Dilma sai das cordas

Nas duas entrevistas concedidas na semana de 05 a 11 de junho por Dilma Rousseff, a presidenta afastada se apresentou com uma imagem completamente diferente da mantida durante o exercício pleno da Presidência da República. Muito mais solta, descontraída, falando de modo fluente e claro, demonstrando domínio dos temas tratados e, talvez de modo surpreendente, assumindo a iniciativa política e desafiando o governo interino.
Além de explicar ações tomadas por seu governo no plano da economia, como a redução e posterior elevação dos juros básicos da economia, indicando as pressões que sofreu para elevá-los novamente, além de elucidar as dificuldades que enfrentou com as resistências das elites empresariais para que elas usassem as isenções tributárias e os empréstimos do BNDES (subsidiados pelo tesouro nacional) para investir, gerar empreso e alavancar a economia, Dilma foi fundo na avaliação política, tanto do seu governo quanto do interino.
A presidenta mostrou-se disposta ao diálogo e, ao mesmo tempo, confirmou o perfil de alguém que não tem medo de enfrentar desafios. Afirmou que o processo do seu afastamento é um golpe parlamentar, criticou ministros do STF que “falam fora dos autos” e também a visão meramente criminalística de juízes e procuradores federais que, no afã de combater a corrupção, desestruturam empresas e as instituições do país.
Além de criticar a política externa e as ações internas do governo do seu substituto interino, deixou claro que o papel desempenhado pelo Brasil no cenário internacional desde o governo Lula, somado à descoberta do Pré-Sal, que torna o Brasil um dos maiores produtores mundiais de petróleo, e à criação do Banco dos Brics despertaram uma forte reação conservadora por parte de grupos de interesses internacionais e nacionais.
Saindo das cordas, Dilma tomou a iniciativa e partiu para o ataque. Afirmou que o “pacto da constituinte de 1988 foi rompido” e que a construção de um novo pacto só poderá ser feita por meio de consulta popular. Para sair do impasse atual, “o povo terá que ser ouvido”, disse.
Devolvendo ao povo a soberania para decidir quem o governa e os rumos que imprime à política nacional, Dilma Rousseff propôs e comprometeu-se a realizar uma consulta popular, talvez um plebiscito, tão logo ela reassuma o governo federal, para que a população, por meio do voto, decida se quer que ela continue na Presidência da República ou se prefere que sejam realizadas novas eleições.
Encurralou, com esta proposta, o presidente interino, levando-o ao corner do ringue. Com apenas 11% de confiança popular, segundo as pesquisas de opinião pública divulgadas, Temer terá coragem para se submeter ao crivo das urnas? Registrará o ataque ou o ignorará solenemente?
A grande imprensa que se aliou ao movimento pela destituição de Dilma e que já se desencantou com Temer deixará passar em brancas nuvens a proposta de Dilma ou exigirá resposta de Temer? Como reagirão os senadores responsáveis pela votação do impeachment e, consequentemente, pela permanência ou não de Dilma ou de Temer na Presidência da República?
Veja aqui a íntegra da entrevista de Dilma Rousseff à Luís Nassif, na TV Brasil.
Veja aqui a íntegra da entrevista de Dilma Rousseff à Mariana Godoy, na Rede TV.
 

O que explica a crise?

Giovane Martins*
Ainda não chegamos à metade de 2016 e, me arriscaria a dizer, já poderíamos calcular mais notícias sobre escândalos políticos nesta primeira metade do semestre do que em vários momentos parecidos da nossa história. O Brasil, que até pouco tempo era visto como o país do Carnaval e do futebol, agora ocupa as manchetes políticas do Brasil e do mundo quase que diariamente, com novas revelações em escândalos de corrupção – revelações que já foram capazes de levar para a cadeia alguns dos empresários mais ricos do país e de declarar a “quase morte” política (pois no fim das contas só a população tem o poder de declarar a morte política de alguém de forma definitiva) de vários envolvidos nos esquemas.
A crise política que estamos vivendo não começou ontem e provavelmente não terminará amanhã. Provavelmente também não começou em 2013, embora tenha sido neste ano que os primeiros protestos populares de grande magnitude tenham ocorrido durante o período frequentemente denominado de “lulismo”. Uma crise política desta magnitude não surge do nada. Embora na superfície esteja tudo correndo aparentemente bem, é perfeitamente possível que uma profunda sensação de desgosto e um crescente desejo de mudança estejam presentes nas consciências individuais.
Por isso seria um trabalho duro especificar onde começa a crise política que nos afeta, e é um tiro no escuro saber o que virá depois. Qualquer tentativa de se apontar uma causa para explicar o que está ocorrendo agora acabaria com o status de meia-verdade: talvez por isso as correntes ideológicas tradicionais tenham tanta dificuldade para justificar seus diagnósticos. Ao contrário de outros eventos históricos em que era possível delinear claramente onde uma revolta começa e quais são seus pontos de transição, fazer isso hoje é correr o risco de se cair na ideologia, na resposta que já estava engatilhada a priori.
Mas o que torna nossos tempos tão diferentes de outros eventos políticos históricos?
A filosofia, as ciências sociais, a comunicação social e outras áreas que frequentemente se comprometem com o debate político vêm desenvolvendo nos últimos anos uma boa gama de trabalhos a respeito de um novo mundo (ou de uma nova forma de se relacionar com ele) que ainda não entendemos bem – embora nosso contato seja permanente. Estamos na era do ciberespaço, das novas tecnologias da comunicação que a cada dia trazem novos recursos, que mudam a forma como nos relacionamos e tornam a atividade política acessível a qualquer um que tenha um computador ou um smartphone com internet. A clássica relação causa-efeito se torna completamente incerta em um mundo em que vários eventos significativos ocorrem simultaneamente, em que causas que desconhecíamos podem ganhar força em minutos e em que a informação ganha autonomia em relação aos sujeitos – quem precisa procurar informações quando elas aparecem na sua timeline inesperadamente?
Nossa imprensa tradicional, nossa democracia e as nossas instituições estão tendo que lidar com esse conjunto de novos fatores. A liberdade que a democracia nos proporciona, por sinal, é fundamental para que saiamos da crise sem qualquer violência ou derramamento de sangue, como já ocorreu antes nesses 30 anos de democracia. É essa liberdade que permitiu a cultura de participação política que estamos assistindo diariamente. Por mais que se pense o contrário, cada vez mais parece ser o povo o motor político principal, e não as classes médias e políticas.
Meu objetivo nesta coluna será trazer para o debate político alguns desses temas que nos ajudam a entender o momento político que ocorre no Brasil e em outros países do mundo, mas que ao mesmo tempo quase que nos impossibilitam de fazer análises sistemáticas que apontem causas e efeitos claros e distintos sem se cair em respostas velhas para problemas novos. Para isso, conto com a participação do leitor. O debate político, agora, é de todos!
* Giovane Martins é estudante de filosofia da PUCRS, pesquisador bolsista do CNPq e do CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana.

