[avatar user=”X-CDD – Ricardo F Leaes” size=”thumbnail” align=”left” /]
Ricardo Fagundes Leães*
No momento em que o governo provisório tomou posse, já era de conhecimento geral que o Ministério das Relações Exteriores seria chefiado por José Serra (PSDB), ex-governador, prefeito e Ministro de Estado. Serra, que substitui o diplomata Mauro Vieira, é o primeiro político a assumir o comando do Itamaraty desde Fernando Henrique Cardoso, ainda no governo de Itamar Franco. Tão logo assumiu sua nova função, Serra tratou de imprimir sua digital, patrocinando duas duras notas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua e contra o Secretário-Geral da UNASUL, Ernesto Samper, que questionaram a legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff. Em resposta, o Itamaraty repudiou as declarações “bolivarianas” e reafirmou que o impedimento da presidente se deu conforme os ritos legais estabelecidos pela Constituição Federal. Além disso, qualificou como “falsas” e “equivocadas” as críticas que lhe foram dirigidas.
Imediatamente, não faltaram elogios por parte da grande imprensa brasileira à atitude patrocinada por Serra: Folha de São Paulo, O Globo, Estadão e Exame – além, é claro, de Veja e Istoé – aplaudiram, em seus editoriais, as atitudes do novo ministro, que estaria devolvendo o protagonismo e a isenção que historicamente caracterizariam o Itamaraty, desde os tempos do Barão do Rio Branco. Nos dias subsequentes, quando de sua posse oficial, Serra asseverou que o Itamaraty não mais representaria os interesses de um partido político, mas seria um delegado dos interesses e valores legítimos da sociedade brasileira. Após críticas às gestões anteriores – vistas como estatistas, anacrônicas e partidarizadas –, Serra anunciou que daria atenção especial aos acordos de livre-comércio (em sua visão, negligenciados pelo PT) e que, como chanceler, não permitiria uma ideologização do Itamaraty.
Não é do escopo deste texto analisar a política externa brasileira sob os governos do PT ou a conveniência de relações estreitas com os Estados Unidos ou com países dirigidos por governos de esquerda. Trata-se, sim, de entender e problematizar a polêmica envolvendo a ideologização do Itamaraty e o porquê do crescente apelo desse discurso em prol da neutralidade e do apartidarismo. Com efeito, observamos, cada vez mais, manifestações contra o que se convencionou chamar “ideológico”: seja nos governos, nas escolas ou nas instituições públicas, é reprovável que se encontrem vestígio de uma determinada visão de mundo. Seria preferível, então, que predominasse nesses locais um pensamento isento, imparcial e independente, de modo a não privilegiar uma concepção de mundo em relação às demais. Pululam, no Brasil, projetos de leis nos moldes de “escola sem partido”, como os sugeridos pelo deputado estadual Marcel van Hattem (PP), no Rio Grande do Sul, e pelo vereador Valter Nagelstein (PMDB), em Porto Alegre.
Ocorre que é possível encontrar um padrão nas críticas que são feitas à ideologia: quase sempre, são pessoas ou instituições de viés conservador que reprocham tomadas de posição com um sinal ideológico contrário. Por isso, os movimentos feminista e LBGT são acusados de preconizar uma “ideologia de gênero”, os professores que problematizam as mazelas sociais são tachados de “politicamente ideológicos” e os governos que não se curvam aos interesses dos Estados Unidos são responsabilizados por encampar uma “ideologia partidária”. Vê-se, com esses exemplos, que os grupos conservadores não se limitam a rejeitar e contrapor as ideias de seus opositores, mas procuram desqualificá-las como se só elas representassem uma parte e não o todo de uma sociedade. Assim, a perspectiva em consonância com um matiz conservador e que rechaça grandes transformações se pretende como neutra, apartidária racional e objetiva, ao passo que as interpretações distintas são ideológicas, partidárias, emocionais e subjetivas.
Essa manifestação é perigosa e ilusória, na medida em que parte de um pressuposto não democrático sobre a natureza da política e da sociedade. Segundo essa linha de pensamento, haveria uma vontade geral teórica e disfarçadamente acima dos grupos de interesse, que apenas atuariam em benefício próprio e com o fito de desvirtuar a lógica das relações normais de poder. Na verdade, a sociedade jamais é um todo uniforme e uníssono, sendo seus interesses e objetivos distribuídos em classe, gênero, partidos e instituições. A natureza da democracia é justamente reconhecer que há divisões, fraturas e disputas no seio de cada sociedade, e que essas são canalizadas por meio da política: eleições, manifestações, votações, etc. Em última instância, a afirmação de que somente o outro é ideológico é um apego dissimulado ao status quo, travestido como “bem maior”. Ao invés de admitirem que advogam o que lhes é favorável, alguns grupos travestem seus interesses particulares como se fossem universais, e denunciam seus rivais por agirem de forma análoga.
No caso concreto da política externa, causa espanto que um político tarimbado como José Serra afirme que seu intento maior é desideologizar o Itamaraty, que supostamente teria sido sequestrado pelos propósitos – ilegítimos, porque partidários – do PT. Ora, o partido democraticamente eleito tem a prerrogativa, senão o dever, de aplicar o programa com o qual sagrou-se vencedor. A política externa é, por óbvio, também política, razão pela qual está sempre sujeita ao conflito dos mais diversos grupos de interesse. O próprio Serra demonstra esse fenômeno ao adotar um discurso ríspido em relação aos “bolivarianos”, ao propor relações estreitas com os Estados Unidos e ao priorizar acordos comerciais. Benéficas ou não, essas medidas são tão ideológicas quanto todas as atitudes dos governos anteriores. Salta aos olhos, então, a inconsistência lógica de quem patrocina uma política externa alinhada aos Estados Unidos ao mesmo tempo em que pedem neutralidade e pragmatismo.
