Sem abrir mão das críticas, entidades avaliam que Embarcadero é vitória dos “caranguejos”

As 62 entidades que defendem uma consulta popular sobre a revitalização do Cais Mauá estão reavaliando a posição diante do projeto Embarcadero, a primeira intervenção que se viabiliza na área de 181 hectares em estado de abandono desde que cessaram as atividades portuárias, há quase 30 anos.

Há um consenso na crítica aos seguintes pontos:

* A leniência jurídica que permite a concessão de uma área pública tombada à exploração comercial privada, sem licitação, por força de lobbys;

* A construção de estruturas metálicas (não containers como se tem erroneamente divulgado) em área tombada;

* O mau gosto estético de erguer uma tarja preta entre os armazéns e o rio;

* A extrapolação dos objetivos originais do contrato com o acréscimo de lojas de varejo, entre outros indícios de irregularidades apontadas pelo Ministério Público de Contas;

* Contrato temporário com prazo (4 anos) insuficiente para retorno do investimento, o que implicará obrigatoriamente na sua prorrogação.

“É a maior gambiarra jurídica e arquitetônica de que se tem notícia nesses pagos, sem licitação ou projeto consistente”, escreveu o presidente da Associação dos Amigos do Cais Mauá (Amacais), professor Francisco Marschall, em artigo na Zero Hora.

Por outro lado, consumado o fato, todos reconhecem que o projeto sinaliza um caminho que não contrasta, em princípio, com os objetivos do movimento.

Marschall disse ao JÁ que a revitalização do Cais sem megaprojetos, como  o shopping e as torres de comércio e serviços, que constavam do projeto anterior,  é um princípio central do movimento.

– Faço questão de dizer que esse projeto do Embarcadero é um horror, uma péssima solução, mas ele prova que para restabelecer a relação da população com o rio não precisa de obras grandiosas”, disse Marschall.

O arquiteto Cristiano Kunze, militante da Amacais, acredita que a população vai amar o Embarcadero, mas ressalva:

“O lugar é lindo, diante do rio, não tem como dar errado, mas também não tem como negar que está irregular. Não tem cara de provisório, são estruturas metálicas, em módulos, como é moda, mas não é container, são construções em cima do recuo frontal dos armazéns, área tombada, onde não pode construir nada”.

Em imagem do Google, se pode ver a tarja preta das construções sobre o recuo frontal dos armazéns, área não edificável

Tiago Holzmann da Silva, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), que congrega onze mil arquitetos no Rio Grande do Sul, conclui que a solução do Embarcadero,  irregularidades à parte, prova que os “caranguejos” ganharam:

– Não precisa shopping, nem torres de cristal. Naquele lugar, recuperado o espaço e aberto ao público, não tem como dar errado.

Holzmann adverte, no entanto, que há irregularidade nas instalações do Embarcadero.

– A área é tombada, nada pode ser construído em cima do calçamento. Ali, não são containers, são estruturas de ferro, eles argumentam que a construção é temporária, mas não pode.

As manifestações de diversas lideranças ouvidas pelo JÁ  indicam que o foco do movimento se concentra  no projeto de modelagem que vai definir as regras de ocupação dos quase 90% do território do Cais Mauá. É o espaço mais valioso e simbólico de Porto Alegre, atualmente em situação de abandono.

A estratégia do movimento volta-se, agora, para conseguir uma consulta popular,  mais ampla  que as audiências públicas previstas, e antes do fato consumado da “modelagem”, definida pelo consórcio selecionado pelo BNDES.

A imprensa e o “efeito contágio”

Por Tiago Lobo

O jornalismo brasileiro vem explorando exaustivamente casos de assassinatos em massa e, dependendo de como isso é feito, pode ser muito nocivo.  

Desde 1985 a American Psychological Association (APA) alerta para o fato de que crianças e adolescentes podem tornar-se menos sensíveis à dor alheia ou sentir-se amedrontados após a exposição a programas violentos na televisão. Em relatório a APA indicava que programas infantis freqüentemente apresentavam até vinte cenas contendo agressões, a cada hora.

Para Donna Killingbeck, pesquisadora da Universidade do Leste do Michigan, nos E.U.A., medidas de segurança como revistas em estudantes, policiamento dentro das escolas e contratação de empresas especializadas, como resposta adotadas após tiroteios e ameaças, geram mais problemas e provocam uma percepção distorcida por parte da população que compreende as tragédias através da mídia.

Isso pode levar a população a superestimar o risco de morte que as crianças e adolescentes correm nas escolas. A conclusão do estudo, publicado em 2001, “The role of television news in the construction of school violence as a “moral panic”” (“O papel do telejornalismo na construção da violência escolar como “pânico moral””) é que estas medidas não têm ajudado a evitar tragédias.

Um ano depois de Killingbeck levantar o debate sobre a mídia e as medidas de segurança adotadas que seriam prejudiciais, três pesquisadores de Harvard concluiram que tiroteios em massa são eventos raros e representam um percentual muito baixo no leque de causas de mortes de crianças e adolescentes em geral, e mesmo de crianças e adolescentes na escola.

David James Harding, Jal Mehta e Cybelle Fox em “Studying rare events through qualitative case studies: Lessons from a study of rampage school shootings” (“Estudando eventos raros através de estudos de caso qualitativos: Lições de um estudo de tiroteios na escola”) chamam atenção ainda para os perigos de percepções distorcidas que podem reforçar a justificativa de medidas extremas ineficientes.

A física Sherry Towers, da Universidade do Estado do Arizona (E.U.A) estudou o “efeito de contágio” de tiroteios em massa e concluiu que a cobertura da mídia nacional acaba aumentando a frequência dessas tragédias.

“Nossa pesquisa examinou se havia ou não evidências de que assassinatos em massa podem inspirar cópias. Encontramos evidências de que os assassinatos que recebem atenção da mídia nacional ou internacional realmente inspiram eventos similares em uma fração significativa do tempo”, disse em entrevista ao site da Universidade do Arizona, em 2015.

Ela compara crimes inspirados em tragédias anteriores a uma doença, onde você geralmente precisa de um contato próximo para espalhá-la e afirma que os meios de comunicação agem como um “vetor” que pode transmitir a infecção através de uma área muito grande. Mas ressalta que pessoas suscetíveis à ideação para cometer esses crimes são bastante raras na população. É por isso que ela conclui que é necessária muita cobertura midiática sobre uma ampla área geográfica para que esse tipo de “contágio” ocorra.
The Intercept Brasil propõe caminho
No dia 23 de março, o The Intercept BR enviou um editorial aos seus leitores via boletim semanal, por e-mail. Assinado pelos jornalistas Tatiana Dias e Alexandre de Santi, o texto “Como derrubamos duas páginas de ódio sem dar audiência para elas” compartilhou um autoexame pela equipe do veículo e, ao mesmo tempo, sugeriu caminhos efetivos para a imprensa lidar com conteúdos de ódio e criminosos que buscam notoriedade.

