O deputado Pepe Vargas, do PT/RS, não precisou escrever mais que três linhas para aprovar o tombamento do Hospital Colônia de Itapuã.
A lei que incorpora o antigo sanatório dos leprosos ao Patrimônio Histórico do Rio Grande do Sul diz apenas o essencial:
“Art. 1° Fica declarado como integrante do patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul, o Hospital Colônia Itapuã (HCI), situado no município de Viamão. Art.2° Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
O projeto de Pepe Vargas foi aprovado por unanimidade em duas comissões e virou lei no dia 21 de novembro de 2023, quando o plenário aprovou, também por unanimidade.
Pepe Vargas disse ao JÁ que sua iniciativa se insere numa política nacional de reparação das pessoas que foram contra a vontade segregadas nos 26 Hospitais Colônia, criados pelo governo Getúlio Vargas, em 1940, para isolar os portadores da hanseníase, a tão temida lepra.
“Foi uma política higienista, de um Estado autoritário que cometeu uma violência contra essas pessoas arrancadas de suas famílias e isoladas à força. O Estado brasileiro nunca tinha feito mea culpa disso, não havia feito nada para restaurar os direitos dessas pessoas”, diz o deputado. Ele lembra que foi Lula, em 2007, quem tomou a primeira decisão nesse sentido com o projeto que garantiu uma pensão vitalícia a todas as pessoas confinadas nesses sanatórios, no valor de um salário mínimo. Agora, em projeto aprovado esta semana, Lula estendeu esse direito também aos filhos dessas pessoas, muitos deles nascidos e criados dentro dos sanatórios, em isolamento.
“O Estado brasileiro está reparando esses danos aos direitos humanos, quem vêm desde o Estado Novo”, diz o deputado.
Além de garantir os direitos, o governo pretende salvar a memória desses hospitais que chegaram a ser pequenas cidades isoladas e, hoje, são o símbolos de um tempo, entre os últimos vestígios materiais do Estado Novo getulista e marca de seu maior fracasso na área da saúde pública.
A orientação no Ministério dos Direitos Humanos é de que todos os ex-hospitais colônia sejam tombados pelo patrimônio público. O Ministério prevê recursos para fazer um inventário de todos os 26 hospitais colônia, para integrá-los ao patrimônio histórico nacional e estudar alternativas para sua preservação e destinação.
Hospital em Viamão ocupa uma área de 1.252 hectares, uma mini cidade. Foto: Cleber Dioni Tentardini
O Hospital Colônia de Itapuã, na região metropolitana de Porto Alegre, foi o último dos 26 sanatórios para leprosos a ficar pronto, em maio de 1940. Foi construído dentro de uma área de 1.252 hectares, numa região de exuberante Mata Atlântica.
Igreja Luterana, tombada pelo IPHAE. Foto: Cleber Dioni Tentardini
As construções e a parte urbanizada ocupam 15% da área. Além da enfermaria e demais dependências do pequeno hospital, foram construídos no terreno 142 prédios: casas de moradias, instalações de serviços, igrejas, até cassino, muitos em ruínas, todos abandonados. Essas instalações chegaram a abrigar 700 pacientes, cuidados por 100 irmãs franciscanas e outros tantos funcionários, todos morando lá.
Com a disseminação do tratamento e da cura da hanseníase, o HCI foi-se esvaziando à medida que morriam os seus pacientes, muitos nascidos ali dentro ou levados para lá ainda crianças. No total, 2.474 pacientes passaram pelo hospital ao longo de 80 anos. De lá não sairiam, nem mortos.
Os 26 hospitais colônia criados no Brasil para confinar os leprosos surgiram na contramão da história, num momento em que as pesquisas científicas vinham desmistificando crendices antigas em torno da doença. Desde 1873, o médico norueguês Gerhard Hansen havia provado que ela era causada por um bacilo e não um “castigo de Deus”.
Em 1941, já se sabia que a lepra era curável e que nem todo paciente precisava ser isolado. Em 1985, foi extinta a política de confinamento compulsório dos hansenianos.
Com diagnóstico precoce, a doença era curável e podia ser tratada em casa, mediante alguns cuidados.
Atualmente o HCI tem os últimos três pacientes ex-hansenianos, que impedem o seu fechamento completo. Um convênio entre o governo do Estado e a Prefeitura de Viamão previa a desocupação do hospital até o final de 2023.
O polêmico projeto de 41 andares no terreno ao lado do Museu Júlio de Castilhos, no Centro Histórico de Porto Alegre, entrou na pauta da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. O projeto é da Construtora e Incorporadora Melnick,
A construção, que terá 102 metros de altura, enfrenta muitas críticas porque vai desfigurar um espaço histórico, com vários prédios tombados, contrariando a legislação que protege também o entorno dos bens arrolados pelo Patrimônio Histórico. O Ministério Público analisa inclusive um pedido de embargo da obra, que está em fase de licenciamento.
Na semana passada (22/11), o projeto foi o assunto da Comissão de Educação e Cultura, por indicação do vereador Jonas Reis (PT), que questiona o aspecto legal da construção nos arredores do museu, já que a lei não permite prédios com mais de 100 metros no local.
De acordo Jonas, no entorno do Museu Júlio de Castilhos, os prédios deveriam ser construídos com no máximo 45 metros. “A construção deste empreendimento burla a legislação que proíbe a construção de prédios altos”, disse.
O vereador mencionou também a falta de diálogo com os moradores da rua Duque de Caxias, que serão diretamente afetado pelo enorme impacto da construção.
Para o representante do Museu Júlio de Castilhos, o tesoureiro Antônio Medeiros, a notícia da construção do prédio levantou diversos problemas e questionamentos. “A partir daí, tivemos a ideia de abrir uma ação civil pública, para barrar o projeto”, afirmou Medeiros.
Porém, segundo o tesoureiro, “a prefeitura afirmou que já existia um projeto aprovado e licenciado que permitia a construção do prédio”.
“Tivemos que abrir uma nova ação civil pública, que está na entidade federal”, complementou Medeiros.
Ele ressaltou que o Ministério Público foi favorável aos dois processos. E destacou que não é contra a construção de prédios e o avanço da cidade, mas que tudo deve ser feito dentro da legalidade.
A presidente da Associação de Moradores do Centro Histórico, Ana Maria, disse que é necessário um encontro com o secretário Germano Bremm, para que ele esclareça pontos importantes do projeto. Segundo ela, esse tipo de construção descaracteriza a cidade. “Nós precisamos continuar lutando,” concluiu.
Em resposta às entidades, a representante da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), Debora da Costa, disse que somente são aprovados projetos que tenham vínculo com a preservação. “As áreas especiais, os bens tombados e o inventário do patrimônio cultural do municipio”. Ela também disse que houve mudanças na legislação que devem ser debatidas e entendidas, para o esclarecimento da questão.
Além do pedido de uma versão atualizada de todo o projeto e de uma audiência com o Secretário Germano Bremenn, do Meio Ambiente e Urbanismo, foi proposta a instalação de uma Comissão Especial para debater amplamente o caso, assim como legislações referentes à construção de prédios na cidade de Porto Alegre.
Atualmente, a Melnick tem 20 canteiros de obras em andamento, totalizando 45 torres e mais de 3.600 unidades em construção, segundo a nota distribuída pela assessoria de imprensa.
O que está ocorrendo agora com o Plano Diretor de Porto Alegre é a culminância de um processo que começou há mais de três décadas.
