As caretas do governador Sartori

Andres vince
O novo jeito de governar implantado no Estado por Ivo Sartori, eleito pela maioria esmagadora dos gaúchos, apesar dos pesares, parece que ainda agrada uma boa parcela dos gaúchos. A interminável lua de mel com a imprensa amiga parece ter convencido a população que, apesar da crise, está tudo bem, que, na verdade, as pessoas estão reclamando de barriga cheia.
A crise decretada desde o primeiro dia do governo Sartori parece já ter sido assimilada pela população. E agora, que as consequências dessa crise baixada por decreto batem na porta do governo, ele manda dizer que não está.
Foi necessário que, depois de mais de um mês de ocupações, os estudantes invadissem a Assembleia Legislativa (AL) para que fossem ouvidos pela equipe do governador. Nesse caso, apenas um dia de ocupação da AL foi suficiente pra causar uma correria para resolver o caso. Nada como acampar na sala de estar do homem.

TC Ikeda (à esquerda) negociando: “vocês têm 10 minutos para sair” | Foto: Matheus Chaparini

Mas, como tudo que é feito de afogadilho, não houve consenso geral no resultado das negociações para a desocupação. Os descontentes acabaram por invadir a Sefaz e o governador Sartori mandou o tenente-coronel Ikeda “negociar” a saída dos estudantes. Destacar um oficial militar (supostamente) treinado pra negociar com bandidos, dispostos a matar ou morrer, para dialogar com estudantes secundaristas em ato político, escancara bem esse novo jeito de governar implantado por Sartori. O nosso colega jornalista preso no episódio foi apenas a cereja do bolo.
A Brigada Militar (BM) tem tido sua centenária imagem arranhada por sucessivos governos justamente por ter esse pensamento militar de que “ordens superiores não se discutem”. Isso é um eunuquismo mental que não cabe mais nos dias atuais.
Não culpo a BM. Ela tem sido instrumento de manobra política dos governadores há décadas, mas não podemos contemporizar com essa atitude. Há de haver uma lei que proíba a BM de atuar sem um mandato judicial. Não é possível que as pessoas que protestam estejam submetidas aos humores do governador, sem nenhum amparo na lei. Ninguém quer o fim da BM. Algumas pessoas querem a desmilitarização dela. O fim dessa obediência canina.
O certo é que muitos crimes foram cometidos na invasão da Sefaz, tanto pelos estudantes, como pela BM. A diferença está no fato de que os estudantes cometeram “crimes” por motivação política e os brigadianos cometeram “crimes” sob a chancela de seus superiores ou por motivações pessoais, como provam as imagens do capitão Trajano contendo os excessos dos homens sob seu comando.
É bom lembrar que comunicação falsa de crime também é crime. Como provarão que o repórter agiu ativamente na manifestação? As imagens não deixam dúvidas. Ele foi 100% profissional. Tirei o chapéu. Tenho sérias dúvidas de que me conteria na mesma situação.
Não podemos esquecer da atuação decisiva da delegada que tratou de enquadrar todo mundo no máximo de artigos que seu conhecimento alcançava. Esbulho possessório? Parece que o eunuquismo mental tem sido aplicado em outras paragens. Mas, enfim, parabéns para a delegada pelo esforço. Só ficou chato a declaração de que o jornalista não se identificou como tal, afinal, a profissão está registrada na ficha que ele ganhou na DP.
Segundo a Brigada Militar, é assim que a imprensa tem que trabalhar ! Foto: Reprodução
Segundo a Brigada Militar, é assim que a imprensa tem que trabalhar ! Foto: Reprodução

Essas trapalhadas todas só serviram pra desviar o foco do verdadeiro debate. A ausência desse debate levou a população a pensar que os meninos queriam instalação de ar condicionado e piscina térmica nas escolas. Não! Eles só querem o básico pra estudar. Básico. Merenda, papel higiênico no banheiro e o estancamento do processo de privatização do ensino. É pedir demais? Para a população que apoiou a ação da brigada é sim.
Esse pensamento  “quem protesta é vagabundo, desocupado, fazem isso pra se aparecer (sic)” é de uma pobreza tamanha que começo a pensar que estão castrando o pensamento do vivente logo no nascimento.
Quando alguém se explode em Bagdá me pergunto “o que levou o sujeito a cometer um ato extremo desses?”, enquanto a maioria simplifica: “terrorista, fanático, maluco”. Ninguém para pra pensar que isso é uma reação a alguma coisa. É mais simples colocar a culpa na religião.
Mas, como tudo na vida, existem pequenas soluções que podem ajudar resolver a crise do estado. Na Europa, por exemplo, o policiamento de eventos públicos é financiado pelo organizador. São chamados policiais que estão de folga e as horas extras são pagas pela iniciativa privada. Simples. Que tal governador, passar a cobrar a fatura da iniciativa privada pelos serviços públicos que utilizam pra ganhar dinheiro, tais como shows, jogos de futebol, etc.? Também tem aquele caso de uma certa empresa de TV a cabo que nunca pagou pra utilizar os postes da CEEE pra instalar sua infraestrutura…
Insegurança pública, incompetência administrativa, salários atrasados, caos na educação, falência do Estado. O Rio Grande com o pé no fundo, com a ré engatada, sem retrovisor.
Eu sei que é fácil chegar aqui e atirar pedras no governador Sartori. Afinal de contas, eu sou um na multidão e ele está na vitrine. Mas, é que o sujeito fica fazendo caretas lá atrás do vidro. Aí fica difícil não atirar uma pedrinha.
 

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