O Intercept decidiu abrir mão da “notícia” e, de certa forma, se transformou nela: pressionaram Google e Facebook para remover duas páginas que disseminavam conteúdo de ódio e conseguiram.
“disseminar um conteúdo de ódio – ainda que for como denúncia – não é mais importante do que agir para que ele seja removido o mais rápido possível, cobrando responsabilidade de quem deve ser cobrado. Se Google e Facebook não tivessem derrubado os vídeos, publicaríamos uma reportagem denunciando a omissão. Felizmente, não foi necessário. Esperamos que não seja necessária a pressão de um jornalista para que isso aconteça”.

A política editorial adotada pelo veículo pode ser ancorada em um sem número de estudos que concluem que atiradores em massa e propagadores de ódio buscam fama e que a ausência deste debate na cobertura da imprensa nacional é extremamente perigosa. Grandes grupos de comunicação com seus rádios, tvs e jornais repercutiram cada suposta novidade, ou meras especulações sobre Suzano sem observar critérios pré-estabelecidos no código de ética do jornalismo brasileiro e recomendações internacionais para lidar com este tipo de assunto. Ato falho, talvez, mas leviano.

O código de ética do jornalismo brasileiro, documento máximo do profissional da imprensa, deixa claro em seu artigo 2º, incisos I e II que  “a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação (…) e que as informações divulgadas “devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público”.

Interesse público é, antes de mais nada, uma norma jurídica e um princípio do sistema constitucional brasileiro que significa que os direitos e garantias individuais de cada cidadão conhecido como “interesse particular”, se somam e formam o que se entende por interesse público.
Celso Antônio Bandeira de Mello, jurista e professor da PUCSP, o define como “a soma de interesses individuais, a ser representado por uma instituição jurídica comum: o Estado, o Poder Público”.

Estes interesses individuais referem-se ao campo dos direitos constitucionais e adquiridos, como mais segurança nas ruas, 13º salário e etc. Não englobam desejos e anseios abstratos. E aí é que mora a confusão onde se confunde “interesse público” com interesse “do” público. Este último não representa coletividade, mas audiência.

Portanto, outro trecho do texto do The Intercept merece destaque:
“o papel da mídia e dos intermediários que também funcionam como mídia, como Google e Facebook, precisa ser discutido. Se a sociedade valoriza a violência, nós vamos dar a ela o que ela quer ver, exacerbando o ódio? Ou assumir uma postura mais responsável?”, defende o The Intercept BR. 

O código de ética da profissão, novamente, indica em seu artigo 7º, inciso V, que o jornalista não pode “usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”.

O artigo 11º diz ainda que o jornalista não pode divulgar informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.

Portanto, o efeito indireto da cobertura desregrada da imprensa é, de forma não intencional, uma afronta ao seu próprio documento deontológico.
Dont Name Them e No Notoriety
Você deve ter percebido que a série de reportagens “As redes do ódio” não cita o nome de nenhum dos atiradores e isso é proposital.
Decidimos aderir a algumas diretrizes de sites como Dont Name Them (“Não nomeie-os”), e No Notoriety (“Sem notoriedade”) para não darmos, justamente, o que eles queriam: fama, notoriedade, reconhecimento e validação.

Sob autorização do psicólogo Dr. Daniel Reidenberg, diretor-executivo do SAVE.ORG (Suicide Awereness Voices of Education), gerente do Conselho Nacional de Prevenção ao Suicídio dos E.U.A. e secretário geral da Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP), a ONG de Jornalismo e Direitos Humanos Pensamento.org, traduziu um documento, antes disponível apenas em inglês no site www.reportingonmassshootings.org, que oferece recomendações sobre como a mídia pode cobrir um incidente em que uma pessoa (ou um pequeno grupo) atira em vários outros em um ambiente público. Esse projeto foi liderado pelo SAVE e incluiu especialistas nacionais e internacionais do AFSP, do CDC, da Universidade de Columbia, da Força-Tarefa de Mídia do IASP, JED, NAMI-NH, SPRC e vários especialistas do setor de mídia.

Você pode realizar o download, gratuitamente, no link Portuguese (BR) translation.

Sinta-se livre para compartilhar este documento.
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RS ocupa o 4º lugar no “ranking do ódio”

Por Tiago Lobo

Durante três meses – de abril a junho de 2016 – o Comunica Que Muda (CQM), uma iniciativa da agência de publicidade nova/sb, monitorou dez tipos de intolerância nas redes sociais e lançou um dossiê. Foram analisadas 542.781 menções. Nos dez temas pesquisados, o percentual de abordagens negativas estava acima de 84%. A negatividade nos temas que tratam de racismo e política era de 97,6% e 97,4%, respectivamente.

A intolerância de maior audiência na época era a política (quase 274 mil menções), mais de três vezes superior à misoginia, que aparece em segundo lugar, com quase 80 mil menções. Vale lembrar que o país recém passara pelo processo de Impeachment da ex-presidente Dilma Roussef.

A quantidade em números absolutos colocava o Rio Grande do Sul em 4º lugar com 14.479 menções. Analisando a proporcionalidade em relação à sua população, que era de 11.247.972 segundo dados do IBGE de 2015, o estado gaúcho desce 2 posições, ficando em 6º mais intolerante na internet.

Imagine que o Facebook recebe, por dia, cerca de 1 milhão de denúncias de postagens de ódio ou conteúdo ilegal. Devido ao aumento dos casos, em fevereiro de 2016 ele inaugurou no Brasil a Central de Prevenção ao Bullying, que já existia em outros 50 países. Em maio do mesmo ano as gigantes Microsoft, Google, Twitter e Facebook assinaram um documento elaborado pela União Europeia para que o discurso de ódio fosse controlado com mais eficiência.

Desde 2006  A ONG SaferNet Brasil*, mantém um canal para receber denúncias relacionadas a crimes de ódio online. Já foram mais de 2 milhões de casos reportados. 28% são sobre racismo e 69% das vítimas que procuram ajuda são mulheres. E estes dados são apenas de uma iniciativa que monitora a surface web, a camada que todos nós navegamos.

De acordo com dados da ONG, entre 2010 e 2013 houve um aumento de mais de 200% no número de denúncias contra páginas que divulgaram conteúdos racistas, misóginos, homofóbicos, xenofóbicos, neonazistas, de intolerância religiosa, entre outras formas de discriminação contra minorias em geral.