Mais precisamente em 1987 e, ironicamente, num governo trabalhista, de Alceu Collares, quando o setor imobiliário começou a se impor ao planejamento urbano.
Ironicamente, porque o Plano Diretor de Porto Alegre, pioneiro no Brasil, foi aprovado na gestão do prefeito trabalhista Leonel Brizola, e se tornou referência em termos de planejamento urbano até no exterior.
Os planejadores, uma geração de urbanistas gaúchos que alcançaram projeção nacional, tinham clareza da dinâmica das cidades, tanto que estabeleceram uma revisão a cada dez anos.
O Plano Diretor, concebido pelos urbanistas da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs e chancelado por Brizola, foi aprovado em 1959.
Em 1964 veio o golpe militar e vieram os prefeitos nomeados. O Plano resistiu, até por que dos quatro mandatos nomeados, dois foram ocupados por Guilherme Socias Villela, economista de grande sensibilidade para as questões urbanas.
Quando voltaram as eleições para prefeito, em 1986, elegeu-se Alceu Collares. O plano tinha quase 20 anos e não passara por uma revisão. O setor imobiliário acumulara forças e os próprios planejadores reconheciam a necessidade de mudanças adaptativas a uma nova realidade.
Mas o que ocorreu no governo municipal de Collares não foi a revisão de um Plano Diretor da cidade.
O que ocorreu foi o início do desmonte da estrutura pública que garantia um planejamento urbano com alguma independência do setor que obtém seus lucros da venda do espaço urbano.
Os governos petistas (1988/2003) conseguiram conter a onda até por ali. A revisão de 2009 já foi sob a égide do setor imobiliário. A partir dali, as revisões foram sendo adiadas, enquanto leis especificas, como a do Centro Histórico e o Quarto Distrito, iam detonando a ideia de um planejamento que estabelece regras tendo em vista a cidade como um todo.
As cidades são organismos vivos e se reinventam. Mas colocar o desenvolvimento de uma capital como Porto Alegre sob domínio de um setor econômico, para o qual praticamente não há regras…
Manuel Domingos Neto, autor do livro “O que fazer com o militar”, participa hoje de debate no auditório da Faculdade de Economia da UFRGS, às 19hs, junto com Tatiana Vargas Maia, professora de Relações Internacionais, e de Eduardo Munhoz Svartman, professor de Ciência Política e Estudos Estratégicos, ambos da UFRGS. O mote do debate é Defesa Nacional e Amizade com os Vizinhos.
Manuel Domingos Neto é doutor em História pela Universidade de Paris. Há mais de cinquenta anos se dedica à temática militar. Foi professor da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Federal Fluminense e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa-ABED.
O livro, destinado aos leitores não familiarizados com a temática, aborda aspectos de alta complexidade em texto de fácil leitura. Será lançado em Porto Alegre no dia 9/10, a partir das 19h, quando o autor conversará sobre o tema com José Genoíno, que foi deputado constituinte e assessor de ministros da Defesa. Será no auditório do Sindicato dos Bancários.
Segundo o autor, o Estado precisa definir o papel das corporações militares, hoje envolvidas em múltiplas tarefas, em prejuízo do preparo para enfrentar agressores estrangeiros. Sem uma reforma militar, seriam vãos novos investimentos em Defesa.
Domingos considera o militar limitado para formular e conduzir a Defesa do Brasil. Sustenta que, prevalecendo o ponto de vista castrense neste domínio, a democracia estará sob risco e o país persistirá exposto à ganância estrangeira. Não será voz altiva no cenário internacional e comprometerá o desenvolvimento socioeconômico.
Apenas o poder político detém legitimidade para definir e conduzir a Defesa, afirma Manuel Domingos. Assinala, entretanto, a necessidade de superar o despreparo técnico do aparato estatal e a indisposição para quebrar a rotina histórica consagradora do mando militar.
Dentre as numerosas proposições que enumera, destacam-se a eliminação do conceito de “inimigo interno”, a interrupção da dependência em armas e equipamentos de potências imperialistas, a redução de tropas e sua redistribuição espacial em favor de maior capacidade dissuasória, a revisão do serviço militar, a prioridade da força aeronaval em relação à força terrestre, a reforma da carreira militar, o estreitamento da cooperação em Defesa com os países sul-americanos e a interrupção da ingerência militar no sistema de Segurança Pública.
Depois deste livro, as críticas ao ativismo político do militar não ficarão mais restritas à sua participação no governo e à defasagem dos currículos das academias militares.
O autor refuta a ideia de que a pura e simples modernização das corporações evitaria o ativismo político, e aponta a classificação dos oficiais como “golpistas” e “legalistas” como simplificação enganosa.
“O que fazer com o militar” demonstra que os desafios da Defesa Nacional e mudanças nas corporações transcendem à capacidade dos governantes: passa pela disposição da sociedade e do Estado de livrar-se da subalternidade ao estrangeiro poderoso.
O IAB RS promove o evento “Territórios, habitação e reforma urbana em tempos de financeirização das cidades”, para discutir o contexto de Porto Alegre no que se refere às questões de disputas dos territórios, moradia, acesso à terra, a revisão do plano diretor e o olhar sobre as novas transversalidades que devem compor as propostas para a renovação dos paradigmas da reforma urbana.
O Seminário é integrante dos eventos preparatórios para o evento nacional de comemoração aos 60 anos do Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, marco da discussão sobre habitação e reforma urbana no país.
O evento conta com duas atividades: Palestra de abertura: “Processos de financeirização e decrescimento populacional em contexto de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre” 04/10 (quarta-feira) 19h Solar do IAB/RS: Rua General Canabarro, 363 – Centro Histórico, Porto Alegre Convidados: Clarice Oliveira (IAB RS), Mário Lahorgue (Observatório das metrópoles), Nicole Almeida (doutoranda do PROPUR/UFRGS). Mediação: Vanessa Marx (Observatório das metrópoles).
Plenária aberta: “Territórios, habitação e reforma urbana em tempos de financeirização das cidades” 07/10 (sábado) 9h-12h Solar do IAB/RS: Rua General Canabarro, 363 – Centro Histórico, Porto Alegre Convidados: Ceriniani Vargas (MNLM e Despejo Zero), Eduardo Osório (MTST), Antonio Ezequiel Morais (UNMP), Michele Rihan (Preserva Belém Novo e Preserva Arado), Paulo Guarnieri (4D) e Francisco Milanez (Agapan) em uma mesa de provocações de temas. Mediação: Betânia Alfonsin (IBDU) e Douglas Martini (Arquiteto Popular).
(Informações da Assessoria de Imprensa)
Em 2021, quando foi iniciada a retirada gradativa dos últimos pacientes para o fechamento definitivo do hospital, restavam 17 ex-hansenianos.
Na última quarta-feira, a decisão da Justiça de suspender a transferência deles para clínicas particulares, encontrou apenas os últimos três.
Outros 14 já estão em “residências terapêuticas”, casas adaptadas que também acolhem os pacientes com doenças mentais no HCI.
Essas casas são mantidas pela Prefeitura Municipal de Viamão, em convênio com o governo do Estado.
A decisão de suspender qualquer tentativa de transferir os últimos pacientes atendeu pedido do Ministério Público Estadual, que vai também investigar as condições em que outros pacientes já foram removidos. Eles poderão retornar, se quiserem.
