A recente revolta popular no Cazaquistão confirma a consciência geopolítica do presidente russo, Vladimir Putin. Há meses fustigando as fronteiras da Europa com exercícios bélicos, ele agora teve que atender o pedido de socorro do presidente, Tokajew. Milhares de soldados e equipamentos militares foram deslocados para o país sob a bandeira de “tropas de paz”.
A chefe da União Européia, Ursula von der Leyen, foi a Paris tratar da transição do próprio cargo e abordou o conflito com o presidente Macron. “Devemos trabalhar para reduzir a violência e promover o diálogo não só com os Russos, mas com todos, em todas as esferas”, defendeu o líder francês, indicando a direção do futuro mandato na UE.
A Europa depende muito da Rússia e de todos os países da região. A crise do gás, razão para a revolta no Cazaquistão, é um fato em muitos outros países, confrontados com um aumento de 400% no preço da commodity. Na Alemanha, o gás é o principal substituto no curto prazo para as usinas nucleares e a carvão que o país pretende desligar.
Com a vantagem de quem fornece a matéria-prima, e assim define a demanda, o Czar russo parece estar fazendo o seu Reset geopolítico.
Putin fez um duplo movimento antes da virada do ano. Falou com Biden por telefone sobre a Ucrânia, e seguiu viagem no mesmo dia para Minsk, na Bielorrússia, onde encontrou o ditador, Alexander Lukashenko. Juntos, anunciaram manobras militares conjuntas para Fevereiro e Março, num sinal de prolongar ainda mais a pressão na fronteira com a UE.
A Rússia realiza manobras militares nas bordas da Ucrânia desde marco do ano passado. As operações chegaram a concentrar mais de 200 mil soldados. Hoje o contingente baixou para 10 mil, segundo a própria Rússia, mas a Otan anda alertada.
“Diálogo sim, mas não a qualquer preço”, declarou o secretário geral da Otan, Jens Stoltenberg, por vídeo conferência dia 07.01.2022.
Os argumentos do presidente russo são claros: “não aceitaremos mais um sistema de mísseis da OTAN na nossa fronteira”. Em troca das facilidades da participação na União Européia (UE), o presidente Ucrâniano, Volodymyr Zelensky, aceitou a instalação de um sistema de mísseis dos ocidentais em seu território. Dos países do leste europeu, seria o terceiro, depois de Polônia e República Checa, fechando um cerco estratégico sobre os russos.
A crise militar na antiga república soviética revela agora não só a atual força dos laços históricos ao leste da Europa. Ela aponta para uma tomada de posição estratégica em um mundo cada vez mais polarizado.
Um ditado muito comum da política diz que o presente é cego para o futuro. A recém encerrada eleição geral da República Federal da Alemanha (BRD) confirma a imprevisão contida nessa crença. Após 16 anos no poder, logrados em três reeleições consecutivas (2009, 2013 e 2017), a primeira-ministra, Angela Merkel, entrega o cargo agora com uma derrota histórica.
Seu partido, a União Democrata-Crista (CDU), amargou uma perda de quase 12% na representatividade no parlamento do país (Bundestag), sendo ultrapassado pelo Partido Social Democrata (SPD), como principal força política da república. Resultado em absoluta contradição com o talento da primeira-ministra.
Méritos
Desde que assumiu o posto em 2005, Merkel demonstrou maestria sem paralelo no enfrentamento de crises e relações difíceis. Sobreviveu à crise do Euro logo no primeiro mandato. Manobrou com competência inigualável a eleição do intragável Donald Trump. Transformou a maior crise de refugiados, causada pela política belicosa da OTAN na África e Oriente Médio, num palanque internacional para sua imagem. E mesmo que injustamente, foi apontada como grande estadista do continente Europeu no enfrentamento da Pandemia do corona vírus.
Todos esses méritos foram insuficientes para aplacar a decadência inevitável de sua popularidade internamente. Se por um lado, Merkel é vista como uma competente liderança, no fim das contas, sua figura é consagrada por promessas demagógicas que nunca se concretizam. O drama dos refugiados é só a ponta desse iceberg.
