O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta semana um projeto de lei complementar, em regime de urgência, que regulamenta o trabalho de motorista de aplicativo. O texto foi enviado para votação no Congresso Nacional. Caso seja aprovada pelos parlamentares, passará a valer após 90 dias.
O objetivo do Projeto de Lei Complementar 12/24 é garantir aos motoristas de aplicativos um pacote de direitos trabalhistas e previdenciários e negociação entre patrões e trabalhadores via acordos coletivos. Como o texto ainda vai ser analisado por deputados e senadores, o PL pode sofrer modificações em relação ao que foi assinado pelo presidente Lula. A proposta não inclui entregadores que prestam serviço por aplicativo.
A proposta de projeto de lei é resultado de um grupo de trabalho, criado em maio de 2023, com a participação de representantes do governo federal, trabalhadores e empresas, e que foi acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
No entanto, nada disso importa para aqueles motoristas de aplicativos que estão empapados por décadas de ideologia neoliberal e apoiam o falso discurso do empreendedorismo, dos terceirizados que não têm direito a nada. Apoiam a criação de novas modalidades de contratação com a figura do autônomo, que exploram o trabalhador sem reconhecê-lo como tal, criando o fenômeno da “pejotização”, que é quando o trabalhador precisa atuar por meio de CNPJ, sem nenhum vínculo empregatício.
Acreditaram quando o então presidente Temer levantou as bandeiras das reformas trabalhistas e previdenciárias como a solução para a crise econômica do país. E ainda acreditam. Essa carga ideológica é difundida diariamente pela mídia corporativa e entidades patronais, sempre ouvidas, ao contrário dos sindicatos dos empregados. E, para viabilizar todas essas atrocidades contra os trabalhadores sem a revolta dos mesmos, ocorre uma destruição contínua, desde o Golpe de 1964, do sistema educacional público. Sem falar na intromissão da religião no Congresso e até mesmo no Supremo Tribunal Federal.
Avesso do avesso
Num transcurso de uma corrida, perguntei para o motorista do aplicativo o que ele achava do projeto. Ele respondeu que se o projeto passasse pelo Congresso deixaria de trabalhar com o aplicativo porque teria que pagar taxas para o governo, para vagabundos do sindicato e ainda reclamou da volta do “Lula ladrão”. É contra esse tipo de mentalidade o enfrentamento dos apoiadores do projeto de Lula no Congresso.
Esse trabalhador esquece que toda a infraestrutura que utiliza nas suas viagens pelo aplicativo é viabilizada pelo Estado que ele tanto detesta, mas usufrui sem reclamar; que o sindicato existe para defender seus direitos cada vez mais precarizados, além do percentual de sua renda pagas ao INSS para garantir sua aposentadoria.
Essa visão obscura, partidária, não o deixa ver uma questão muito importante: o quanto essas mudanças vão mexer com valores das corridas. Os aplicativos vão repassar esses custos para os usuários? O sucesso dos aplicativos foi exatamente os valores inferiores aos táxis comuns e mesmo das lotações. Se isso ocorrer, uma fatia da população voltará para os ônibus e lotações.
A remuneração mínima para os trabalhadores, pelo projeto, é proporcional ao salário mínimo atual, de R$ 1.412. Foi fixada em R$ 32,10 por hora trabalhada, entendida como o período das corridas e não aquele “em espera”. Desse total, R$ 8,03 são referentes aos serviços prestados. Os outros R$ 24,07 serão para cobrir custos (celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, etc).
Assim, um trabalhador que trabalhar oito horas por dia em 20 dias no mês receberá, no mínimo, R$ 5.136. Os valores serão reajustados mediante a valorização do salário mínimo por meio de aumentos reais vinculados ao Produto Interno Bruto (PIB, conforme Lei 14.663/23). As empresas não poderão limitar a distribuição de viagens quando o trabalhador atingir a remuneração horária mínima.
A jornada de trabalho será de oito horas diárias, podendo chegar ao máximo de 12 horas em uma mesma plataforma. A proposta não prevê acordo de exclusividade. O motorista poderá trabalhar para quantas plataformas desejar e terá autonomia para organizar o tempo e horários de trabalho. Pode continuar conciliando atividades profissionais com outras responsabilidades, sem abrir mão de direitos e benefícios.
Pela proposta, os motoristas passam a ser enquadrados como contribuintes individuais para fins previdenciários e serão classificados como “trabalhador autônomo por plataforma”. O texto institui contribuições previdenciárias dos motoristas e das empresas operadoras de aplicativos, equivalentes a 7,5% (motoristas) e a 20% (empresas) do salário de contribuição (R$ 8,03/hora). As operadoras ficarão responsáveis pelo recolhimento de ambas as contribuições. Mulheres motoristas de aplicativo terão direito a auxílio-maternidade.
Os motoristas serão representados por sindicato nas negociações, assinatura de acordos e convenção coletiva, em demandas judiciais e extrajudiciais. Atualmente, não há uma mesa de negociação entre as partes que permita a apresentação de reivindicações coletivas da categoria.
Benefícios ou direitos não previstos na proposta, como plano de saúde, seguro de vida ou horas extras, poderão ser negociados no acordo coletivo. Além disso, o que for acordado em convenção coletiva não poderá ser desfeito por meio de acordos individuais.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o país tinha 778 mil pessoas trabalhando em aplicativos de transporte de passageiros, o equivalente a 52,2% dos trabalhadores de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Outro indicador mostra que 70,1% dos ocupados em aplicativos eram informais.