Não vivemos em um mundo neutro. Em política, ainda mais, nada é mais ideológico do que o apelo à não ideologia.
* Doutorando em Ciência Política pela UFRGS, pesquisador em Relações Internacionais da FEE
Categoria: HOTSITE Comitê pela Democracia
Confissões: Quem viver verá
[avatar user=”X-CDD – Paulo Timm” size=”medium” align=”left”]Paulo Timm*
Vai cair (de podre:? de inanição? Não sei)
1. Pela LAVAJATO como símbolo de todo um conjunto de amadurecimento institucional no Estado de controle de contas.
2. Pelos sacolejões internos: Paulinho da Força Newtão, e vem mais., com a FIESP contra a CPMF. Não ha coerência interna mínima. O próximo a bater será o Senador Cristovam.
3. Pelo clamor que se está levantando na opinião púbica em decorrência das mensagem emitidas pelas primeiras IMAGENS.
5. Pela combatividade até inusitada do PT e aliados, feridos como tigres no canto da sala e dispostos a combater ou sumir da cena política brasileira.
6. Porque está mais FORA DA REALIDADE que a própria Dilma em seu labirinto. Não está vendo nada.
7. Porque a crise fiscal no curtíssimo prazo é gravíssima e não saberão ENCAMINHAR isso além da ideia de reinventar a CPMF em plena campanha eleitoral pra Prefeitos. Suicídio.
8. Porque Temer é INDECISO e fraco. Politicamente fraco. Confunde exercício do Governo como construção hegemônica com reunião de petit comitê.
9. Porque são MENOS DO MESMO, que vem sendo rejeitado desde junho de 2013.
10. Porque há ESPERANÇA de que uma nação ansiosa para nascer para “outra coisa”, acabará NASCENDO. A vida, enfim, é sempre mais vigorosa do que a morte. O Império escravocrata morreu. A Republica Velha do bico de pena morreu. A Ditadura Militar morreu. A Nova República do redemocratização controlada acabou de ser enterrada.
Querem mais?
Eis o recado de Camões: ” O Rei fraco faz fraca a sua forte gente” . Mas ela reage. Quer viver…
* Economista, professor (aposentado) da Universidade de Brasilia, Fundador do PDT e candidato ao Governo por este partido em 1982 (GO) e 1994 (DF).
Crônica de dois golpes
[avatar user=”X-CDD – Celi R Pinto” size=”thumbnail” align=”left” /]
Céli Pinto*
A derrubada, mesmo provisória, da presidenta Dilma Rousseff no último dia 18 de maio encerrou o segundo ciclo de regime democrático no Brasil pós Estado Novo. O primeiro começou com a constituição de 1946 e terminou com um golpe de estado militar, que durou 24 anos até a promulgação da Constituição de 1988. O afastamento de Dilma tal como de Jango foi um golpe que rompeu com a ordem institucional.
É pouco crível que juízes, ministros do supremo e deputados acreditem no que repetem para a mídia, que não foi golpe porque o impeachment está previsto na constituição e todos os ritos estabelecidos pelo STF foram cumpridos. Ora, é a mesma coisa que condenar um inocente à 10 anos prisão sem conseguir lhe imputar nenhum crime real, mas porque quebrou acidentalmente a perna de um companheiro em um jogo de futebol , justificando a sentença porque o julgamento ocorreu dentro dos mais rígidos preceitos da lei, apenas com o detalhe de chamar sempre o acidente de crime.
Há uma ruptura sim, da ordem institucional. Poderia me alongar em outros detalhes de toda a ilegalidade que cercou o afastamento da Presidenta, mas não é este meu objetivo neste pequeno artigo. O que me proponho fazer é comparar as trajetórias dos dois golpes que interromperam períodos de democracia no Brasil, assinalando diferenças e semelhanças.
As instituições entre 1946-64 eram muito mais frágeis do que a do período de 1988-2016. Houve um avultado número de tentativas de golpe. Sem contar a tentativa que resultou na morte de Getúlio Vargas, houve a tentativa da UND de impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955, alegando que ele não havia conseguido a maioria absoluta dos votos, o que não era exigência constitucional. Em 1956 e 1959 as famosas revoltas militares de Jacareacanga e Aragarças tentavam afastar o presidente da República. Em 1961 Jânio renunciou, o golpe só não aconteceu pela resistência de Brizola com a Campanha da Legalidade, pela falta de unidade no Exército e pela intervenção dos mediadores de sempre criando um parlamentarismo à brasileira para que o vice presidente de esquerda João Goulart fosse empossado na Presidência da República. Em 1963 o Brasil voltou ao presidencialismo, os partidos políticos, as forças sindicais, as ligas camponeses apontam para uma saída de esquerda para o desenvolvimento do país. Em 1964 militares, UND, parte da burguesia e da classe média associados aos interesses diretos os Estados Unidos na América Latina na época depõem o presidente e instaura-se o regime militar no Brasil, que escreveu uma página de pura vergonha na história do país.
No segundo período não houve solavancos na democracia. Eleições se sucederam, presidentes foram empossados sem nenhum problema até 2014. As instituições funcionavam bastante bem, as forças armadas estavam cumprindo sua missão institucional (diga-se de passagem até agora continuam a faze-lo). A única vez que um eleição presidencial foi questionada, lembrou Lacerda em 1955, quando o candidato Aécio Neves e seu partido entraram com uma ação no TSE pedindo uma auditoria na votação que dera vitória no segundo turno a Presidenta Dilma Rousseff em 2014. Aqui começa os primeiros passos do golpe, e novamente todos nós, e o candidato Neves inclusive, sabíamos que as eleições foram corretas, que o candidato de oposição havia perdido por 3.8% dos votos. Lacerda e sua UDN também sabiam que a eleição de JK em 1955 havia sido lícita.