Fuga covarde
Em 2015, a chanceler ganhou manchetes pelo mundo como a mãe dos exilados que tentavam chegar à Europa. Prometeu receber um milhão deles em seu país. Após seis anos, menos de um quarto disso conseguiu se formalizar junto à desumana burocracia alemã. Os afegãos, por exemplo, estavam sendo enviados (deportados) de volta até dias antes da retomada de Cabul pelos talibãs. Afinal, tratava-se de um país “pacificado”, segundo a classificação utilizada pelo ministério das relações exteriores (Auswertigesamt).
A fuga acovardada das tropas alemãs, ao fim de 20 anos de ocupação militar no Afeganistão, foram a prova inegável da farsa que o marketing político do governo em Berlim tenta negar. Não só para os que já viviam na Alemanha. Milhares de pessoas que por duas décadas ajudaram os alemães como tradutores, interpretes e negociadores foram simplesmente deixados para trás.
Passivo geopolítico
Quem assumir o poder nos próximos meses herdará um passivo geopolítico considerável e uma situação nada confortável. Independente de partido, já que o sistema parlamentarista alemão possibilita que, mesmo derrotada, a CDU consiga articular uma coalizão em torno de si para manter o poder central em sua mão, os desafios são imensos.
Além da deterioração do ambiente interno, causado pela piora das condições de vida dos mais pobres, o grande problema vem do cenário internacional. O discurso de vanguarda humanista dos alemães já não consegue mais esconder sua dupla moral. Basta mencionar sua crítica a governos autocráticos ou com tendências e abordagens antidemocráticas, dos quais depende cada vez mais.
Da Rússia, por exemplo, compram cada vez mais gás natural, principal combustível para fazer valer sua política de combate à mudanca climática. Acaba, inclusive, de concluir o projeto do Nordstream 2, gasoduto submarino para trazer o gás diretamente pelo mar Báltico, eliminando o desconfortável e instável atalho pela Ucrânia e Polônia.
Do Brasil vem a maior parte da soja que alimenta os porcos criados internamente pela indústria de carnes. Essa mesma indústria depende em sua maior parte de trabalhadores temporários, que recruta através de atravessadores nos países do leste, e que recebem salários até três vezes menores que o salário mínimo de um trabalhador alemão.
Da China, principal parceiro comercial, depende visceralmente, tanto para suas compras de produtos, peças e insumos industriais, quanto para a venda e inovação de tecnologias de ponta. O caso da Huawei, no setor de telefonia é emblemático. A empresa é parceira na venda e desenvolvimento de inovações digitais de empresas como a Deutsche Telekom.
Espinho no olho
A crescente dependência alemã da Rússia e da China é como um espinho no olho para os Estados Unidos, tradicional parceiro estratégico e principal rival de ambos no mundo inteiro. Os norte-americanos, sob a escusa da OTAN, mantém uma base militar, e um sistema de foguetes nucleares intercontinentais dentro do território alemão. A notória base de Ramstein é volta e meia alvo de campanhas pacifistas, que pregam o seu desmantelamento. Mas até hoje nenhum político do governo encampou seriamente a proposta.
Dentro da Europa o cerco se fecha sob a batuta dos franceses, históricos defensores de uma maior autonomia militar da Europa frente aos Estados Unidos. Essa tendência anti-americanista deve ganhar mais força depois do tombo comercial sofrido pelos franceses no negócio da venda de submarinos militares para a Austrália em setembro. Vale lembrar que é por explicito desejo do governo francês, que os alemães mantêm dois mil soldados estacionados no Mali, em mais uma “missão de paz” das grandes potências do ocidente.
Costurar negociações e ações positivas nesse cenário antagônico será o grande desafio do herdeiro de Angela Merkel.
A maior derrota do ocidente na era moderna. Assim é chamada a saída das tropas da OTAN do Afeganistão. Independente do ângulo a ser observado, ela representa um fracasso sem precedentes, e que irá reverberar pelo mundo todo por muito tempo.
Na perspectiva alemã, segunda maior presença militar depois dos Estados Unidos, a manobra teve nuances nítidas de uma fuga acovardada. Logo no primeiro atentado ao aeroporto em Cabul, os alemães fizeram as malas e vazaram para o Uzbequistão. Quatro dias antes do prazo final acordado com o Talibã, três aviões do Exército (Bundeswehr) pousaram na base militar de Wunstorf, próximo a Hannover. Neles, os últimos 440 soldados da missão germânica.