“De maneira geral, o discurso de ódio costuma ser definido como manifestações que atacam e incitam ódio contra determinados grupos sociais baseadas em raça, etnia, gênero, orientação sexual, religiosa ou origem nacional”, diz o site da SaferNet Brasil.

Protegidas, pelo suposto anonimato, pessoas se sentem seguras para ofender, atacar, criar boatos e propagar preconceitos contra minorias. Isso é cyberbullying. Um crime. Mas como diria o escritor italiano Umberto Eco ao receber um título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, em junho de 2015, “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. Em alguma medida ele pode ter razão.

*Caso encontre imagens, vídeos, textos, músicas ou qualquer tipo de material que seja atentatório aos Direitos Humanos, faça a sua denúncia aqui.

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Há 20 anos ameaças fermentam na internet

Por Tiago Lobo
No fórum Dogolachan, localizado na primeira camada da Deep Web, uma parte da internet invisível aos motores de busca como o Google, adolescentes intitulados Incels (celibatários involuntários na sua linguagem), trocam informações e pedem dicas de forma anônima. Os assuntos variam desde a compra facilitada de armas, esquemas de bombas caseiras, tipos de ácidos para agredir pessoas, até troca de conteúdo pedófilo e dicas para planejar e cometer atentados terroristas.

Há um espaço, inclusive, que funciona como um confessionário. Um “padre” responde às confissões dos usuários. Um deles pede, por exemplo, ajuda após 9 dias de celibato para se livrar do vício pela masturbação que teria o tornado “impuro”…

O fórum é terreno fértil onde apologia ao crime é rotina. De lá que partiram incentivos para tragédias que mobilizam o país desde o final dos anos 90.

Até novembro de 1999, “tiroteios em massa” não eram uma realidade no Brasil. Isso era tido como um problema da terra do Tio Sam, nada Tupiniquim.

A partir de 20 de abril daquele ano o chamado “Massacre de Columbine” inundou a pauta na imprensa internacional: dois adolescentes mataram 12 alunos  e um professor, feriram outras 21 pessoas para depois se suicidarem em uma escola do Colorado, Estados Unidos. Desde 1996 os adolescentes alimentavam um site onde compartilhavam mapas e estratégias sobre o jogo de tiro “Doom”. No final de 97 já havia conteúdo sobre como construir bombas caseiras e postagens que descreviam o ódio que a dupla sentia da sociedade.

Na noite de 3 de novembro, pouco mais de 6 meses depois de Columbine, cerca de 30 pessoas assistiam ao filme O Clube da Luta na sala 5 do cinema do Shopping Morumbi, em São Paulo. Um estudante de medicina de 24 anos começou a atirar até esvaziar o pente de uma submetralhadora, matando três pessoas e ferindo outras quatro. Ele foi imobilizado quando ficou sem munição e logo em seguida foi detido pela polícia.

Advogados de defesa, na época, tentaram alegar insanidade, o que o tornaria ininputável: alguém que não tem discernimento sobre certo e errado, e possibilitaria o cumprimento da pena em um hospital psiquiátrico. Alegaram também que ele havia sofrido influência de um jogo de tiro, o clássico Duke Nukem: não colou e ele foi condenado a 120 anos e seis meses de prisão.

Um psiquiatra contratado pela família afirmou que o jovem sofria de Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE), caracterizado pelo distanciamento e desinteresse no convívio social e uma gama limitada de emoções em seus relacionamentos interpessoais.

Membro de família da classe média alta de Salvador, o “atirador do shopping” começou a apresentar indícios de depressão e ideação suicida aos 13 anos: queixava-se à mãe que não tinha amigos. Aos 15, durante um intercâmbio nos E.U.A, foi mandado de volta pela família que o acolheu no exterior por conta da sua agressividade e, ao retornar, passou a agredir fisicamente os próprios pais chegando a fraturar a costela de um deles.

Por recomendação médica, foi morar sozinho em São Paulo, para ter “uma vida social independente”. Na faculdade de medicina (seguindo os caminhos do pai), ingressou como aluno brilhante e foi decaindo. Introspectivo e com reações desproporcionais às brincadeiras dos colegas foi ficando sozinho. Um professor o definiria como uma pessoa “apática, diferente”. Nas primeiras férias da faculdade tentou suicídio, depois teve que sair da pensão onde morava por agredir um colega, na sequência ameaçou o porteiro de um apartamento que os pais lhe alugavam e passou a ter alucinações.

Cinco dias antes do crime, resolveu largar a medicação psiquiátrica por conta própria e fazia uso frequente de cocaína. A polícia encontraria 37 papelotes da droga no apartamento do estudante, que não pagava o condomínio havia dois meses.

Três anos depois do julgamento, a pena foi reduzida a 48 anos e nove meses de prisão por uma tecnicalidade da legislação. Hoje ele segue preso, institucionalizado no Hospital de Custódia e Tratamento de Salvador, destinado a doentes mentais.

Logo após ser detido, policiais do 96º DP perguntaram se havia alguma namorada ou amigos para avisá-los da situação do atirador. “Eu não gosto de ninguém”, ele respondeu. A primeira escola

A cidade de Taiúva, a 363 km de São Paulo foi o palco para o primeiro tiroteio em massa dentro de uma escola que o Brasil registra. Às 14h40min do dia 27/01/2003, um jovem de 18 anos armado com um revólver calibre 38 e 105 projéteis invadiu o pátio da sua ex-escola e disparou quinze vezes contra alunos, professores e funcionários. Após ferir cinco estudantes, zelador e vice-diretora, se matou com um tiro na cabeça. Uma das vítimas ficou tetraplégica.

O colégio estadual Coronel Benedito Ortiz, cena do crime, foi frequentado pelo atirador durante toda sua vida escolar. À época a diretora da escola, Maria Luiza Gonçalves Oliveira disse para a imprensa que eram muito amigos e que “ele nunca deu problemas, era educado, sempre andou bem vestido”.

A polícia concluiu que o atirador teria cometido o crime motivado por revolta, devido ao bullying que sofria por ter “problemas com peso”. Em 1999, segundo a diretora Oliveira, o jovem conseguiu emagrecer quase 30 quilos.

Filho único de família simples, o pai trabalhava no campo e a mãe dona-de-casa, o atirador de Taiúva era tido como bom aluno, sem problemas com disciplina e sem inimigos. Saía pouco e não tinha namorada.Luto nacional

O caso que teve maior repercussão na imprensa e comoção pública, levando a então presidente Dilma Roussef a decretar luto nacional, teve início na manhã de 7 de abril de 2011.

Um rapaz com 23 anos, ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, invadiu a instituição armado com dois revólveres calibres .32 e .38 e abriu fogo contra alunos deixando 12 crianças mortas (10 meninas e 2 meninos) e 17 feridas. Uma sobrevivente que foi entrevistada pela TV Record logo após o crime revelou que o assassino atirava nas meninas para matar e nos meninos para ferir.