O fato de termos agora instituições mais consolidadas, se comparadas as do primeiro período democrático, torna mais grave a situação atual, pois um golpe para se realizar não pode apenas colocar tanques nas ruas e prender meia dúzia de inimigos. O golpe tem de passar por dentro das instituições. Tem de corromper as instituições no sentido mais profundo desta palavra. Não se trata de corromper com sacos de dinheiro, pode até ter acontecido, mas a corrupção que importa é a corrupção moral, é a total falta de compromisso dos agentes públicos, eleitos ou não, com os deveres que devem cumprir e para os quais são regiamente pagos.
A corrupção moral associada a uma empáfia proto legalista talvez sejam as experiências mais ameaçadoras pelos quais os Estados modernos têm passado. E é isto que nos toca viver neste momento.
Há uma grande diferença ideológica entre os dois momentos democráticos em pauta. Entre 1946-1964 havia por um lado a Guerra Fria que tornava a ameaça do comunismo algo bastante crível. Principalmente após a Revolução em Cuba, havia o que temer por parte das classes dominantes e dos conservadores de todas as matizes no Brasil. Mas os governos que se sucederam no período estava longe de serem socialmente progressistas e lembrarem de qualquer sorte uma postura socialista e muito menos comunista. Além do PCB na clandestinidade o que havia de mais a esquerda era o PTB de Brizola com seu trabalhismo historicamente anti comunista. Apesar do país ter mudado sua feição econômica na década de 1950, a miséria absoluta, a pobreza, o analfabetismo, o latifúndio permaneceram onde estavam, sem nenhuma mudança, mesmo tímida.
Um Brasil com perspectivas mais progressistas começava a se delinear em 1963, quando Jango realmente assume a presidência com plenos poderes, após um plebiscito popular. A página do CEPDOC no item sobre a Trajetória política de Jango “ resume muito bem o conjunto de reformas: “Sob essa ampla denominação de “reformas de base” estava reunido um conjunto de iniciativas: as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas, como marinheiros e os sargentos, e defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior. (disponível em cpdoc.fgv.br acessado em 21.09/2016)
As amplas reformas propostas criaram as condições ótimas para o golpe, reuniram forças que até então haviam tido sucesso em travar qualquer avanço do Brasil em direção a um desenvolvimento mais igualitário por 24 anos.
É difícil comparar as reformas propagadas em 1964 com as transformações vividas pelo país neste segundo período democrático, entretanto, o significado delas são muito próximos.
Ao contrário do primeiro período, no segundo um partido de centro esquerda ganhou as eleições presidenciais 4 vezes, colocando na cadeira presidencial dois outsiders às elites brasileiras: um operário nordestino e uma mulher ex-guerrilheira. E isto não é pouca coisa, desde a Proclamação da República em 1889 todos os presidentes da república, sem exceção, eram homens que pertenciam às elites econômicas ou militares.
Nestes governos o Brasil saiu do mapa da fome da ONU como resultado de políticas de combate a miséria e a pobreza, milhões de pessoas tiveram acesso a emprego, a casa própria, a bens de consumo e a lazer, a mortalidade infantil diminuiu drasticamente, o número de vagas em universidades públicas ou pagas pelo governo em universidades privadas multiplicaram-se, políticas de cotas começam a pagar um dívida histórica com negros e indígenas, os diretos humanos, o direito das mulheres , da comunidades LGTB, dos quilombolas , dos negros começam a ser discutidos e vitórias importantes foram alcançadas.
Portanto, as classes dominantes e aos setores conservadores e reacionários da sociedade sentiram-se ameaçados, porque realmente estavam amaçados, um novo país estava se gestando, embora muito timidamente. Se em 1964 o golpe foi contra uma promessa de mudança, agora foi contra o que já havia mudado.
Os governos liderados por presidentes petistas não foram os melhores governos do mundo, o PT fez política da forma mais tradicional possível, para governar se aliou ao centrão da política brasileira e literalmente pagou para ter apoio. Os escândalos de corrupção se sucederam onde toda a classe política estava envolvida inclusive o PT. Mas a corrupção no Brasil sempre foi bote expiatório. É óbvio que o PT não podia ser corrupto, se não por qualidade moral, por esperteza política, pois os corruptos de sempre estavam só a espera do escorregão petista para dar a tacada final para o golpe.
Em 1964 não houve chances de retorno a legalidade, o golpe foi vitorioso e as consequências todos nós conhecemos e os mais velhos de nós sofremos diretamente. A pergunta agora é, conseguiremos evitar que o golpe em curso se estabilize como um novo governo? Esta é uma pergunta de resposta muito difícil. Talvez uma sociedade muito mobilizada, greves múltiplas, crises internas nas hostes golpistas, medidas impopulares do governo interino, pressão internacional deem uma chance para que se inaugure um terceiro período democracia no Brasil, com Dilma Rousseff ocupando o lugar que é seu pelo voto popular.