Outra questão que o MP quer esclarecer é o destino da área que pertence ao hospital – 128 hectares encravados numa área de preservação permanente, junto ao Parque de Itapuã.
“Nós não caminhamos sós”
A lepra ainda assombrava a humanidade em 1940, quando o governo brasileiro começou a inaugurar uma rede de hospitais-colônias para confinar os portadores do mal incurável e que, se acreditava, podia contagiar até pelo ar.
Eles ainda eram chamados de “leprosos” e apedrejados nas ruas quando vistos fora dos locais onde viviam isolados para não transmitir a terrível maldição (“um castigo de Deus”) e poupar as comunidades do feio espetáculo daqueles corpos mutilados, cobertos por trapos.
A bíblica lepra hoje chama-se hanseníase, é uma enfermidade curável, e os portadores são chamados hansenianos, em referência a Hansen, o descobridor do bacilo que causa a doença e que abriu o caminho para a sua desmistificação.
O médico norueguês Gerhard Armauer Hansen identificou o bacilo causador de lepra em 1873, mas a cura só seria conhecida em 1941, quando ele morreu aos 70 anos. Foto: Universidade de Bergen.
Identificada a causa, logo descobriu-se que o contágio se dava pela saliva e outras secreções, mas não na intensidade e com o alcance imaginado. O isolamento como única forma de tratamento foi perdendo o sentido.
Em consequência, os 46 hospitais-colônias criados no Brasil para confinar os leprosos surgiram na contramão da história da doença.
No ano seguinte, foi anunciada a cura da lepra e, em 1985, foi extinta a política de confinamento compulsório dos hansenianos.
Com diagnóstico precoce, a doença era curável e podia ser tratada em casa, mediante alguns cuidados.
Nesse período, 2.474 pacientes foram internados à força no Hospital de Itapuã. De lá não sairiam, nem mortos.
Sete freiras da Ordem das Irmãs Franciscanas da Caridade e Piedade Cristã receberam os primeiros pacientes.
Mesmo com o risco de contrair a doença, outras cem irmãs franciscanas passariam por lá como voluntárias para o serviço no hospital.
As religiosas eram responsáveis pelo serviço de enfermaria, farmácia, padaria, cozinha, lavanderia, fábrica de sabão e outros serviços.
Também faziam a limpeza da igreja, onde se realizavam missas, casamentos e enterros, oficiados pelo frei Pacífico, outra figura lendária na história do HCI.
As irmãs franciscanas. Fotos: Arquivo Memorial HCIAs irmãs franciscanasFrei Pacífico
Na década de 1950, quando o estigma da lepra ainda aterrorizava e os leprosos eram escorraçados, o HCI chegou a ter mais 600 pacientes (e outro tanto de funcionários). Era uma pequena cidade, quase autossuficiente, com 42 prédios de uso comum, três igrejas, uma escola, 44 casas de moradia, metade delas ocupadas por funcionários que trabalhavam diretamente na “área suja”, em contato direto com os pacientes. Eles também viviam confinados lá.
Nos 15 hectares delimitados para o hospital criava-se gado (chegou a ter 250 cabeças), funcionava um tambo de leite, um abatedouro, hortas, uma padaria e até um cassino, para jogos, bailes e atrações culturais.
Ruínas do tambo de leiteCalçados apropriados para os hansenianos
Os próprios pacientes fabricavam roupas, calçados e até próteses artesanais, de pé, mão, braço, as partes que a lepra primeiro destrói. Para os negócios internos havia até uma moeda.
Desse tempo, o que está mais preservado é o cemitério, que guarda os restos de todos os que um dia transpuseram aquele pórtico com a frase enigmática: “Nós não caminhamos sós”. Inclusive religiosos como o Frei Pacífico de Bellevaux – batizado Luis Narciso Place -, religioso francês que chegou ao Rio Grande do Sul em 1899. Foi co-fundador das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida e um dos idealizadores do hospital-colônia, onde foi capelão aos 67 anos. O “Anjo da Caridade”, título que recebeu de Dom Vicente Scherer, então Arcebispo de Porto Alegre, por sua dedicação e proximidade com os doentes, faleceu em Porto Alegre, aos 84 anos.
Capela do cemitério.
Últimos pacientes passam maior parte do tempo na enfermaria
Em 2021, quando foi iniciada a retirada gradativa dos últimos pacientes para o fechamento definitivo do hospital, restavam 17 ex-hansenianos.
Na quinta-feira, 28 de setembro de 2023, a decisão da Justiça de suspender a transferência deles para clínicas particulares, encontrou apenas três: O casal Osvaldo Gomes e Eva Venâncio Pereira, e Valdeci Barreto, viúva. Eles têm casa lá, mas como necessitam de cuidados constantes, estão recolhidos à enfermaria.
Seis familiares de pacientes que já morreram também moram lá. É o caso de Jacó, hoje com 70 anos, que nasceu lá dentro e foi retirado da mãe assim que nasceu (as mães leprosas não podiam nem tocar nos recém-nascidos) e levado para uma Casa de Amparo.
Loirinho, de olho claro, aos 10 anos ele foi adotado por uma família de São Leopoldo, mas quando souberam que era filho de uma ex-leprosa, trataram de devolvê-lo e, então, ele foi morar no asilo.
Ele conta que as crianças recolhidas à Casa de Amparo eram levadas uma vez por mês para ver e serem vistas pelas mães.
O ônibus encostava na entrada do hospital, onde as mães se postavam para ver os filhos através dos vidros do ônibus. Eles não podiam nem descer.
Para atender aos últimos pacientes, são quatro enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem e seis cuidadores que se revezam. Os serviços de segurança, limpeza e manutenção são feitos por empresas terceirizadas. O custo mensal de toda a estrutura para o governo do Estado é de R$ 750 mil mensais.
Se conheceram no final dos anos 1970E vivem juntos há mais de 20 anosSeu Osvaldo e dona Eva
Estão curados há muitos anos, mas as sequelas da doença são visíveis: mãos em garra, nariz ‘desabado’, retração óssea, pouca sensibilidade nas mãos e pés, além das dificuldades para falar e ouvir. Mas o carinho entre eles salta aos olhos.
Na cama do casal, uma boneca que dona Eva cuida como se fosse a filha, que sempre quis ter. No armário, a “pilcha” que seu Osvaldo usava para ir aos bailes em Itapuã “quando era mais moço”. Iam de carroça, ele e dona Eva, sua prenda. Hoje o único vício é o fumo, para decepção da enfermeira Salete, que se esforça para fazê-los largar o cigarro.
Perda do vínculo é o que preocupa
A enfermeira Salete diz que os ex-hansenianos que saíram do hospital estão bem porque ainda mantêm o vínculo com os servidores do hospital.
Apenas uma paciente vive sozinha, totalmente independente, os demais vivem com parentes, mas todos são assistidos pelo Estado, com transporte e acompanhamento a consultas e procedimentos médicos, remédios e alimentos.
Além de uma pensão no valor de cerca de um salário mínimo e meio como forma de indenização pela internação compulsória.
“Nós temos competência, vontade e experiência, gostaríamos de ficar no hospital porque existe a possibilidade de a gente servir os pacientes aqui dentro e os que estão morando em Viamão. Caso sejamos todos removidos e o hospital fechado, os pacientes perderiam esse vínculo que mantêm há mais de 50 anos, o que é preocupante”, afirma.