Após ser baleado na perna por um policial, o atirador se matou.

Os investigadores apuraram que a motivação seria vingança por conta do bullying que sofria. O jovem já havia chamado de “irmão”  o atirador que matou 32 pessoas na Universidade Virginia Tech, nos E.U.A., em 2007. Este último venerava os autores de Columbine. O autor do massacre em Realengo também se identificava com o atirador de Taiúva.

Ele chegou a deixar um vídeo onde dizia ter sido vítima de “bullying”. “Muitas vezes, aconteceu comigo de ser agredido por um grupo e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria sem se importar com meus sentimentos”, declarou em a nota suicida. Nela também havia instruções de como deveriam ser feitas a retirada de seu corpo e o sepultamento. Nenhuma pessoa “impura” poderia tocar no cadáver. Análises do computador do jovem mostraram que ele constantemente fazia pesquisas sobre terrorismo e se identificava com Osama Bin Laden.

15 dias após o massacre nenhum familiar compareceu ao Instituto Médico Legal para liberar o corpo do atirador: ele foi enterrado como indigente.

Padrões se repetem

Mesmo com um intervalo de tempo, parece que o efeito de um atentado em massa se desdobra em cascata.

Em setembro de 2011, 5 meses após Realengo, uma criança de 10 anos atirou contra sua professora e, em seguida, cometeu suicídio na escola Professora Alcina Dantas Feijão, no município de São Caetano do Sul, do ABC paulista.  O crime ocorreu às 15h50min, após uma discussão em sala de aula. A arma foi um revólver calibre .38 que pertencia ao pai da criança, um guarda civil. Ambos foram socorridos com vida, mas após duas paradas cardíacas o menino foi declarado morto às 16h50. A professora sobreviveu. Os investigadores chegaram a afirmar que o menino era “manco”, que sofria gozações dos colegas e esta seria a motivação do crime, mas abandonaram a tese.

Em outubro de 2017 um adolescente de 14 anos matou dois colegas e feriu outros quatro ao disparar uma pistola .40 da mãe, que assim como o pai, era policial militar. O crime ocorreu no Colégio Goyases, em Goiânia (GO). Segundo os colegas, o jovem era constantemente chamado de “fedorento”.

Este ano, o ataque ocorrido na escola paulista Raul Brasil, em Suzano, no dia 13 de março, deixou 10 mortos e 11 feridos, por dois jovens encapuzados que abriram fogo nas dependências da instituição. Suspeita-se que os atiradores tenham sido frequentadores do Dogolachan, onde são celebrados como heróis.

Acompanhe as reportagens da série:

Repressão aos crimes virtuais desafia polícia gaúcha

Por Tiago Lobo

Ameaças inspiradas no atentado de Suzano pegaram as forças policiais do RS de surpresa. Desde junho de 2010, com a criação da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), foi a primeira vez que a Polícia Civil Gaúcha teve que investigar possíveis tiroteios em massa no Estado. Com falta de efetivo e investimento em tecnologia, a Civil conseguiu reagir antes que o pior acontecesse.

Com aproximadamente 500 procedimentos abertos, entre inquéritos e termos circunstanciados, a pasta comandada a pouco mais de um mês pelo Delegado André Anicet, conta apenas com quatro policiais entre inspetores e escrivães. Apenas um deles possui formação em área relacionada: sistemas de informação.

A DRCI atua a partir de denúncias. Entre os principais casos estão golpes na internet (estelionato) e extorsão sexual – quando uma pessoa é chantageada por alguém de posse de fotos nuas, por exemplo.

As ameaças pelo estado vieram à tona a partir da repercussão de Suzano. Até então, segundo o delegado e o inspetor Amaral, que está há 3 anos na delegacia, ameaças de tiroteios em escolas não eram uma realidade no RS.

A escalada começou a partir do alerta à Rede Marista. A maioria das ameaças partiram de adolescentes passando trotes. A polícia segue recebendo e apurando denúncias, mas o volume vem caindo.

Os autores podem responder por apologia ao crime, ameaça, associação criminosa e até responder por ato terrorista. Mobilizar forças de segurança a partir de um mero trote e provocar alarde e pânico na sociedade também é crime.

O delegado revela, com certa cautela, que de todas as denúncias recebidas até agora, duas eram potencialmente mais preocupantes. Anicet ressalta que mensurar potencial é difícil, mas nestes dois casos os autores teriam meios para perpetrar um ataque – ambos já foram identificados e detidos.

“O caso do colégio Marista foi uma mera ameça, uma Fake News”, revela o delegado.

A apuração de crimes praticados na internet começa com algumas técnicas específicas de coleta de dados e informações. Em dado momento do inquérito ela se torna um trabalho de investigação tradicional.

Atualmente o próprio delegado pode solicitar à plataformas como Facebook, Twitter e outras redes sociais, assim como empresas de telefonia, dados cadastrais de um suspeito. Informações mais detalhadas que permitam o rastreio do endereço de IP de um computador, por exemplo, ainda requerem ordem judicial. O que é visto como um entrave em casos urgentes.

Apesar do efetivo reduzido, a DRCI não age sozinha. Além das delegacias locais da Polícia Civil que atuam nas investigações, ela conta com relatórios do Gabinete de Inteligência Estratégica e da Secretaria de Segurança Pública para fazer cruzamentos de dados e estabelecer, por exemplo, se as ameaças às escolas do estado possuem alguma conexão entre si.

Investigações em andamento, mas pelo tom do delegado não parece ser o caso.

A Polícia Civil do RS ainda não possui tecnologia para rastrear usuários na Deep Web, como no fórum Dogolachan, de onde já partiram algumas ameaças, por isso as investigações contam com a ajuda da população. Denúncias levam aos autores.

Apesar disso o Delegado ressalta que, ao contrário da crença popular, “não é verdade que a Deep Web é irrastreável. Não temos estrutura pra isso no momento, mas é possível”.

O WhatsApp, por exemplo, também não é invisível ao monitoramento da polícia. Ela não pode acessar o conteúdo de trocas de mensagens por conta da criptografia da ferramenta, mas consegue saber quem e quando um suspeito se comunicou com outro pelo aplicativo.

“Acredito que o futuro da criminalidade é digital”, afirma o delegado. Pelo visto o da investigação também: o inspetor Amaral, por exemplo, conta que pediu para integrar a DRCI após alguns anos na Homicídios. Ele realizou uma capacitação via Ministério da Justiça para operação de um software desenvolvido pela polícia Canadense para rastrear conteúdo pedófilo na surface (a internet que todos nós navegamos) e Deep Web.

