizar como uma operação criminosa a obtenção das mensagens pelo Intercept e com isso abrir caminho para invalidá-las como provas.
Um indício de que se manipula o processo é o vazamento de informações seletivas para a imprensa desde o início, embora o inquérito corra em segredo de Justiça.
O depoimento do líder do grupo de hackers pressos já foi vazado para a Globo e ali estão os indícios de uma narrativa em construção.
O líder do grupo disse no primeiro depoimento que passou as gravações ao Intercept sem nada receber. Mas seu cúmplice disse que ele pretendia “vender o produto para o PT”.
Na integra vazada para a Globo, ele diz que chegou a Glenn Greenwald, do Intercept, através de Manuela Dávila (que confirmou ter fornecido o telefone).
Aqui mais um dos pontos intrigantes do enredo: um hacker capaz de invadir quase mil contas de altas autoridades da República, precisaria recorrer uma deputada para obter o contato de um jornalista notório?
A Polícia Federal concluiu que eles hackearam cerca de mil celulares de autoridades, inclusive o presidente Jair Bolsonaro, mas não esclarece se teriam passado todo esse material para o Intercept ou só a parte referente a Moro e os procuradores?
O parlamento vai voltar do recesso em primeiro de agosto. Com uma reforma entalada, um executivo errático, um judiciário patético, uma população dividida e a liberdade da imprensa em cheque.
Incertezas não faltam. .
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Assunto encerrado
A sessão histórica do parlamento gaúcho que autorizou a venda de três estatais de energia mereceu uma página no principal jornal do Estado. Uma foto inexpressiva do plenário e tabelas sobre as votações, ocupavam dois terços do espaço.
Sete horas e meia de debates foram resumidas numa coluna de 60 linhas de texto. Uma história de 60 anos como a da CEEE foi selada com três linhas:
“Na distribuição registra prejuízos financeiros, baixa capacidade de investimentos e concessão em risco. Na geração há passivo acima de dois bilhões, maioria trabalhista”
Quantos aos votos para obter a autorização, o jornal registra ao pé da pagina que Leite não teve dificuldades. “Parlamentares como Neri e Gaúcho da Geral que atuam em faixa própria sem tanta obediência aos partidos, receberam atenção especial do líder do governo. As nomeações publicadas no Diário Oficial também ajudaram a manter a fidelidade da base. Nos últimos dias, 88 aliados foram lotados em cargos na máquina estatal, parte deles vinculados ao MDB e PP, os dois maiores partidos do consórcio governista”.
Na voragem instanteneísta que assola o noticiário, o assunto desceu aos arquivos sem ser esclarecido.
Jornalismo muderno.
Fundamentos de um novo impeachment
Alguém ainda se lembra do Itamar Franco, o vice-presidente de Collor, que governou o Brasil de 1992 a 1994?
No entanto, aquele mineiro de Juiz de Fora era um gentleman se comparado ao atual presidente.
Jair nos deixa sem argumentos. É tresloucado. Irracional.
Em certos aspectos podemos compará-lo a Jânio, mas esse tinha cultura, era teatral, calculava os gestos, ensaiava as frases.
Jair não, parece estúpido com suas respostas estapafúrdias e seus tuites amalucados. Age por impulso, influenciado por palpites e sugestões de amigos e parentes.
Educou os três filhos para agirem como machos agressivos e talvez venha a pagar caro por isso, sem que jamais lhe ocorra a pergunta ONDE FOI QUE ERREI?
Isso não apenas em relação aos filhos, todos supostamente blindados pela imunidade parlamentar. Com seu primarismo político e ignorância econômica, Jair desrespeita a inteligência nacional ao nomear pessoas despreparadas como ministros e ao propor medidas que atentam contra a civilização.
Vivemos uma situação tão maluca que, dias atrás, o deputado Tiririca ousou dar conselhos ao presidente. Sugeriu que Jair baixe a bola, seja humilde. Faz sentido? A galhofa como saída…
Na democracia, nenhum macaco pode pensar que está 100% seguro no seu galho. E até aqui não falamos de relações espúrias do ex-capitão Jair com agentes privados da segurança do Estado do Rio de Janeiro, base política dessa família que emergiu do nada em desafio aberto à disciplina militar.
