Porto Alegre 2024: Mesmo na praça dos poderes, medo e insegurança

Dias difíceis de viver. Voltou a chover. Mesmo quem está nas áreas onde a enchente não chegou sente o bafio da insegurança geral diante do que está acontecendo – as águas que não baixam, as fragilidades da cidade, o centro abandonado da capital que vai se tornando refúgio de miseráveis.

Mesmo na parte mais alta do centro histórico, o espigão da rua Duque de Caxias, onde fica o palácio do Governo, a Igreja Matriz, o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa, sentes-se o clima tenso.

A praça dos poderes está ocupada por desvalidos.

Há uma semana falta luz, a internet é intermitente, a água já não sobe nos apartamentos. As pessoas saem às ruas em busca de energia para carregar os celulares. A Catedral está fechada, há uma corrente na porta. O palácio Piratini, inacessível, nem um guarda nas guaritas da frente.

^R

Na esquina, entre a Matriz e o Piratini, uma família armou cadeiras na calçada e prepara um lanche. Vieram visitar parentes, não conseguiram voltar para casa, não sabem nem se a casa de onde saíram está no lugar.

Na marquise do Tribunal de Justiça se amontoam moradores de rua e atingidos pela enchente que não sabem para onde ir. Estendem colchões, fazem fogo sob a marquise.

O prédio de dez andares onde funciona a Assembleia Legislativa está vazio, com cortinas de ferro fechando as entradas, mas o gerador de energia está funcionando. Um funcionário da segurança permitiu que os moradores das redondezas tivessem acesso às tomadas para carregar os celulares, no térreo.  Em poucos minutos a informação se espalhou e o espaço ficou lotado, tem fila de espera.

Em meio a um emaranhado de fios pelo chão, as pessoas aguardam a bateria carregar. Grupinhos vão se formando, a enchente é o assunto inevitável, cada um sabe uma história de perigo ou heroísmo. Alguns trazem cadeiras de praia, tomam chimarrão, crianças brincam… Um casal busca informações, souberam que a casa dos parentes em Guaíba foi arrasada, querem saber como podem encontrá-los… As pessoas se olham perplexas… Alguém dá o número da Defesa Civil. “Se é resgate lá eles sabem!” A mulher esconde o rosto para chorar. O homem tenta consolar. “Assim que carregar, a gente liga”.

Nos edifícios sem água e sem luz, os moradores da parte mais alta da cidade, onde estão os poderes do Estado, não escondem o medo.

Porto Alegre, 2024: “Parece um pesadelo”

Parecia que tudo voltara ao normal, depois de uma semana de enchente. Energia, água, internet restabelecidas, a previsão era de que não haveria mais chuvas e as águas começariam a baixar.

Na rua, a luz era radiante, o sol pelas calçadas, as árvores recortando um céu azul, limpo.

Mas, como num filme de suspense, à medida que a câmera avança vão surgindo os sinais da anormalidade na tarde radiosa que prenunciava um “veranico de maio”.

Na avenida, poucos carros, andando devagar, uma aceleração cuidadosa, como para não fazer barulho. Os motoristas agarrados ao volante, tensos.

“A tensão é muito grande”, diz o comissário de plantão na décima delegacia, no bairro Bom Fim. Ele não sabe dizer se a situação é tranquila nos seis bairros ao redor, que são de jurisdição da décima. A delegacia ainda está sem internet, com pouca água e energia elétrica intermitente.

A enchente não atingiu diretamente o Bom Fim, embora a água tenha chegado à suas fronteiras, com a inundação da Cidade Baixa e Menino Deus. Mas os sinais da enchente são visíveis por todo o lado.

As poucas pessoas nas ruas carregam sacolas e andam apressadas, muitas trazem garrafas e garrafões com água. “Só vai voltar sexta-feira”, diz uma senhora que empurra uma bombona de 20 litros de água num carrinho de bebê.

Na frente da tradicional Lancheria do Parque, o dono explica a um grupo porque decidiu fechar há dois dias. “Tive que fechar não sei quando vamos voltar. Ficamos sem água, não tem como trabalhar”, explica Ivo Salton. Ele não esconde a preocupação e a ansiedade.

A energia intermitente e a falta da internet, obrigou também as agências bancárias na avenida Osvaldo Aranha a fechar.