O caso de maior repercussão nos últimos três anos da pasta foi gerado por desinformação:  “A Baleia azul se tornou potencialmente ofensiva por causa da mídia”, opina o Inspetor.

A exposição da imprensa levou o DRCI a instaurar um inquérito para investigar se havia organização criminosa nesse caso. Suspeitos foram monitorados, identificados e apurou-se que não havia crime.

O “jogo da Baleia Azul” foi um boato que chegou ao Brasil em 2017, com a ideia de que levaria crianças a cometerem suicídio, o que supostamente já havia acontecido na Rússia.

Mas fique tranquilo: tudo não passou de um boato que a imprensa repercutiu sem apurar devidamente. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, o presidente da ONG Safernet, Thiago Tavarez, esclareceu que “essa notícia falsa que nasceu na Rússia e chegou ao Brasil de forma sensacionalista e alarmista acabou servindo de gatilho para um efeito de imitação”. Com a “Boneca Momo” (google it) não foi diferente.

Se apenas cinco servidores compõem uma das delegacias mais importantes em um momento de repercussão de tiroteios em massa planejados e incentivados pela Deep Web, o inspetor Amaral relata a sua surpresa ao se deparar com a estrutura da delegacia da mesma pasta no Rio de Janeiro, capital. 30 policiais, plantão 24h, atendimento especializado e estrutura qualificada.

“Eles estão anos-luz na nossa frente”, afirma Amaral.

Além de conduzir investigações, a delegacia ainda presta atendimento ao público: mas nem todas as pessoas que visitam a delegacia são vítimas ou deveriam estar lá… Muitas vezes não há crime: “Qual a legislação aplicável para lançar um site?”, “como deixar meu site seguro?”, “celulares que falam sozinhos” e etc despendem um tempo dos policiais para assuntos que não são trabalho de polícia.

Pergunto aos dois: com o atual efetivo da delegacia de repressão a crimes informáticos é possível dar conta? Eles não hesitam e despejam um “não” com certa frustração.

“Acho que o maior investimento em termos de Polícia e repressão deveria ser em tecnologia e pessoal. O caso Marielle, por exemplo, foi praticamente uma investigação cibernética”, defende o delegado. “Esperamos ter mais gente agora com um novo concurso. A equipe é pequena”.

“Há motivo para pânico?”, pergunto: “as pessoas tem que ter o cuidado de sempre e se suspeitarem de alguma coisa denunciarem”, é a recomendação do delegado Anicet.
Denuncia de ameaças de tiroteios em massa podem ser feitas pelo telefone 08005102828