Ele foi reformado e não expulso porque tinha o respaldo de uma certa linha dura da qual é porta-voz.
Se os deputados federais acharem que é hora de rifar Jair, eles o farão sem vacilos na hora propícia. Basta que haja um pretexto ou se crie o clima.
Hoje não há gatilho mais eficiente para uma reviravolta do que a crise econômica, com 40% da população economicamente ativa mergulhada no desemprego, no subdesemprego, no desalento ou na miséria.
Se é cedo demais para propor o impeachment, pois antes da metade do mandato presidencial seria necessário fazer uma nova eleição, em 2021 o impedimento significaria substituir o capitão Jair pelo general Mourão, o vice de plantão, pronto para exercer de direito e de fato a tutela militar sobre o modo brasileiro de governar.
No atual momento, o vice representa o bom senso, o equilíbrio, a temperança. Pode ser uma simples máscara, mas é o que se tem. Se não funcionar em 2021, pode servir para 2022.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Em um contexto de alta capacidade ociosa e elevado desemprego, o principal problema macroeconômico é a falta de demanda, não a restrição de oferta”.
Nelson Barbosa, economista, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda no final do governo Dilma (2015/16).
Cais Mauá, a maior tapera do Rio Grande
A ânsia de transformar o cais Mauá num meganegócio imobiliário levou muita gente a acreditar que a atividade portuária havia sido extinta em Porto Alegre. Ledo engodo. Contribuiu para essa crença o então governador Ivo Sartori ao incluir a discreta Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) no rol de nove instituições estaduais extintas em 2017, sob o pretexto de enxugar a máquina pública. Extinguiu em parte, enxugou um pouco.
No entanto, o mais antigo cais da capital, construído em pedra no início do século XX, está inteiro em meio ao caos reinante desde a concessão da área histórica a um grupo particular mutante. Já com os telhados despencando, os armazéns centenários estão vazios e sem manutenção, os guindastes inativos, mas o prédio de quatro andares na Avenida Mauá segue abrigando os funcionários remanescentes da SPH, amparados por uma liminar judicial.
Mesmo semivazio, o edifício marrom de quatro andares da Av. Mauá resiste como uma espécie de baluarte pronto para impedir que a cidade descarte o melhor de sua memória portuária, armazenada não apenas nas pedras do cais e nos armazéns, mas na biblioteca do 1º andar, onde um guardião improvisado cuida de um patrimônio histórico de valor inestimável. Desenhista naval admitido em 1980, Ademir Machado é o nome do herói solitário.
De sua mesa junto à janela, esse voluntário do cais avista os grandes cascos em trânsito no canal de navegação e torce para que cumpram suas rotas levando suas cargas sem percalços. A situação é kafkiana. A manutenção precária da hidrovia gera riscos de acidentes cuja prevenção cabe ainda ao pessoal da extinta SPH, alojado na Superintendência do Porto de Rio Grande, mas na prática trabalhando no prédio da Avenida Mauá.
Limpa e bem cuidada, a biblioteca do Cais Mauá é uma das mais completas do Brasil em assuntos de navegação e transporte hidroviário. É frequentada sobretudo por estudantes e técnicos, mas também pode atender o público leigo eventualmente interessado na história das hidrovias. Possui tantos documentos, estudos e projetos que poderia se tornar o núcleo central de um museu do porto, assunto que está longe de figurar na ordem do dia dos gestores públicos ancorados na capital.
Com o lamentável encalhe do projeto de revitalização do Cais Mauá, a ex-SPH está na iminência de retomar a área concedida à iniciativa privada, que sequer pagou os aluguéis da área em uso ao longo dos anos do contrato. Um dos pivôs do imbróglio da concessão, a SPH é que deveria receber o dinheiro do aluguel do cais, segundo um acordo firmado entre os entes públicos responsáveis, anos atrás. Extinta por um lado, a pobre autarquia portohidroviária levou calote do outro. Agora, no entanto, sua resistência em abandonar o prédio começa a fazer sentido.
Sim, enquanto o Cais Mauá vazio corre o risco de transformar-se na maior tapera do Rio Grande, o porto da capital opera alegremente em outros cais sob a supervisão do pessoal da ex-SPH. Por causa do Muro da Mauá, a população não vê que os navios seguem em atividade no Cais Marcilio Dias, no Cais Navegantes, no rio Gravataí, no terminal Santa Clara da Copesul no Jacuí em Triunfo e, claro, em Pelotas e Rio Grande, a grande porta de entrada e saída de cargas.
