Quais são os fundos de investimentos envolvidos na compra da Corsan

A 1ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) realizou esta semana a conclusão do julgamento do processo de venda Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que teve início em julho passado, e decidiu pela anulação da privatização da estatal, por lance único do Consórcio Aegea de R$ 4,151 bilhões, com ágio de 1,15% em relação ao valor mínimo estipulado no edital.

A conselheira substituta, Ana Cristina Moraes, manteve a posição do voto da sessão realizada em 18 de julho, que foi favorável à suspensão do leilão. O Conselheiro e presidente da Sessão, Estilac Xavier acompanhou o voto da relatora, já o conselheiro Renato Azeredo manteve o voto contrário.

O principal ponto de questionamento apontado pelo relatório da conselheira Ana Cristina é em relação à valuation da companhia – isto é, a base de cálculo para definir o valor mínimo de venda da Corsan. O relatório destaca dúvidas em relação ao cálculo da real extensão da rede de esgoto no Estado, que impacta diretamente na quantidade de recursos necessários a serem investidos para o cumprimento das metas do novo marco legal de saneamento e, consequentemente, no valor final da Corsan.

Além de apontar erros na precificação da Companhia, Ana Cristina também questionou a legalidade do processo em decorrência da não observância de prazos editalícios e ainda citou a ausência da ata da assembleia geral dos acionistas que autorizaria o preço inicial de venda da Companhia. A relatora manteve também as irregularidades apontadas nos termos aditivos assinados pelos municípios.

No entanto, a análise do mérito ainda passará pelo Tribunal Pleno, que poderá ocorrer na próxima quarta-feira, 01 de novembro. A assessoria Jurídica do Sindiágua, a partir da proclamação do voto no TCE desta terça-feira, 24/10, está analisando os novos elementos para uma definição sobre os encaminhamentos que deverão ser tomados.

Nota da assessoria de Comunicação da Bancada do PT na Assembleia Legislativa, diz “que diante da postura conselheiro Renato Azeredo, que relativiza os erros apontados pelos conselheiros Estilac Xavier e Ana Moraes, o deputado estadual Miguel Rossetto, membro da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa e que acompanha o processo, resolveu se dirigir diretamente ao conselheiro com algumas ponderações.”

Continua a nota: “Rossetto encaminhou uma correspondência ao conselheiro Azeredo cobrando a postura ambígua registrada no voto, que acompanhou os questionamentos feitos pela conselheira Ana Moraes, que pediu anulação do leilão, diante de erros cometidos pelo Banco Genial, contratado sem licitação, que subestimou as projeções de lucro líquido da Corsan para o ano de 2022. “O senhor reconhece o erro de avaliação, mas sugere que a ‘discrepância’ entre o lucro projetado pelo Banco Genial e o de fato realizado é de ‘apenas 35%’, e não 59% como mencionado pela conselheira. Ou seja, uma discrepância de ‘tão somente’, nas suas palavras, de R$ 283 milhões, apenas para o ano de 2022, primeiro ano da avaliação,” apontou o parlamentar no texto da correspondência.

O deputado afirma que a diferença entre o valor projetado e o realizado, entre o 2° e o 4° trimestres de 2022, era de pleno conhecimento dos dirigentes da Corsan, que optaram por não corrigir o valuation projetado, mantendo o preço mínimo de R$ 4,1 bilhões no edital do leilão.

Para Rossetto, o voto do conselheiro Renato ratificou o erro do Banco Genial mais uma vez, quando se tratou das projeções para 2023, que poderiam ter um lucro líquido de R$ 1,2 bilhão, conforme cálculo da conselheira Ana Moraes e ficaram em apenas R$ 234 milhões de lucro. “O senhor não faz qualquer menção à diferença de R$ 1 bilhão apontada no voto da conselheira Ana. Aliás, o senhor, também não consultou a gestão da Corsan para questionar como se encerrou o 2º trimestre, assim, já teríamos 50% do ano e talvez pudéssemos ter mais clareza se a projeção da conselheira estaria ou não ajustada à realidade. Se tivesse esta preocupação, teria constatado que o erro do Banco Genial é ainda maior. A soma do lucro dos dois primeiros trimestres de 2023 é R$ 543 milhões, conforme a própria Corsan divulgou,” afirmou o deputado em outro trecho da carta.

No final da correspondência, Rossetto solicita ao conselheiro que reveja seu voto com base nos votos da Primeira Câmara, que foram unânimes em afirmar que a Corsan foi subavaliada e que, portanto, o leilão deve ser anulado, para impedir um enorme prejuízo às contas do Estado e um ganho ilegal para o grupo Aegea.

Private equity

A água e o saneamento são direitos fundamentais da população que paga seus impostos e não deveriam ser tratados como commodities financeiras, possibilitando a entrada do setor privado. No entanto, governos estaduais controlados pelos partidos neoliberais, que defendem os interesses corporativos, proporcionaram os movimentos do mercado financeiro, incluindo a participação de gestoras de private equity, que desempenham um papel crucial na busca pelo controle das empresas estatais de saneamento.