* Cientista Política e Profa do Dep de História da UFRGS
Ditadura outra vez
[avatar user=”X-CDD – Joao A Wohlfart” size=”medium” align=”left” /]
João Alberto Wohlfart*
Como se não bastasse, o Brasil passou por um longo e obscuro período de ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985. As experiências mais horrorosas a que foi submetido o povo durante este período, como torturas, prisões, mortes, desaparecimento de familiares e neutralização da consciência histórica, fez ecoar o grito: ditadura nunca mais. Com a retomada da Democracia em 1985 e outros eventos democráticos posteriores afastaria para sempre qualquer possibilidade de nova ditadura. Para as gerações mais jovens, qualquer noção de ditadura apenas no imaginário da experiência de um passado mais ou menos longínquo ou a partir da memória mais viva das gerações passadas. A realidade da Democracia foi conquistada com muito suor, sacrifício, sangue e morte de tantos heróis do passado.
De forma quase inesperada e muito rápida, eclodiu uma nova ditadura no Brasil, com indicações de que esta é pior que aquela vivida nestes anos sombrios. Arquitetada por uma mídia oligárquica que serve aos interesses do grande capital, por setores ultraconservadores do judiciário e do ministério público federal, por partidos políticos de direita e por uma classe de bandidos políticos espalhados por todos os poderes da república. Inconformados com os avanços sociais dos últimos anos, por múltiplas formas de manifestações democráticas e pela ascensão social de milhões de brasileiros historicamente excluídos, de pobres que começaram a viajar de avião e de negros que chegaram às Universidades, as elites conservadoras da sociedade se enfureceram porque viram os seus espaços de domínio absoluto “invadidos” por uma massa de “vagabundos”.
A nova ditadura brasileira é oriunda do refluxo do neoliberalismo ultraconservador que tem na privatização das empresas e das riquezas, o domínio vertical norte/sul, a especulação financeira, o domínio do grande capital estrangeiro das riquezas nacionais, a monopolização do empresariado do agronegócio e dos grandes monopólios produtivos os seus dogmas mais absolutos. O grande capital internacional está de olho no Brasil porque ainda possuímos riquezas naturais inexistentes no primeiro mundo de que o sistema capitalista necessita para o giro do lucro, comprometido pela atual grande crise do capitalismo internacional. Os representantes internos deste sistema, apoiados por grandes monopólios econômicos nacionais e transnacionais, formados pelo judiciário, pelos partidos de direita e pela grande mídia, orquestraram derrubar a Presidente Dilma Rousseff para impor ao país os seus espúrios interesses, completamente alheios à vida e às necessidades do povo.
Internamente este espetáculo foi orquestrado nos constantes ataques da mídia conservadora ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-Presidente Lula como se fossem os culpados da corrupção e nos ataques do judiciário às lideranças de esquerda especialmente dirigidos para prender as suas principais lideranças. Nesta investida, os próprios meios de comunicação e o corrompido judiciário conseguiram ocultar a grande corrupção que gira neles próprios e nas tendências políticas de direita ultraconservadora que fazem da política uma legitimação dos grandes interesses econômicos do empresariado e das corporações capitalistas. Com a furiosa articulação de ataques ao povo, à Democracia, às forças políticas de esquerda e às conquistas sociais, estão impondo o seu poderio absoluto para privatizar a sociedade em função de seus interesses.
A presença intensa da nova ditadura parlamentar/jurídico/midiática, fica cada vez mais visível diante dos olhos. O julgamento promovido pela câmara dos deputados e pelo senado federal pareceu um verdadeiro tribunal de inquisição e de exceção, com expressões de patriarcalismo, coronelismo, machismo, fascismo e com homenagem aos torturadores da ditadura militar. Aos promotores destes sentimentos antipatrióticos e antidemocráticos não pesa nenhuma punição e se transformam em heróis do golpe. Aos líderes populares e defensores da Democracia pesa o estereótipo de agitadores do povo e baderneiros da ordem pública.
Com o processo de impedimento da Presidente Dilma Rousseff, além de uma violação cínica e hipócrita do Estado de Direito, da Constituição e da Democracia, há um clima sistemático de ditadura disseminado por toda a sociedade. Quando nas Universidades públicas se discute golpe e Democracia, as Instituições de Ensino Superior são duramente reprimidas por câmaras de vereadores e pelo ministério público, quando a sua plena autonomia dá a liberdade para realizarem estes atos. O clima de ódio e intolerância seletivamente orientado para determinadas pessoas e grupos da sociedade constitui um indício claro de ditadura, algo impensável numa sociedade livre e democrática.
Os golpistas que usurparam ditatorialmente o poder central, estão promovendo um desmonte dos direitos sociais conquistados com muita luta, sangue e mortes de tantos heróis da Democracia. Em lugar das conquistas sociais estamos vendo um espetáculo de privatizações destinadas a atender aos interesses de uma pequena elite política e econômica que sempre mandou no país e que nunca permitiu que os seus privilégios fosses minimizados. Há claras promessas de repressão contra manifestações populares e contra expressões da opinião pública que sustentam uma visão diferente da oficial protagonizada pela oligarquia do neoliberalismo nacional. Há indícios claros de repressão policial aos movimentos sociais que se organizam para barrar o golpe e assegurar a Democracia tão duramente conquistada.
Além da precarização do trabalho e dos direitos sociais, o que fica evidente é a subordinação das riquezas nacionais aos interesses do grande capital internacional. A entrega do pré-sal, a última grande descoberta do Brasil de um futuro promissor para o nosso povo, está ameaçado escapar de nossas mãos. As riquezas naturais, a imensa biodiversidade e os grandes ecossistemas estão ameaçados pela mentalidade privatizadora dos golpistas. Este ataque à soberania nacional e à liberdade do povo caracteriza um golpe porque implanta um projeto não almejado pelo povo brasileiro.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de filosofia.