Com seu quilômetro de cais íntegro, o Mauá poderia receber outras embarcações além dos catamarãs da Catsul, do barco de turismo Cisne Branco e das chatas de serviço da SPH. Para acolher navios de carga, bastaria uma dragagem de aprofundamento do calado. Nesse caso, seria preciso resolver o nó viário que seria criado pelo congestionamento de caminhões na Mauá, se bem que esse problema foi completamente negligenciado no caso do projeto de revitalização. E se o Puerto Mauá estivesse operando pra valer? A mídia estaria condenando os trombos viários?
O Cais Mauá é um dos maiores emblemas da história de Porto Alegre e do Estado. Um pedaço da alma da cidade, como o Mercado Público, o Gasômetro, a Rua da Praia, o Theatro São Pedro, a Santa Casa. Esse nome, Cais Mauá, tem apenas um século e homenageia o gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá (1813-1889), fundador da Estrada de Ferro Central do Brasil (1854).
Como aconteceu em muitas cidades ribeirinhas, foi na beira do Guaíba que a capital começou no século XVIII, Desde as origens a cidade foi dominada pela horizontalidade. A água sempre foi o denominador comum. Guaíba, em tupi, é sinônimo de muita água.
Quem chega de avião ou se aproxima pela BR-290 ou pela BR-116 não consegue ficar indiferente ao mundaréu de água que circunda a capital gaúcha. De qualquer foto ou vídeo é impossível excluir a imensidão líquida em contraste com o aglomerado de construções que abrigam residências, escritórios e repartições públicas.
A razão mais forte para tanta edificação é que o porto era o lugar mais rico da cidade. Por ali passavam os melhores produtos, as grandes cargas. Não foi por acaso que na curtíssima Avenida Sepúlveda, com apenas um quarteirão entre o pórtico do porto e a Praça da Alfândega, foram construídos frente a frente dois prédios monumentais.
De um lado, a Alfândega federal, do outro, a Secretaria da Fazenda do Estado — duas fortalezas fiscais à espreita da riqueza que passava por ali e, a partir dos anos 1950, passou a circular, principalmente, nas rodovias, hoje responsáveis por 80% do transporte de cargas do RS, paradoxalmente o estado mais bem provido de vias navegáveis, depois do Amazonas.
Enquanto durou o vai-não vai do empreendimento turístico-imobiliário enfim encalhado, a capital confirmou sua vocação portuária ao construir com uma frota mínima de três catamarãs uma ponte hidroviária com Guaíba, o maior sucesso logístico da administração pública gaúcha nos últimos anos. Além disso, de Guaíba para Rio Grande, a Celulose Riograndense intensificou o uso da Laguna dos Patos como canal de transporte de celulose; no retorno, suas barcaças voltam carregadas de toras de madeira embarcadas no porto de Pelotas, que retomou as atividades que fazem parte de sua história bicentenária.
Embora mudem os locais de atracagem dos navios e movimentação de cargas, a navegação continua viva no Rio Grande do Sul e mantém Porto Alegre nas suas rotas. A quem duvidar dessa informação, recomenda-se uma visita ao edifício da SPH na Avenida Mauá, 1050.
Obscuro papel
Só não vê quem não quer: O JOGO ACABOU
Os meios de comunicação de Porto Alegre embarcaram alegremente na
cantilena da revitalização do Cais Mauá.
Tanto em reportagens como em editoriais colocaram-se espertamente ao
lado dos “investidores”, trabalhando arduamente como parceiros prestimosos de um projeto que nunca chegou a deslanchar.
Estivadores do marketing disfarçado de jornalismo, venderam o peixe no
afã de participar da farra mercantil prometida para os anos seguintes, quando todos se reuniriam debaixo do big arco-íris desenhado entre a Rodoviária e a Ponta da Cadeia.
Agora que a miragem desapareceu no horizonte, a imprensa, o rádio e a TV do RS
enxugam as lágrimas para tentar voltar a ver o que nunca deixou de estar
aí diante dos olhos de todos: os navios continuam no seu vaivém vagaroso pelas águas do Guaíba, o magnífico rio-lago sempre fiel à origem portuária
da cidade.