O ambiente do golpe: o Brasil midiatizado e colonialista e dois filmes atuais

Guilherme Castro*
O ambiente cultural em que prosperou o golpe mostra o Brasil altamente conectado nas mídias de hoje, mas alienado. Um país tão ‘dentro’ do mundo contemporâneo e, ao mesmo tempo, ainda colonialista.
O papel e os efeitos da mídia na crise política brasileira vão além e são mais profundos do que a manipulação direta e generalizada pró golpe das grandes empresas de comunicação. Uma das maiores estranhezas desses dias é perceber nas próprias redes sociais, entre debates e mesmo em manifestações de rua, os efeitos do que está sendo chamado de ‘a bolha midiática’. Os espaços de contato e debates entre diferentes são mínimos, e conversamos sempre entre iguais. A sociedade midiática é radical ao dar forma ao Brasil de hoje: atua um estranho e contemporâneo efeito de impermeabilidade e transparência da diferença. É o que explica o prof. Gelson Santana em Representação e formas da diferença na cultura midiatizada de hoje (2016):  “a experiência do saber desaparece no fluxo incessante de informação” e, complementa, a estratégia é “sermos encapsulados pela midiatização da cultura”. Esses traços sensíveis marcam o Brasil e a crise atual: a espécie de ‘revolução de direita’ que pretendem em pleno 2016 se ampara na ampla massificação e alienação. É presente, por exemplo, que a maioria dos alunos chegue à graduação com quase total desconhecimento da história e da realidade brasileira, por mais próxima que esteja.
A resistência, por isso, é também e sobretudo entender os acontecimentos históricos e ter memória – papel e valor centrais da produção artística. Dois filmes recentes, O mercado de Notícias (Jorge Furtado, 2014) e Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015), nos ajudam a entender o ambiente cultural e midiático da crise política que o Brasil atravessa.
Expressão do estilo e modo de pensar de Furtado, O Mercado de Notícias mistura documentário, ficção, gêneros e ironias ao tema de fundo: o filme procura desvendar o papel do jornalismo na sociedade brasileira atual. Há duas linhas narrativas principais: a série de entrevistas com grandes nomes da imprensa, e a representação e ensaios da peça teatral O Mercado de Notícias (The staple of News), escrita pelo inglês Ben Jonson, que em 1626 já ironizava e criticava as mazelas do incipiente e recém surgido jornalismo.
O filme O Mercado de Notícias vai ao ponto: qual o poder político e como operam o jornalismo e a grande mídia no Brasil? Narrando casos conhecidos de erros ou manipulações grosseiras da mídia (exemplos do falso Picasso na repartição do INSS, em Brasília, e da Escola Base de São Paulo) e com as entrevistas sobre o dia-a-dia da profissão, o longa traça um quadro em que vigora o mau jornalismo, cujo resultado notável é uma massa de pessoas desinformadas.  A apuração, a difícil busca da certeza, da objetividade e da isenção, o compromisso ético com os envolvidos e com o público, tornam a profissão do jornalismo altamente pulsante no dia-a-dia. Mas essas práticas profissionais, que já eram raras, desaparecem das grandes mídias. Fica evidenciada a crise da profissão.  Quando o jornalismo mercadoria abandona qualquer disfarce e se joga ao golpe, hoje, dois anos após o lançamento, O Mercado de Notícias se torna uma obra essencial, um excelente filme sobre o nosso tempo.
Igualmente revelador, embora de forma muito diferente, é  Que horas ela volta?, de Anna Muylaert. O filme narra a situação de conflito que se cria quando a filha da empregada doméstica Val/Regina Cazé é recebida e se hóspeda na casa dos patrões (a família de Dona Bárbara/Karine Teles). O filme teve grande repercussão porque o público se identifica com as personagens do microcosmo social que a narrativa constrói, muito típico e revelador do Brasil de hoje. Na família burguesa, a empregada doméstica convive no dia-a-dia, numa relação de trabalho que possivelmente só exista nesse país e envolve fortes vestígios do servilismo típico das sociedades coloniais – situação difícil de explicar a um estrangeiro, mas que todos aqui conhecem. Entre os conflitos do filme, a filha de Val, vinda do interior do Nordeste, é inteligente, curiosa, focada, e, por isso, passa no difícil vestibular que faz, em contraste à falta de motivação e infantilidade do jovem filho dos donos da casa. Que horas ela volta? mostra o que talvez seja a maior de todas as novidades trazidas pelas políticas sociais: a possiblidade de ascensão entre classes, e o desgosto que causa nos que se apegam, mesmo que simbolicamente, a privilégios arcaicos.
O filme constrói o ponto de vista raro da cozinha da casa; pelo olhar simples, mas sábio, da doméstica Val, conhecemos o vazio de afetos em que se tornou a família burguesa de Bárbara. É um drama social, profundo e até difícil de digerir, por certeiro na crítica que faz, mas o tom é jocoso, irônico e leve.
A diretora Muylaert apreendeu algo que infelizmente constitui um traço muito atrasado do Brasil. A personagem Bárbara tem o rei na barriga, expressão de uso corrente, que expressa um comportamento típico. Revela um estranho vestígio material do tempo do Império, ainda um pensamento escravocrata, que ficou em nossa cultura com grandes consequências também na política.
Um dos motivos do golpe, a rejeição, por parcela importante, de qualquer ação de Governo que diminua a enorme desigualdade social histórica do país está ligado também a esse traço pré-republicano ainda tão marcante.
O Brasil entrou no contemporâneo, está inteiro no mundo midiático, tomado e fortemente constituído por um novo tipo de sociedade e cultura. Ao mesmo tempo e de modo paradoxal segue colonialista, no âmago. Essa força do passado tenta se sobrepor ao presente.  Que seja espécie de último suspiro, e que a superação do golpe, que acontece sobretudo nas ruas e nas mídias, traga avanços muito maiores na construção da Democracia. Há essa chance.
[avatar user=”X-CDD – Guilherme Castro” size=”thumbnail” align=”left” /]* Guilherme Castro é cineasta e jornalista, professor na ULBRA, e doutorando em cinema na Universidade Anhembi Morumbi/SP. Presidiu o Conselho Estadual de Cultura e a Associação de Cineastas do RGS (APTC-RS).
 
 

Serra e a não ideologia ideológica

[avatar user=”X-CDD – Ricardo F Leaes” size=”thumbnail” align=”left” /]
Ricardo Fagundes Leães*
No momento em que o governo provisório tomou posse, já era de conhecimento geral que o Ministério das Relações Exteriores seria chefiado por José Serra (PSDB), ex-governador, prefeito e Ministro de Estado. Serra, que substitui o diplomata Mauro Vieira, é o primeiro político a assumir o comando do Itamaraty desde Fernando Henrique Cardoso, ainda no governo de Itamar Franco. Tão logo assumiu sua nova função, Serra tratou de imprimir sua digital, patrocinando duas duras notas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua e contra o Secretário-Geral da UNASUL, Ernesto Samper, que questionaram a legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff. Em resposta, o Itamaraty repudiou as declarações “bolivarianas” e reafirmou que o impedimento da presidente se deu conforme os ritos legais estabelecidos pela Constituição Federal. Além disso, qualificou como “falsas” e “equivocadas” as críticas que lhe foram dirigidas.
Imediatamente, não faltaram elogios por parte da grande imprensa brasileira à atitude patrocinada por Serra: Folha de São Paulo, O Globo, Estadão e Exame – além, é claro, de Veja e Istoé – aplaudiram, em seus editoriais, as atitudes do novo ministro, que estaria devolvendo o protagonismo e a isenção que historicamente caracterizariam o Itamaraty, desde os tempos do Barão do Rio Branco. Nos dias subsequentes, quando de sua posse oficial, Serra asseverou que o Itamaraty não mais representaria os interesses de um partido político, mas seria um delegado dos interesses e valores legítimos da sociedade brasileira. Após críticas às gestões anteriores – vistas como estatistas, anacrônicas e partidarizadas –, Serra anunciou que daria atenção especial aos acordos de livre-comércio (em sua visão, negligenciados pelo PT) e que, como chanceler, não permitiria uma ideologização do Itamaraty.
Não é do escopo deste texto analisar a política externa brasileira sob os governos do PT ou a conveniência de relações estreitas com os Estados Unidos ou com países dirigidos por governos de esquerda. Trata-se, sim, de entender e problematizar a polêmica envolvendo a ideologização do Itamaraty e o porquê do crescente apelo desse discurso em prol da neutralidade e do apartidarismo. Com efeito, observamos, cada vez mais, manifestações contra o que se convencionou chamar “ideológico”: seja nos governos, nas escolas ou nas instituições públicas, é reprovável que se encontrem vestígio de uma determinada visão de mundo. Seria preferível, então, que predominasse nesses locais um pensamento isento, imparcial e independente, de modo a não privilegiar uma concepção de mundo em relação às demais. Pululam, no Brasil, projetos de leis nos moldes de “escola sem partido”, como os sugeridos pelo deputado estadual Marcel van Hattem (PP), no Rio Grande do Sul, e pelo vereador Valter Nagelstein (PMDB), em Porto Alegre.
Ocorre que é possível encontrar um padrão nas críticas que são feitas à ideologia: quase sempre, são pessoas ou instituições de viés conservador que reprocham tomadas de posição com um sinal ideológico contrário. Por isso, os movimentos feminista e LBGT são acusados de preconizar uma “ideologia de gênero”, os professores que problematizam as mazelas sociais são tachados de “politicamente ideológicos” e os governos que não se curvam aos interesses dos Estados Unidos são responsabilizados por encampar uma “ideologia partidária”. Vê-se, com esses exemplos, que os grupos conservadores não se limitam a rejeitar e contrapor as ideias de seus opositores, mas procuram desqualificá-las como se só elas representassem uma parte e não o todo de uma sociedade. Assim, a perspectiva em consonância com um matiz conservador e que rechaça grandes transformações se pretende como neutra, apartidária racional e objetiva, ao passo que as interpretações distintas são ideológicas, partidárias, emocionais e subjetivas.
Essa manifestação é perigosa e ilusória, na medida em que parte de um pressuposto não democrático sobre a natureza da política e da sociedade. Segundo essa linha de pensamento, haveria uma vontade geral teórica e disfarçadamente acima dos grupos de interesse, que apenas atuariam em benefício próprio e com o fito de desvirtuar a lógica das relações normais de poder. Na verdade, a sociedade jamais é um todo uniforme e uníssono, sendo seus interesses e objetivos distribuídos em classe, gênero, partidos e instituições. A natureza da democracia é justamente reconhecer que há divisões, fraturas e disputas no seio de cada sociedade, e que essas são canalizadas por meio da política: eleições, manifestações, votações, etc. Em última instância, a afirmação de que somente o outro é ideológico é um apego dissimulado ao status quo, travestido como “bem maior”. Ao invés de admitirem que advogam o que lhes é favorável, alguns grupos travestem seus interesses particulares como se fossem universais, e denunciam seus rivais por agirem de forma análoga.
No caso concreto da política externa, causa espanto que um político tarimbado como José Serra afirme que seu intento maior é desideologizar o Itamaraty, que supostamente teria sido sequestrado pelos propósitos – ilegítimos, porque partidários – do PT. Ora, o partido democraticamente eleito tem a prerrogativa, senão o dever, de aplicar o programa com o qual sagrou-se vencedor. A política externa é, por óbvio, também política, razão pela qual está sempre sujeita ao conflito dos mais diversos grupos de interesse. O próprio Serra demonstra esse fenômeno ao adotar um discurso ríspido em relação aos “bolivarianos”, ao propor relações estreitas com os Estados Unidos e ao priorizar acordos comerciais. Benéficas ou não, essas medidas são tão ideológicas quanto todas as atitudes dos governos anteriores. Salta aos olhos, então, a inconsistência lógica de quem patrocina uma política externa alinhada aos Estados Unidos ao mesmo tempo em que pedem neutralidade e pragmatismo.
Não vivemos em um mundo neutro. Em política, ainda mais, nada é mais ideológico do que o apelo à não ideologia.
* Doutorando em Ciência Política pela UFRGS, pesquisador em Relações Internacionais da FEE

Cais Mauá de Todos: "éramos 120 no abraço do último sábado"