A bordo, junto com a tropa, estava a ministra da defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer. Ela foi ao Uzbequistão para acompanhar o encerramento do resgate. No desembarque em solo alemão, fez um pronunciamento rápido, juntamente com o comandante da operação, o general de Brigada Jens Arlt. Ambos elogiaram a competência e a eficiência na “extremamente difícil e perigosa” evacuação. Nenhum mencionou falhas. Especialmente o fato de que foram deixados para trás mais de 300 alemães e outros milhares de antigos colaboradores nativos, agora sob o jugo talibã.
Para dar um ar mais dramático ao evento, todos os soldados desceram dos aviões carregando suas armas e em trajes de combate. Até o general Arlt carregava pendurada uma G-36, fuzil de assalto exclusivo do exército alemão. Durante o discurso da ministra, ele por vezes mantinha o dedo na trava do gatilho da arma, como que pronto para responder a um ataque inimigo. “Na Alemanha!? Ele nunca nem pegou nessa arma no Afeganistão”, comentou, em tom de brincadeira, um colega da Agência de Imprensa do Governo durante a recepção. Outros presentes pareciam consternados com a encenação, que terminou com um abraço carinhoso de Annegret no general, e o fuzil pendurado entre eles.
Apesar do teatro dirigido pelo marketing político, o desgaste causado pela desastrosa retirada é nítido. Tanto que políticos da própria União (CDU/CSU) se anteciparam às críticas. “Fomos sem dúvida desacreditados, mas é importante reconhecer os avanços conquistados e trabalhar para mantê-los através da diplomacia”, declarou Roderich Kiesenwetter (CDU), presidente do Comitê de Relações Exteriores da coalizão. “É uma série de lições amargas que devemos aprender desse episódio”, acrescentou ele, lembrando da infraestrutura construída pela OTAN e agora prestes a ser concedida a empresas chinesas.
Faltando menos de um mês para a eleição geral do parlamento, a catástrofe geopolítica no Afeganistão é só uma pá de cal nas pretensões de Angela Merkel de fazer o seu sucessor (a). Uma gota de água, em um oceano de erros no cálculo político. Um processo de desgaste que vem ocorrendo desde o início da pandemia.
Movimento esquisito
O fato que atesta internamente a profundidade e abrangência da crise, aconteceu durante os protestos contra o governo no início de agosto. Quando a saída do Afeganistão ainda não trazia nenhum sentimento de vergonha. Como uma rotina dos finais de semana, milhares de pessoas foram às ruas das principais cidades do país. Convocadas pelo chamado “Movimento dos Pensadores Queer, ou Esquisitos” (Querdenken Bewegung), elas demostravam sua inconformidade com as medidas de contenção da pandemia em vigor há 15 meses, mantendo suspensos direitos individuais fundamentais garantidos pela constituição.
Para mostrar força política e moral, o governo federal, em parceria com a prefeitura, havia proibido os protestos convocados para o domingo (01/08) na capital, Berlim. Alegando desrespeito às “normas de segurança sanitária”, as autoridades tentavam barrar o crescimento do movimento. Além do muro político-midiático que o cerca, desta vez foram convocados mais de três mil policiais para debelar qualquer tentativa de ajuntamento.
Apesar da proibição e da intimidação policial, dezenas de milhares de pessoas marcharam pelas ruas dos principais bairros da antiga parte capitalista de Berlim. Reportagem do grupo Die Welt no Youtube mostra o fiasco do aparato autoritário preparado para reprimir os protestos. Em uma das cenas, policiais empurram duas senhoras de mais de 60 anos que tentavam passar de uma rua para a outra, acompanhando outras pessoas na marcha.
Corrupção legalizada
A discussão que se seguiu às cenas de violência policial, mais a sua nítida inutilidade para conter uma massa de pessoas pelas ruas, conotam uma nova qualidade do ambiente político na maior economia da Europa. Já não são radicais de direita ou de esquerda, confrontando um governo eleito democraticamente. O que se vê hoje nas ruas são pessoas simples, eleitores dos partidos da coalizão do governo no parlamento e que estão fartas das contradições e conflitos de interesse que marcam a política para a pandemia desde o seu início.