Apoie JÁ: por que e até quando?
Caro leitor,
Você deve ter acompanhado a saga da nossa tentativa de viabilizar uma edição impressa sobre o Cais Mauá. Não está fácil. Mas seguimos, pois acreditamos em um modelo de jornalismo financiado pelo público e comprometido, tão somente, com ele.
Registre-se que o investimento do leitor ao adquirir um exemplar não é, unicamente, a compra de um apanhado de informações verificadas e analisadas por um time de jornalistas, que lhe conferirá certo poder de argumentação e discernimento ante os fatos postos para o debate público. É muito mais.
Explico: ao comprar um exemplar o leitor contribui para a democratização de uma história que vem sendo contada aos pedaços, sem contexto e carente de aprofundamento. Viabilizar esta edição é participar da qualificação do debate público para os que podem investir no nosso trabalho e, principalmente, para os que não podem.
Há um temerário processo de desinformação sobre essa história que se arrasta há 41 anos.
Nas 16 páginas da nossa edição impressa é possível, sem defender esta ou aquela agenda, entender os motivos e os atores que foram cruciais para o desenvolvimento e para os entraves do projeto.
E nosso trabalho não acaba nessa edição. Por isso precisamos do engajamento dos nossos leitores.
Comprem o jornal.
Apoiar o JÁ é contribuir com o debate público, pois quem lê, confia!
Tiago Lobo
Editor
Cais Mauá
Estamos preparando uma edição impressa dedicada ao Cais Mauá.
Releve-se a licença jornalística de batizar dossiê um resumo, em 16 páginas de jornal, de conteúdo tão complexo.
O grupo de trabalho que o governador Eduardo Leite designou estudar os meandros dessa concessão encheu 700 páginas para fazer um histórico do emaranhado.
Em todo caso, nosso propósito é contribuir para o esclarecimento e nosso esforço é para fazer uma síntese e fornecer o máximo de referências para que a cidadania possa participar do debate.
É notório que o Cais Mauá requer uma intervenção e que o poder público não tem recursos para isso.
Uma concessão foi decidida, um contrato foi assinado há nove anos, mas nada aconteceu. Qual é o futuro do porto que é um espaço simbólico e que de certa forma mexe com toda a vida da cidade?
Não somos contra o projeto, até porque, depois de tantas mudanças, não se sabe qual é mesmo o projeto.
E também porque nosso papel não é esse. Nosso papel é lutar contra a desinformação.
Reserve já seu exemplar clicando aqui.

Um crime
O economista Eduardo Fagani, pesquisador da Unicamp, disse uma coisa assombrosa em entrevista no Atualidade, da Rádio Gaúcha: 75% da economia que o governo pretende extrair com a reforma da Previdência, vai sair dos que ganham até 1.400, reais.
Interessante é que os entrevistadores sempre tão loquazes e questionadores ficaram sem palavras. E a âncora chamou os comerciais.
Diga-se: o economista foi chamado ao programa por instância dos leitores que reclamam do pensamento único a favor da reforma, defendida em cada frase como “única saída para equilibrar as contas públicas”.
Se o número que o economista apresenta é verdadeiro, a reforma é uma imoralidade, um crime.
Para equilibrar as contas, e dizendo que combate privilégios, o governo vai cortar R$ 1 trilhão da Previdência, tirando a maior parte dos miseráveis, que mal conseguem sobreviver com o que ganham?
Perguntas que fogem à pauta.
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Agapan, Apisbio e o Cara
GERALDO HASSE
Por seu conhecimento técnico e radicalismo verbal, o agrônomo Sebastião Pinheiro pode ser considerado o sucessor natural do líder ecológico José Lutzenberger, fundador da Agapan que deixou uma lacuna ao falecer em 2002 aos 76 anos. É certo que Pinheiro não tem a flama do velho Lutz, mas se iguala a ele no respeito ao saber dos agricultores tradicionais e na ojeriza à interferência humana nos processos ecológicos naturais.