O coletivo Cais Mauá de Todos enviou uma correspondência ao JÁ corrigindo os números publicados na cobertura do abraço ao Cais Mauá, ocorrido no último sábado (7), diante do pórtico central.
“Prezados da redação do Jornal Já,
Recebemos com alegria a matéria sobre o evento que promovemos no último sábado dia 7 de maio, porém, pedimos que reavaliem o número divulgado de público.
Pela nossa contagem estavam presentes cerca de 120 pessoas às 17 horas, como pode ser visto no vídeo captado pelo Conexões Globais, do Marcelo Branco. Nesta hora o Abraço se estendeu do pórtico até a parada de ônibus da avenida Mauá.
Já à noite na festa fizemos outro abraço com o pessoal da Marcha da Maconha, e a extensão foi do pórtico até a sinaleira. Estamos também com um vídeo em nossa página do facebook.
Juntando os públicos tivemos então uma dobradinha de uns 120 pela tarde e mais 90 pela noite.
Números são importantes, a presença de pessoas, pela sua representatividade cidadã e política também; tudo importa na sala midiática em que vivemos.
O Jornal Já tem se destacado em aprofundar o tema do Cais Mauá com o Dossiê, vem ocupado um papel importante na imprensa, e sendo um contraponto importante em Porto Alegre e servindo a pauta para o jornal do Arroio Dilúvio.
Parabenizamos e agradecemos a cobertura, mas também solicitamos que avaliem nossas ponderações do número de participantes.
Atenciosamente,
Comunicação Cais Mauá de Todos”

Faculdade de Arquitetura quer discussão democrática do Cais Mauá

“Estamos promovendo este evento porque até agora não vimos este debate acontecer aqui dentro da faculdade”.
Com esta frase, a estudante Marina Gulart deu início ao debate “revitalização pra quem?”, na noite de terça-feira, 29, na Faculdade de Arquitetura da UFRGS.
O evento  pretende ser inicio de um debate sobre o futuro do cais dentro da faculdade de arquitetura. Estavam presentes cerca de 70 estudantes, além de professores e integrantes do grupo Cais Mauá de Todos.
A iniciativa partiu do Escritório Modelo Albano Volkmer, projeto de extensão da universidade, que desenvolve projetos arquitetônicos junto a comunidades pobres.
Marina, que é integrante do Emav, defendeu a importância de reunir pensamentos divergentes em torno do debate, “para não ficarmos nós falando para nós mesmos” e reconheceu essa carência na composição da mesa.
Marina, que é paranaense e veio para Porto Alegre para estudar, disse ver uma “cidade cheia de cortes, porque não se tem uma gestão coesa, não se tem continuidade.”
Pelo Cais Mauá de Todos, falaram a advogada Jacqueline Custódio e o arquiteto Cristiano Kunze. Jacqueline falou da complexidade do processo, por envolver as três esferas de poder: a área é federal, o contrato foi assinado pelo governo do estado e os estudos de viabilidade da obra acontecem no âmbito municipal.
A advogada fez um breve apanhado das questões jurídicas envolvendo o projeto de revitalização, que motivou a abertura de quatro inquérito no Ministério Público Estadual, ações na Justiça estadual e federal além de uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado.
Ela utilizou uma comparação com uma obra em casa para expor a situação atual da revitalização: “A pessoa que eu contratei para a obra não é a que vai entrar na minha casa, o prazo já não é aquele, o projeto mudou e a máquina que só aquela empresa tinha, já não tem mais.”
Para Cristiano Kunze, o consórcio vendeu o projeto se utilizando de exemplos inadequados, como o do Puerto Madero, em Buenos Aires, e o do porto de Barcelona. “Foram mais de 70 projetos inscritos para o Puerto Madero, aqui só tivemos um. E em Barcelona tem shopping sim, mas o porto é muito maior que o nosso e o shopping, menos da metade.”
Kunze criticou a estagnação da área. “Se não tem nada lá no cais, não é culpa de quem é contra, mas de uma série de irregularidades”.
Modelo atual impede gestão participativa
Para Leandro Andrade, professor da Faculdade de Arquitetura, a concessão tem tantos problema jurídicos que resta pouco a dizer sobre o projeto em si, que, segundo ele, é muito mal feito. “Sou professor de urbanismo há 28 anos e olhando os projetos dá vontade de se esconder embaixo da mesa. Acho que esses caras seriam reprovados aqui na faculdade.”
Leandro defendeu que “não existe projeto sem gestão” e que “Barcelona, que é um exemplo muito usado, só começou a fazer projeto para o porto depois de anos de discussão e planejamento.”
O professor defendeu ainda que Porto Alegre tem um pensamento crítico acumulado desde a década de 1980 sobre o que fazer com a área do Cais Mauá. “Temos um conjunto de ideias que precisa ser resgatado” Para o professor, o modelo utilizado, com o lançamento de um plano de negócio antes do projeto, impede uma gestão participativa.
O outro representante da faculdade na mesa foi o professor João Rovati. Ele recordou o contexto da moda da sua juventude para defender que o projeto é ultrapassado. “Quando eu era jovem, morava no interior e a calça da moda era a Faroeste. Eu comprei uma e vim para Porto Alegre, quando cheguei aqui, a moda já era a Topec. E assim foram passando as marcas da moda, Faroeste, Topec, Lee, Levi’s.” E Comparou: “Este projeto do Cais é uma calça Topec quando a moda já é Levi’s”
João Rovati defendeu também a importância de se construir um debate amplo, para se chegar a uma solução para a área que agrade a maior diversidade de opiniões possível. “Tem gente que gosta do projeto do atual, por exemplo.”
O desafio é ampliar o debate
O debate foi aberto para colocações dos estudantes presentes entre as falas dos integrantes da mesa. A estudante Bruna Chiesa criticou o exemplo de Buenos Aires, frequente nos debates sobre o Cais Mauá, seja pelos favoráveis ou pelos contrários ao projeto. “Fui ao Puerto Madero e, mesmo sendo uma pessoa privilegiada, não tinha dinheiro para jantar lá. Enquanto um parque, por exemplo, é uma solução que serve para toda a população.”
Isabel Perez manifestou um “desconsolo” e catalizou o que parece ser o sentimento comum dos cidadãos que tem se envolvido nos debates sobre a revitalização do Cais Mauá. “Estamos todos de acordo e mesmo assim acontece o que está acontecendo. O que fazer?”
Para uma construção plural do projeto do cais, Isabel defendeu a importância de se entrar em contato com gente de opinião diferente e de se ter a capacidade de mudar de ideia.
Outra estudante fez uma crítica à ideia de que shopping centers são locais de acesso público. “É só lembrarmos dos rolezinhos, que aconteceram em São Paulo. Se eles não quiserem que alguém entre, eles colocam os seguranças na porta e não entra”
Rafael Passos, vice-presidente do IAB, defendeu que não se crie um projeto alternativa ao que aí está. “O projeto é ruim porque foi feito a portas fechadas. Por que um projeto nosso feito a porta fechadas seria melhor que o deles?”Passos defende que se faça um grande debate que abranja o máximo de opiniões possível. “E só depois se faz a licitação.”
O vereador Marcelo Sgarbossa (PT) integrou o coro e criticou o “nós falando para nós mesmos”. Ele citou o exemplo da articulação que possibilitou a aprovação do seu projeto que criou a lei municipal que impede empresas doadoras de campanha de prestarem serviços à prefeitura. “Só conseguimos virar o jogo e aprovar o projeto quando fomos conversar com os adversários políticos e com veículos de imprensa que eram contrários. Teve gente que veio me dizer: ‘olha, Sgarbossa, discordo de ti e não gosto do teu partido, mas o projeto é bom, vou votar a favor.”