Algumas Notas de Política – contribuições à leitura do contemporâneo
[avatar user=”X-CDD – Sonia M M Ogiba” size=”medium” align=”left” /]
Sonia Mara M. Ogiba*
Perplexos pelo avanço nos últimos tempos na política brasileira de movimentos conservadores de direita, nos campos da cultura e da educação, movimentos esses movidos por uma onda crescente de ódio e intolerância para com as diferenças de toda ordem, e pela recusa de valores históricos, somos instados a dar um lugar para nossa angústia pela via da palavra, e do pensamento. Por que as palavras e o pensamento?
As palavras são nossas “metralhadoras”, como já nos transmitiram escritores e poetas, em todas as épocas, lembrando apenas dois, Mallarmé, no século XIX, ou Pier Paolo Pasolini, no século XX.
Pasolini, nascido em 1922 e morto em 1975, está próximo dos que buscaram não se deixar cegar pelas luzes e holofotes dos movimentos contemporâneos de cunho fascista, crescentes não somente no Brasil, no Mundo, mas em escala planetária. É inevitável não se lembrar de Pasolini, poeta, romancista, italiano. Além de crítico de arte e de literatura, foi jornalista, teatrólogo, cineasta. Sua Italietta (Italinha, no diminutivo carinhoso), nos últimos anos de sua vida, era uma Itália anacrônica, provinciana, racista, discriminatória. Ele por ser alguém que lê o seu tempo com uma agudeza critica impressionante está entre aqueles que são tidos como diagnosticadores dos tempos que viriam. Soube como poucos “identificar os sinais de mudanças no mundo e buscar respostas novas, na condição de homem, artista e pensador”.
E o pensamento? Bem, evocaremos Hanna Arendt, na leitura que faz George Didi-Huberman, para lembrar com ela a necessidade de que a atividade do pensamento seja diagonal em relação ao passado e ao futuro. Ao situar o pensamento enquanto força diagonal, e não como fechamento sobre si mesmo, esse não se separa da ação, da potencia da contestação, sendo sua direção determinada pelo passado e pelo futuro.
Ainda na leitura realizada por Didi-Huberman, podemos encontrar em sua tocante obra chamada Sobrevivência dos Vaga-lumes, uma tal resistência do pensamento, como também dos signos e das imagens a isto que Walter Benjamin refletiu acerca da “destruição da experiência” na Modernidade. Destruição que não significa destruição simplesmente, diz Didi-Huberman, mas uma paradoxal ressurgência, e que Hanna Arendt parece ter expressado magnificamente em “Da humanidade em tempos sombrios”, um elogio a Gotthold E. Lessing, poeta, dramaturgo e filósofo alemão no século XVIII, ao afirmar que “essa liberdade de fazer aparecerem os povos apesar de tudo, apesar das censuras do reino e das luzes ofuscantes da glória”.
Mas é também na associação feita com Sigmund Freud, em sua Traumdeutung – A interpretação dos sonhos, de 1900, que Didi-Huberman ilustra, quer a não “destruição da experiência”, quer a “força diagonal” do pensamento, em sua faculdade de fazer aparecer o desejo como o indestrutível por excelência. Nas palavras freudianas: “esse futuro, presente para o sonhador, é modelado, pelo desejo indestrutível, à imagem do passado”.
É, pois, essa faculdade de fazermos aparecer o desejo como indestrutível, nas palavras de Didi-Huberman, e de nos imbuir diuturnamente de um espírito diagnosticador do nosso tempo, na esteira dos pensadores que mencionamos acima (e de muitos outros, pois exemplos não faltariam em todas as culturas e épocas), que podemos observar se erguerem em nossas sociedades contemporâneas, movimentos de reação e de resistência ao avanço dos assim chamados regimes políticos de exceção, aos ataques a democracia e aos direitos humanos, a emergência da discriminação social e cultural, aos fundamentalismos, e as explicitas tentativas de se rasgar a Constituição Brasileira nos últimos acontecimentos do mês de abril do corrente ano.
No entendimento do filósofo italiano Giorgio Agamben, em Meios sem fim – notas sobre a política, ensaios do ano de 1995, portanto, reflexões de quase três décadas atrás, está para ser realizada diante dos nossos olhos, onde quer que seja, a “grande transformação” na direção do Estado espetacular integrado, já apontado por Guy Deboard, nos anos de 1967, e ao “capital-parlamentarismo”, proposto por Alain Badiou, vindo a constituir o estágio extremo da forma-Estado.
Agamben que faz o alerta acima, ainda nesse ensaio de 1995 avança na compreensão de que “a política contemporânea é esse experimento devastador, que desarticula e esvazia em todo o planeta instituições e crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, para voltar depois a repropor a sua forma definitiva nulificada”.
Buscamos em outro ensaio do mesmo pensador, ensaio dos anos de 2006-2007, chamado de O que é o contemporâneo?, algo que a nosso juízo tem potência para fazer operar em nós todos que acreditamos naquela força diagonal do pensamento e na indestrutível força do desejo, antes mencionada, uma terceira força que a essas se entrelaça, a do “sentido de uma ação”, ainda na esteira de Hanna Arendt. Esse sentido “só é revelado quando o próprio agir (…) se tornou história narrável”.
Vejamos essa terceira força – a do sentido do nosso agir – na reflexão que faz Giorgio Agamben no ensaio O que é o contemporâneo?:
“(…) Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente. Mas o que significa “ver as trevas”, “perceber o escuro”?
Eis, então, uma exigência da nossa atualidade: Instrumentalizar-nos na percepção do escuro do nosso tempo. De que maneira? Reflete Agamben: exercitando nosso olhar na escuridão, mergulhando a pena nas trevas do presente. Um agir, certamente, na linha do que Hanna Arendt aponta, ou seja, quando nosso próprio agir se torna história narrável.