Foi o que pensei ao ouvir a rica palestra de Pinheiro a um auditório formado por mais de 200 estudantes, professores e cidadãos de Porto Alegre na noite da última segunda-feira. Entre os ouvintes silenciosos, identifiquei a bióloga Lara Lutzenberger, filha do líder ecológico gaúcho. A última vez que vi tanta gente reunida em torno de um tema ecológico foi em 2005, quando o JÁ levantou um debate sobre o incentivo oficial a grandes projetos de celulose de eucalipto. Naquela época, falou-se no risco de desfigurar o Pampa com a implantação de mais de 1 milhão de hectares de eucaliptos.
A eucaliptocultura ocupa atualmente 500 mil hectares no território gaúcho. Além de produzir madeira para diversos fins, sobretudo a celulose, a árvore australiana é uma das principais fontes de néctar e pólen com que contam as abelhas para produzir mel. E aí se juntam as pontas do processo agroecológico: cada vez mais morrem abelhas por ação de venenos usados em lavouras, sobretudo de soja, que ocupa 6 milhões de hectares no RS e mais de 30 milhões de ha no Brasil.
Assim como não há problema em cultivar uma árvore australiana para produzir madeira, nada impede que se produza um grão asiático nos trópicos sulamericanos. O problema é o uso intensivo de produtos químicos que não apenas matam as abelhas, mas contaminam o meio ambiente, especialmente os cursos d’água; e provocam doenças nas pessoas e nos seres vivos em geral. Além dos venenos, há a manipulação genética de sementes. E aqui entra Sebastião Pinheiro com sua capacidade de cruzar informações antigas e recentes, fazendo uma crítica demolidora do modelo agrícola “venenoso” em que estamos inseridos.
Em sua critica às multinacionais que controlam o mercado de grãos e assim interferem na alimentação de boa parte da humanidade, comportando-se como totens donos irrefutáveis da verdade científica, Sebastião indica a leitura de Émile Durkheim (1858-1917), considerado o pai da sociologia e um dos pensadores mais importantes da modernidade, ao lado de Karl Marx, Sigmund Freud e Max Weber. Foi Durkheim que estudou a função dos totens nas sociedades humanas que os têm como divindades, forças imanentes que não aceitam ser contestadas. Na vida moderna, há marcas, produtos e empresas com poder totêmico. As multinacionais do agronegócio operam como deuses intocáveis que manipulam governantes e controlam populações inteiras.
Aqui entra o Tião Sem Medo: “É preciso contestar seu domínio na vida moderna”. Esses agentes não apenas manipulam a produção de alimentos. Estão envenenando a Terra. Contaminam pessoas, florestas, rios, insetos.
Vendo Tião falar, acredito que estamos assistindo a uma refundação do movimento ambientalista gaúcho. Em 1971, Lutz tinha ao seu lado Augusto Carneiro. No início, os dois lembravam D. Quixote e seu escudeiro Sancho no afã por denunciar o desmatamento, a destruição dos banhados e o uso abusivo de agrotóxicos nas lavouras. Pouca gente entendia seu recado. Na redação dos jornais, o próprio Lutz sentava-se a uma mesa e datilografava o que queria dizer, pois ninguém o entendia. Em 1972, sua mensagem foi logo entendida pela população chocada com o fedor de ovo podre emitido pela Borregaard, recém-instalada em Guaíba. A recém-fundada Associação Gaucha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) logo se tornaria um dos vértices da luta pela criação da Lei dos Agrotóxicos.
No final da palestra de segunda-feira, Francisco Milanez, o presidente da Agapan, conclamou o público a associar-se ao movimento ecológico – “não apenas à Agapan, mas a qualquer associação em defesa da vida” — e cedeu o microfone a José Renato Barcelos, professor de Direito que faz parte da APISBIO, nova entidade formada por cientistas dispostos a responsabilizar os fabricantes. comerciantes e usuários de agrotóxicos pela mortandade das abelhas. A Apisbio entregará ao Ministério Público Estadual um documento nesse sentido. Na prática, é o começo da judicialização da morte das abelhas, responsáveis pela polinização da maior parte dos vegetais naturais e cultivados.
Sugiro que os interessados acompanhem pelo Facebook (Coletivo Catarse) o evento que ocorrerá na tarde desta quinta, 28 de março, em Mata, na região de Santa Maria. Essa pequena cidade de 5 mil habitantes foi escolhida para a reunião porque foi lá que mais morreram abelhas melíferas no último verão.