Salete diz que eles precisam não só do amparo financeiro mas também manter o vínculo com o hospital
Salete diz que eles precisam não só do amparo financeiro mas também manter o vínculo com o hospital, principalmente agora por conta das comorbidades próprias da idade avançada como problemas cardíacos, vasculares.
“Este é o compromisso que o Estado está outorgando para outras mãos”, lamenta Salete.
Funcionários também vivem na incerteza
Para atender aos últimos pacientes do HCI são quatro enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem e seis cuidadores que se revezam.
Os serviços de segurança, limpeza e manutenção são feitos por empresas terceirizadas. O custo mensal de toda a estrutura para o governo do Estado é de R$ 750 mil mensais.
Isabel de Souza Ropertti, 53 anos, servidora do HCI há nove anos, é responsável pelo Memorial, um casarão de dois pisos que guarda arquivos, mobiliárias, fotografias e outras lembranças do hospital, inclusive o fichário de todos os pacientes que por lá passaram.
Uma história de quase um século em que lances macabros e aterrorizantes se misturam com exemplos comoventes de superação e solidariedade.
Ela teme que toda essa memória se perca com o fechamento do hospital.
Isabel defronte o Memorial, antiga residências das freiras
Isabel está lá há nove anos. Trabalhava no Ambulatório de Dermatologia Sanitária, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, e residia com marido e filhos na Capital, mas decidiram mudar-se para Viamão a fim de ficar mais perto da sogra, que mora em Itapuã e tem idade avançada.
“Então pedi transferência para o hospital e mudei para uma das residências Se for transferida novamente para Porto Alegre, será bem complicado porque vamos permanecer morando no extremo sul de Viamão. Mas, se for o caso, prefiro voltar para o ambulatório, afirma.
Elizeu em frente sua casa
Elizeu Pereira, 58 anos, trabalha no HCI há 28 anos, mas frequenta o local desde criança pois seus pais trabalhavam no hospital. Ele mora com um filho adolescente e também não gostaria de sair, mas sabe que não depende de sua vontade. “É uma vida aqui, não tenho nem pra onde ir”.
Além do Ambulatório de Dermatologia Sanitária, o Estado mantém outras três instituições para onde os servidores podem ser realocados: o Sanatório Partenon, o Hospital Psiquiátrico São Pedro e o Hemocentro.
Outra alternativa seria o Estado ceder os servidores do Hospital Colônia de Itapuã para o município de Viamão. “Contanto que não perdêssemos nenhum direito trabalhista, seria uma boa ideia, mas isso é uma questão que compete aos gestores”, diz a enfermeira Salete Wanke.
Um atrativo para a concessão do Parque Estadual de Itapuã
Último dos hospitais-colônias do país, há dois anos, o HCI passa por programa de “desinstitucionalização”, para retirada dos últimos pacientes – um processo em que tragédias pessoais e familiares se misturam com interesses econômicos e políticos, e cujo desfecho é incerto.
O esvaziamento do HCI foi lento no início, na medida que se iam desfazendo os preconceitos contra os “leprosos” e os tratamentos, cada vez mais eficazes, foram tornando anacrônico o isolamento.
Ao longo desse tempo, vários projetos foram anunciados para dar uma nova destinação ao HCI, mas sempre esbarraram na condição dos pacientes internados à força, aos quais o Estado deve tutela enquanto viverem.
Tudo indica que, por conta dessa condição, os sucessivos governos entregaram ao tempo a solução do problema.
O estado em que se encontram as casas e a maioria das edificações revela que estão abandonadas há pelo menos 30 anos. Destelhadas, muros caídos, janelas e portas quebradas – são sólidas construções em ruínas.
Imóveis precisam ser restauradosIgreja luterana projetada pelo arquiteto Theo Wiedersphan e construída em 1946, está caindo aos pedaços, apesar de tombada pelo Patrimônio Histórico
Desde o início, além da remoção dos pacientes, colocou-se a questão para o governo do Estado, proprietário do terreno e das benfeitorias: o que fazer com aquela área valiosa e aquele patrimônio construído.
A Secretaria da Saúde tem informado que “o foco do governo, por enquanto, é na destinação dos pacientes” e que a questão do terreno e das instalações será tratada depois de resolvida essa parte.
Na verdade, a pressa em retirar os últimos pacientes do HCI está ligada a razões materiais bem visíveis.
O hospital ocupa menos de dez por cento de uma área de 128 hectares, uma porção de mata atlântica ao pé do morro de Itapuã, junto ao parque e à Lagoa Negra.
Hospital está encravado numa área de preservação ambiental, cercado pelas matas do Parque Estadual de Itapuã, de aldeias indígenas, da Lagoa Negra e Lagoa dos Patos
O ex-prefeito de Viamão, hoje deputado Valdir Bonatto (PSDB) disse ao JÁ que tratativas já avançadas entre o município e o governo do Estado visam um convênio para incorporar toda a área do hospital ao parque de Itapuã, para efeitos de sua futura concessão à iniciativa privada.
Isoladamente, segundo ele, o parque municipal não apresenta atrativos para investidores, porque a preservação e manutenção da área de mais de 1.200 hectares ( Área de Preservação Permanente) tem custo alto e as perspectivas de receitas são muito pequenas.
O terreno do hospital, como já é uma área alterada e ocupada por construções, poderia ser recuperada abrigar serviços, comércio, equipamentos de lazer e até um resort.
Antigas residências dos pacientes moradoresO antigo cassino onde eram realizadas atividades de lazer.
Primeiro sinal de que havia um plano
O primeiro sinal de que o governo tinha um plano para a desativação do HCI foi uma audiência virtual (era tempo de coronavírus) na Assembleia Legislativa, em 27 de outubro de 2021.
O deputado Thiago Duarte (DEM) pediu a audiência para “conhecer as intenções da administração pública diante dos rumores de que o local seria fechado e da falta de informações claras sobre o destino de moradores, pacientes e servidores”.
O representante da Associação de Moradores de Itapuã, Jorge Paixão, disse que “no bairro corria a informação de que o hospital seria fechado para a abertura de um resort na área”.
Explicou que os moradores não eram contra o empreendimento e o desenvolvimento econômico da região, mas o hospital poderia ser mantido, uma vez que ocupava 15 hectares apenas de todo o terreno e não havia outros estabelecimentos de saúde nas proximidades para atender à população.
A coordenadora do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Magda Chagas, disse que o não fechamento do hospital era uma luta da própria comunidade e que o Morhan a apoiava.
O então vereador Fabrício Ollermann (MDB), de Viamão (depois cassado), contou que a Câmara Municipal havia aprovado projeto do Executivo que resultou na Lei nº 5.094, que autorizava o município a celebrar convênio com o Estado para proceder à “desinstitucionalização” de pacientes da saúde mental e ex-hansenianos moradores do hospital.
Disse que, como vereador, apresentou propostas para manter os atendimentos à saúde e considerava o lugar ideal para abrigar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Sugeriu que se convocasse um plebiscito para saber o que a comunidade desejava para o local.
A secretária de Saúde adjunta, Ana Costa, fez questão de esclarecer que eram duas questões distintas: o projeto de “desinstitucionalização” (retirada) dos pacientes, que a Secretaria vinha tratando, e a destinação da área física do hospital, da qual ela não tinha condições de falar.
Naquele momento, segundo a secretária, havia no local 38 pacientes psiquiátricos, e 17 hansenianos, além dos funcionários que moravam nas casas do HC.
