Brasil quer a taxação de super-ricos no mundo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse durante a 1ª Reunião de Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais da Trilha de Finanças do G20, realizada nos dias 28 e 29, em São Paulo, que o Brasil vai trabalhar para que o G20 faça uma declaração “ambiciosa” a respeito da tributação dos super-ricos. Os trabalhos do grupo – que reúne as maiores economias mundiais – estão sob presidência brasileira. No discurso que abriu o último dia de encontro na capital paulista, Haddad enfatizou que tem como principal objetivo construir a cooperação internacional para taxar grandes fortunas.

Para embasar a posição pela necessidade de tributação das famílias mais ricas do mundo, Haddad apresentou dados do relatório do EU Tax Observatory, que apontou que os bilionários ou não pagam nada, ou pagam, no máximo, 0,5% de impostos sobre o que acumulam. “Colegas, eu, sinceramente, me pergunto como nós, ministros da Fazenda do G20, permitimos que uma situação como essa continue.”

Segundo o ministro, esse pequeno grupo de pessoas se aproveita de “buracos” nos sistemas tributários para evitar o pagamento de tributos. Por isso, Haddad vê o tema também sendo tratado por outras organizações internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que aprovou medidas para taxar empresas multinacionais.

“Quero anunciar que essa presidência buscará construir uma declaração do G20 sobre tributação internacional até nossa reunião ministerial, em julho. Consultaremos todos os membros e trabalharemos em conjunto para termos um documento equilibrado, porém ambicioso, que reflita as nossas legítimas aspirações”, afirmou, ao participar presencialmente do encontro pela primeira vez.

A Forbes USA divulgou sua lista com as pessoas mais ricas do mundo em 2023. Em todo o mundo há 2.640 fortunas de pelo menos dez dígitos. Ao todo, os bilionários do planeta agora valem US$ 12,2 trilhões.

Será uma árdua tarefa tributar os super-ricos. Desde a década de 1970, a desigualdade voltou a aumentar no mundo, principalmente nos países pobres, mas também nos ricos, com a concentração de riqueza aumentando sem parar. Thomas Piketty cita em seu livro “O capital no século XXI” o exemplo dos Estados Unidos, onde a concentração de renda na primeira década do século XXI voltou a atingir – e até excedeu – o nível recorde visto nos anos 1910-1920.

Pikkety acrescenta: “A dinâmica da distribuição de riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência, ora para divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam as formas desestabilizadoras, aquelas que promovem a desigualdade.”

Para ele, a história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos. “A redução da desigualdade que ocorreu nos países desenvolvidos entre 1900-1910 e 1950-1960 foi, antes de tudo, resultado das guerras e das políticas públicas adotadas para atenuar o impacto desses choques.”

Após o final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram a Doutrina Truman, cuja orientação principal era a de contenção permanente e global da então URSS. Inaugurou-se a Guerra Fria.  “Doutrina Truman” é uma expressão que designa um conjunto de medidas políticas e econômicas assumidas, quando em 12 de março 1947, o então presidente Harry Truman, proferiu um violento discurso contra a “ameaça comunista”, onde diz que os EUA assumem o compromisso de defender o mundo dos soviéticos.

A Doutrina Truman foi responsável pelo chamado Plano Marshall para evitar o crescimento do comunismo na Europa e Ásia. A pesquisadora e graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ), Haylana Burite, calcula que no Pós-Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos gastaram US$ 182 bilhões na reconstrução da Europa, e US$ 18 bilhões, na reconstrução do Japão, por meio do Plano Marshall. Todo esse dinheiro resultou na redução da desigualdade com o Estado de bem-estar social na Europa Ocidental, conhecido como Welfare State. Boa parte desse dinheiro retornou aos EUA através de suas exportações para a reconstrução da Europa. 

 A partir dos anos 1970 começa novamente o processo de concentração de renda, com a recuperação do poder do dólar, que instaurou um novo regime de coordenação da economia mundial e abriu espaço para a financeirização, com o comando dos mercados financeiros anglo-saxões sobre as estratégias empresariais, conforme os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, no livro com o sugestivo título “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo”.

Reação à globalização

O ministro Haddad pediu que seja feito um novo entendimento sobre globalização e cooperação internacional, diferente do que ocorreu nas décadas anteriores e vem sendo rejeitado por diversas populações em todo o mundo. “A atual reação à globalização pode ser atribuída ao tipo específico de globalização que prevaleceu até a crise financeira de 2008. Até então, a integração econômica global se confundiu com a liberalização de mercados, a flexibilização das leis trabalhistas, desregulamentação financeira e a livre circulação de capitais. As crises financeiras resultantes causaram grandes perdas socioeconômicas”.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o governo não tem uma alíquota para apresentar na sua proposta de criação de um terceiro pilar na taxação internacional que dê conta de uma tributação mínima global para as riquezas. “É um conceito. A dinâmica nos fóruns internacionais demanda um tempo maior. É preciso galvanizar o apoio na ideia, no conceito, e, a partir daí, fazer estudos de impacto, para ver o que é possível ser aceito politicamente.”

O economista e diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, Gabriel Zucman, disse em entrevista concedida a jornalistas que cobriram a reunião do G20,  que apresentou a proposta de aplicação de uma alíquota mínima de 2% sobre a riqueza dos bilionários.  “Fiz a proposta de uma cobrança mínima de 2% sobre a riqueza de bilionários. É uma taxa baixa, mas ainda faria uma diferença muito grande. Mas acredito que podemos ser mais ambiciosos do que isso”, disse.