As cortinas das lojas ao longo da avenida estão fechadas, as poucas casas de móveis ou de roupas que abriram estão vazias, os funcionários de braços cruzados.  Alguns cafés também testaram a normalidade que o dia de sol sugeriu, mas estão quase vazios. Nas marquises das lojas fechadas, amontoam-se moradores de rua.  Um homem chora encolhido na esquina. “Pelo amor de Deus, estou com fome”. As pessoas passam quase correndo, como se dissessem: já tenho problemas demais.

Água é a preocupação de todos. Há dois dias foram desligadas as bombas da estação que alimenta essa região da cidade. Não há previsão para voltar o serviço. “Ali na esquina chegou um caminhão”, diz uma vizinha para a outra, que sai correndo. Encontra já umas cinquenta pessoas na fila comprando os garrafões de 20 litros que o caminheiro estendeu na calçada. Vinte reais o galão, preço normal, em poucos minutos não tinha mais.

Os barulhentos helicópteros das equipes de resgate passam em voo baixo, as pessoas carregam os pesados garrafões para os edifícios, como se temessem um ataque aéreo.

Há um silêncio que é quebrado pelas sirenes das ambulâncias, dos bombeiros… um caminhão do Exército cheio de soldados.

O dono da banca de jornais diz que não sabe o que vai encontrar quando voltar para casa. “Quando saí de manhã, a água já estava a dez metros da minha porta”. Ele mora na avenida Venâncio Aires, que liga o Bom Fim ao Menino Deus.  De repente, nuvens carregadas encobrem o sol, o vento sopra levantando as folhas que se acumulavam nas sarjetas, as pessoas apertam o passo.

Com os primeiros pingos todos correm para se abrigar nas marquises e nas portas dos edifícios. Em poucos minutos a rua está vazia e uma sensação de pânico toma conta dos que se aglomeram nas paradas, à espera dos ônibus que não vêm. “Parece um pesadelo”, diz o comerciante, baixando a cortina da loja, encerrando o expediente no meio da tarde. “Eu não reclamo”, diz uma senhora que passa. “Com tudo o que ando vendo, o Bom Fim ainda é um oásis na cidade.”

 

Enchente em Porto Alegre: EPTC libera circulação de táxis, ônibus e lotação sem vistoria

A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informa que as vistorias veiculares estão suspensas temporariamente. Aqueles profissionais que tinham vistoria agendada poderão trabalhar normalmente, seja no táxi, lotação, ônibus ou escolar, até que uma nova data seja marcada e o serviço volte a ser executado. Um cronograma para que sejam colocadas em dia as vistorias será anunciado pelos canais da EPTC.

Atendimento ao cidadão – O atendimento ao cidadão presencial não será realizado. Para que não haja prejuízos em relação à entrega de recursos ou apresentação de condutor, a EPTC suspenderá os prazos temporariamente. O atendimento pelo app 156+POA ou números 156 e 118 segue funcionando normalmente.

Dilúvio sobe três metros e mostra a falta de manutenção nas pontes e nas margens

Em julho de 2023, o prefeito Sebastião Melo apresentou  um projeto para despoluição e revitalização do Arroio Dilúvio, o histórico Riacho , que hoje é uma cloaca a céu aberto entre as duas pistas da Avenida Ipiranga, uma das principais da capital gaúcha.

Dez anos antes, um outro projeto com o mesmo objetivo  fora apresentado pelo então governador Tarso Genro.  Era mais abrangente, prevendo a revitalização de toda a Bacia do Arroio Dilúvio, que envolve uma área entre Porto Alegre e Viamão onde vivem hoje mais de 300 mil pessoas.

Era diferente, também,  porque envolvia as universidades e órgãos técnicos do governo do Estado e do Município. Com a mudança de governo, em 2013, o projeto foi posto de lado.

O prefeito Sebastião Melo, eleito em 202O,  retomou a ideia por outro caminho.  Selecionou através de edital um  consórcio privado  (Regeneração Urbana do Dilúvio) formado pelas empresas Profill, Consult e Pezco,  para elaborar os estudos, “destinados à implantação da Operação Urbana Consorciada na avenida Ipiranga, com o objetivo central de despoluir o Arroio Dilúvio, além de outros benefícios para a região”.

A prefeitura de Porto Alegre pagou R$ 4,49 milhões pelos estudos para definir a “operação consorciada” e chegou a apresentar vistosas imagens da nova paisagem ao longo do riacho.

O projeto previa que  os recursos para as obras de despoluição do Arroio Dilúvio viriam  do setor privado através de leilões de “solo criado”, “um certificado emitido quando empreendedores desejam construir prédios com maior altura na cidade”, segundo explicou a prefeitura.

O secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, esclareceu: “O projeto tem como principais objetivos viabilizar novas construções nas proximidades da avenida Ipiranga e angariar recursos para a despoluição do Arroio Dilúvio. Além disso, serão realizados estudos sociais, demográficos e de impacto ambiental para garantir um desenvolvimento econômico e sustentável ao longo da região, suportando o crescimento populacional”.

“Este projeto ambicioso projeta a Porto Alegre do futuro com a transformação urbana necessária na Ipiranga. O conjunto de intervenções tem custo alto e seguiremos no caminho da parceria, que está no DNA da nossa gestão, para atrair investimentos e viabilizar a recuperação do Arroio Dilúvio”, enfatizou Melo na época.

O prazo era de um ano e meio para realização dos estudos no entorno do Arroio Dilúvio.

“Estudos preliminares apontam que, em 30 anos, seria possível arrecadar R$ 1 bilhão em solo criado. Enquanto isso, a prefeitura prevê orçamento para financiar, pelo menos, a primeira fase da operação”.

“Assim, iniciamos um círculo virtuoso, garantindo segurança jurídica para atrair mais investimentos para a região e, por consequência, mais recursos para despoluição do Dilúvio”, completou Bremm.

Sem que o projeto saísse do papel, as enchentes que atingem Porto Alegre em abril/maio de 2024,  encontraram o arroio Dilúvio em situação de abandono, As águas do subiram três metros e mostraramcom vários pontos de fragilidade, inclusive com um pedaço da ciclovia ao longo da Ipiranga que desmoronou nos primeiros dias da chuvarada.

A única iniciativa visível foi a adoção da ponte da Avenida Silva Só por uma empresa, que se limitou a pintar a balaustrada (originalmente de pedras, substituídas por concreto) e colocar placas promocionais.

Imagem do projeto que não saiu do papel: novos edifícios nas margens para financiar a revitalização

Pousada da Farrapos, que incendiou matando dez pessoas, pode ser a “Boate Kiss” de Sebastião Melo

A negligência da fiscalização municipal já fica nítida nas primeiras informações sobre o incêndio de uma pousada na avenida Farrapos, em Porto Alegre, onde morreram pelo menos dez pessoas na madrugada desta sexta-feira.

O local não tinha sistema de prevenção de incêncio e nem álvará para funcionar como pousada.

A tragédia que choca a cidade pode significar para o prefeito Sebastião Melo  um abalo político parecido com o do incendio da Boate Kiss, em Santa Maria, onde morreram mais de 200 pessoas e cujo impacto abalou a carreira política do então prefeito da cidade, Cezar Schirmer, hoje secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos da administração Melo.

Há uma semana, Melo anunciou sua candidatura à reeleição.

 

Demolição do esqueletão aguarda nova avaliação técnica; implosão está descartada

A estrutura de 19 andares, inacabada há mais de 60 anos no coração do centro histórico de Porto Alegre, segue desafiando as previsões.

A demolição está autorizada, uma empresa de São Paulo (FBI Demolições) iniciou os trabalhos, mas foram paralisados por questões de segurança do trabalho e agora  dependem uma nova avaliação técnica.

A previsão para o início da obra era fevereiro, conforme estimativa do Prefeito Sebastião Melo e, do Secretário de Obras e Infraestrutura.

Ao todo serão oito etapas e o cálculo da empresa é que serão necessários pelo menos cinco meses de obra, incluindo a obtenção das licenças à logística e transporte dos escombros.

O tráfego da área será alterado, pois exigirá o escoamento do material no circuito das ruas Marechal Floriano e Voluntários da Pátria, utilizando caminhões pesados.

A implosão, que seria o modo mais rápido e está prevista no projeto, foi descartada porque o impacto pode atingir a estrutura de outros prédios, inclusive a galeria do Rosário.

Segundo os auditores da Superintendência Regional do Trabalho será necessária a instalação de um elevador de cremalheira para o transporte vertical de funcionários, ferramentas e materiais da demolição.

Os auditores também apontaram a necessidade de medidas de proteção coletiva nos locais internos em vista do risco de queda, a exemplo do poço do elevador do prédio inacabado.

Em vista do parecer da Superintendência Regional do Trabalho,  o secretário André Flores está adequando o projeto de demolição junto aos engenheiros da FBI Demolidora e ainda não há data marcada para inspecionar se as irregularidades da segurança de trabalho foram suprimidas.