Pepe Vargas (PT) disse que como médico e gestor público, havia sempre se aliado à luta pela reforma psiquiátrica e que era, portanto, favorável à desinstitucionalização dos pacientes, mas que concordava com a ideia de as moradias se manterem no próprio local.
Ex-hanseniana e moradora do local há mais de 60 anos, dona Eva fez um relato dramático: “Fui para lá com 12 anos”, disse, corrigindo-se em seguida: “Não fui, me levaram, me atiraram lá dentro”, contou.
Aos 76 anos, disse não aguentar o descaso da administração, a convivência forçada na enfermaria com pacientes psiquiátricos, que não era o caso dela, e agora a ameaça de um “pontapé na bunda”.
O desabafo levou a secretária-adjunta a se comprometer a ir ao local e conversar pessoalmente com ela.
Na audiência na AL, falou também a promotora de Justiça, Giselle Moretto, que apontou a inadequação do termo “desinstitucionalização” usado para se referir tanto aos pacientes psiquiátricos como aos ex-hansenianos do HCI. Questionou se os moradores haviam sido ouvidos e chamou a atenção para “não se repetir o passado”.
A promotora lembrou que, em 2018, haviam movido uma ação para assegurar a duas moradoras idosas o direito de terem seus familiares morando com elas no local. Foi negado, numa primeira decisão, mas acabou sendo reconhecido.
A promotora lamentou a ausência de um representante do governo de Viamão, município que pretendia assumir a tutela dos últimos moradores, que impediam o fechamento do HCI.
“Desistiram de nós”
O desdobramento do assunto chegou a público três meses depois em uma nota da Secretaria da Saúde, divulgada no dia 6 de janeiro de 2022:
O então prefeito Bonatto com a secretária Arita. Foto: Divulgação
“Uma reunião entre a secretária da Saúde, Arita Bergmann, e o então prefeito de Viamão, Valdir Bonatto, deu início nesta quinta-feira (6) ao processo de desinstitucionalização dos 55 pacientes e ex-pacientes do Hospital Colônia Itapuã”.
“Atualmente, vivem no local 38 pacientes de saúde mental, oito pacientes ex-hansenianos que tratam outras doenças e nove ex-pacientes de hanseníase. Os pacientes serão transferidos para quatro residências terapêuticas, cada uma com capacidade para abrigar dez pessoas. Já os ex-pacientes, que moram sozinhos em casas dentro da colônia, irão para moradias individuais semelhantes àquelas onde vivem hoje”.
“Para concretizar a mudança, o Governo do Estado, através da Secretaria da Saúde, repassará quatro parcelas de R$ 3,173 milhões à prefeitura, que vai assumir os cuidados aos pacientes e moradores. A previsão é de que a primeira residência terapêutica fique pronta ainda no primeiro semestre.
No jargão dos pacientes e funcionários do HCI, o termo “desinstitucionalização” foi traduzido para “desistiram-de-nós”.
Eram, portanto, 17 hansenianos e 38 psiquiátricos) em junho de 2022, quando se iniciaram as transferências com vistas ao fechamento do hospital.
Os primeiros nove pacientes foram transferidos em outubro de 2022, para o primeira “residência terapêutica”, em Viamão.
Menos de um ano depois, neste final de setembro de 2023, restam apenas três ex-hansenianos e seis familiares deles, nove pessoas no total.
A estimativa do programa era retirar o último paciente do HCI até dezembro de 2023. Meta que pode estar comprometida pela decisão da Justiça de suspender as remoções, anunciada neste final de setembro.
O governo gaúcho explica que a transferência de pacientes de saúde mental é motivada pela necessidade de cumprir a Lei Federal da Reforma Psiquiátrica, de 2001. A legislação diz que manter pacientes psiquiátricos internados por toda a vida é uma violação de direitos humanos e que essas pessoas devem ser reintegradas à vida comunitária. A saída seria alocá-los em “residenciais terapêuticos” ou voltarem para a família ou mesmo viverem sozinhos em moradias pagas pelo Estado.
O problema é que o programa de “desinstitucionalização” do governo do Estado aproveitou a oportunidade e incluiu no mesmo pacote a remoção os ex-hansenianos remanescentes.
Desde o início o Ministério Público questionou essa solução que ignora o direito especial dos ex-hansenianos.
Os pacientes psiquiátricos (doentes mentais) não têm condições de decidir para onde vão, são considerados incapazes. Já os ex-hansenianos foram levados à força para o isolamento no HCI , alguns ainda criança. Pela Constituição, o Estado é responsável por eles enquanto viverem e só podem ser tirados do lugar onde construíram suas vidas, suas famílias inclusive, por livre e espontânea vontade.
Por isso, o MP pediu à Justiça a suspensão das remoções para garantir o direito dos três últimos pacientes que não querem sair.
O promotor Leonardo Menin, do Ministério Público Estadual, que acompanha o processo de “desinstitucionalização” do HCI, explica: “Estado e município deixaram claro para nós que, mostrando às pessoas como seria a vida delas fora dali, elas aceitariam. Nós fomos lá e sabemos que as pessoas não querem sair, mas o Estado acredita que, mostrando para eles como a vida pode ser do lado de fora, eles acabarão aderindo. Nossa atuação é para que não haja compulsoriedade”.
Quase cinco mil ex-leprosos recebem pensão vitalícia
Em 2007, o Estado brasileiro se tornou o segundo país, ao lado do Japão, a aprovar lei que estipulou pagamento de pensão vitalícia aos hansenianos segregados da sociedade – filhos não têm direito ao benefício.
Hoje, 4.725 brasileiros recebem R$ 1.831 por mês, informa o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – em 2018, eram mais de 9 mil pessoas.
Eva, retirada da escola, aos 12 anos: “Para onde vocês estão me levando?”
A jornalista Ana Carolina Pinheiro acompanhou durante dois anos a rotina do hospital e seus moradores e, após exaustiva pesquisa, apresentou em junho de 2019 seu trabalho de conclusão do curso em Jornalismo, na UniRitter. Este ano, Ana atualizou as informações e transformou o trabalho acadêmico em um livro-reportagem, a ser lançado pela Editora Sulina em novembro, durante a Feira do Livro de Porto Alegre.
