Fast food na Redenção: parque perde mais mil metros quadrados com novas instalações
Foto: Ricardo Stricher/PMPA
As manchetes saúdam o “complexo gastronômico Refúgio do Lago”, que começa a operar em maio no local que, por quase 70 anos, foi ocupado pelo Orquidário Municipal de Porto Alegre.
Na verdade, são cinco instalações em containers que vão oferecer café, sorvetes, bebidas e refeições rápidas, num espaço de quase mil metros quadrados concedido a uma empresa privada no coração do parque da Redenção.
Em 115 anos, desde que foi doado ao município pelo Imperador Pedro I, o parque já perdeu metade de sua área: dos 69 hectares originais restam pouco mais de 35 hectares.
O Orquidário foi demolido pela prefeitura, em março de 2018. Estava abandonado desde que uma árvore caiu sobre as estufas no temporal que castigou Porto Alegre em janeiro de 2016.,
A supervisora de Praças, Parques e Jardins, na época, Gabriela Azevedo Moura, justificou a demolição dizendo que “já não vinha sendo feita a manutenção da área” e que “os integrantes do Conselho de Usuários do Parque Farroupilha foram comunicados da ação”.
“Com a falta de manutenção, a área do orquidário vinha sendo utilizada por usuários de drogas, prostituição e casos de assédio sexual de quem passava por ali”, destacou a supervisora.
Na mesma reportagem do Correio do Povo, Roberto Jakubaszko, integrante do Conselho de Usuários do Parque Farroupilha, lamentou a demolição e disse que “a população de Porto Alegre foi pega de surpresa com ação dos tratores que derrubaram o prédio”.
Jakubaszko afirmou que “nem a prefeitura, nem a Secretaria de Ambiente” informaram sobre a demolição da área. “Perdemos um patrimônio da cidade, sem que ninguém fosse consultado”, lamentou.
O conselheiro afirmou que a exposições de orquídeas todo o ano, que chegavam a receber de 15 mil pessoas durante as duas semanas do evento.
“É um pedaço da história que foi abstraído daqui”, disse ele, queixando-se de falta de investimento e manutenção no parque inteiro.
Segundo a supervisora, ainda não havia uma decisão sobre o que fazer com a área: “A ideia, disse ele, é dar nova destinação ao local transformando-o em um espaço de convivência para os usuários do parque com a colocação de uma nova iluminação”.
Veja aqui o depoimento do representante do Conselho de Usuários do Parque:
https://youtu.be/hnKUeozDncw
Orquidário ia completar 70 anos, um dos mais antigos do Brasi
O Orquidário do Parque da Redenção foi inaugurado em 1953 e contava com servidores especializados em manejo de orquídeas, que ao longo dos anos foram se aposentando e não foram substituidos.
O local chegou a abrigar cerca de 4,5 mil mudas de 45 espécies de orquídeas.
O que aconteceu com esse acervo?
Segundo Gabriela Azevedo Moura, as orquídeas foram levadas para o viveiro municipal na Lomba do Pinheiro, na zona Leste da cidade.
“Uma parte do material do orquidário foi destinado para outros parques da cidade. A prefeitura realiza agora a retirada da caliça e depois pretende fechar a área até decidir que projeto será desenvolvido no antigo orquidário do Parque Farroupilha”, disse a então supervisora dos parques no dia da demolição, 29 de março de 2018.
No dia seguinte, no portal GZH, o então secretário de Meio Ambiente, Maurício Fernandes repetiu o argumento da Supervisora dos Parques: o espaço estava abandonado há dois anos e havia se tornado um “local hostil”.
“Justamente pela falta de uso ele acabou gerando uma ocupação muito ruim de drogadição e prostituição”, disse Fernandes.
Ou seja: a prefeitura deixou o local no abandono, depois justificou a demolição “porque ele estava abandonado”.
Segundo o secretário, a restauração do orquidário estava fora de cogitação: “O governo quer que o local seja transformado em um lounge garden (literalmente “jardim de salão”). Mas, segundo ele, o espaço seria “voltado para o tema de orquídea”.
Fernandes explicou que “o modelo ainda está sendo avaliado, mas possivelmente será realizada uma permissão de uso para o Café do Lago, que também abranja a revitalização da área do antigo orquidário e do lago”.
Disse ainda o secretário que seria lançado um edital. “o mais rápido possível”.
O assunto só voltou ao noticiário no dia 13 de julho de 2021, já na gestão de Sebastião Melo, quando o Diário Oficial publicou o resultado da licitação para ocupar o espaço do orquidário.
“O lugar onde já foi abrigo para mais de 4,5 mil exemplares de 45 espécies de orquídeas agora vai virar um “Espaço Gastronômico”, com refeições rápidas e bebidas”, segundo reportagem do jornal JÁ.
“A outorga de R$ 20 mil foi oferecida pela Ioiô Casa de Festas Infantis, vencedora da licitação anunciada pela Prefeitura nesta terça-feira, 13”.
“Serão quatro contêineres de 29,30 metros quadrados, destinados à gastronomia, e um módulo de contêiner de 14,65 metros quadrados, destinado ao sanitário”.
Local terá espaço para 300 pessoas sentadas
“A estrutura também prevê um pergolado de 6×2,50 metros e um pátio de serviço de 128 metros quadrados, ocupando área externa total de 750 metros quadrados para atendimento ao ar livre com mesas, cadeiras e guarda-sóis”.