Licitação teve um único concorrente

Naira Hofmeister
O Cais Mauá é um lugar singular em Porto Alegre, cujas características atrairiam facilmente investidores. São 3.240 metros de extensão à beira do Guaíba, uma paisagem deslumbrante com o famoso pôr-do-sol da cidade e em pleno Centro Histórico, onde ainda sobrevivem casarões antigos, cinemas, os melhores teatros e museus.
Seu perfil visto do rio é um emblema da cidade, com a chaminé da Usina do Gasômetro e as torres da Igreja das Dores a se destacarem em meio à repetição geométrica dos telhados dos armazéns, tombados pelo patrimônio histórico.
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Tem mais: para o Centro Histórico de Porto Alegre convergem diariamente 840 linhas de ônibus, 52 de lotação (é até um exagero, segundo a própria Prefeitura que estuda meios de reduzir esse fluxo), e ainda o Trensurb que percorre seis municípios em viagens regulares em menos de uma hora.
Há ciclovias para cinco bairros vizinhos e novos viadutos feitos para a Copa do Mundo.
Para a construção civil é um prato cheio porque a lei aprovada na Câmara Municipal em 2009 permite edifícios com 100 metros, o dobro da altura máxima em vigor na cidade – e justo em um bairro com escassez de terrenos.
A expectativa do poder público antes do lançamento do edital era que a revitalização seria capaz de fazer Porto Alegre abocanhar uma quarta parte do mercado de turismo de negócios nacional.
Mas apesar dos atrativos, apenas um concorrente apareceu no dia marcado para a entrega de envelopes da licitação. Estando devidamente habilitado, venceu o certame sem disputá-lo com mais ninguém.
Cláusulas descumpridas afastaram interessados
Houve pelo menos um segundo grupo de arquitetos interessado em participar do certame, radicado em Miami, nos Estados Unidos, mas comandado por uma engenheira civil que viveu durante anos na Capital, Adriana Schönhofen Garcia.
A possibilidade de negócio empolgou um dos nomes mais reconhecidos da arquitetura norte-americana, Bernard Zyscovisch, que se aliou à brasileira e conquistou ainda o apoio de empresas da construção civil e de gerenciamento de imóveis. Entretanto, o grupo desistiu na última hora porque não conseguiria cumprir todas as exigências do contrato.
Algumas dessas regras que assustaram os norte-americanos foram postas sob suspeita também pelo ex-prefeito de Porto Alegre e então deputado estadual Raul Pont (PT), que achou que a licitação estaria direcionada e protocolou um pedido de investigação no Ministério Público de Contas (MPC).
Os dois fatos se encontram em 2013, quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE) concluiu o relatório de uma inspeção especial. Era uma consequência do pedido de Raul Pont que, se não havia tido sucesso na interrupção do processo licitatório, foi decisivo para que os órgãos de controle determinassem o acompanhamento constante do negócio.
No relatório, os auditores do TCE apontavam irregularidades e o não cumprimento de cláusulas importantes do acordo – algumas, inclusive, que pesaram na decisão da equipe de Adriana de desistir da competição, caso da necessidade de comprovar liquidez de R$ 400 milhões e a apresentação do projeto executivo da obra em até 120 dias.
Como o prazo para a entrega de tais documentos já havia se esgotado, a avaliação do TCE era de que o Estado poderia romper o contrato unilateralmente. A interpretação se secundava em pareceres semelhantes provenientes da Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage) e da comissão de fiscalização da própria Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH).
O governo da época, comandado por Tarso Genro (PT, 2011-2014), não acatou a determinação, decisão que foi reiterada recentemente pela gestão de José Ivo Sartori (PMDB), após um exame do contrato e das denúncias que durou nove meses.
“Encontramos muitas falhas de comunicação e interpretações equivocadas, mas revisando os procedimentos e procurando respostas técnicas, concluímos que não há irregularidades”, pondera o diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho, que coordenou o Grupo de Trabalho responsável pela avaliação.
A questão, entretanto, ainda não está encerrada e segue tramitando no TCE, que, em 2015, acolheu sugestão do MPC e determinou à SPH a abertura de um processo administrativo para avaliar a possibilidade de romper o contrato com a empresa.
Vencedores participaram de desenvolvimento do edital

Desde Yeda, revitalização já atravessou outros três governos | Ivan Adrade/Piratini
Desde Yeda, tentativa de revitalização já atravessou três governos | Ivan Adrade/Piratini

Embora em um primeiro momento o TCE tenha concluído que não havia razões para suspeitar do direcionamento do edital, já que as exigências técnicas procuravam proteger o Estado de propostas aventureiras, o fato é que o vencedor da licitação – e único concorrente – foi um grupo integrado por empresas que haviam participado também dos estudos que criaram as diretrizes para o concurso, iniciados em 2007.
“Foi no mínimo injusto”, condena a engenheira Adriana.
“Os vencedores não apenas tiveram mais tempo para detalhar o projeto executivo, como puderam sair em busca de parceiros com toda essa antecedência”, aponta.
Quando a governadora Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010) convocou a iniciativa privada a entregar “Propostas de Manifestação de Interesse” pela obra de revitalização do Cais Mauá, em julho de 2007, três equipes entraram na disputa.
Um ano depois, o governo anunciava os integrantes do grupo escolhido para desenvolver estudos que subsidiariam o edital de licitação, entre os quais estavam duas firmas espanholas: Gestio Serveis Trade Center (GIS) e Strategy Planning Implementation Manegenent (Spim), que depois apareceriam na composição do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A em 2010. Também já é dessa época a participação dos arquitetos Jaime Lerner e Fermín Vázquez, que seguiram trabalhando para o grupo após a realização da licitação, em 2010.
Para os integrantes do coletivo Cais Mauá de Todos, que se contrapõe ao modelo de revitalização proposto (baseado na exploração comercial e imobiliária da área), a participação das mesmas empresas que formularam as bases do edital na própria licitação é uma irregularidade.
De fato, a Lei de Licitações veda a participação do “autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica” na licitação, porém, em 2007 o Governo do Estado parecia contar com essa possibilidade: “As despesas realizadas pelo autor ou responsável pela proposta serão ressarcidas pelo vencedor de posterior licitação, desde que os estudos sejam efetivamente nela utilizados e o autor ou responsável não participe ou, caso participe, não se sagre vencedor do certame”, determinava o decreto que criou a Comissão Técnica de Avaliação do Projeto de Revitalização do Cais Mauá.
Mas contra o prognóstico da engenheira Adriana, e apesar da cobrança reiterada da SPH, Tribunal de Contas e Cage, até hoje o empreendedor não apresentou o detalhamento da obra conforme exigido no edital. Sequer a Secretaria de Urbanismo de Porto Alegre conhece com profundidade o que está previsto e cobra, por exemplo, um “3D” do shopping, para avaliar sua estética e o impacto na paisagem do entorno.
O Governo do Estado, por sua vez, não culpa o empreendedor pela ausência das plantas detalhadas porque entende que houve uma “confusão” na hora de redigir o texto. “Possivelmente onde deveriam ter escrito projetos básicos, escreveram projetos executivos”, alega o diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho.
Uma hipótese para tal equívoco é a utilização dos textos que normatizaram o concurso arquitetônico dos anos 90 como base para o edital mais recente, porque há 20 anos se exigiu dos vencedores a entrega do projeto executivo em até 120 dias do contrato firmado.
Uma vírgula aparece no contrato
Assim como no caso da apresentação dos projetos executivos, o Governo do Estado tem uma visão diferente da expressa pelo Tribunal de Contas do Estado sobre as garantias do investimento de R$ 400 milhões.
Para os órgãos de controle, o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A descumpre o acordo ao não apresentar documentos que comprovem a estruturação financeira do grupo e a capacidade de bancar a obra de revitalização.
Já o GT da Secretaria de Transportes entende que este é mais um caso de problema de redação e confere à cláusula um caráter facultativo, entendimento oposto ao do TCE.
O texto no contrato diz o seguinte: “Quando pactuado, pela arrendatária, financiamento para construção, implantação, manutenção, conservação, melhoria, gestão, exploração e operação do Complexo Cais Mauá, a arrendatária deverá apresentar ao arrendante, no prazo máximo de até 180 dias após a celebração do contrato de arrendamento, os contratos firmados com instituições financeiras com patrimônio líquido mínimo de R$ 400 milhões”.
É esse “quando pactuado, pela arrendatária” que dá margem, segundo Carvalho, a entender que o financiamento via instituição financeira é uma opção dada ao empreendedor, não uma obrigação. “E eles pretendem fazer a obra com recursos próprios”, completa o diretor da pasta de Transportes.
O secretário de Urbanismo de Porto Alegre, Valter Nagelstein, que participou da idealização da licitação quando era vereador, lembra que a cláusula originalmente formulada era diferente: “a pré-condição era que o vencedor caucionasse em uma conta R$ 500 milhões. Essa era a garantia de que quem vencesse teria bala na agulha para tocar o projeto”, revela.
A flexibilização da garantia não parece ter sido suficiente para os formuladores do contrato, pois a redação da norma foi sutilmente modificada nesse documento. O original, publicado no edital, dizia assim: “Quando pactuado financiamento para construção, implantação, manutenção, conservação, melhoria, gestão, exploração e operação do Complexo Cais Mauá, a arrendatária deverá apresentar ao arrendante, no prazo máximo de até 180 dias após a celebração do contrato de arrendamento, os contratos firmados com instituições financeiras com patrimônio líquido mínimo de R$ 400 milhões”.
“Alguém pousou uma vírgula nesse edital” e alterou a condição das garantias, sugere Nagelstein.
Secretário enfrenta pressões para agilizar licenças
Brinde entre Tutikian (e) e Nagelstein (c) celebrou aprovação índices | CMPA
Brinde entre Tutikian (e) e Nagelstein (c) celebrou aprovação dos índices construtivos | CMPA