Essas gestoras de grandes fortunas, que envolvem os interesses de fundos de investimentos de todo o mundo através da participação societária nos negócios, visam obter altos retornos financeiros no setor de saneamento, aproveitando a crescente demanda por serviços de água e esgoto. Quem são os grupos envolvidos na compra da Corsan?

A composição acionária da Aegea: 70,72% do grupo Equipav; 19,08% do fundo soberano de Singapura, GIC, e 10,20% da Itaúsa. Criada em 2010 pelo grupo Equipav, a Aegea administra concessões públicas em 13 Estados, atendendo a 26 milhões de pessoas. É mais da metade da população atendida por operadoras privadas hoje. A empresa arrematou dois dos quatro blocos em que o governo  de Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, dividiu a área da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) em 2021 e venceu, no ano passado, o leilão de privatização da Corsan.

Desde que o novo marco legal do saneamento básico foi aprovado, há três anos, a Aegea saiu vencedora em sete dos 13 leilões regionais realizados pelo país. Ao todo, foram ao menos R$ 45,7 bilhões de investimentos contratados para os próximos anos, fora os R$ 19,55 bilhões em outorgas e pagamentos já desembolsados.

Os dois grupos financeiros acionistas da Aegea – GIC, fundo soberano de Singapura e Itaúsa – são poderosos. Em abril de 2023, a Neoenergia fechou a venda de 50% de oito ativos de transmissão para a Warrington Investment, um veículo de investimento do fundo soberano de Singapura. A transação avaliou os ativos que somam 1,9 mil km de linhas em R$ 2,4 bilhões, exatamente o preço estimado pelo mercado para as ações. A Neoenergia integra o grupo espanhol Iberdrola, presente em 18 estados e no Distrito Federal, atuando nas áreas de geração, transmissão, distribuição e comercialização.

O outro acionista da Aegea,  o Itaúsa, do Grupo Itaú, investiu R$ 1,3 bilhão, ficando com 10% do negócio. Segundo Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa, um dos compromissos é a busca de resultados consistentes aos acionistas, fator decisivo desta parceria.

Na privatização da Corsan, a Aegea, controlada pela Equipav, uniu-se a outras duas gestoras de investimentos, a Perfin e a Kinea, para formar o consórcio vencedor do leilão. A melhor definição da Equipav é dada por ela mesma: uma plataforma de investimento.

A EPR, operadora de rodovias formada por Equipav e Perfin, surgiu no mercado há pouco mais de um ano, mas vive uma expansão acelerada. A parceria entre Equipav e Perfin veio à tona em agosto de 2022, quando as empresas conquistaram duas concessões rodoviárias em Minas Gerais, do governador Romeu Zema (Partido Novo). A Perfin já tinha recursos alocados no setor de infraestrutura, em especial energia, mas estreou em rodovias junto da Equipav. A Perfin constituiu fundos específicos para atuar em rodovias, saneamento e energia, que somam ao todo mais de R$ 5,6 bilhões.

A Kinea, segundo seu portfólio, nasceu há 15 anos em sociedade com o Banco Itaú com os principais executivos vindos do Bank Boston. Em 2020, torna-se uma das maiores gestoras independentes do mercado brasileiro e da América Latina de gestão de recursos. Os fundos de gestão ativa já somam R$ 30 bilhões, incluindo os de previdência.

Histórico

O presidente do TCE-RS, conselheiro Alexandre Postal, proferiu decisão em cinco de julho de 2023 suspendendo a medida cautelar, vigente desde dezembro de 2022, que impedia a finalização do processo de venda da Corsan. A determinação, que seria submetida ao pleno do TCE, possibilita a continuidade dos procedimentos pendentes que objetivam a conclusão da privatização da Corsan e a consequente assinatura do contrato de venda à vencedora do leilão.

Um dia depois, em 6 de julho, a conselheira Ana Cristina Moraes, emitiu uma liminar determinando a intimação, com urgência, do governador Eduardo Leite (PSDB) e da presidente da companhia Samanta Takimi para se absterem de assinar o contrato de venda da Corsan até uma nova decisão do órgão.

Após a cautelar da conselheira do TCE, que impedia a assinatura do contrato de venda da Corsan, prevista para ocorrer no dia 7 de julho, o governo do Rio Grande do Sul protocolou um recurso no tribunal contra a decisão da Conselheira.

Na sexta, sete de julho, o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Alexandre Postal, volta a derrubar, a partir de decisão monocrática, a medida cautelar e autoriza a concretização do negócio. Rapidamente, o governador Eduardo Leite assinou, na noite de 7 de julho, no Palácio Piratini, o contrato de venda e a transferência da Corsan para o grupo Aegea, que agora a 1ª Câmara do TCE-RS decidiu pela anulação da privatização da estatal.

Atualmente, a Corsan atua em 317 municípios, atendendo cerca de 6,5 milhões de gaúchos, pouco mais da metade da população do Estado.

 

Com Assessoria da Bancada do PT na Assembleia Legislativa, Corsan, Sindiágua e Valor Econômico