“Queremos preservar o contato do público com a natureza e valorizar o espaço em meio ao verde, com uma experiência de comer e beber algo saboroso” explicou Pedro Santarem, representante da Ioparque, razão social criada para assumir a concessão e formada por “quatro sócios das áreas de gastronomia e eventos”.
No dia seguinte, (14 de julho de 2021) o Jornal do Comércio, fala em “complexo do lago” e diz que “até janeiro de 2022, o Parque da Redenção terá novas operações administrando os pedalinhos, o trenzinho e um espaço gastronômico em frente ao lago”.
“A prefeitura já aprovou o projeto: nas próximas semanas, começa a ser construído o Refúgio do Lago, nome do complexo gastronômico que ocupará a área do antigo orquidário, na Redenção”.
“A ideia é ter uma cafeteria, um restaurante especializado em comida saudável, um espaço para doces ou açaí, uma pizzaria ou lancheria e, por fim, uma banca só de bebidas”.
“Conforme o secretário municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, Germano Bremm, a ordem de início das obras deve ser emitida em duas semanas. Falta, segundo ele, apenas o aval do Conselho do Patrimônio Histórico Cultural – como a Redenção é um parque tombado, essa autorização é necessária”.
Ou seja: a licitação foi feita e o projeto aprovado, antes da autorização do Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural.
O jornal informa ainda que o modelo ( que é uma versão reduzida do Cais Embarcadero) será replicado em outros parques da cidade:
Segundo o secretário Germano Bremm, a prefeitura pretende levar esse modelo, com “atrações gastronômicas lideradas pela iniciativa privada”, a outros parques da Capital. O próximo edital será direcionado ao Germânia, mas a ideia de montar uma cafeteria dentro do moinho do Parcão também vem sendo estudada. Hoje o moinho do Parcão abriga uma biblioteca infantil.
2 comentários em “Fast food na Redenção: parque perde mais mil metros quadrados com novas instalações”
Uma observação quanto a datas e concessões. Em 1772 o governo da capitania do Rio Grande do Sul promoveu a muito citada distribuição de lotes rurais aos colonos açorianos que aqui viviam desde 1752. Aquele grande terreno onde hoje está o parque era (e é) uma parte da várzea do arroio Dilúvio, e era a parte mais próxima ao povoado do Porto dos Casais. Não foi doado a nenhum colono, pois foi reservada para logradouro público (terreno de uso público comum – para pasto de gado e pouso de carretas). Em 1807 a Câmara de Vereadores, que era a administração local (mas ainda não havia o município), solicitou e recebeu do governo da capitania a oficialização daquilo que era até então só uma posse. O poder concedente era o governo da capitania – é portanto a partir de 1807 que o terreno é propriedade oficial do poder público de Porto Alegre: 215 anos. Mas a posse e o uso reconhecidos remontam a 250 anos. Em 1826 (há 196 anos – e Porto Alegre já então era município), o que a Câmara solicitou e conquistou de Pedro I foi uma confirmação da propriedade, porque já a várzea sofria ameaças.
Luiz Felipe alerta para owue contemporâneamente , vem se confirmando: o total desprezo pelos espaços públicos, com a nítida intenção privatizar e o total desprezo pela cultura de uma cidade como Porto Alegre. Sim, aos privatistas neoliberais pouco importam orquídeas. Que são flores raras e belas, diante de sanduíches e Coca- Colas? Do jeito que as coisas vão, haverá um cretino que proporá a construção de um condomínio privadissimo e de alto luxo no Parque da Redenção. Razões? O estado de abandono a que a Prefeitura o irá relegar. Cultura, beleza? Ora…
Uma observação quanto a datas e concessões. Em 1772 o governo da capitania do Rio Grande do Sul promoveu a muito citada distribuição de lotes rurais aos colonos açorianos que aqui viviam desde 1752. Aquele grande terreno onde hoje está o parque era (e é) uma parte da várzea do arroio Dilúvio, e era a parte mais próxima ao povoado do Porto dos Casais. Não foi doado a nenhum colono, pois foi reservada para logradouro público (terreno de uso público comum – para pasto de gado e pouso de carretas). Em 1807 a Câmara de Vereadores, que era a administração local (mas ainda não havia o município), solicitou e recebeu do governo da capitania a oficialização daquilo que era até então só uma posse. O poder concedente era o governo da capitania – é portanto a partir de 1807 que o terreno é propriedade oficial do poder público de Porto Alegre: 215 anos. Mas a posse e o uso reconhecidos remontam a 250 anos. Em 1826 (há 196 anos – e Porto Alegre já então era município), o que a Câmara solicitou e conquistou de Pedro I foi uma confirmação da propriedade, porque já a várzea sofria ameaças.
Luiz Felipe alerta para owue contemporâneamente , vem se confirmando: o total desprezo pelos espaços públicos, com a nítida intenção privatizar e o total desprezo pela cultura de uma cidade como Porto Alegre. Sim, aos privatistas neoliberais pouco importam orquídeas. Que são flores raras e belas, diante de sanduíches e Coca- Colas? Do jeito que as coisas vão, haverá um cretino que proporá a construção de um condomínio privadissimo e de alto luxo no Parque da Redenção. Razões? O estado de abandono a que a Prefeitura o irá relegar. Cultura, beleza? Ora…