Nagelstein é um antigo entusiasta da revitalização do Cais Mauá. “Na gestão de Germano Rigotto (PMDB 2003-2006), eu era diretor da antiga Caixa RS (atual Badesul), junto com o (Edemar) Tutikian, a quem o governador encarregou de fazer um inventário de todas as questões do porto”, recorda.
Defendeu o projeto durante seu mandato como vereador e, em 2009, participou da aprovação da lei que alteraria os índices construtivos do terreno, permitindo espigões de 100 metros de altura e shopping.
Uma fotografia registra o momento em que prepara um brinde com espumante para celebrar a aprovação da lei junto com Tutikian, que hoje é seu colega de secretariado, comandando o Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades).
A relação dos dois, entretanto, azedou depois que Nagelstein fez cobranças sobre o teor do projeto, pedindo alterações ou explicações que há tempos são pauta do movimento comunitário que critica a revitalização.
“A revitalização do Cais Mauá tem que servir ao Centro Histórico como um todo. Não tem sentido fazermos uma obra deste porte se as áreas da rodoviária, da Voluntários da Pátria, continuarem degradadas”, alega.
É que a Secretaria do Urbanismo (Smurb) está sob forte pressão para entregar o licenciamento urbanístico do empreendimento o quanto antes. A tramitação das licenças já soma três anos, mas até agora só foi vencida a etapa ambiental. “Ninguém quer mais do que eu que esse projeto saia. Estamos esperando há seis anos e agora temos que fazer a toque de caixa, dispensando obrigações que são de lei e sobre as quais depois terei que responder?”, compara, para logo concluir: “Em última análise, o monopólio da licença é nosso”.
Tensionamento expõe distorções na tramitação
Por trás das críticas de Nagelstein se entrevê uma inusitada situação segundo a qual, sendo a Secretaria do Urbanismo responsável pelo planejamento da cidade (este, aliás, era o nome da pasta até poucos anos atrás), está relegada a segundo plano do debate.
Um exemplo é a definição de que a contrapartida viária à revitalização será o prolongamento da rua Ramiro Barcelos entre a Voluntários da Pátria e o Cais Mauá. “Não há no projeto qualquer conexão com a área da rodoviária, com o Quarto Distrito. E aí vem a EPTC e pede uma obra lá na Ramiro?”, ironiza.
Nagelstein se ressente do mero papel coadjuvante que foi designado para sua pasta, que sequer consegue se reunir com os arquitetos do empreendimento para debater pontos como este. “Estamos forçando para que a interlocução seja direta. Não precisamos da mediação de outra secretaria”, defende.
É uma referência a Edemar Tutikian, o homem forte do projeto que conduz o debate sobre a revitalização desde os anos 2000. Primeiro no Estado, como diretor da Caixa RS no governo Germano Rigotto ou coordenador da Comissão de Revitalização na gestão Yeda. Com a eleição de Tarso Genro, passou a coordenar o trabalho através da prefeitura.
Toda a articulação do projeto passa por Tutikian que, mesmo trabalhando na esfera municipal não se furta a responder questionamentos – inclusive oficiais – feitos à órgãos do Estado, por exemplo.
Distorção semelhante foi protagonizada pela Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) e a Casa Civil durante o governo Tarso Genro.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) documentou que mesmo sendo a primeira a responsável oficialmente pela fiscalização do contrato e interlocução com o empreendedor, houve uma determinação de que a Casa Civil se ocupasse do tema, o que prejudicou “o andamento da execução do contrato”, nas palavras dos auditores.
“Verificaram-se deficiências na fiscalização decorrentes da falta de autonomia da autarquia (SPH) para deliberar sobre ações inerentes à função”, revela o relatório do TCE.
Eles enumeram problemas, desde o fato de o expediente administrativo sobre o projeto ficar armazenado no Piratini até a negativa do governo em atender a recomendação de multar o empreendedor pelo atraso na entrega de documentos.
“Contrariando as informações, o governador do Estado, Tarso Genro, juntamente com o diretor superintendente da SPH e do diretor-presidente da PCMB, anunciou a Emissão de Ordem de Início das Obras da Fase I, em ato público”, lamentam os auditores no texto.
Lei do silêncio impera entre envolvidos
O discurso da gestão atual é que as coisas mudaram e que a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) passou a contar com o assessoramento do Grupo de Trabalho organizado no âmbito da Secretaria dos Transportes. “Os grandes temas têm sido tratados através do GT, que orienta; porém quem realmente toma as decisões é a SPH”, garante o diretor geral da pasta, Vanderlan Frank Carvalho.
Apesar disso, há uma norma “vinda de cima” segundo a assessoria de imprensa da SPH, para que nenhum funcionário conceda entrevistas ou repasse informações sobre o assunto. “A gente estabeleceu (que fosse assim) para não haver muitos interlocutores, para dar uma unidade às informações, para falar a mesma linguagem”, reconhece Carvalho.
Na Prefeitura, o secretário Edemar Tutikian, que carrega toda a memória do processo de revitalização do Cais Mauá nos últimos 15 anos, também se recusa a falar sob a justificativa de “aguardar os desdobramentos da audiência pública do dia 16/03 antes de dar entrevista”.
Na Agência Nacional dos Transportes Terrestres (Antaq), do Governo Federal, foi preciso aguardar 20 dias para receber respostas a perguntas enviadas por e-mail, porque a diretoria não autorizou o chefe da unidade regional da agência, Fábio Cadore Flores, a falar pessoalmente com a reportagem.
O consórcio Cais Mauá do Brasil é mais radical e sequer recebeu os questionamentos da reportagem.
Parecer sobre índices é mantido em sigilo
Informação consta no relatório de esclarecimentos sobre audiência pública de 2015 | Reprodução
Informação consta no relatório de esclarecimentos sobre audiência pública de 2015 | Reprodução

O acesso a documentos também é difícil. Um parecer da Procuradoria Geral do Município (PGM), mencionado em um documento que compila esclarecimentos aos cidadãos presentes na audiência pública de setembro de 2015 é mantido sob sigilo pela Prefeitura.
Desde janeiro o JÁ solicitou a três secretarias o envio do texto que validaria os índices construtivos determinados pela LC 638/2010, sem sucesso.
Ocorre que essa lei assegurava os índices construtivos “aos investidores que licenciassem e iniciassem suas obras até 31 de dezembro de 2012” – o que não ocorreu efetivamente. Os agentes da prefeitura argumentam que como o atraso não se deve a falhas do empreendedor, ele não pode ser penalizado com a perda dos índices.
A resposta que consta dos esclarecimentos à audiência pública, entretanto, não é objetiva. Vem assinada pelo Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais e informa que “segundo um parecer da PGM, emitido em 27/07/2013, não há necessidade de revogação do artigo 17 por meio de Lei Complementar, pois o mesmo não prejudica a futura aplicação na medida em que assegura aos empreendedores a possibilidade disposta expressamente em lei”.
Na Procuradoria, a informação é que o documento foi assinado por um servidor do jurídico do próprio Gades e não da PGM, que, portanto, não poderia disponibilizá-lo. Já a pasta comandada por Tutikian passou a bola para a Secretaria de Comunicação Social depois de um mês analisando o pedido do JÁ, que segue aguardando um retorno.

Cidadania condena “ocultação de dados” sobre revitalização do Cais Mauá

Em coletiva de imprensa realizada na manhã desta segunda-feira (14), o movimento A Cidade Que Queremos cobrou do poder público transparência dos dados e projetos referentes à revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre.
“São mais de cinco anos caracterizados pela ocultação de dados sobre o que está proposto para a área”, condenou o advogado e ex-vereador de Porto Alegre Caio Lustosa, que representou a Associação Gaucha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) no evento.
A convocação de jornalistas ocorreu sob o argumento de que o grupo – integrado por entidades como Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS) e Associação Comunitária do Centro Histórico, além da Agapan – deverá ingressar nos próximos dias com uma Ação Civil Pública pedindo a anulação do contrato de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada.
Segundo o coletivo, há cláusulas contratuais que não estão sendo cumpridas e que ensejariam a anulação da licitação. Uma delas é a mudança na composição acionária do consórcio vencedor da concorrência.
“Restam poucas empresas no grupo entre aquelas que venceram a licitação. Segundo temos notícia, eles já estão na quarta alteração contratual sem que o poder público desse anuência conforme consta no contrato”, apontou a também advogada e militante do Cais Mauá de Todos, Jacqueline Custódio.
Ela acrescentou ainda que hoje o negócio é comandado pela NSG Capital “investigada pela Política Federal por fraudes com fundos de pensão”.
Cobranças aumentam às vésperas da audiência pública
As queixas diante da falta de informações sobre a obra e as empresas que se comprometem a executá-la se intensificaram na semana em que ocorre uma audiência pública na Assembleia Legislativa (4ª feira, 16, às 18h30).
“Surpreende a quantidade de interrogações sobre esse projeto. Não há absolutamente nada resolvido: a legalidade, o financiamento, as soluções de mobilidade, a integração urbanística. Sequer as questões que envolvem a humanização do muro da Mauá são públicas e concretas”, lamentou o deputado estadual e promotor da audiência pública, Tarcísio Zimmermann (PT).
A expectativa é que o evento contribua para o preenchimento dessas lacunas. Segundo Zimmermann, já houve a confirmação de presença do consórcio, da Prefeitura e do Governo do Estado.
IAB: “Estamos de acordo, secretário”
O vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos, aproveitou a coletiva de imprensa para responder oficialmente às declarações do secretário de Urbanismo, Valter Nagelstein, que revelou com exclusividade ao Jornal JÁ, que vai pedir alterações no projeto de revitalização.
“Na sua entrevista ele aborda coisas para as quais o IAB vem alertando há anos”, celebrou.
Nagelstein está insatisfeito com as soluções de mobilidade do projeto e com a falta de interlocução com o Centro Histórico e a Orla do Guaíba. “Em 1910, quando o governo do Estado decidiu construir o Cais Mauá, o intendente da cidade, José Montaury convocou uma comissão de especialistas e traçou o primeiro planejamento urbano da cidade, para que aquela obra fosse pensada em conjunto com a cidade”, comparou, lembrando o Plano de Melhoramentos de 1914 – o embrião do Plano Diretor.
Passos também elogiou a crítica de Nagelstein a fragmentação do planejamento em Porto Alegre, que dificulta análises amplas, debruçando-se sobre projetos pontuais.
“Estamos de acordo, secretário”, concluiu.
Moradores do Centro Histórico cobram obras
Representando a Associação Comunitária do Centro Histórico de Porto Alegre, o vice-presidente Paulo Guarnieri expôs as preocupações dos moradores com a intensificação da circulação dos automóveis na região e questionou as contrapartidas que o empreendedor se propõe a executar.
O principal exemplo é o prolongamento da avenida Ramiro Barcelos, proposta pelo consórcio como compensação ao trânsito. A obra, entretanto, não é a preferida dos moradores, que cobram a promessa feita na época da licitação, de enterrar a avenida João Goulart na área em frente ao Gasômetro criando uma esplanada que unificaria as praças Brigadeiro Sampaio e Julio Mesquita à cobertura verde projetada para o shopping center do Cais.
“Dizem que não há recursos e que tecnicamente é inviável. Mas a extensão da Ramiro também será feita como um túnel, também é em área de aterro e talvez seja preciso gastar muito mais porque o sistema de proteção de cheias possui um dique subterrâneo de nove metros de profundidade”, lamentou.
Presença da imprensa fortalece a pauta
Ao contrário de convocações anteriores feitas pelo movimento, quando a cobertura estava restrita a veículos que acompanham o cotidiano de Porto Alegre, a coletiva de imprensa dessa manhã estava repleta de jornalistas. Quase todas as televisões, rádios e jornais da Capital acompanharam as falas. Houve representantes inclusive de diários do Vale do Sinos, indicando que o tema foi elevado a pauta estadual.
O interesse na audiência pública é tão grande que a TV Assembleia decidiu transmitir o evento ao vivo. É possível sintonizar no canal 61 na Região Metropolitana de Porto Alegre ou através da TV à cabo. A página do Legislativo também reproduz a programação.