Os exemplos só se acumulam. O ministro da saúde, Jens Spahn (CDU), comprou durante a primeira onda da pandemia três imóveis milionários em Berlim. Entre eles, a mansão em que mora junto com seu marido, avaliada em três milhões de euros. Como um bom financista, Spahn pagou os imóveis com empréstimos generosamente concedidos pela Sparkasse, a Caixa Econômica Federal dos alemães, onde havia trabalhado anos antes como membro do “Board” da administração. Em resposta, o ministro processou os autores da denúncia, obtendo liminar da justiça sob alegação de “uso político de um assunto privado”. Afinal, toda a transação foi legal.
No início da segunda onda, Merkel e Spahn tentaram impor a obrigatoriedade de um só tipo de máscaras, as chamadas FFP2. Tecnicamente eram “as mais seguras”. A medida chegou a ser implementada, gerando uma demanda imensa para as empresas que produzem tal insumo. Em seguida apareceram os primeiros casos de lobby dentro do parlamento. De cara, dois deputados da União Democrata-Cristã (CDU) foram denunciados por receberem comissão pela venda de máscaras para o governo. Uma bagatela de 200 e 600 mil euros para cada um deles.
Opinião cristalizada
Novamente, tudo conforme a lei, já que o trabalho de lobby é legalizado no país. O erro dos parlamentares foi não ter feito a declaração de ganho extra, que é obrigatória. Como resultado acabaram “licenciados” de seus cargos. O caso apenas relembrou aos alemães que muitos parlamentares trabalham como lobistas de interesses corporativos dentro do parlamento. E quase nunca declaram seus ganhos paralelos.
No final, a obrigatoriedade de um tipo específico de máscara foi contestada por médicos e especialistas. Sem esquecer que, até hoje, os alemães não sabem se qualquer tipo de máscara protege efetivamente. “Não existe evidência científica de que o uso de máscaras proteja quem usa, ou quem está em volta. Um vírus como o corona não é freado assim. O uso de máscara em lugares abertos é um absurdo”, atestou o presidente do Conselho Federal de Medicina da Alemanha (Bundesartztkammer), Klaus Reinhardt, em entrevista no dia 21 de Outubro de 2020.
O mais interessante é que uma questão assim não consegue ser debatida em um país altamente desenvolvido. “Da perspectiva científica trata-se de um carnaval de opiniões, onde ninguém sabe quem é quem”, brinca o filósofo e apresentador Richard David Precht. O que desespera é não parecer haver mais espaço para discussões sobre as controvérsias. Cada um dos lados cristalizou em sua própria posição, e não há sinais de que tal inércia possa agora ser revertida.
Às vésperas da eleição-geral que definirá o sucessor (a) de Angela Dorothea Merkel, primeira-ministra desde 2005, a Alemanha enfrenta um transe político e institucional sem precedentes em sua história recente. Com consequências que podem colocar definitivamente em cheque todo o projeto de democracia-liberal representado pela União Europeia.
Não bastasse a pandemia, entrando oficialmente em sua quarta onda no país, o verão foi prolífico em produzir situações que acentuam a derrocada da imagem do governo. Nas enchentes de julho, que devastaram povoados e mataram mais de 200 pessoas no Continente, mais de 100 só na Alemanha, a resposta veio rápida. “A reconstrução é uma obrigação nacional”, declarou Armin Laschet, presidente do Partido Democrata-Cristão (CDU) e candidato a herdeiro de Merkel, na mídia oficial.
Imagem do desastre
Na visita que fez aos lugares destruídos, Laschet foi fotografado rindo descontraidamente. Como que achando graça de uma piada. O preço da graça foi alto, uma queda de 10% na intenção de votos para o pleito de setembro.