A obra vai exigir o isolamento total da região, e esse fato vem gerando aflição para o comércio instalado nas imediações do edifício.

(Nei Rafael Ferreira Lopes Filho)

 

Aos 80 anos, Hospital de Pronto Socorro enfrenta superlotação e falta de investimentos

Duas tendas de lona branca foram instaladas no terreno onde será construído o novo prédio de oito andares, anexo ao  Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre.

Ali, na sexta-feira 19 de abril,  a Fundação Pró HPS reuniu convidados – diretores do hospital, antigos funcionários homenageados, autoridades e a imprensa para comemorar os 80 anos do HPS.

“Estamos pisando hoje no próximo prédio do HPS, mas ele não vai acontecer sozinho, precisaremos que a cidade abrace a causa da ampliação do hospital. A união do poder público e do setor privado dará vida às novas instalações, reforçando a confiança que cada um tem nesta instituição’’, disse o prefeito em exercício, Ricardo Gomes.

O evento de comemoração foi promovido pela Fundação HPS. Foto: Pedro Piegas/PMPA

Porto Alegre foi a primeira cidade no Brasil a ter um serviço público para emergências médicas. A Assistência Pública Municipal foi inaugurada em 1897 numa sala da antiga Prefeitura, com médicos e enfermeiros que iam a cavalo atender os pacientes.

Em abril de 1944, o serviço, já de excelência,  ganhou um prédio próprio num ponto estratégico da cidade, na confluência das avenidas Oswaldo Aranha e Venâncio Aires e passou a chamar-se Hospital de Pronto Socorro.

Tornou-se referência no atendimento a emergências, premiado pelo Ministério da Saúde,  e ainda hoje é reconhecido pela excelência do seu serviço universal e gratuito, principalmente nas especialidades de traumas e queimaduras. Integra o sistema SUS.

Tem a única UTI pediátrica para traumas do Estado. É uma das instituições de maior credibilidade na capital e mesmo além dela.

Mas aos 80 anos  o HPS está longe de seus melhores momentos. Para começar, o prédio octogenário, onde são atendias 120 mil emergências por ano, enfrenta sérios problemas estruturais.

^R

Além disso, como todos os serviços de emergência da capital, enfrenta um quadro de superlotação crônica,  decorrente da precarização do atendimento hospitalar no interior do Estado.

Desde junho do ano passado a Associação dos Servidores do HPS denuncia carências e falta de investimentos em áreas básicas. Divergências políticas dificultam o diálogo entre a direção e os funcionários.

Um temporal danificou o telhado e uma enfermaria  no quinto andar,  está interditada desde o ano passado.  São 30 leitos a menos.  Os pacientes com queimaduras estão sendo internados na UTI de trauma que foi reformada, no quarto andar.

A Associação dos Servidores aponta ainda a falta de funcionários em áreas essenciais.  Faltam 200 técnicos de enfermagem, segundo a ASHPS. A terceirização de serviços essenciais, inclusive médicos, também preocupa os servidores concursados.

O projeto de um anexo na avenida José Bonifácio para expansão dos serviços do HPS já tem 20 anos. Seis imóveis foram desapropriados, com as casas demolidas em 2012.

“Estamos realizando os últimos ajustes para definição do projeto. O propósito é iniciar no ano que vem e concluir ate dezembro de 2026”, disse a diretora Tatiana Breyer em outubro de 2023 em entrevista à rádio Gaúcha.

O novo prédio de oito andares, com 11 mil metros de área construída, permitiria praticamente dobrar a capacidade do HPS, com 130 novos leitos, mais os serviços complementares.

O projeto, ainda em definição, exigiria investimentos de 140 milhões de reais. É a prioridade da Fundação Pró-HPS, entidade “de caráter privado e fins públicos”, fundada em 2004, para criar meios sociais para a captação de recursos para o HPS”. Recursos para os últimos investimentos no HPS têm vindo de suas campanhas e convênios – Troco Amigo com a Panvel, Troco do Coração com o Zaffari e a Nota Fiscal Gaúcha.

Na comemoração, a Fundação, cujo solgan é “O HPS cuida da gente/ A gente cuida do HPS”, implicitamente lançou uma  campanha para bancar a expansão do HPS com parcerias privadas.

A maquete do novo prédio para expansão do HPS na av. José Bonifácio.