Revitalização desafia governos há três décadas

Naira Hofmeister
Desenvolver um projeto que reaproxime a população de Porto Alegre da área mais emblemática da Capital do Rio Grande do Sul, o Cais Mauá – região onde a cidade nasceu e que foi o seu motor de desenvolvimento durante anos –, é um desafio que mobilizou prefeitos e governadores nos últimos 30 anos.
Até os anos 60, não havia motivo para pensar em alternativas de uso para o Cais Mauá que – junto com o Cais Navegantes – dava ao porto de Porto Alegre o título de mais rico e movimentado do Rio Grande do Sul.
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Mas a decisão de priorizar o transporte rodoviário – tomada ainda nos anos 50 – aliada à deficiência de calado do Guaíba reduziram as atividades e criaram as condições necessárias para o debate sobre a transformação da área, que é tombada pelo patrimônio histórico e cultural nacional e municipal, em um grande complexo turístico.
Desde os anos 80 foram várias tentativas, mas todas ficaram pelo caminho.
Sucumbiram diante de entraves técnicos, financeiros e até mesmo por disputas político-partidárias – maximizadas pelo fato de a área sofrer interferência das três esferas governamentais: está em solo porto-alegrense, portanto, deve seguir o regime urbanístico determinado pela Prefeitura; foi construída pelo Governo do Estado, que regula a operação da atividade portuária através da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH); mas é zona de interesse nacional e área de Marinha, portanto, responde também à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e à Secretaria de Portos da Presidência da República.
A mais recente iniciativa para dar um novo uso ao Cais Mauá começou em 2007, com um chamamento do governo do Estado – então sob a batuta de Yeda Crusius (PSDB) – para que a iniciativa privada apresentasse propostas de “manifestação de interesse” com projeto de uso e ocupação.
No final de 2010, poucos dias antes de encerrar sua gestão, Yeda assinou o contrato com o único concorrente que apareceu na licitação, aberta poucos meses antes, apesar de haver uma tentativa do Governo Federal de impugnar judicialmente a concessão.
Do projeto previsto para o Cais Mauá pouco se conhece além do esboço feito a partir dos limites construtivos previstos na Lei Complementar 638/2010 – texto, aliás, que tem sua validade questionada por trazer em si uma cláusula condicionante: “Os regimes urbanísticos (…) vigorarão até o dia 31 de dezembro de 2012, sendo assegurados aos investidores que licenciarem e iniciarem suas obras”.
Mais de cinco anos se passaram desde a assinatura do contrato e entre processos judiciais, investigações do Ministério Público e questionamentos da população que cobra transparência no processo, as poucas manifestações do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A. são referentes ao adiamento do início das atividades.
O empreendedor não concede entrevistas. O poder público dificulta o quanto pode o trabalho de reportagem, há uma espécie de lei do silêncio sobre o caso.
Com todos os prazos previstos no contrato inicial vencidos, o Cais Mauá é atualmente uma área cercada e vigiada por um grupo de seguranças privados. Entradas e saídas são regradas e limitadas à área onde opera a linha do catamarã.
Este trabalho é uma tentativa de jogar luzes sobre as várias perguntas formuladas pela cidadania ao longo dos últimos anos sobre uma obra prevista para um dos espaços mais queridos e valorizados de Porto Alegre, à beira do Guaíba e de frente para o famoso pôr-do-sol.
Foi financiado graças às doações de cerca de 200 leitores através de uma campanha de financiamento coletivo realizada em novembro de 2015.
Projeto atual aumentou área e reduziu  arrendamento
Quem esteve mais próximo de concretizar um projeto na área foi o ex-governador Antonio Britto (na época PMDB 1995-1998), que lançou o concurso público Porto dos Casais com projeto arquitetônico e plano de negócios, deu início aos estudos de impacto ambiental e chegou a formular um texto para licitar a área à iniciativa privada.
Britto não foi adiante porque não conseguiu licenciar a obra na prefeitura – os técnicos da administração municipal reprovaram a intenção de ampliar o aterro na área próxima ao Gasômetro, pois comprometeria a navegação do Guaíba.
Mas para Felipe Pacheco, um dos integrantes da equipe vencedora do concurso (que era composta pelo veterano Alberto Adomilli e quatro recém-formados: Daniela Corbellini, Eduardo Neves e Patricia Moura, além de Pacheco), o que barrou o projeto foi a rusga política entre Britto, que concorreria à reeleição em 1998, e o PT que comandava Porto Alegre (e assumiria, em 1999, também o Governo do Estado com Olívio Dutra). “Foi ideológico”, lamenta o arquiteto.
Explicações à parte, tanto o processo como o próprio projeto arquitetônico previsto nos anos 90 guardam semelhanças e permitem comparações com a atualidade, capazes de explicar muitos pontos ainda pouco claros da revitalização pretendida.
A mais evidente delas envolve o valor e o tamanho da área arrendada. Enquanto o custo da revitalização nos anos 90 foi calculado em R$ 104 milhões – incluindo a construção de shopping, torres e hotel – o arrendamento da área à iniciativa privada estava avaliado em mais de R$ 6 milhões ao ano.
Tomando como base esses valores, porém atualizados segundo o IPCA para julho de 2010, quando foi lançada a licitação de revitalização do Cais Mauá, o investimento estaria calculado em R$ 260 milhões e o arrendamento em R$ 15 milhões.

Arte: Andres Vince
Arte: Andres Vince

Porém, o edital de 2010 previa investimento mínimo de R$ 350 milhões – mais do que a inflação do período –, enquanto o arrendamento estava avaliado em R$ 2,5 milhões – esse pagamento foi recalculado em 2011 para R$ 3 milhões ao ano, ainda assim, corresponde à quinta parte do valor de 1996 corrigido pela inflação.
Na contramão do preço pago, a área concedida para a iniciativa privada aumentou. Há 20 anos, eram aproximadamente 140 mil m², enquanto hoje, o consórcio tem nas mãos 181 mil m², quase um terço a mais.
Cada metro quadrado do Cais Mauá custará ao empreendedor menos de R$ 1,40 por mês enquanto o valor médio de aluguel na região, segundo os Dados do Mercado Imobiliário proporcionados pela corretora de imóveis virtual Viva Real, é de R$ 24,00.
Se o valor pago pelo arrendamento é menor, também é verdade que o custo da obra segue aumentando. Um estudo da Faculdade de Administração da PUC-RS do ano passado, encomendado pelo Cais Mauá, previu que seriam necessários R$ 675 milhões em investimentos para colocar o projeto em pé – o empreendedor não confirma os valores porque se recusou a conceder entrevistas para esta reportagem.
“Nossa proposta era menos privatista”
O concurso público organizado pelo Governo do Estado em 1996, com a chancela do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), teve 137 equipes inscritas. Alguns arquitetos previram parques públicos para o local, mas os vencedores tinham uma proposta bastante semelhante à atual, com caráter comercial.
“Nosso projeto era o mais qualificado em termos urbanísticos e arquitetônicos e tinha comprovada viabilidade financeira, por isso vencemos”, afirma Felipe Pacheco, que bolou o plano de acordo com o que o Estado havia sugerido: o empreendimento não poderia depender de verbas públicas para se manter.
Nos desenhos que Pacheco ainda guarda em um canudo no seu escritório no bairro Petrópolis, aparece um shopping com dois pavimentos ao lado da Usina do Gasômetro – local onde também seriam construídos um hotel 5 estrelas, um centro empresarial de alta tecnologia (o grande chamariz era oferecer conexão de internet já instalada) e um teatro para a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), que seria o único investimento feito pelo poder público.
Assim como a atual proposta, o edifício sede do Deprc (hoje SPH) seria transformado em um hotel e os armazéns estariam divididos entre aqueles que seriam ocupados por atividades culturais (pórtico e A e B), shopping de design e um parque dedicado ao Mercosul. O B3 abrigaria um terminal hidro-ferroviário.
Proposta de 1996 tinha muitas semelhanças com a atual, prevendo shopping, torres comerciais e centro de eventos | Reproducao
Proposta de 1996 tinha muitas semelhanças com a atual, como shopping e torres comerciais | Reprodução

“Na época fomos acusados de privatistas, mas o projeto atual aparentemente restringe bem mais o espaço público que o nosso”, compara o arquiteto.
Os estacionamentos eram subterrâneos e a área onde seriam construídos os prédios novos, entre o Gasômetro e o armazém A7, era toda permeável, com praças e passeios públicos entre uma edificação e outra. Hoje, a proposta é de um shopping ocupando todo o terreno e as vagas para automóveis não serão no subsolo.
Em 1996, a intenção era ainda transformar a Mauá em uma avenida-parque plantando 5 mil árvores. Haveria quatro pistas para automóveis, duas rápidas, no centro, e duas lentas, nas laterais.
A grande diferença em relação ao projeto atual era a solução dada ao muro da Mauá, que seria derrubado. Para substituí-lo, Adomilli projetou um muro móvel na beira do Guaíba. Era a contrapartida principal do projeto, ao custo de R$ 2 milhões – menos de 2% do total do investimento previsto.
Utilizando os cálculos de recursos necessários ao empreendimento feitos pela PUC-RS, os 2% em valores atuais seriam o equivalente a R$ 13 milhões. O consórcio protocolou em abril de 2015 uma proposta de compensações para a cidade que soma R$ 36 milhões.
Modelo shopping-espigões se repete
O projeto de Collares, no final da década de 80, não foi bem recebido
O projeto de Collares, no final da década de 80, foi condenado por atender interesses imobiliários | Reprodução