Ana e dona Eva durante audiência pública na Câmara Municipal de Viamão, em 2021, pelo não fechamento do HCI_ Foto Artur Custodio
Aqui, um trecho baseado no depoimento de dona Eva Pereira Nunes, que morou mais de 60 anos no hospital colônia: “(…) No mesmo dia, uma caminhonete preta estacionou no pátio do internato. Dela desceu um casal de enfermeiros, que embarcou Eva no veículo. A menina ia sozinha no banco de trás. Uma grade impedia o contato entre ela e os enfermeiros. Na estrada, sem saber o seu destino, a menina gritava:– Vovó, vão me matar, vovó! Vão me matar! A caminhonete percorreu os cerca de 80 quilômetros que separam Santo Antônio da Patrulha de Porto Alegre e desembarcou Eva na Santa Casa de Misericórdia. As enfermeiras que a recepcionaram orientaram que se despisse e aguardasse sozinha no consultório. O grupo de médicos entra na sala. Imediatamente, começa a examinar as marcas existentes no corpo da paciente. Constatam que a perna direita era, a olho nu, mais fina que a outra, como se a carne tivesse secado e não houvesse mais nada entre a pele e o osso. Isso fazia com que Eva tivesse dificuldade para manter o calçado preso ao pé. A menina apresentava ainda lesões que subiam por suas pernas até suas nádegas e começavam a tomar conta também de seu rosto e de suas mãos. Colheram também amostras que foram enviadas para análise histopatológica, embora o resultado não fosse necessário para a confirmação do diagnóstico. Como a menina apresentava múltiplas lesões em várias partes do corpo, os médicos foram unânimes: lepra lepromatosa. O grupo finalizou o exame e saiu sem trocar nenhuma palavra com ela. Pelas enfermeiras, a menina foi orientada a se vestir e encaminhada para um dormitório. Ao contrário do colégio, onde Eva dividia o quarto com diversas meninas, foi obrigada a passar a noite sozinha. Ali começava a sua rotina de isolamento. Aguardou até umas 15 horas, quando foi avisada que um novo carro chegara para buscá-la. A menina nutria esperanças que o destino fosse a sua escola. Ela ainda não sabia, mas nunca mais retornaria ao internato. Novamente, um casal de enfermeiros a aguardava. A moça carregava um amontoado de papéis na mão. Os dois a embarcaram em um carro preto, descrito por ela como um carro fúnebre. Eram quase 16 horas quando partiram. Foi então que a menina percebeu que o caminho que percorriam não era o que a levaria de volta para casa. – Para onde vocês estão me levando? – Não te preocupa que tu vai para um lugar bom – respondeu a enfermeira. – Eu acho que eles vão me matar. Vão me matar (…)”.
A Melnick divulgou dados do seu desempenho em 2022. Os números confirmam a impressão causada pelas placas da empresa em construções nos pontos mais valorizados de Porto Alegre.
Atualmente, a Melnick tem 20 canteiros de obras em andamento, totalizando 45 torres e mais de 3.600 unidades em construção, segundo a nota distribuída pela assessoria de imprensa.
A nota, distribuída à imprensa na semana passada, diz que 2022 foi um ano “com resultado histórico de lançamentos, entregas e vendas”.
Presente em 10 cidades do Rio Grande do Sul, a incorporadora possui landbank (banco de terrenos) superior a R$ 5 bilhões em 30 terrenos, “dos quais mais de R$ 1 bilhão já se encontram aprovados”.
Um desses terrenos, talvez um dos mais valiosos, fica ao lado do Museu Julio de Castilhos, onde durante mais de meio século foi o Colégio Anchieta. A Melnick tem um projeto de 41 andares para o local e enfrenta muitas críticas porque vai desfigurar um espaço histórico, com vários prédios importantes tombados, contrariando a legislação. O MP analisa inclusive um pedido de embargo da obra que está em fase de licenciamento.
Maquete do prédio de 41 andares projetado para a Duque de Caxias.
Os lançamentos geraram um valor geral de vendas (VGV) de R$ 1,27 bilhões, um aumento de 15% em relação ao ano anterior. Foi o recorde de lançamentos da empresa.
Já as vendas liquidas cresceram 32%, chegando a R$ 647 milhões, enquanto a receita liquida subiu 33%, ultrapassando pela primeira vez a barreira do bilhão de reais, para R$ 1,03 bilhões.
Houve também, no ano, um recorde de entregas, totalizando um VGV de R$ 965 milhões, mais que 3 vezes o volume do ano anterior.
Entre os prédios entregues, está o Pontal do Estaleiro, obra polêmica junto à Orla do Guaíba, que reúne o hotel, salas comercias e um centro de eventos.
O Pontal foi uma das principais obras da Melnick. O debate sobre a construção de espigões no Pontal motivou até um plebiscito em Porto Alegre. Foto: Divulgação
Líder no setor de construções de alto padrão na região metropolitana de Porto Alegre, a Melnick se preparou para dar o salto.
Empresa familiar bem sucedida, em 2020, quando fez 50 anos, abriu capital e captou R$ 713 milhões na bolsa de valores para sustentar a expansão. Adotou uma política agressiva de aquisição de terrenos.
Antes adquiria os terrenos através de permuta por área construída: em cada 100 apartamentos ou escritórios construídos, 20 eram para pagar o terreno, um custo alto. Capitalizada, a empresa passou comprar a vista numa política agressiva em que abocanhou algumas das áreas mais valiosas de Porto Alegre.
Essa política agressiva de crescimento tem gerado reações negativas na opinião pública, com fortes críticas de entidades defensoras do patrimonio histórico e do meio ambiente. Quando foi divulgado o projeto do espigão ao lado do Museu Julio de Castilhos, o tapume que a empresa colocou no terreno foi pixado: “Fora” “Lixo”. ( dois dias depois a pixação foi apagada).
Depois que foi divlgado o projeto de 41 andares naDuque de Caxias, a placa da Melnick amanheceu pixada. Dois dias depois a pixação foi apagada
A Melnick, porém, segue seus planos.
Seu estoque de terrenos vale R$ 5 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão ( 20%) correspondem a projetos já aprovados, segundo a nota distribuida à imprensa. Um de seus alvos mais importantes, segundo uma informação não confirmada, seriam os terrenos do Inter, junto ao Beira Rio. Uma de suas principais entregas este ano foi o Plaza Park, no bairro Moinho de Ventos, em parceria com o Grêmio, É o primeiro hotel temático licenciado por um clube de futebol.
(Com informações da Assessoria de Imprensa, GZH, Jornal do Comércio, site da empresa. Pedimos contato para maiores esclarecimento, não tivemos retorno).
A República Riograndense, proclamada em 11 de setembro de 1836, após uma vitória do general Netto, teve três capitais, enquanto durou.
A primeira, Piratini, instalada em novembro do mesmo ano, foi capital acéfala, pois Bento Gonçalves, eleito presidente, estava preso. Em janeiro de 1839, um ano e três meses depois, a capital foi transferida para Caçapava, por razões de segurança. Também durou um ano e pouco, até maio de 1840, quando os rebeldes acossados transferem seu governo para Alegrete. Em Alegrete, foi instalada a Assembleia que deveria aprovar a constituição da nova República, independente do Império brasileiro. Mas poucas reuniões ocorreram e a carta não chegou a ser votada. Em 1845, quando finalmente se renderam, os farroupilhas tinham seu governo em cima de carretas.
Viamão foi esquecida nesta história. No entanto, tudo indica que a “Vila Setembrina” foi a efetiva capital dos farrapos. Quando eles foram removidos de Viamão, a revolução começou a desandar.
“Quartel-general da rebeldia”, foi como Tristão de Alencar Araripe definiu Viamão no período da Revolução Farroupilha (1835/1845). Araripe era conselheiro do Império e foi presidente da Província dez anos depois da pacificação. Escreveu “Guerra Civil no Rio Grande do Sul”, minuciosa e bem documentada obra, embora parcial. Baseou-se em farta documentação do governo e privilegiou o ponto de vista imperial. Mas é esclarecedor e mostra que Bento Gonçalves fez de Viamão, onde tinha muitas relações de família, uma espécie de capital rebelde, desde as agitações iniciais. Navegando à noite, transportaram homens e armas de Pedras Brancas (atual cidade de Guaíba) para Itapuã, acumulando forças “nas costas da capital”. Canhões foram instalados no alto do morro e na ilha do Junco para impedir a navegação na Lagoa dos Patos, por onde Porto Alegre poderia receber reforços.