 

 

 

Tradicional “Banca do Clovão” foi removida para acelerar obras no Viaduto da Borges

Na noite de quarta-feira 17 de abril de 2024 foi realocada a “Banca do Clovão”, quiosque para venda de jornais e revistas que desde 1977 ocupava um espaço na calçada, ao pé do Viaduto da Borges, ponto de referência daquela região do centro histórico.

Foi deslocada 20 metros  para a esquina da avenida Borges de Medeiros com a rua Fernando Machado.

A mudança foi feita por uma equipe da Concrejato, a empresa responsável pela reforma do Viaduto, que acelerou as obras e precisava liberar o espaço onde estava a banca, junto à escadaria.

A operação durou 40 minutos. Um caminhão guindaste ergueu a estrutura de ferro e assentou no novo lugar bem na esquina, com muito mais visibilidade.  A mudança é temporária, enquanto durarem as obras, mas agradou: “Bem que eu podia ficar aqui, né?”, disse o proprietário da banca, Clóvis Antônio Fernandes da Silva, o conhecido Clovão, que acompanhou toda a operação. Ele tinha 27 anos quando conseguiu a concessão da banca de jornais num dos pontos mais cobiçados da cidade, na Borges, junto ao Viaduto Otávio Rocha. “Vi todas essas mudanças que transformaram o centro”, diz ele. Ali, viveu o auge das bancas de jornais e revistas impressas. “Vendia 50 Veja por semana”. Aos 77 anos, vive o ocaso desse modelo de negócios, cujo futuro é incerto: “Hoje não vendo cinco Veja por semana. Jornal, então, só pra cachorro.” Ele não desacredita de um revival dos impressos, pela saturação do digital, mesmo assim, diz ele, as bancas têm que se reinventar, como já está acontecendo. “Hoje o pessoal vive mais da venda de camiseta, boné, água mineral, acho que  vai ser por aí”.

“Vamos lutar para entregar em outubro”, diz responsável pelas obras do Viaduto da Borges

“A data é agosto, como está no nosso site”, disse ao repórter Nei Rafael Filho a assessora de imprensa da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, Larissa Carlosso, nesta quarta-feira, 10 de abril.

”Vamos lutar para entregar em outubro”, informou na mesma tarde o engenheiro Wilson Braga, responsável pelas obras da maior reforma da história do viaduto Otávio Rocha, inaugurado há 92 anos.

Outubro é o novo prazo acordado entre a prefeitura e a Concrejato, empresa paulista que executa a reforma. Para acelerar os trabalhos foi criado um turno noturno e reforçadas as equipes para 60 homens. “Durante a noite uma equipe de 7 homens e durante o dia nunca tem menos de 40 homens nos canteiros”, disse o engenheiro Braga.

O valor do contrato também será revisto.

Não há contudo garantia de que o prazo fixado será cumprido. “São muitas variáveis que influem no andamento da obra… não dá para ter certeza”.

Entre alguns chefes de turma ouvidos pelo JÁ duvida-se que antes de dezembro a reforma esteja pronta.

O principal complicador da obra é sua localização no coração da capital, com intenso movimento de pedestres, automóveis e ônibus, dia e noite. Cerca de 30 mil pessoas em média passam por cima e por baixo do “viaduto da Borges”, que é uma monumental estrutura de aço e cimento (encravada entre dois blocos de uma rocha que dividia a cidade) ligando o centro histórico às regiões leste e sul da cidade.

A Concrejato assumiu a reforma a convite da prefeitura, por sua reconhecida expertise no restauro de prédios históricos, entre eles o edifício do Instituto de Educação, em Porto Alegre.

O contrato com a Concrejato foi assinado em maio. Em agosto de 2022, foi apresentado o projeto d reforma orçada em R$ 13,5 milhões, quase a metade de um projeto anterior, da Engeplus, contratado em 2015 e rescindido em 2017.

As obras só puderam começar em novembro de 2022, depois da remoção dos permissionários que ocupavam as 36 lojas no térreo do viaduto. Três nunca foram encontrados, as negociações com os demais arrastaram-se por meses.

Depois de iniciados os trabalhos, a realidade  do viaduto foi se mostrando pior do que apontava o diagnóstico existente, com profunda deterioração das estruturas, minadas pela umidade e por fungos.

“O viaduto estava há mais de dez anos praticamente sem manutenção. As tubulações de escoamento d’água, as instalações elétricas, esgoto, tudo teve que ser refeito”.