Acrescentaríamos, ainda, que esse mergulhar a pena nas trevas do presente, implica também um “pensar” com os ouvidos, em virtude de que aí ressoam “vozes da humanidade”.
Assim, seguindo na diretriz que nos sugerem Agamben e Didi-Huberman, nos recortes que fizemos uso nesse texto estamos na urgência de um “fixar o olhar” no nosso tempo – experimentação que Agamben vê no gesto e na escrita do poeta, em um desenvolvimento minucioso que faz no ensaio O que é o Contemporâneo? tendo por mote o poema de Osip Mandelstam – Vek (O século), do ano de 1923 –, como um modo de agir no presente para que apareçam as palavras, e as imagens, em suas ressonâncias com a temporalidade impura do desejo. Ou ainda, interrogar as “Luzes do poder versus lampejos dos contrapoderes”, como em Didi-Huberman, inspirado na “pequena luz” (lucciola) dos pirilampos, dos vaga-lumes.
* Professora da UFRGS, Membro da APPOA – Associação Psicanalítica de Porto Alegre e do Instituto APPOA – clinica, pesquisa e intervenção
Atenção: a ideologia de gênero já está no ministério interino!
Fabíola Rohden*
Quando o ministério do governo interino de Michel Temer foi anunciado, uma das primeiras reações foi quanto à ausência de mulheres, assim como também de negros ou integrantes de outras etnias e segmentos sociais que representassem a diversidade da população brasileira. O interessante é que nem foi preciso a academia ou os movimentos feministas chamarem a atenção para isto. Acredito que a escolha da composição e a ampla reação a ela podem ser avaliadas à luz do que é se dar conta das diferenças de gênero hoje em dia e de quem é capaz desta percepção.
Supostamente, segundo declarações posteriores, o privilégio aos homens não teria sido intencional. Isso quer dizer que os ministros interinos foram escolhidos “naturalmente” em função de suas posições no campo político, deixando evidente a desvinculação com a capacidade técnica. Se acreditamos nesta explicação, foi um fenômeno “natural” as mulheres terem sido ignoradas. Ou seja, o proponente do ministério não teria sequer se dado conta de que em pleno século XXI, nem que fosse por razões demagógicas e estratégias, seria inaceitável e até mesmo ridículo uma composição tão homogênea e avessa à diversidade. Inaceitável e ridículo porque em qualquer lugar do mundo contemporâneo que valorize a democracia e a igualdade, em qualquer documento envolvendo acordos e organismos internacionais emitido desde meados do século XX, a busca por representações mais plurais e igualitárias é imprescindível, inclusive para o reconhecimento da legitimidade de um governo. O que poderia então explicar esta espécie de cegueira, que impediu que durante as várias semanas de planejamento que antecederam a tomada do poder, esta questão não tivesse vindo à tona?
É difícil de acreditar que nenhum dos senhores envolvidos naquelas articulações não tivesse sequer um vago pressentimento de que o arranjo do grupo teria que ser pensado sob outros ângulos e que, por exemplo, a presença das mulheres deveria ser considerada. Em contraste, se pensamos na reação da imensa maioria das pessoas, o que vem à tona é o estranhamento. Algo parece estar errado quando se vê a foto da “posse” e os atos subsequentes só confirmaram as desconfianças iniciais. Tudo parece um tanto antigo, inadequado, ultrapassado ou, pior ainda, traz à cena uma nítida imagem de retrocesso.
Este incômodo parece revelador da época em que vivemos. E pode ser entendido por meio de dois caminhos. O primeiro diz respeito ao fato de que, se do lado de cima, do conforto da posição de quem está assumindo o poder sequer se notou que a ausência das mulheres seria um problema; do lado da imensa maioria da população, composta de pessoas necessariamente atentas às desigualdades, isto é escandaloso. Este é o lado de quem sente, percebe, se identifica e se solidariza diante de qualquer forma de discriminação e se posiciona sempre com ouvidos e olhos atentos a ações que reproduzam as desigualdades. Temos, portanto, em um plano, a suposta falta de percepção do problema; no outro, a vigilância constante, produzida e lapidada por séculos de exclusão.
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O segundo caminho de compreensão sobre o incômodo se refere ao panorama de mudanças que foram sendo construídas mais amplamente na sociedade. Felizmente, apesar de todas as dificuldades e retrocessos constantes, a trajetória em direção à conquista do reconhecimento da diversidade em termos de gênero, de raça/etnia, de orientação sexual dentre outros aspectos, tem se mantido constante. Não há mais como fechar esta janela de percepção das desigualdades e de empenho na luta pela construção de uma sociedade mais justa. Frente à cegueira daqueles que se colocam acima dessas reivindicações, crescem os desejos, os compromissos e a capacidade de articulação de quem já vislumbrou um outro mundo possível.
Esta competência para perceber como as diferenças sociais, traduzidas em assimetrias de poder e injustiças, foram historicamente produzidas e continuam a ser perpetuadas é o que vem sendo chamado, em tom acusatório, de “ideologia de gênero”, por muitos daqueles que se arvoram detentores do poder. Este termo não é usado no campo acadêmico ou na fundamentação de projetos de intervenção bem fundamentados. Mas neste contexto a referência me parece adequada. Recorrendo à acepção mais geral do termo ideologia, trata-se do conjunto de crenças ou certezas culturais e políticas de um indivíduo ou grupo em determinado momento histórico. Pode-se dizer, então, que a “ideologia de gênero” assumida pelo governo interino reflete a crença ou a certeza de que não é necessário pensar ou considerar as diferenças entre os gêneros na nossa sociedade. Trata-se de uma certeza que é simplesmente assumida, neste caso, pela naturalização da ideia de que as mulheres e outros grupos não precisariam estar presentes no primeiro escalão do governo mas deveriam sim se manter alijados das decisões sobre os rumos do país. O problema, infelizmente para eles, é que em contraste à esta cegueira intencional, há muito tempo já se projetam os holofotes que nos obrigam, todos os dias, a perceber as diferenças. A presença das mulheres nas ruas não deixa dúvida sobre isso.
