Mães de jovens mortos pela polícia do Rio denunciam a violência estatal como caso de saúde pública

A 323ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS) trouxe para debate o tema Genocídio da População Negra, que historicamente compõe os piores índices de mortes violentas no Brasil devido aos contextos de vulnerabilidade. Na ocasião, mães de jovens assassinados pela polícia do Rio de Janeiro denunciaram a violência estatal e o racismo como questão de saúde pública. A discussão ocorreu dia 8, na sede Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Rio de Janeiro.
De acordo com os relatos das mães, a polícia atua norteada pela “filtragem racial”, onde pessoas pretas e pobres, moradoras das favelas do país, são as principais vítimas.  “Não podemos falar de saúde sem falar do racismo, que afeta todas as esferas do cotidiano da população negra. O Sistema Único de Saúde (SUS) deve saber acolher essa população historicamente vítima de violência física e psicológica, não podemos ter um SUS seletivo diante das patologias que essa violação de direitos gera”, afirmou a conselheira Altamira Simões, representante da Rede Nacional Lai Lai Apejo.
 
Dados alarmantes
O Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro divulgou que, em agosto deste ano, foram cinco pessoas mortas por dia pela polícia no estado. Ao todo, foram 170 homicídios em apenas um mês. Entre janeiro e maio, as forças de segurança do estado foram responsáveis por 731 mortes.
Segundo o Mapa da Violência 2018, a população negra compõe o maior índice de vítimas da violência provocada pelo Estado, sobretudo jovens de 18 a 29 anos. Em setembro, após o assassinato da menina Ágatha Felix, de 8 anos, na periferia do Rio de Janeiro, o CNS publicou nota de repúdio contra a política genocida praticada pela polícia. “A dignidade dos cidadãos e cidadãs no Rio de Janeiro está sendo diariamente violada. Famílias estão tendo suas vidas colocadas em risco pela atuação desastrosa das forças de segurança pública”.
O luto e a revolta das mães
Mônica Cunha, coordenadora do Movimento Moleque, que reúne mães que perderam seus filhos, também teve o filho assassinado pela polícia – aos 20 anos. “Nossos filhos estão sendo assassinados porque são pretos. A maior fake news da história foi que a abolição acabou. Não somos seres humanos livres porque o tempo inteiro o sistema nos barra”, disse.
 
Ana Paula Oliveira, coordenadora do Movimento de Mães de Manguinhos, perdeu o filho de 19 anos assassinado pela polícia. “Todos os dias mães têm sido dilaceradas por esses homicídios. O CNS não pode ficar de fora desse debate. As mesmas pessoas que servem de pesquisas são assassinadas”, disse ela, referindo-se à população atendida no entorno da sede da Fiocruz Rio de Janeiro, que está situada entre as comunidades de Manguinhos, Maré e Complexo do Alemão.
 
Ações em Saúde para a população negra
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) foi instituída em 2009 pelo Ministério da Saúde no combate às desigualdades no SUS, que muitas vezes têm origem nas violências e violações de direitos humanos. Porém, ainda há muitos desafios. De acordo com a médica Rita Helena Bonet, que faz parte do Coletivo Negrex, organização que reúne médicos e médicas negros, “a medicina ainda é um espaço prioritariamente branco”, afirmou.
Segundo ela, “estamos vivendo um massacre. Todos os dias atendo pessoas com relatos da violência estatal. Esse país se constituiu com base na escravidão e, após a abolição, a população negra nunca foi digna de direitos”, criticou. Jupiara Gonçalves de Castro, conselheira representante da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnicos-Administrativos das Instituições de Ensino Superior Pública do Brasil (Fasubra) defendeu a ampliação do debate.
“Precisamos fazer mais o debate etniocorracial no desenvolvimento de políticas. A maioria das ações não são pensadas para nós”. Conceição Silva, conselheira representante da União Nacional de Negros Pela Igualdade (Unegro) disse que “é sempre urgente falarmos sobre esse assunto. Muitas vezes, corpos negros estão sendo amputados no SUS pela falta de tratamento adequado”.
 