A opção dos sucessivos gestores públicos de revitalizar o Cais Mauá investindo o mínimo possível serviu de justificativa para diferentes empreendedores repetirem o modelo shopping-espigões nas últimas três décadas.
Em 1988, embalado na onda do projeto Praia do Guaíba – tentativa de urbanizar com edifícios a orla entre a Usina do Gasômetro e o Parque Marinha do Brasil – o então prefeito Alceu Collares (PDT, 1986-1988) criou o projeto “Cais do Porto: Centro de Comércio, Lazer e Turismo”, que abrangia a área compreendida entre a Ponta da Cadeia, com os prédios da “antiga usina”, do Deprc e os sete últimos blocos de armazéns do Cais Mauá.
Previa o aproveitamento de 1.400 metros de cais, os armazéns seriam transformados em lojas e empreendimentos turísticos, com a construção de um Centro de Convenções e um hotel de luxo. Tinha também a sua contrapartida cultural, com “corredores temáticos” que se conectavam com ruas adjacentes e equipamentos públicos fora do porto.
Sem meias palavras, os engenheiros Hermes Vargas dos Santos e O’Neill de Lima Paz, do Gabinete de Planejamento e Coordenação do Deprc, condenaram a proposta em um parecer: o projeto atendia exclusivamente a “interesses do comércio e dos empreendimentos imobiliários” e era “destituído de valor social”.
Isso porque a justificativa de “devolver o rio à cidade” parecia absurda em um momento em que os parques Marinha do Brasil e da Harmonia (hoje Maurício Sirotsky Sobrinho) não haviam completado dez anos ainda.
“Nos países desenvolvidos, dificilmente a administração pública abriria mão de tal parcela afeta aos recursos hídricos e aos interesses dos transportes em favor de um centro de comércio, lazer e turismo (shopping center) de valor cultural discutível (pressão imobiliária), considerando as diversas necessidades da população da Capital relativas a saúde, segurança, saneamento básico, habitação, transportes, educação e outros”, apontaram.
As gestões petistas na prefeitura tentaram emplacar ideias diferentes: Olívio Dutra (1989-1992) pensou em instalar um restaurante popular e uma escola de alfabetização de jovens e adultos no Cais Mauá, que também poderia receber shows e apresentações teatrais. Dez anos mais tarde, já governador, Olívio quis desenvolver no local um complexo cinematográfico, que tampouco foi adiante.
Em sua gestão municipal (1997-2000), Raul Pont chegou a formalizar no Ministério dos Transportes um pedido para que a gestão do porto passasse a ser municipal – a intenção era revigorar a atividade portuária e estimular a navegação. “Trouxemos especialistas de Barcelona e fizemos um plano diretor para a área, mas não houve interesse do mercado”, lamenta o ex-prefeito.
Falida a tentativa de resgatar o porto, o plano B era cultural-gastronômico: conceder um antigo galpão histórico ao lado do Gasômetro – chamado “Pavilhão das Tesouras” – para o empresário Dado Bier, e dois armazéns para o Banco do Brasil instalar o seu centro cultural.
As tratativas chegaram a avançar, mas houve um incêndio nunca esclarecido que destruiu o Pavilhão das Tesouras – “Ninguém me convence que não foi atentado, sacanagem”, admite Pont – e o negócio com o CCBB também foi abandonado.
Negócio visava financiamento do porto
Arrendamento rendeu R$ 900 mil até hoje e porto ainda é deficitário | Tânia Meinerz
Arrendamento do Cais rendeu R$ 900 mil até hoje; enquanto isso o porto segue deficitário | Tânia Meinerz

O caso é que em 1999, quando o Porto dos Casais foi engavetado pelo sucessor de Britto, Olívio Dutra, o Cais Mauá ainda operava com cargas, o que só começou a ser modificado no início dos anos 2000.
Esse movimento é importante para entender o projeto atual, porque a decisão de conceder o Cais Mauá à iniciativa privada foi tomada pelo Conselho da Autoridade Portuária (CAP) como forma de sustentar o restante da área de embarque e desembarque, que estava deficitária.
“As receitas auferidas em negócios de revitalização de portos não operacionais tem se mostrado muito interessantes para as autoridades portuárias”, esclarece o diretor da Antaq Fernando Fonseca.
Em busca de recursos para financiar a própria atividade portuária, os integrantes do CAP julgaram que poderia ser um bom negócio entregar o Cais Mauá para a iniciativa privada. Assim, “o porto teria uma fonte de receita para investir em seus equipamentos, dragagens, e uma série de questões operacionais”, conforme registra uma das atas das reuniões do CAP no ano 2000.
Entretanto, cinco anos depois, o arrendamento da área feito no final de 2010 ainda não beneficiou o porto de Porto Alegre, que segue sendo deficitário segundo a Antaq. Durante os três primeiros anos de contrato – que por força de um aditivo posterior à assinatura é considerado em vigor a partir de março de 2012 – o consórcio só precisaria pagar 10% do valor total do arrendamento, ou seja, R$ 300 mil por ano.
Era um estímulo às obras que seriam feitas.
Passado esse período – portanto, a partir de março de 2015 – o empreendedor deveria passar a pagar a totalidade do valor do arrendamento, R$ 3 milhões por ano ou 1,95% do faturamento bruto, que seriam reinvestidos na atividade portuária.
“Adimpliram os 10% até finalizar o terceiro ano. Quando passaria para um valor considerável, fizeram um requerimento e foi concedida a suspensão do pagamento até que saiam as licenças para o empreendimento”, explica o diretor-geral da Secretaria de Estado dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho.
Ou seja, a soma dos pagamentos do Cais Mauá pela concessão da área até hoje ainda não chegou a R$ 1 milhão – foram três parcelas de R$ 300 mil em três anos.
Os conselheiros do CAP bem que avisaram que era importante garantir o pagamento previsto no contrato, caso contrário, o negócio perderia o sentido.
“Se não houvesse essa motivação, a área continuaria a ser operacional, como de fato era”, manifestou o então presidente do CAP em 5 de outubro de 2010, engenheiro Ricardo de Almeida Maia.
“Não era um descarte de uma área que não interessasse mais, pelo contrário, ainda é uma área nobre”, complementou, na ocasião.
É verdade que o Cais Mauá não comportaria atividades portuárias modernas por não possuir a chamada retroárea – onde usualmente são colocados contêineres, que é o que move o mundo do transporte de cargas por hidrovias.
Porém a pedra do Cais Mauá é bastante mais resistente que as dos outros cais porto-alegrenses (Navegantes e Marcílio Dias). Aguenta 40 toneladas e por isso, só no Mauá é possível operar guindastes de solo – navios que atracam em outras partes na Capital precisam ter guindastes embarcados para poder descarregar.
Esse, aliás, foi um dos motivos para os técnicos terem embargado a iniciativa do prefeito Collares, lá nos anos 80. Segundo um parecer anexo ao processo, “dos três cais de Porto Alegre, apenas o Mauá pode operar grandes cargas devido a sua constituição de cais de gravidade”.
Neste texto, o Cais Navegantes é categorizado como “de saneamento” por ser constituído em estruturas leves (estacas), e o Marcílio Dias é destinado a clubes náuticos também por ter estruturas leves (tubulões).
Docas foram anexadas para garantir edifícios
Mesmo no Conselho da Autoridade Portuária (CAP), o projeto de dar outra destinação ao Cais Mauá foi polêmico. A proposta originalmente aprovada pelo órgão permitia o uso para outras finalidades apenas na área compreendida entre a Usina do Gasômetro e o armazém B3, mas foi considerada insuficiente pelo Governo do Estado.
Por isso, em 17 de agosto de 2006, o governo do Estado mandou à reunião do CAP “o homem do Cais Mauá”, Edemar Tutikian, para convencer o conselho a ampliar a área para o empreendimento, abocanhando também as docas.
Na época, Tutikian já era o coordenador da Comissão de Revitalização do Cais Mauá. Ele vinha se dedicando ao projeto desde o início do governo Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006), quando foi encarregado de “fazer um inventário de todas as questões do porto” – conforme o secretário municipal de Urbanismo, Valter Nagelstein – embora sua função no governo fosse de diretor do banco de fomento do Estado, a Caixa RS (hoje chamado Badesul).
Tutikian é o homem do Cais porque desde então ele carrega consigo o projeto de revitalização, apesar das mudanças políticas. Quando Yeda foi substituída por Tarso Genro (PT) no Piratini, ele migrou – e com ele o projeto do Cais – para a gestão municipal de José Fortunati (PDT), onde se tornou porta-voz da revitalização.
Naquele agosto de 2006, Tutikian compareceu ao CAP secundado pela secretária de Transportes, Gertrudes Pelissaro dos Santos. Estavam lá para fazer um apelo aos conselheiros para que ampliassem a área que seria concedida à iniciativa privada.
“O projeto que inicia na ponta do Gasômetro e vai até o armazém B3 tem limitações, uma vez que há o tombamento de determinados armazéns”, explicou, introduzindo o assunto.
“Em face às limitações técnicas, pretende-se viabilizar o interesse de empreendedores privados com a disponibilização de novas áreas”: eram as docas 1 a 4, até então utilizadas para atividades de apoio portuário.
A necessidade de deixar disponível a nova área para o futuro projeto do Cais Mauá é evidente: nos anos 90, diante da falta de espaço entre o armazém A6 e a Usina do Gasômetro (onde estavam previstas todas as construções), mesmo com a prevista derrubada do A7, Adomilli e sua equipe precisaram projetar um aterro de 100 mil m³, que interferiria no canal de navegação e traria impactos ambientais.
Na tentativa de aprovar o desenho, os arquitetos chegaram a mexer na altura dos edifícios, reduzindo o número de andares originalmente previstos para não comprometer a volumetria, mas o problema do aterro persistiu.
Logo, era necessário corrigir esse ponto para que o projeto não acabasse tendo o mesmo destino do anterior. A licitação de 2010, portanto, englobaria toda a área desde o Gasômetro até a doca 4. “A área que será agregada viabilizará a exploração econômica do futuro empreendimento atraindo investidores e possibilitando novas fontes para a Administração Portuária”, registra a ata do CAP.
A manobra de inclusão de novas áreas também acabou destinando ao empreendimento a bonita praça Edgar Schneider e o prédio do antigo frigorífico, uma região para a qual os empreendedores previam a instalação de uma unidade educacional de Ensino Superior.
Fogaça barrou prédios altos no Gasômetro
Apesar da inclusão das docas à área do projeto de revitalização, que permitiria construir torres comerciais de 100 metros de altura próximas da rodoviária de Porto Alegre, o primeiro desenho do Plano Diretor para a área previa também prédios ao lado da Usina do Gasômetro.
Foi o ex-prefeito José Fogaça (PPS, depois PMDB, 2005-2010) que vetou qualquer volume que competisse com o patrimônio histórico. Escaldado pelo questionamento da população sobre a mudança dos índices construtivos permitidos para o terreno do antigo Estaleiro Só, que o levou a promover um plebiscito em 2009 – mesmo ano em que se fez o debate no governo sobre as possibilidades de construção no Cais Mauá – Fogaça intuiu o problema.
A cautela de Fogaça não impediu que um grupo de cidadãos se organizasse para combater o modelo proposto, baseado no tripé shopping-espigões-estacionamento, que será capaz de garantir aos investidores, uma receita anual que beira R$ 1 bilhão.
O cálculo foi feito pela Faculdade de Administração da PUC-RS e separa a receita segundo o nicho de negócio.
Arte: Andres Vince
Arte: Andres Vince