*Antropóloga
No rastro da nova-velha direita e o giro reacionário do senso comum brasileiro – 1
Bruno Lima Rocha*
Introdução
Neste primeiro artigo, inicio uma breve série tentando mapear a nova (velha) direita. O objetivo deste e dos textos que seguirão é tentar identificar a origem contemporânea do giro reacionário do senso comum brasileiro e suas similitudes com o conservadorismo dos EUA, e, por consequência, a transferência do léxico, do glossário e das identidades políticas gestadas no interior do sistema político do Império. Entendo que, se identificarmos os focos domésticos e internacionais do pensamento conservador, reacionário, ultraliberal e com laços neofascistas, estaremos aptos a tentar estancar o que venho afirmando como “fedor de linha chilena” tendo vasto crescimento no Brasil.
A ascensão do reacionarismo nos últimos dez anos: a aliança entre neopentecostais e a extrema direita militar e policial
O Brasil vive um momento de ascensão de ideias conservadoras, a maior parte destas transitando pelo ultraliberalismo, podendo ser rastreada esta linha como equivalente às da direita do Partido Republicano (ou seja, a extrema direita de corte neoliberal) e combinadas com o pensamento conservador, ou do pacto neoconservador. Este que se avoluma nos EUA a partir da vitória de Richard Nixon em 1968, reforçada com a Doutrina Reagan e a desregulação financeira – primeiramente em 1973 e depois, ao longo dos anos ’80 do século XX – e por fim, ganhando dimensões absurdas, durante o primeiro mandato do governo democrata de Bill Clinton (1993-2000). A nova direita republicana já constava na convenção deste partido quando George H. W. Bush (Bush pai) era considerado, para a constelação política conservadora do período, como o menos mentecapto dos pré-candidatos da bolha conservadora para a Casa Branca. Da corrida eleitoral no Império, em 1992, passando pela famigerada reeleição de Bush Jr. Em 2004, até a nova onda de golpes brancos na América Latina temos como identificar a transferência da identidade política estadunidense para nosso país.
No Brasil, somos atingidos pela combinação dos neoconservadores no comportamento – uma espécie de reação contra a ação afirmativa e os direitos de reconhecimento – e a primazia do capital financeiro e a cruzada dos neoliberais contra o pacto keynesiano que atinge o Brasil durante o lulismo. Esta soma, bastante explosiva, tem na classe média brasileira, e em sua classe média alta, um bastião mobilizado através das redes sociais e que pode ter ou não algum contato com o fascismo brasileiro na versão contemporânea.
É como se fosse um jogo com rodadas simultâneas, onde os reacionários no comportamento somam viúvas da ditadura e por vezes se encontram nas pautas programáticas de inspiração totalitária e obscurantista, como a famigerada “escola sem partido”, ou campanha contra a doutrinação nos aparelhos ideológicos de reprodução. Por vezes os ultraliberais se encontram, domesticam as “feras” medievais brasileiras, e noutras, de forma autônoma, operam como “cavalo de batalha” da agenda neoliberal de desmonte das capacidades de intervenção estatal na economia capitalista e na regulação do agente econômico por sobre a vida cotidiana.
Podemos identificar os movimentos ultraliberais como as empresas de marketing digital, a exemplo da empresa líder, o Movimento Brasil Livre (MBL). Tais instituições privadas respondem ao agendamento da Fundação Koch (charleskochfoundation.org) e da Rede Atlas (atlasnetwork.org) e demandam um texto específico, ainda nesta série. Já quanto ao neofascismo brasileiro, este é manifesto pelo líder caricato embora perigoso, deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e sua aliança com as estruturas do pastor Everaldo (Assembleia de Deus em Madureira) e o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP,que comanda uma matriz autônoma e dono da rede de franquias da fé, o Ministério Tempo de Avivamento). Estes dois operadores político-religiosos de matriz econômica (no mercado da exploração da fé) se aproximam, afirmo, perigosamente, de um programa ultraliberal (vinculando seu programa ao do Tea Party), com as viúvas e viúvos da ditadura – tendo a bandeira do reconhecimento dos torturadores e repressores como “heróis nacionais” – e um culto ao revanchismo da linha dura diante da transição negociada comandada por Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva.
Ainda mais obscena é sua liderança ideológica, com o ainda mais caricato e lunático astrólogo Olavo de Carvalho. Este pregador virtual, mescla um libelo em defesa da “civilização judaico-cristã” para fortalecer ambas as posturas acima narradas – neopentecostal e de extrema direita policial militar. A pregação anti-esquerda e anti-latinoamericana do “professor” Olavo de Carvalho, produzindo demências por internet a partir do estado da Virgínia (EUA), surpreendentemente traz consigo centenas de milhares de seguidores. Olavo é em si mesmo a síntese desta perigosa caricatura da nova direita brasileira, e sua pregação de “escola sem partido”, onde afirma que a doutrina se diluiu no comportamento pregado em sala de aula ao ponto de sequer ser explicitada. Ou seja, se a acusação for válida, então o comportamento orientado pela técnica a serviço do mundo do trabalho controlado pelo capital, é a única válida. O fascismo social existente nestas afirmações está na moral conservadora, na negação do outro (ausência de alteridade), na afirmação da norma “ocidental” (judaico-cristã, capitalista, conservador, heteronormativa) como valor único e na disposição para gerar o caos para que deste surja um novo sentido de ordem.