Encaminhamentos
Após a discussão, o CNS se comprometeu a discutir Saúde da População Negra e Racismo de forma transversal a todas as comissões do órgão, trazendo o tema como questão central para superação das desigualdades. A partir disso, a pauta racial passa a ser prioridade não só na Comissão Intersetorial de Políticas de Promoção da Equidade (Cippe). Após o debate, a plenária realizou uma manifestação do lado de fora do evento, que somou protestos contra a violência contra as mulheres no Brasil e o genocídio da população negra.
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Veja todas as fotos da 323ª R.O do CNS
(Com Ascom CNS)

Suicídio causou mais mortes em policiais do que confronto com crime

A 13ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública registra exposição à violência fatal a que os policiais brasileiros estão sujeitos. Em 2018, 343 policiais civis e militares foram assassinados, 75% dos casos ocorreram quando estavam fora de serviço e não durante operações de combate à criminalidade.
A violência a que os policiais estão permanentemente expostos tem efeitos psicológicos graves. Em 2018, 104 policiais cometeram suicídio – número maior do que o de policias mortos durante o horário de trabalho (87 casos) em confronto com o crime.
“No senso comum, o grande temor é o risco da violência praticada por terceiros, mas na verdade o suicídio está atingido gravemente os policiais e não está sendo discutido e enfrentado de forma global”, aponta Cristina Neme, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que edita o anuário.
“É um problema muito maior que muitas vezes é silenciado. São os fatores de risco da profissão que levam ao estresse ocupacional. Eles passam por dificuldades que outras pessoas podem ter, mas que no caso do policial esses problemas, quando associados ao estresse psicológico da profissão e do acesso à arma, pode facilitar esse tipo de ocorrência”, lamenta a pesquisadora.
Letalidade
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registra que houve queda de 10,43% de mortes violentas intencionais em 2018. Mas apesar da queda verificou-se que ao mesmo tempo cresceu em 19,6% o número de mortes decorrentes de intervenções policiais.
A ação da polícia é responsável por 11 de cada 100 mortes violentas intencionais no ano passado, quando 6.220 pessoas morreram após intervenção policial, uma média de 17 pessoas mortas por dia.
O perfil das vítimas repete a situação encontrada em outros anuários: 99,3% eram homens, quase 78% tinham entre 15 e 29 anos, e 75,4% eram negros.
Para a pesquisadora Cristina, os números correspondem a uma decisão superior de ação policial. “A atitude da liderança política é fundamental para reverter o quadro de letalidade e promover políticas de segurança mais eficazes”, assinala a especialista que reclama de “discursos demagógicos e falaciosos que legitimam a prática da violência”.

Brasil registra 1 caso de agressão a mulher a cada 4 minutos, mostra levantamento