Ilha do Junco vista do Morro da Fortaleza | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto
“Os chefes do movimento haviam se combinado: José Gomes Jardim e Onofre Pires reuniram algumas praças da Guarda Nacional, agregaram alguns peões na Capela de Viamão, distante quatro léguas da capital, e marcharam para esta no dia 20 de setembro de 1835, onde entraram com séquito de 300 a 400 pessoas”, escreve Araripe.
Expulsos da Capital em 1836, “os farrapos acamparam no Morro da Maria Silvestre, na lomba da Taruãá, em 27 de junho de 1836”, segundo Moacyr Flores. “Bento Gonçalves e Onofre Pires ocuparam uma casa junto da antiga Câmara”.
Foi nas colinas entre Viamão e Porto Alegre, na atual “Estrada do Forte” que os revoltosos mantiveram suas baterias para sustentar o cerco que se estendeu, com intervalos, por mais de quatro anos.
QG Farroupilha foi sede da extinta Fepagro, no bairro vizinho a Tarumã | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto
A tomada da fortaleza de Itapuã, em agosto de 1836, foi a segunda grande derrota dos farroupilhas, depois da retomada de Porto Alegre pelas forças do Império. Duzentos soldados desembarcaram de madrugada no Saco do Faria (hoje Praia das Pombas) para assaltar a fortaleza defendida por 42 farroupilhas. Sobreviveram dez feridos, feitos prisioneiros. O comandante Simeão Barreto foi enforcado, segundo Moacyr Flores.
Bento Gonçalves estava em Viamão, em setembro de 1836, quando o general Antonio de Souza Netto proclamou a República Riograndense, nos campos do Seival, em Alegrete. Na tentativa de sair para a campanha e alcançar Piratini, a capital republicana, caiu na armadilha da Ilha do Fanfa, onde foi encurralado e preso. Quando fugiu da prisão na Bahia, um ano depois, reassumiu a presidência em Viamão.
Em 1838, quando tomam Rio Pardo e estão no auge, os farrapos rebatizaram Viamão como Vila Setembrina, “essa dileta criação do governo insurgente”, nas palavras de Araripe.
Foi com a retaguarda que havia em Itapoã que Garibaldi contou para refugiar-se no rio Capivari e aí poder preparar os barcos com as carretas para chegar por terra ao rio Tramandaí.
Do rebanho da Fazenda Boa Vista teriam saído os bois que puxaram as carretas com os barcos de Garibaldi em terras da estância entre os rios Capivari e Tramandaí, em 1840, para alcançar o mar e chegar à Laguna.
Em “Porto Alegre Sitiada”, o historiador Sérgio da Costa Franco detalha o que foram os quatro anos (de junho de 1836 a dezembro de 1840, com algumas interrupções) do cerco farroupilha à capital.
Ele diz que “o prolongado sítio de Porto Alegre foi um fracasso militar dos farroupilhas” e que teve a única eficácia de manter numerosas forças legalistas retidas na capital, enquanto os farrapos tentavam controlar o interior da Província.
Cruz farroupilha nas Trincheiras de Tarumã | Foto: Franciele Vitoria
No final de 1840, quando começaram as negociações de paz, Bento Gonçalves estava em Viamão e de lá trocava correspondência com o presidente da Província, em Porto Alegre. Quando chegou para oferecer, em nome do governo imperial, anistia aos rebeldes que depusessem as armas, o deputado Álvares Machado seguiu imediatamente para Viamão para se encontrar com Bento Gonçalves e “durante todo o mês de novembro, andou entre Porto Alegre e Viamão em repetidos encontros com o chefe dos farroupilhas”, registra Costa Franco. Era recebido com “amigáveis banquetes”, segundo Araripe.
Quando o governo se deu conta de que as tratativas de paz eram apenas “manobras dispersivas” dos farroupilhas, retomou os planos de reunir uma grande força, para ir batê-los em Viamão. De São Paulo saiu a chamada “divisão paulista”, com mais de mil homens sob o comando do brigadeiro Pedro Labatut, enquanto em Porto Alegre, o governador Soares de Andrea reunia todas as suas forças para um ataque final. Percebendo que o cerco se fechava, Bento Gonçalves despachou uma força de 1.600 homens comandada por David Canabarro, para conter a aproximação de Labatut, e ficou com apenas 500 soldados em Viamão. Informado dessa manobra, o governador mandou o tenente-coronel João Nepomuceno, à frente de 720 homens, “ para fazer um reconhecimento em Viamão”.
Área do Passo do Vigário, do Centro a Tarumã | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto
Uma partida de 300 farroupilhas tentou detê-los no Passo do Vigário, mas teve que bater em retirada, deixando nove mortos, entre eles o jornalista italiano Luigi Rossetti, criador do jornal O Povo, órgão oficial da revolução. Rossetti era editor do jornal, mas havia se desentendido com os chefes e foi mandado para a tropa, como tenente. Esse revés foi fatal, os farrapos tiveram que deixar sua “Setembrina”.
Depois disso, a revolução ficou limitada a escaramuças na Campanha e não mais se recuperou, até o desastre de Porongos em novembro de 1844, quando a derrota se consumou. A paz seria assinada três meses depois.
(Com informações do livro Viamão 300 anos, Já Editora, 2023 )
A rua Duque de Caxias, cuja história se confunde com as origens de Porto Alegre, vai “ganhar” um edifício de 41 andares (134 metros de altura) no seu ponto mais alto.
Pretende ser o primeiro de uma série de “prédios icônicos” que irão moldar a nova face urbana da cidade, seguindo os padrões globais de verticalização.
O impacto no coração do centro histórico não está devidamente medido. Simulações indicam que o prédio projetará sombra sobre a matriz, o Palácio Piratini e até no monumento a Julio de Castilhos, o Patriarca.
Simulação em 3D feita pelo IAB
Além da pressão na infraestutura e no trânsito, o impacto visual: o espigão vai desfigurar imóveis tombados, como são as casas do Museu Julio de Castilhos.
O projeto, no entanto, é coerente com o que vem acontecendo há muito tempo.
O descaso com o patrimônio histórico está escancarado ao longo de toda a Duque de Caxias, uma das três ruas traçadas pelo capitão Montanha, o engenheiro militar que definiu o perímetro original do povoado, em agosto de 1773, há 250 anos, portanto.
A população de Porto Alegre ainda não chegava a mil moradores.
Rua da Praia (Andradas), a rua do Cotovelo (Riachuelo) e, no alto, a rua Formosa (atual Duque de Caxias), três paralelas. Foram as vias que orientaram a ocupação da cidade, entre as águas e o espigão, a partir do núcleo original junto à Praia do Arsenal.
Representação esquemática das três primeiras ruas de Porto Alegre: Rua da Praia (Andradas), Rua do Cotovelo (Riachuelo) e Rua Formosa (depois Rua da |greja e atual Duque de Caxias)
Com a construção da primeira matriz no seu ponto mais alto, a rua Formosa passou a ser a “rua da Igreja”.
Quando visitou Porto Alegre, em 1820, o botânico francês, Saint’Hilaire, registrou em seu famoso diário: “Uma das três grandes ruas, chamada rua da Igreja , estende-se sobre a crista da colina. É aí que ficam os três principais edifícios da cidade, o Palácio, a Igreja Paroquial e o Palácio da Junta (que depois foi Assembleia). São construídos alinhados e voltados para noroeste. Na outra face da rua, em frente não existem edifícios, mas tão somente um muro de arrimo, a fim de que não seja prejudicada a linda vista que daí se descortina”.