Mauro Santayana: O Brasil e o perigoso jogo da História

MAURO SANTAYANA
RBA – (Versão estendida, sem redução para versão impressa) – Embora muita gente não o veja assim, o afastamento definitivo de Dilma Roussef da Presidência da República, em votação do Senado, por 61 a 20 votos,      no  final de agosto, é apenas mais uma etapa de um processo e de um embate muito mais sofisticado e complexo, em que está em jogo o controle do país nos próximos anos.
Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT conseguiu a extraordinária proeza de fazer tudo errado, fazendo, ao mesmo tempo, paradoxalmente, quase tudo certo.
Livrou o país da dependência externa, pagando a dívida com o FMI, e acumulando 370 bilhões de dólares em reservas internacionais, que transformaram nosso país, de uma nação que passava o penico quando por aqui chegavam missões do Fundo Monetário Internacional, no que é, hoje – procurem por  mayor treasuries holders no Google – o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos.
E o fez, ao contrário do que dizem críticos mendazes, sem aumentar a dívida pública.
A Bruta, em 2002, era de 80% e hoje não chega a 70%.
A Líquida era, em 2002, de aproximadamente 60% e hoje está por volta de 35%.
Mas isso não veio ao caso.
Ajudou a criar milhões de empregos, fez milhões de casas populares, criou o Pronatec, o Ciências Sem Fronteiras e o FIES, fez dezenas de universidades e escolas técnicas federais e promoveu extraordinários avanços sociais.
Mas isso não veio ao caso.
Voltou a produzir e a construir, depois de décadas de estagnação e inatividade,  navios, ferrovias – vide aí a Norte-Sul, que já chegou a Anápolis – gigantescas usinas hidrelétricas (Belo Monte é a terceira maior do mundo) plataformas e refinarias de petróleo, mísseis ar-ar e de saturação, tanques, belonaves, submarinos, rifles de assalto, multiplicou o valor do salário mínimo e da renda per capita em dólares.
Mas isso não veio ao caso.
Porque o Partido dos Trabalhadores foi extraordinariamente incompetente em explicar, para a opinião pública, o que fez ou o que estava fazendo.
Se tinha um projeto para o país, e que medidas  faziam, coordenadamente, na economia, nas relações exteriores, na infraestrutura e na defesa, parte desse projeto.
Em vez de “bandeiras” nacionais, como a do fortalecimento do país no embate geopolítico com outras nações, que poderiam ter “amarrado” e explicado a criação do BRICS, os investimentos da Petrobras no pré-sal, a política para a África e a América Latina do BNDES, o rearmamento das Forças Armadas, os investimentos em educação e cultura, em um mesmo discurso, o PT limitou-se a investir em conceitos superficiais e taticamente frágeis, como, indiretamente, o do mero  crescimento econômico, fachada para as obras do PAC.
Na comunicação, o PT confiou mais na empatia do que na informação.
Mais na intuição, do que no planejamento.
Chamou, para estabelecer sua linha de comunicação, “marqueteiros” sem nenhuma afinidade com as causas defendidas pelo partido, e sem maior motivação do que a de acumular fortunas, que se dedicaram a produzir mensagens açucaradas, estabelecidas segundo uma estratégia eventual,  superficial, voltadas não para um esforço permanente de fortalecimento institucional da legenda e de seu suposto projeto de nação, mas apenas para alcançar  resultados eleitorais sazonais.
O Partido dos Trabalhadores teve mais de uma década para explicar, didaticamente, à população, as vantagens da Democracia, seus defeitos e qualidades, e sua relação de custo-benefício para os povos e as nações.
Não o fez.
Teve o mesmo tempo para estabelecer, institucionalmente, uma linha de comunicação, que explicasse, primeiro, a que tinha vindo, e os avanços e conquistas que estava obtendo para o país.
Como, por exemplo, a multiplicação do PIB em mais de quatro vezes, em dólar, desde o governo FHC – trágicos oito anos em que, segundo o Banco Mundial, o PIB e a renda per capita em dólares andaram para trás – que foram simplesmente ignorados.
Poderia ter divulgado, também, os 79 bilhões de dólares de Investimento Estrangeiro Direto dos últimos 12 meses, ou o aumento do superavit no comércio exterior, ou o fato de o real ter sido a moeda que mais se valorizou este ano no mundo, ou o crescimento da valorização do Bovespa desde o início de 2016, como exemplos de que o diabo não estava tão feio quanto parecia.
Mas também não o fez.
Sequer em seu discurso de defesa ao Senado – que deveria ter sido usado também para fazer uma análise do legado do PT para o país – Dilma Roussef tocou nestes números, para negar a situação de descalabro nacional imputada de forma permanente ao Partido dos Trabalhadores pela oposição, os internautas de direita e parte da mídia mais manipuladora e venal.
O PT dividiu-se, também, quando não deveria, e não estabeleceu uma estratégia clara, de longo prazo, que pudesse manter em andamento o projeto – de certa forma intuitivo – que pretendia implementar para o país.
O partido e suas lideranças foram reiteradamente advertidos de que ocorreria no Brasil o que aconteceu no Paraguai com Lugo – a presença aqui da mesma embaixadora norte-americana do golpe paraguaio era claramente indicativa disso.
De nada adiantou.
De que era preciso estabelecer uma defesa competente do governo e de seu projeto de país na internet – cujos principais portais foram desde 2013 praticamente abandonados à direita e à extrema-direita enquanto a esquerda, sem energia para se mobilizar, se recolhia ao monólogo, à vitimização e à lamentação vazia em grupos fechados e páginas do Facebook.
De nada adiantou.
Não se deu combate às excrescências que sobraram do governo Fernando Henrique, justamente no campo da corrupção, com a investigação de uma infinidade de escândalos anteriores, que poderia ter levado à cadeia bandidos antigos como os envolvidos agora, por indicação também de outros partidos, nos problemas da Petrobras.
E erros táticos imperdoáveis – não é possível que personagens como Dilma e Lindbergh continuem defendendo a Operação Lava-Jato, de público, em pleno julgamento do impeachment, quando essa operação parcial e seletiva foi justamente o principal fator na derrubada da Presidente da República.
Sob o mote de um republicanismo “inclusivo”, mas cego, criou-se um vasto ofidário, mostrando, mais uma vez, que o inferno – o próprio, não o dos outros – pode estar cheio de boas intenções.
Desse processo, nasceram uma nova classe média e uma plutocracia egoístas, conservadoras e “meritocráticas”, paridas no bojo da expansão econômica e do “aperfeiçoamento” administrativo, rapidamente entregues, devido à incompetência estratégica à qual nos referimos antes, de mão beijada, para adoção institucional pela direita.
Ampliaram-se a autonomia, o poder e as contratações do Ministério Público e da Polícia Federal, medidas elogiáveis, que poderiam em princípio funcionar muito bem em um país verdadeiramente democrático, mas que, no Brasil da desigualdade e da manipulação midiática, levaram à criação de uma nova casta – majoritariamente conservadora – de funcionários públicos educados em universidades privadas – também ideologicamente alinhadas com a direita – com financiamento do FIES e em cursinhos para concurseiros, que não tem nenhuma visão real do que é o país, a República ou a História, e acham – ao lado de jovens juízes – que devem mandar na Nação no lugar dos “políticos” e do povo que os elege.
Como consequência disso, há, hoje, uma batalha jurídica que está sendo travada, principalmente, no âmbito do Congresso Nacional, voltada para a aprovação de leis fascistas – disfarçadas, como sempre ocorre, historicamente, sob a bandeira da anti-corrupção, que, com a desculpa de combater a impunidade – em um país em que dezenas de milhares de presos, em alguns estados, a maioria deles, se encontra detido em condições animalescas sem julgamento ou acesso a advogado – pretende alterar a legislação e o código penal para restringir o direito à ampla defesa consubstanciado na Constituição, no sentido de se permitir a admissibilidade de provas ilícitas, de se restringir a possibilidade de se recorrer em liberdade, e de conspurcar os sagrados e civilizados princípios de que o ônus da prova cabe a quem está acusando e de que todo ser humano será considerado inocente até que seja efetiva e inequivocamente provada a sua culpa.
Batalha voltada, também, para expandir o poder corporativo dessa mesma plutocracia e seus muitos privilégios.
Enquanto isso, aguerrida, organizada, fartamente financiada por fontes brasileiras e do exterior, a direita – “apolítica”, “apartidiária”, fascista, violenta, hipócrita – deu, desde o início do processo de derrubada do PT do governo, um “show” de mobilização.
Colocou milhões de pessoas nas ruas.
E estabeleceu seu domínio sobre os espaços de comentários dos grandes portais e redes sociais – a imensa maioria das notícias já eram, desde 2013 pelo menos,  contra o governo do PT,  em um verdadeiro massacre midiático promovido pelos grandes órgãos de comunicação privados – estabelecendo uma espécie de discurso único que, embora baseado em premissas e paradigmas absolumente falsos, se impôs como sagrada verdade para boa parte da população.
Entre as principais lições dos últimos anos, vai ficar a de que a História é um perigoso jogo que não permite a presença de amadores.
Enganam-se aqueles que acham que o confronto expõe apenas a direita e a esquerda, ou o PT e o PSDB – que agora se assenhoreou do PMDB e dos partidos do baixo clero.
Muito mais grave é a guerra que se desenha – e que já começou, não se iludam – entre aqueles que atacam a política, os “políticos”, a democracia e o presidencialismo de coalizão – e aqueles que, por conveniência ou idealismo, serão chamados a mobilizar-se para defendê-los daqui até 2018 e além.
O futuro da República e da Nação será definido por esse embate.
E é o conjunto de erros e circunstâncias que vivemos até agora, e o que faremos a partir de agora, que poderá levar, ou não, para o Palácio do Planalto e o Parlamento, um governo fascista e autoritário em 2019.
Os opositores do PT  tiveram com o processo de afastamento de Dilma, iniciado ainda em 2013, à época da Copa do Mundo, uma vitória de Pirro.
A judicialização da política, a ascensão da Antipolítica e de uma plutocracia que acredita, piamente, que não precisa de votos, nem de maior legitimação do que sua condição de concursada para “consertar” o país e punir vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, Presidentes da República, em defesa de “homens de bem” que desfilam com as cores da bandeira e com uniformes negros de inspiração nazista,  ajudará a sepultar, no lugar de aperfeiçoar, o regime presidencialista anteriormente vigente, e introduzirá um novo elemento, ilegítimo e espúrio, no universo político brasileiro, transformando-se em permanente ameaça para o funcionamento e a essência da Democracia.
Infelizmente, para o país e para a República, a permanência de Dilma no poder tornou-se, devido à irresponsabilidade da mídia e da oposição – vide as pautas bomba do ano passado – ao sucesso da estratégia de fabricação do consentimento levada a cabo pela direita e à incompetência política do Partido dos Trabalhadores – de tal forma insustentável, que, se ela voltasse, caminharíamos para uma situação de confronto em que o fascismo – como ocorreu em 1964, no Brasil, e, mais tarde, no Chile e na Argentina – ficaria – como já está ficando, de fato –  com todas as armas, e a esquerda, com todas as vítimas.
Nações e pessoas precisam aprender que, às vezes, é preciso saber dar um passo para trás para depois tentar avançar de novo.
É preciso resistir, mas com um projeto claro  para o país.
A corajosa defesa do governo Dilma por parte de grandes lideranças  da agricultura e da indústria brasileira, como os senadores Kátia Abreu, ex-Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, e Armando Monteiro, ex-Presidente da Confederação Nacional da Indústria, mostram que não é impossível sonhar com uma aliança que una empresários e trabalhadores nacionalistas em torno de um projeto vigoroso e coordenado de desenvolvimento, que possa promover o fortalecimento do país, do ponto de vista econômico, militar e  geopolítico – é preciso preservar e concluir os programas concebidos e iniciados nos últimos anos, como o dos caças Gripen NG BR, o do submarino atômico nacional, o do cargueiro multipropósito KC-390, o dos tanques leves Guarani, o projeto de enriquecimento de urânio da Marinha – e evitar, ao mesmo tempo, a   abjeta entrega de nossas riquezas, como os principais poços do pré-sal, já descobertos, desenvolvidos e produzindo, aos   estrangeiros (até mesmo a estatais estrangeiras, como estão defendendo, em absurda contradição, parte de nossos privatistas de plantão).
A costura de uma aliança que evite a subordinação e o caos e a transformação do  país em uma nação fascista, na prática, em pouco mais de dois anos, deveria ser, daqui pra frente, a primeira missão de todo cidadão brasileiro – ou ao menos daqueles que tenham um mínimo de consciência e de informação – neste país assolado pelo ódio e pela mentira, a hipocrisia e a ignorância.
A divisão da Nação, a crescente radicalização e o isolamento antidemocrático das forças de esquerda – que devem combater esse isolamento também internamente e rapidamente se organizar sob outras legendas e outras condições – a fratura da sociedade nacional; a desqualificação da política e da democracia; só interessam àqueles que pretendem consolidar seu domínio sobre o nosso país, evitando que o Brasil fortaleça sua soberania e a sua sociedade, em todos os aspectos, e que venha a ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, como quinta maior nação do planeta em população e território.
É preciso costurar uma ampla aliança nacional, que parta, primeiramente, do centro nacionalista – se não existir, é preciso criar-se um – suprapartidária, politicamente includente, equilibrada e conciliatória, que una militares nacionalistas da reserva – e eles existem, vide o Almirante Othon, por exemplo – empresários como Armando Monteiro e Kátia Abreu, técnicos e engenheiros desenvolvimentistas, grandes empresas de capital majoritariamente nacional e os trabalhadores, começando pelos de grandes estatais como a Petrobras, em torno de um projeto que possa evitar a descaracterização e a destruição da Democracia,  o estupro das liberdades democráticas e dos direitos individuais, o  pandemônio político e institucional e a “fascistização” do país, com a entrega de nossas riquezas e de nosso futuro aos ditames internacionais.
Vamos fazê-lo?