A vendedora de roupas Talita Oliveira, 29, se submeteu a sete cirurgias reconstrutoras nos dois últimos anos: duas na orelha esquerda e cinco no nariz. “E terei que fazer mais dez só no nariz”, diz.
Em novembro de 2017, foi atacada pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. Era manhã de domingo quando o agressor invadiu a casa da mãe de Talita, em Barueri (SP), onde ela estava.
Tentou esganá-la, quebrar o seu pescoço e arrancou com os dentes uma orelha e o nariz da vendedora. Os dois filhos mais velhos da mulher, de 13 e 11 anos, viram tudo. “Vivi uma cena de filme de terror. Fiquei desfigurada. Dormi uma e acordei outra. Parecia um monstro”, diz ela.
O Ministério da Saúde registra que, no Brasil, a cada quatro minutos, uma mulher é agredida por ao menos um homem e sobrevive. No ano passado, foram registrados mais de 145 mil casos de violência —física, sexual, psicológica e de outros tipos— em que as vítimas sobreviveram.
A conclusão vem de dados inéditos do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação. A reportagem analisou 1,4 milhão de notificações recebidas de 2014 a 2018.
Toda vez que uma mulher procura um serviço de saúde, e o agente identifica que ela foi vítima de violência, é obrigado a notificar o caso às secretarias de saúde (o mesmo ocorre para violências sexuais, independentemente do gênero, e violências contra crianças e idosos, entre outros casos). Essas informações compõem o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA/SVS/MS).
O número não inclui as mulheres assassinadas, já que elas não são objeto do mesmo tipo de notificação. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2017 houve 4.396 assassinatos de mulheres no país.
Há também alto índice de subnotificação, mesmo com a obrigação legal do registro —o que significa que o número de agressões pode ser ainda mais alto.
Nos últimos anos, houve aumento expressivo nos registros de violência física, psicológica e sexual, de acordo com a base de dados da pasta. A tendência de crescimento se manteve ano após ano. ​
Os registros de violência sexual, por exemplo, tiveram aumento de 53% no período. Nesse tipo de agressão, 7 em cada 10 vítimas são crianças e adolescentes (têm até 19 anos).
Estupros coletivos (cometidos por mais de um autor homem) contra mulheres foram 3.837 no ano passado. Quando se considera também os registros de outros perfis de vítimas, incluindo as do sexo masculino, o total chega a 4.716, uma média de 13 casos por dia.
Não é claro se houve aumento no número de casos de violência contra a mulher ou se os casos passaram a ser mais notificados por causa de uma sensibilização maior da sociedade quanto à violência de gênero, diz a socióloga Wânia Pasinato.
“Nos últimos anos, a gente começou a falar mais especificamente sobre o estupro coletivo, desde o caso de Castelo do Piauí [episódio de 2015 de grande repercussão, em que quatro jovens foram estupradas por cinco homens]”, observa.
“Os dados estavam lá, mas eram invisíveis, mesmo quem pesquisa na área não dava atenção a isso. À medida que a gente dá mais publicidade, ele começa a ser mais denunciado e o registro entra mais na percepção dos profissionais.”
A antropóloga Tatiana Perrone, pesquisadora do Núcleo de Antropologia do Direito da USP, diz que é difícil precisar a razão do aumento, mas que o crescimento no número de mortes de mulheres é um indicativo de que haja escalada na violência de gênero. “Existe um dado bem concreto, que é o corpo. Não depende de notificação”, afirma.
O último Atlas da Violência, do Ipea, com dados de 2017, mostra que a taxa de mortes de mulheres bateu recorde, chegando a 4,7 assassinatos a cada 100 mil habitantes.
Para a promotora de Justiça Gabriela Manssur, o aumento nos registros de violência contra a mulher se deve ao fato de as mulheres fazerem valer seus direitos cada vez mais: “Há um maior conflito, porque os homens não aceitam a liberdade de comportamento”.
Se a violência sexual atinge mais crianças e adolescentes, a agressão física tem como vítima preferencial mulheres de 20 a 39 anos (55% dos casos).
Em quase todos os casos de violência, o agressor da mulher é uma pessoa próxima: pai, padrasto, irmão, filho, ou, principalmente, ex ou atual marido ou namorado. É em casa onde as mulheres são, na maioria das vezes, agredidas: 70% dos casos ocorrem em residência.
Foi o caso da Talita, a mulher citada no começo desta reportagem.
A vítima e o agressor, seu ex-companheiro, ficaram juntos por cerca de dois anos. As agressões começaram no segundo ano do relacionamento, segundo ela. Manchas roxas pelo corpo eram comuns.
“Minha mãe falava para eu me separar, que uma hora ele ia me machucar feio”, diz. “Mas, quando você está dentro do ciclo de violência, é muito difícil sair. A mulher não gosta de apanhar. A gente fica psicologicamente presa.”
Para Perrone, essa violência está ligada aos papéis que são ocupados por cada gênero na sociedade.
“Os homens são ensinados a utilizar a força e a violência para a resolução de conflitos e tentam colocar as mulheres em determinados lugares. Há um exercício de poder e da violência para controlar os corpos das mulheres.”
REGISTROS INDICAM DISCREPÂNCIAS E SUBNOTIFICAÇÃO
Dados levantados por órgãos de saúde, como é o caso do Sinan, tendem a ser mais confiáveis que os de sistemas de segurança, alimentado pelas polícias.
Isso acontece porque é alto o índice de subnotificação de casos de violência doméstica e de violência sexual, já que há casos em que as vítimas temem denunciar seus agressores.
Wânia Pasinato explica, porém, que os dados do Ministério da Saúde “enfrentam, como qualquer outro sistema de informação, a dificuldade de sensibilizar o profissional da ponta sobre a importância de fazer essa notificação”.
O Ministério da Justiça, que agrega informações policiais, chega a registrar o dobro de casos de estupro que o Ministério da Saúde em 2018.
Isso acontece por uma série de fatores. Primeiro, há estados que enviam dados à pasta da saúde só de atendimentos em hospitais públicos, enquanto outros incluem atendimentos na rede privada.
A diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, levanta outro problema. “Existe uma certa resistência de médicos, que não querem ser chamados para testemunhar em casos de violência doméstica ou sexual, e não assinam a notificação que deveria ser compulsória”, afirma.
“Os dados nos ajudam muito a entender o perfil das vítimas, mas não mensuram todo o tamanho do problema.”
Os dados levantados pela reportagem não permitem ver a faixa de renda, mas estudos apontam que a violência contra a mulher atinge toda a sociedade, independentemente de classe social.
Estudo do Ipea mostra que a violência de gênero tem o dobro da ocorrência quando a mulher participa do mercado de trabalho.
Hoje, Talita não consegue mais respirar pelo nariz. Teve depressão, emagreceu 20 kg, viu os filhos repetirem de ano e não consegue arranjar emprego. “Qual empresa vai contratar uma pessoa doente, que precisa operar de quatro em quatro meses?”
Com a ajuda de um tratamento psicológico, tenta se reerguer. “A minha vida recomeçou do zero. Nasci de novo. Disso eu tenho certeza”, afirma.
O agressor, Ricardo Willians Cazuza, está preso. Ele foi condenado em primeira instância pelo crime e recorre da decisão judicial.
(Com informações da Folha de São Paulo)