Numa sessão no dia 29 de dezembro de 1869, a Câmara Municipal mudou a denominação de rua da Igreja para Duque de Caxias, homenagem ao general que pacificou a Província, foi governador e senador pelo Rio Grande do Sul. Sua gestão, depois da Revolução Farroupilha, foi de reconstrução e de muitas obras em Porto Alegre, inclusive o ajardinamento da Praça da Matriz e outras duas praças na rua Duque de Caxias, “que concorreram para embelezá-la”.
Em 1892 possuía 317 prédios, sendo 55 sobrados e 40 assobradados. Foi uma das primeiras onde circulou um bonde elétrico em 1909 e o bonde “Duque” fez parte do folclore urbano de Porto Alegre.
No início do século 20, a Duque de Caxias tornou-se o endereço da elite política e econômica do Estado, era a rua do poder. É dessa época o palacete dos Chaves Barcellos, a 100 metros do Palácio Piratini, projetado por Theo Wiedersphan.
Palacete dos Chaves Barcellos: tombado e abandonado | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulo
Eram quatro casarões pertencentes ao clã na Duque — duas delas deram lugar a prédios, uma foi demolida, virou estacionamento.
A que resiste, na esquina da Duque com a João Manoel, desde 2004 é patrimônio histórico do município, em estado de abandono denunciado na imprensa já em 1990.
Em setembro de 2023, a rua Duque de Caxias tem 23 imóveis tombados ou inventariados pelo patrimônio público, em âmbito federal, estadual e municipal.
Dois terços deles abandonados, quando não depredados e irrecuperáveis.
| Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto
Fora a Igreja Matriz e os prédios principais do poder público, como o Palácio Piratini, a antiga Assembleia (que está sendo restaurada), o quadro é de abandono total.
Um visitante que percorra a pé os dois quilômetros e pouco da rua Duque de Caxias não terá a menor ideia dos 250 anos de história que ela encerra. O que ele perceberá chocado é o descaso com o pouco que resta desta memória.
(Com informações do Guia Histórico de Porto Alegre, de Sérgio da Costa Franco)
Divulgado na semana passada, o projeto da Melnick, de construir 41 andares na rua Duque de Caxias, está mobilizando os moradores de pelo menos dez edifícios do entorno, no quarteirão entre a Praça da Matriz e o Viaduto Otávio Rocha, na Borges de Medeiros, no centro histórico de Porto Alegre.
São edifícios de alto padrão, cujos proprietários temem a desvalorização dos apartamentos e a degradação de uma região já saturada, nas proximidades dos centros de poder do Estado – Catedral Metropolitana, o Palácio Piratini, o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa.
“Vai acontecer uma transformação brutal aqui, sem que a gente saiba de nada”, reclama uma moradora. que prefere não se identificar.
Ela diz que a face oeste de seu edifício na esquina da Duque com o Viaduto vai perder toda a insolação, além da ampla vista que hoje tem da orla do Guaíba. “Os apartamentos vão perder metade do valor. Não sou contra que eles ganhem dinheiro, mas não com nosso prejuízo”.
O zelador de um dos prédios de alto padrão no quarteirão não quer se “meter na encrenca dos condôminos”, mas como está há 15 anos na área, chama atenção para um problema que vê diariamente. “Em certos momentos o trânsito aqui já fica trancado até a frente do Piratini. Com mais 500 apartamentos, quase 700 garagens, imagine o que vai acontecer. O governador vai ficar trancado do Palácio”.
Houve reuniões inclusive no fim de semana e um dos pontos em discussão é a contratação de advogado para levar o caso à Justiça. Eles buscam também o apoio da Associação dos Moradores do Cento Histórico para ampliar o movimento.
Na quinta-feira, 31 de agosto, o Instituto dos Arquitetos do Brasil divulgou uma nota questionando o projeto e recebeu adesão de 30 entidades.
Em fase final do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), o projeto da Melnick em parceria com o grupo Zaffari prevê uma torre residencial de 41 andares e uma galeria comercial com 38 espaços comerciais, no nível da Duque de Caxias. Supermercado Zaffari, que funciona embaixo, no nível da rua Fernando Machado, está incorporado ao projeto.
A polêmica foi levantada nas redes sociais, na semana passada, pelo economista André Augustin, pesquisador do Observatório das Metrópoles. Ele divulgou detalhes do projeto, que já passou por várias alterações.
Apresentado em 2017, foi inicialmente indeferido porque incluía um hotel, atividade vetada para aquela área.
Foi retomado em 2018, após parecer da Procuradoria-Geral do Município, e aprovado em janeiro de 2021.
Em março de 2021, foi solicitada sua inclusão na Lei dos Esqueletos (Lei 11.531/2013), criada para incentivar a conclusão de prédios inacabados do Centro de Porto Alegre. Recebeu recebendo parecer favorável em agosto do mesmo ano. É uma das quatro edificações no Centro beneficiadas pela legislação.
Nesse momento, o projeto pertencia à empresa Kleebank Participações LTDA.
Em 9 de fevereiro, segundo reportagem do Sul 21, foi vendido à Melnick (38,4%) e ao grupo Zaffari (61,5%).
Desde então, pedidos de modificação no projeto vem sendo feitos, incluindo a elevação para 41 andares, passando de 88,75 para 98,39 metros de altura.
Para justificar o aumento da altura, a construtora diminuiu da área total a ser construída, de 73.097,09m² para 67.289,36m². Em compensação, recolocou o projeto do hotel no conjunto do empreendimento.
O edifício residencial teria 593 unidades, sendo 363 delas área de 24,55 m². A previsão é de 700 vagas na garagem.
Localizado ao lado do Museu Júlio de Castilhos, tombado pelo patrimônio público do Estado, o projeto estaria sujeito às regras de zoneamento: no máximo 15 pavimentos ou 45 metros de altura na área do entorno do museu.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) informou ao Sul 21 que deu parecer favorável a uma edificação com até 45 metros a contar da Duque de Caxias e que qualquer mudança tem que ser aprovada pelo órgão, “que até o momento não recebeu esta demanda”.
Em 28 de abril deste ano, a Melnick encaminhou mais um pedido de modificação no projeto aprovado, solicitando a alteração do perímetro da torre do edifício, aumento da altura da edificação e extensão da Taxa de Ocupação da Duque de Caxias para o restante do terreno.
Este pedido informa que o empreendimento terá 60 metros lineares de fachada na Rua Duque de Caxias.
A construtora argumenta que “o centro da cidade sempre conviveu bem com a verticalização e que já existe sinergia entre o patrimônio histórico e as edificações altas de seu entorno. Além disso, a proporção de ‘vazio urbano’ do ponto de inserção do terreno em questão abre um caráter de exceção para a implantação”.
Procurada pelo repórter Luís Gomes, do Sul 21, a Melnick se limitou a uma nota: “A Melnick atua de forma ética e transparente no desenvolvimento dos seus empreendimentos imobiliários e em total conformidade com a legislação vigente. Nesse sentido, informa que todos os empreendimentos são submetidos a rigoroso processo de aprovação perante todos os órgãos competentes”.
O prédio vai ter uma fachada de 60 metros na avenida Duque de Caxias, no centro histórico de Porto Alegre.