O desempenho do governo também não ajudou. Anunciou com orgulho 10 bilhões de Euros de ajuda para os próximos anos. Estimativas conservadoras das autoridades locais apontam um prejuízo quatro vezes esse valor. Nos lugares atingidos, os próprios moradores fizeram os primeiros trabalhos de limpeza e desobstrução. Por semanas tiveram que se virar para sobreviver, pois os sistemas de abastecimento ainda não estavam restabelecidos.
O símbolo da devastação veio da cidade de Erftstadt, no estado de Nordrhein-Westfalen. A inundação fez desabar uma antiga mina de cascalho, engolindo três casas. Um estrago pequeno, comparado com a cratera que se abriu no local. Mas a imagem ilustra sobretudo o despreparo, mesmo de uma das nações mais ricas do mundo, para lidar com a força dos fenômenos climáticos que já estão acontecendo. Com mais metade do seu consumo energético garantido por combustíveis fósseis, a Alemanha se vê agora acossada em seu território pelas consequências do seu próprio modelo de desenvolvimento.
Acidentes que acontecem
Uma semana mais tarde, a explosão de um tanque com 14 metros cúbicos de lixo tóxico, proveniente da produção de pesticidas no Chempark de Leverkusen, provou, mais uma vez, que nem todas as normas de segurança da nação que inventou a indústria química moderna podem evitar acidentes. Neste, sete trabalhadores morreram, e 31 ficaram feridos.
O sintomático no caso foi a reação das autoridades. “Não sabemos a causa, mas estamos seguros que nossos bombeiros e especialistas têm competência para resolver situações assim da melhor forma”, afirmou a primeira-ministra, horas após o acidente, lembrando que tanto o Chempark, quanto o estado de NordRhein-Westfallen têm know-how suficiente.
A Currenta, empresa responsável pela operação do incinerador onde o tanque explodiu, é parte do conglomerado Bayer. Ela demorou duas semanas para informar que outros sete tanques com solventes, contendo diferentes concentrações de halogênios, alcalóides e enxofre também pegaram fogo. Até hoje, nem políticos, nem executivos admitem que tenha ocorrido contaminação da população no episódio. Enquanto a mídia oficial declara “não estar descartada” a hipótese levantada pela Greenpeace: “Moradores da região foram contaminados por Dioxinas”.
Se a segurança química falha, a política internacional confirma o encerramento desastroso dessa alta estação.. A vergonhosa saída da OTAN do Afeganistão cria um novo contexto político para os alemães. “Precisamos evacuar todas as pessoas que trabalharam para nós”, antecipou-se Alexander Gauland, líder do partido de oposicao de direita, Alternativa para Alemanha (AfD), quando já era nítida a retomada pelos radicais.
O ministro das relações exteriores, Heiko Maas (SPD) esperou o talibã chegar até a capital para reagir. “Fomos todos surpreendidos”, explicou ele, ao anunciar a operação especial para o resgate de cidadãos alemães, e cerca de 1.100 afegãos que trabalhavam diretamente com a parte alemã da missão.
“Isso é um pequeno percentual das pessoas que, por terem trabalhado conosco ao longo dos últimos 20 anos, estão agora com suas vidas ameaçadas”, afirma indignado, Marcus Grotian, coordenador dos trabalhadores nativos a serviço dos alemães. Segundo ele, 10 mil pessoas é um número mais realista, todavia modesto. “Afegãos, que por anos cooperaram conosco e agora estavam integrados nas estruturas que criamos, também ficaram na mão, e nossas autoridades não foram sequer capazes de informá-las que não haveria possibilidade de asilo”. Grotian, que serviu como oficial no início da missão, denuncia a falta de uma política de asilo clara até para os ex-colaboradores do próprio exército. “A burocracia têm sido o principal instrumento para negar a maioria pedidos”.
A tempestade afegã ainda deve durar até o fim de agosto, conforme previsto oficialmente. Na conta de Merkel vão todos os atrasos, atropelos e negligências ocorridas na calamitosa fuga de Cabul. Não só por ter sido ela quem habilmente conduziu a farsa internamente. A chanceler chegou a receber uma capa da revista Der Spiegel com um semblante de Madre Tereza. Sua política para os refugiados, como sua política para a pandemia, conquistaram corações mundo afora, pelo menos no início. No final, estamos vendo como a realidade imperial se impõe a tais populismos.