RS é um dos Estados onde mais policiais se matam

 
Por Carlos Matsubara
No Rio Grande do Sul, ocorreram 50 suicídios de brigadianos, entre 2008 e 2018. Os dados são da Associação dos Oficiais da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros (ASOFBM), e foram apresentados na manhã desta quarta-feira (28), em Porto Alegre.
Na população gaúcha, a incidência anual é de aproximadamente 10 para cada 100 mil habitantes, o que corresponde a cerca do dobro da nacional. De acordo com os dados apurados pela ASOFBM, através da seção biopsicossocial da Brigada Militar, o afastamento laboral dos policiais militares por problemas psiquiátricos chega a 53%.
Um dos maiores obstáculos para o enfrentamento dos transtornos, segundo a associação, é não falar sobre o assunto, principalmente dentro das Corporações. A rigidez hierárquica, faz com que os militares escondam o problema de seus superiores.
“Além disso, tem o temor do policial em ser estigmatizado e preterido na hora das promoções, ou seja, ter a carreira militar interrompida”, esclarece o presidente da ASOFBM, Coronel Marcos Paulo Beck.
Segundo o Cel Beck, diversas questões estão associadas para o aumento do número de suicídio, entre elas, acesso a porte de armas, situação financeira (parcelamento de salários), problemas familiares e o aumento da criminalidade que leva o policial a trabalhar com uma carga emocional alta.
De acordo com a avaliação do psiquiatra civil, procurado pela ASOFBM, Luiz Carlos Coronel, “os militares estão em um outro fator de risco que é denominado, atualmente, de traumatização vicária. Quem trabalha no dia a dia com ameaças de morte, com violências, seja em que área for, militar, civil, UTI, pronto socorro, em zonas conflagradas, quem lida com as violências dessas que afetam a vida de modo significativo, a existência, pode desenvolver um quadro que se chama de traumatização. A pessoa adoece, desenvolve um quadro de ansiedade e depressão, e outros sintomas que estão na origem de muitos suicidas. ”
Número de psiquiatras é insuficiente
Atualmente, a Brigada Militar conta com cinco psiquiatras para atender o efetivo que chega a 19 mil homens. Apesar da contratação dos novos oficiais médicos, o projeto para a avaliação psicológica do policial começa a decolar agora. De dois em dois anos avaliações deverão ser feitas para constatar se está apto para seguir na profissão. Até então, os únicos exames psicológicos realizados eram de ingresso na corporação, após aprovação do concurso.
Para o psiquiatra Luiz Carlos Coronel as instituições Militares brasileiras não atuam fortemente no trabalho preventivo, “ então eu louvo até a iniciativa de programas como este de que trate das necessidades de implantação dessas medidas. Existem trabalhos magníficos que mostram o conhecimento científico que podem ser usados quando há uma necessidade de quadros de depressão, de ansiedade, de pânico e de risco”.
O problema se agrava, pois, as Corporações evitam falar e divulgar dados e, sem eles, não é possível estudar, revelar como se manifesta e quais os caminhos para superar esses problemas. Por isso, a Associação dos Oficiais lançou uma campanha de prevenção ao suicídio. Peças impressas, em formato de cartilha foram confeccionadas e deverão ser distribuídas nas Corporações BM e CBM. Nela é possível observar os sinais de quem precisa de ajuda, as causas, o que fazer e para onde encaminhar. A ASOFBM também produziu um vídeo com relatos de familiares de policiais que se suicidaram.
Juliana Dill, esposa de um capitão da Brigada que cometeu suicídio em novembro de 2018, acredita que foi pelo estresse do trabalho,embora o marido “amasse mais a Brigada Militar do que a própria família”. Apesar das evidências, ela ainda não acredita que ele tenha se matado, lembrando que o inquérito ainda não foi concluído.
Dados No Brasil – PMS
Dados disponíveis pela agência Pública, revelam que em São Paulo, entre 2006 e 2016, 182 policiais militares cometeram suicídio: uma morte a cada 20 dias. Índice proporcional ao número do efetivo.
Entre 2008 e 2018, 10 se mataram em Pernambuco. No Ceará, entre 2011 e 2018, foram 18 PMs mortos por suicídio; enquanto no Rio Grande do Norte, entre 2010 e 2018, foram oito suicídios – mesmo número dos ocorridos entre 2015 e 2018 em Alagoas. Já no Distrito Federal, foram 11 suicídios entre 2016 e 2018, mesmo período em que 21 PMs se mataram na Bahia.