Tomando esse dado pode se ter ideia dos valores que estão em jogo para o Estado do Rio Grande do Sul. Além das estimativas de que a operação do complexo gere cerca de 16 mil empregos diretos e R$ 70 milhões em ICMS anualmente, o contrato prevê que o arrendamento passará a ser calculado percentualmente sobre o total da receita bruta do empreendimento quando ela for maior que R$ 160 milhões ao ano.
Neste caso, ao invés de pagar os R$ 3 milhões fixos, o consórcio precisará entregar aos cofres públicos 1,95% do faturamento do negócio. Esse seria o recurso disponível para aplicar na modernização da área portuária ainda em operação em Porto Alegre.
Além disso, após o fim da concessão (em 25 anos ou 50, caso haja prorrogação do contrato), toda a área e as benfeitorias realizadas nela – shopping, edifícios comerciais e estacionamento – passam a integrar o patrimônio do Estado do Rio Grande do Sul.
Matrículas só foram escrituradas depois da licitação
Dossiê Cais Mauá - Parte 1 - Escritura
Disputa judicial impediu que Estado registrasse terrenos em seu nome | Reprodução

Com a chamada desafetação das áreas, concluída no Conselho da Autoridade Portuária (CAP), restava registrar os terrenos em nome do Estado do Rio Grande do Sul.
Só que a área só foi escriturada três meses depois de lançado o edital, quando uma sentença do juiz de direito Antonio C. A. Nascimento e Silva pôs fim a uma ação judicial iniciada pelo próprio governo diante da recusa do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre em escriturar a área por não possuir documentação que autorizasse tal atitude.
O Estado argumentava que, sendo terreno oriundo de aterro pago pelos cofres estaduais – lá no governo Borges de Medeiros – era logicamente patrimônio do Rio Grande do Sul. Por outro lado, havia um entendimento de que por ser margem de curso d’água, pertenceria à União.
Foi, portanto só a partir da decisão judicial que o cartório emitiu as matrículas em 30 de setembro de 2010 – a abertura da licitação ocorreu em junho.
Sobreposição de contratos causa limbo administrativo
Consórcio se recusou a assumir áreas enquanto não houver acerto entre operações|Tânia Meinerz
Consórcio se recusa a assumir área enquanto não houver acerto entre operações|Tânia Meinerz

O tema das escrituras do Cais Mauá voltou à pauta no final de 2010, quando a imprensa noticiou que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) estava questionando judicialmente a competência do Estado para promover o arrendamento, na medida em que entendia que a área pertencia à União.
Foi o primeiro de muitos processos que ainda se desenrolam no judiciário gaúcho.
Esse acabou sendo sanado após a posse do governador Tarso Genro (PT 2011-2014), que negociou com o Planalto em condições políticas mais favoráveis que sua antecessora, Yeda Crusius (PSDB).
A conciliação entre as partes foi homologada no ano de 2012 e, em março, houve a assinatura de um termo aditivo para reconhecer a participação da Agência Nacional de Transportes Aquáticos (Antaq) como fiscalizadora do contrato e das obras.
Foi apenas nesta data que a posse da área foi passada efetivamente para o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A. e que o contrato passou a valer integralmente.
Entretanto, quatro anos depois, ainda há áreas que não estão sob o domínio legal da empresa formada para revitalizar e administrar o Cais Mauá. Os armazéns da série B3, tombados, e também o C2 e o C3, que ocupam as docas e serão demolidos para a construção das torres comerciais, além do próprio prédio da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), que será restaurado e transformado em hotel, estão em um limbo administrativo.
O consórcio se recusou a assumir a responsabilidade dessas unidades porque estão ocupadas por atividades que não tem relação com o empreendimento.
SPH, corpo de Bombeiros, e os organismos de regulação do trabalho portuário (OGMO e sindicato) receberão novas sedes, construídas pela concessionária da área. Porém, segundo o Governo do Estado, ainda não há definição dos novos endereços. “Isso faz parte de uma segunda fase do empreendimento, não é necessária a desocupação imediata para o início do trabalho”, justifica o diretor-geral da Secretaria de Transportes, Vanderlan Frank Carvalho.
Já com o terminal de embarque e desembarque de passageiros da Catsul, que tem linhas hidroviárias para a Zona Sul de Porto Alegre e também para Guaíba, o problema é mais delicado.
Há uma evidente sobreposição de contratos, uma vez que a operação das linhas do catamarã também é um negócio regido por licitação na qual consta a obrigação de o Estado ceder um armazém para a função de terminal.
Apesar disso, o diretor-geral reconhece o direito do consórcio Cais Mauá sobre o imóvel, mas acredita em um entendimento entre as partes. “A circulação de usuários do catamarã também é importante para o Cais Mauá. Então é bem possível – ou melhor, com certeza – eles vão conviver bem”, prevê Carvalho.
Só que o consórcio não demonstrou toda essa boa vontade quando, em 2013, questionou a operação não apenas do catamarã, mas também do Cisne Branco e do barco do Grêmio Náutico União (GNU). “Tendo em vista que inexiste no contrato menção à obrigação de manter esse serviço em funcionamento dentro de sua área de arrendamento, requer à SPH esclarecimentos sobre a possibilidade de autorizar a continuidade de embarque e desembarque mediante remuneração acordada entre as partes. Caso não seja possível, entende ser cabível a interrupção imediata do serviço por se tratar de atividade não prevista no contrato”, registra uma correspondência enviada à SPH pelos empreendedores.

Entidades ingressam com ação civil pública para rescindir contrato do Cais Mauá

O movimento Cais Mauá de Todos está chamando a imprensa para uma entrevista coletiva na segunda-feira, dia 14, às 11 horas, na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS, Rua General Canabarro nº 363, esquina Riachuelo).
Será apresentada na ocasião a Ação Civil Pública ajuizada pelas entidades IAB-RS, AGAPAN, Associação Moradores Centro Histórico e DEFENDER.
Leia todas as notícias sobre o Cais Mauá no especial do Jornal JÁ sobre a obra de revitalização.
A ação pede a rescisão do contrato de concessão com o consórcio Porto Cais Mauá do Brasil.
O grupo já protocolou, em ocasiões anteriores, ações populares contra a obra de revitalização, que consideram inadequada para o espaço.Há ainda outras várias demandas judiciais correndo no Ministério Público Estadual.
Porém, a avaliação é que com a Ação Civil Pública, o debate jurídico sobre o Cais Mauá “ingressa em um novo patamar”.
A coletiva também apresentará temas como uma possível abertura da CPI do Cais Mauá, com destaque para as ilegalidades licitatórias e contratuais, idoneidade do empreendedor, cumprimento das leis; além de atentados paisagísticos, urbanísticos e ambientais.
Será uma preparação para a audiência pública convocada pela Assembleia Legislativa para a próxima quarta-feira, 16, às 18h.
A coletiva de imprensa terá a presença do deputado estadual Tarcísio Zimmermann; do vereador Marcelo Sgarbossa; do presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS), Tiago Holzmann da Silva;  do sociólogo João Volino, líder do Movimento Cais Mauá; além da participação de representantes da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) e Associação Centro Histórico.