Imprensa e jornalismo em transição: a contradição das Agendas

Agemir Bavaresco – Filósofo, professor e coordenador do Programa de Pós Graduação da PUCRS.
A movimentação dos cenários da imprensa e do jornalismo nos últimos anos registrou contradições e mudanças que apontam para a transição de modelos de empreendimento, causados pelo avanço da tecnologia que tem implicações na teoria da Agenda.
1 – Concentração empresarial em tempo digital
A primeira constatação é a convergência digital que permitiu a reunião de grupos jornalísticos, mídia, telecomunicações e Internet. Estes grupos passam a intervir no mercado oferecendo vendas virtuais, montando portais, explorando nichos de acesso à Internet, criando provedores de serviços, num emergente shopping digital. Somado a esses fatos, as novas tecnologias desencadearam um processo de concentração global de empresas e a consequente desnacionalização do setor.
a) Mídia Global X Mídia local: Uma cadeia produtiva de mídia é formada, grosso modo, por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação. O que tivemos no Brasil, nos últimos anos, foi uma desnacionalização de empresas anunciantes, porque as empresas estrangeiras além de adquirirem as agências de publicidade trocaram o comando de tomada de decisões, focado na matriz e com alinhamento de interesses. Junto com essa concentração empresarial global está o enfraquecimento da mídia nacional. Há, de um lado, o modelo de jornal impresso de faturamento tradicional a custos elevados e, de outro, o modelo de negócios incipiente de edição digital que não conseguiu ainda se implementar.
b) Modelo de negócio tradicional X Modelo de negócio digital: O modelo de negócios da imprensa tradicional entrou em crise com a entrada no mercado brasileiro do Google e do Facebook, absorvendo o faturamento publicitário através da interação direta com o usuário pelo preenchimento de dados, perfil e ouvindo suas opiniões e interesses. A publicidade tradicional funcionava com as seguintes estratégias: a publicidade popular usava as redes de televisão nacional para estimular o consumo de bens de massa; e a publicidade segmentada usava os jornais e revistas para atingir um público mais homogêneo e mais refinado nos hábitos de consumo de produtos e de opiniões. Este modelo dissolveu-se com a emergência da Internet e as redes sociais, sobretudo com o ingresso, por exemplo, do Google e do Facebook que articularam um modelo de negócio digital, ágil e versátil, baseado na segmentação e o acesso online do banco de dados instantâneo.
c) Empresas jornalísticas X Jornalismo: A rigor na origem das sociedades democráticas a liberdade de imprensa e de opinião são qualificadas de públicas, isto é, trata-se de um serviço público, independentemente, de ser estatal ou privado. A transição de modelos em curso atingiu, especialmente, o jornalismo. Cabe distinguir entre as empresas jornalísticas de imprensa da atividade jornalística, pois, isto explicita um conflito histórico entre os objetivos públicos do jornalismo e os interesses comerciais dos grupos de imprensa. O que se constata é uma perda do papel do jornalismo, pois este torna-se subordinado aos interesses privados das empresas jornalísticas, por exemplo, os jornais não expressam mais ideias, mas tornam-se instrumento de propaganda dos interesses corporativos das elites financeiras ou industriais em nível nacional ou internacional (Esta parte baseia-se em matéria de Luis Nassif. Xadrez da crise da imprensa e do jornalismo. GGN, 12/07/16). Face a estes cenários de transição da imprensa e do jornalismo coloca-se o problema da teoria da Agenda.
2 – Agenda da Mídia Tradicional X Agenda das Redes Sociais
O que faz com que as pessoas pensem determinados temas e deixem de lado outros? O que influencia ou forma a opinião pública? Conforme a Agenda Setting, teoria elaborada por Maxwell McCombs, a pauta das conversas e debates é provocada pelos jornais, televisão e rádio (meios tradicionais). Esses meios têm a força de mudar a realidade social, ou seja, informam os fatos a serem pensados ou debatidos pelo público. Eles estabelecem a pauta dos assuntos e o seu conteúdo em nível local, nacional e internacional.
Porém, em face da agenda da mídia tradicional surge a agenda das redes sociais: A internet e as redes sociais permitem que os cidadãos expressem opiniões e interesses, sem o filtro dos meios de comunicação tradicionais. Através das redes sociais muitas pautas foram estabelecidas, protestos e insurreições foram organizados. A esfera pública encontrou nas novas tecnologias uma forma de expressão direta de sua opinião, a tal ponto que alguns especialistas constatam um novo fenômeno: a formação de uma nova opinião pública.
De um lado, temos a opinião pública tradicional, agendada pelos meios de comunicação tradicionais e controlada por interesses privados e pelas regulações e poderes estatais. De outro, a nova opinião pública diferenciada pela participação inclusiva, pela autonomia, velocidade e transparência, que tem como agentes os cidadãos protagonistas e descentralizados, com mobilidade instantânea e articulados em redes sociais.
A esfera pública foi transformada pela internet que alterou o ecossistema comunicacional, criando uma nova opinião pública. O sociólogo Manuel Castells chama este fenômeno de autocomunicação de massas. Às ações coletivas em rede, como a construção colaborativa da Wikipédia, juntam-se milhares de pequenas comunidades que desenvolvem expressões de inteligência coletiva, articulando uma esfera pública autônoma e em rede.
Por isso, o controle da opinião pública, pautado pela agenda tradicional está sendo mudado pela agenda das redes sociais. As grandes corporações e agências internacionais de comunicação que detêm o poder de disseminar sua versão dos fatos e de estabelecer a agenda pública confronta-se com a agenda das redes sociais que expressam opiniões opostas, instaurando uma opinião pública contraditória com força de expressão plural e ação democrática.
 