Ipea divulga o Atlas da Violência dos municípios brasileiros


O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisou 310 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes em 2017 e fez um recorte regionalizado da violência no país. O Atlas da Violência – Retrato dos Municípios Brasileiros 2019, elaborado em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que houve um crescimento das mortes nas regiões Norte e Nordeste influenciado, principalmente, pela guerra do narcotráfico, a rota do fluxo das drogas e o mercado ilícito de madeira e mogno nas zonas rurais. O estudo identifica uma heterogeneidade na prevalência da violência letal nos municípios e revela que há diferenças enormes entre as condições de desenvolvimento humano nos municípios mais e menos violentos.
O município mais violento do Brasil, com mais de 100 mil habitantes, é Maracanaú, no Ceará. Em segundo lugar está Altamira, no Pará, seguida de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Dos 20 mais violentos, 18 estão no Norte e Nordeste do país. De acordo com o coordenador do estudo, o pesquisador Daniel Cerqueira, os municípios mais violentos têm 15 vezes mais homicídios relativamente que os menos violentos. “Em termos proporcionais, a diferença entre os municípios mais e menos violentes corresponde à diferença entre taxas do Brasil e da Europa”, compara. Nos municípios mais violentos, o perfil socioeconômico é mais parecido com os países latino-americanos ou africanos: as pessoas, em geral, não têm acesso à educação, desenvolvimento infantil e mercado de trabalho.
Apesar do aumento da violência em algumas regiões, o estudo do Ipea identificou também que 15 unidades federativas tiveram redução no índice de criminalidade entre 2016 e 2017. O levantamento apontou que, entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, Jaú é cidade menos violenta, seguida de Indaiatuba e Valinhos, todas em São Paulo. No ranking dos 20 municípios menos violentos, 14 são paulistas. Nas cidades menos violentas, os indicadores de desenvolvimento humano são mais parecidos com os países desenvolvidos.
Alguns dados surpreenderam os pesquisadores. Apesar de Santa Catarina ser um dos estados mais pacíficos, a taxa de homicídios em Florianópolis aumentou 70%, de 2016 para 2017. Por outro lado, houve diminuição das mortes em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde há uma boa organização policial e a solução de homicídios é maior do que no resto do país.
Os desafios no campo da segurança pública no Brasil são enormes, na avaliação do coordenador do estudo. “Há luz no final do túnel para dias com mais paz no Brasil e a luz passa por políticas focalizadas em territórios vulneráveis”, acredita Cerqueira. “Quando essas políticas são feitas e concatenadas com a política de qualificação do trabalho policial, com inteligência e boa investigação, se consegue, a curto prazo, diminuir os homicídios no país”, afirma. A solução, sugerida pelo estudo conjugaria três pilares fundamentais. Em primeiro lugar, o planejamento de ações intersetoriais, voltadas para a prevenção social e para o desenvolvimento infanto-juvenil, em famílias de situação de vulnerabilidade. Em segundo lugar, a qualificação do trabalho policial, com mais inteligência e investigação efetiva. Por fim, o reordenamento da política criminal e o saneamento do sistema de execução penal, de modo a garantir o controle dos cárceres pelo Estado.
Acesse o estudo na íntegra