Uma consequência tangível do revigoramento das viúvas da linha dura
É este tipo de demência, retroalimentada pelos programas policialescos e editoriais reacionários de TV aberta – comandados por gente como José Luiz Datena e Raquel Sherazade – acaba por ter dois efeitos políticos simultâneos. Um aponta para a redução da maioridade penal e uma defesa da violência estatal sem questionar o falido e corrupto modelo de polícia brasileiro. O outro foi visto de forma estarrecedora na defesa da intervenção militar ou a volta da ditadura. Tais defensores da ditadura afirmam que todo o pensamento de esquerda – mesmo o de centro-esquerda -, em última análise, não seria compatível com a democracia parlamentar e estaria o tempo todo promovendo a luta ideológica para controlar instituições reprodutoras dos aparelhos centrais – como escolas e universidades – e assim aplicar uma visão de mundo centrada na luta social e no coletivismo. A direita considera isso uma espécie de “totalitarismo” e chega a aceitar a possibilidade de que, na ausência de ordem pública, tenhamos uma intervenção militar (o texto constitucional, no seu artigo 142, tem realmente alguma leitura passível de controvérsia). Neste sentido, ao negar a possibilidade de que qualquer pensamento de esquerda possa conviver em democracia parlamentar e na concorrência pelo poder do Estado burguês, há similitude na análise dos ultraliberais e da extrema direita policial e militar. Daí viria à convergência destas duas formas de pensamento na defesa da suposta “escola sem partido” e de absurdos como o “ensino neutro das ciências humanas e sociais”. Se observarmos a movimentação dos apoiadores de Bolsonaro nos campi da UFRGS, estes afirmam que “a universidade não é um espaço para lutar, mas somente para estudar”. Repetem de forma bastante concreta um dos lemas da ditadura, “estudante estuda e trabalhador trabalha”, aplicando uma fórmula de obediência social cuja única forma de mobilidade seria através da acumulação de capital ou na seleção “meritocrática”.
Mesmo observando que não há nenhuma exequibilidade por parte das Forças Armadas em fazer nada parecido como intervenção militar constitucional, há um ponto de convergência. O governo “interino” – no meu entender, golpista – trouxe o retorno dos militares GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e o seu comando a cargo do general de exército (da ativa, quatro estrelas) Sérgio Westphalen Etchegoyen. Esta medida, além de apontar um enlace do presidente golpista Michel Temer com a ala mais reacionária da Força Terrestre na ativa, seria uma espécie de acerto de contas com a Comissão da Verdade. Esta fora uma tímida comissão e cujo relatório final foi bastante criticado por militantes históricos dos direitos humanos. Mesmo assim, ao mencionar o nome do general Leo Guedes Etchegoyen como um dos 377 agentes do Estado diretamente responsáveis por crimes contra os direitos humanos, atiçou o grito de “revanchismo” por seu filho, general da ativa que ocupava desde março de 2015, o importante cargo de chefe do Estado-Maior do Exército.
Ao se manifestar contra a Comissão da Verdade mesmo estando na ativa, o general Etchegoyen abrira um perigoso expediente. Sua indicação para o cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional termina soando como um reforço das viúvas da caserna, aproximando-os dos militares da reserva que têm discurso de mágoa em relação ao período pós-Anistia.
* Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e relações internacionais.
(www.estrategiaeanaliseblog.wordpress.com / blimarocha@gmail.com para e-mail e Facebook)
Comitê em defesa da democracia debate
Esta página do jornal JÁ, de responsabilidade do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, traz publicações de membros do comitê e de pessoas por ele convidadas, com o objetivo de discutir temas da realidade brasileira e internacional, a partir do conhecimento especializado de seus autores e de suas diferentes visões ideológicas e políticas, reunidas aqui para o livre debate imprescindível para a consolidação da democracia no país.
O Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito foi criado no dia 04 de abril de 2016, no ato de lançamento de um manifesto em defesa da democracia subscrito inicialmente por 434 profissionais gaúchos das áreas de educação superior, cultura, pesquisa, comunicação, direito e ações comunitárias, com atuação em diferentes espaços de produção intelectual públicos e privados no Rio Grande do Sul. Disponibilizado para assinaturas através do Avaaz, o manifesto chegou até o presente momento ao total de 2.906 signatários. (link com o manifesto)
O comitê surgiu a partir da preocupação com o grave risco de ruptura institucional vigente no Brasil, em decorrência do processo de impeachment da presidente da República, encaminhado de forma açodada e sem que tenha sido caracterizado crime de responsabilidade. Um processo que coloca em xeque o funcionamento das instituições e o respeito à própria Constituição.
O comitê orienta-se pela compreensão de que é preciso consolidar a democracia no país e encaminhar as importantes mudanças necessárias para o enfrentamento da crise econômica e a retomada do desenvolvimento com inclusão social e a defesa da soberania nacional. Mudanças que só poderão ser realizadas com o apoio de um amplo bloco de forças sociais e políticas com elas comprometidas.
Nesta perspectiva, o comitê foi constituído como um espaço propositivo e regular de informação, reflexão, debates e manifestações. Trata-se de um espaço de debates plural, suprapartidário, buscando a participação de pessoas com diferentes visões ideológicas e políticas, reunidas para defender a democracia e as grandes mudanças sociais acima indicadas. (link com o texto aprovado no lançamento do comitê)