Minha Porto Alegre pressiona deputados por nova licitação para o Cais do Porto

Logo antes das férias de inverno dos deputados estaduais, na quinta-feira, 14, haverá uma intervenção da Rede Minha Porto Alegre em frente à Assembleia Legislativa, às 11 horas, para pressionar cada parlamentar a assumir sua posição quanto a fazer nova licitação para o Cais Mauá.
A Rede, um movimento sem fins lucrativos, abriu um canal de discussão pública entre cidadãos e tomadores de decisão para que pudessem passar a receber por e-mail as demandas dos cidadãos para uma cidade mais inclusiva e sustentável.  Esta ferramenta se chama Panela de Pressão.
Há três meses, o Coletivo Cais Mauá de Todos adotou esta ferramenta para reivindicar uma nova licitação para o Cais Mauá. Desde então, os deputados estaduais receberam em seus e-mails mais de 600 mensagens com esse mesmo pedido, enviadas por diversos moradores da cidade.
Poucos responderam às centenas de mensagens (que vem com um e-mail para responder a todos automaticamente). Diante da indiferença da maioria, a Minha Porto Alegre telefonou para vários gabinetes. Ainda assim, não obteve retornos.
Por isso, a Rede planeja entregar, de gabinete em gabinete, uma carta pedindo que eles assumam seu posicionamento: se são a favor de uma nova licitação, se são contra ou se não sabem opinar. Eles também serão convidados a enviar um parágrafo justificando a sua decisão. Os parlamentares terão até as 10 horas da manhã de sexta-feira (15) para se posicionar. Em seguida, a lista de quem é a favor, contra ou se omitiu será publicada na Fanpage da Rede.
No e-mail disponível para assinaturas na Panela de Pressão, recebido pelos deputados, o Coletivo Cais Mauá de Todos ressalta que o projeto atual provoca a desconfiguração do mais importante patrimônio histórico de Porto Alegre, e que o empreendimento planejado agravará ainda mais a mobilidade no centro da cidade.
O texto também chama a atenção para as irregularidades no processo, na licitação e no contrato: “Pouco foi feito até agora para tornar transparente o projeto do cais, por isso nesta Audiência Pública do dia 16 de março na Assembleia Legislativa a sociedade pediu o teu apoio e intervenção! Queremos pedir a ti,  representante do povo, a rescisão do contrato de concessão do Cais Mauá, e o início de um novo processo de licitação mais democrático, que dê garantia de isonomia à participação de empresas interessadas e que aglutine ampla participação popular para realmente chegar ao projeto que a cidade quer para o seu Cais”.
A mensagem padrão, que pode ser editada por quem assina, menciona o relatório do TCE que apontou irregularidades no projeto para o Cais Mauá – bit.ly/InspecaoEspecial
 
Melhorar a cidade com mobilizações online e offline
A Minha Porto Alegre é uma rede de pessoas conectadas na construção de um processo mais participativo das tomadas de decisão de interesse público da cidade. Por meio de mobilizações e fomento a comunidades de ação, utilizando tecnologias sociais e digitais de maneira estratégica, criativa e humana.
A Rede Nossas Cidades é feita de cidades mobilizadas que atuam desde 2011 no Rio de Janeiro e desde 2014 em São Paulo. Usando novas tecnologias e novas linguagens, conectam cidadãos que queiram participar mais das decisões sobre o futuro das suas cidades, com mobilizações que utilizam a internet, mas não se restringem a ela.
A replicação do modelo da Nossas Cidades, que começou em 2011 com o Meu Rio, só foi possível após a conquista do Desafio de Impacto Social da Google Brasil, que premiou organizações brasileiras comprometidas com a geração de impacto social de forma transparente e efetiva. Com o prêmio de R$ 1 milhão, a Rede iniciou a adaptação da tecnologia e começou a buscar pessoas interessadas em fundar redes como essa em outras cidades.
Além do Google, o modelo já foi destaque no TED Global, evento internacional de empreendedorismo e tecnologia que acontece todos os anos e teve a sua primeira edição no Rio de Janeiro no ano passado. No palco, Alessandra Orofino, cofundadora do Meu Rio, fez o convite: “As cidades são nossas, vamos transformá-las!” (assista o vídeo aqui).
 
Serviço
Pressão por uma nova licitação para o Cais
Quando: quinta-feira (14), às 11h
Onde: Praça da Matriz, em frente à Assembleia Legislativa
A ação ocorre mesmo em caso de chuva