As quatro escadas internas do viaduto, lacradas há anos, serão abertas ao uso público. O sirex, a cobertura especial característica,  está sendo removido  e além das novas camadas superpostas será aplicado um produto sintético “antipichação”.

A reforma contempla também a acessibilidade universal, para as passarelas internas e para a área de passagem externa (calçadas externas).

Nota: No site da SMOI não foi possível encontrar informações ou fotos sobre a reforma do Viaduto Otávio Rocha.

Reportagem: Nei Rafael Filho

Edição: Elmar Bones

Lula sobre queda na popularidade: “Não entreguei o que prometi”

Em seu discurso na Fiergs, sexta- feira, 15, Lula disse que a explicação para a queda na aprovação e aumento da rejeição e seu governo, apontada nas ultimas  pesquisas, é simplesl: “É porque eu tô aquém do que o povo esperava que eu tivesse. Eu não tô cumprindo aquilo que eu prometi, e eu tenho consciência que eu não tô cumprindo”. E prometeu: “Este ano a gente começa a colher o que plantou.

Leia a íntegra do discurso do presidente:

“Eu vou, primeiro, pedir desculpas aos companheiros da mesa de não ler uma nominata aqui porque ninguém aqui é candidato e, portanto, eu não tenho que ler a nominata”.

(Observação: havia pelo menos dois candidatos presentes,  a deputada Maria do Rosário, candidata do PT à prefeitura de Porto Alegre e o o prefeito Sebastião Melo, candidatíssimo à reeleição)

Lula agradeceu “ao presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul a gentileza de ter cedido esse espaço aqui para que a gente pudesse fazer uma espécie de prestação de contas”.

“Isso aqui, na verdade, é uma entrevista coletiva que a gente quer fazer para que o Governo Federal preste contas das coisas que ele está fazendo”.

(Observação: depois da fala de Lula os ministros ficaram à disposição da imprensa, mas o noticiário demonstra que houve pouco interesse na prestação de contas).

“E por que que nós decidimos assim? Porque o Brasil costuma ter alguns tipos de políticos diferenciados. Tem um tipo de político que gosta de fazer algumas obras apenas no último ano de mandato. Ele passa o ano inteiro fazendo caixa, o ano inteiro fazendo caixa e, quando chega no final do ano, no último ano, ele então resolve desovar o caixa para ver se ganha as eleições. Tem outro tipo de político que costuma, perto das eleições, colocar guia, sarjeta, poste, como se fosse melhorar as coisas, e quando termina as eleições retira. Tem um outro tipo de político que, quando não faz nada, ele inventa briga, ele mente, ele provoca, ele monta uma fábrica de fake news para não ter que ser justificado por cobrança de nenhuma obra”.

” Quando você chega no estado, governador, e eu faço isso sempre, e eu pergunto assim: eu gostaria que quem tivesse no plenário mostrasse uma obra que foi feita no governo passado. Uma, uma obra. Não precisa duas, uma só. Não tem, efetivamente, quase nada que foi feito”.

Observaçao: Depois de comparar a inação do governo Bolsonaro com já fez em 15 meses de mandato

“Na área do transporte, nós, somente em 2023, fizemos só num ano mais do que foi feito em quatro anos do governo passado na área de transporte, na questão de rodovia e ferrovia. Isso numa demonstração de que você não tem o que mostrar, você não tem o que fazer, então você arruma briga. Todo dia você briga com alguém, todo dia você xinga alguém, todo dia você provoca a imprensa, todo dia você arruma briga com os governadores. Você viveu isso, o governador, o Rui Costa viveu isso, o Camilo viveu isso, o Waldez viveu isso. Quem foi governador comeu o pão que o diabo amassou. Porque, para não passar recursos, ele arrumava briga”.

Bem, e tem um outro tipo de governo que gosta de mostrar o que faz.

Eu esqueci que eu não queria fazer a maior nominata, mas eu não posso deixar de  citar meus companheiros Tarso Genro e Olívio Dutra, a quem eu agradeço a presença de vocês aqui. E dizer para vocês que, quando eu terminei o governo em 2010, a Dilma era chefe da Casa Civil e a Miriam Belchior trabalhava com a Dilma, que hoje trabalha com o Rui Costa, e eu pedi para que a gente registrasse em cartório tudo que a gente tinha feito, de 1º de janeiro de 2003 ao dia 31 de dezembro de 2010. Quem quiser saber o que foi feito nos meus governos, de 2003 a 2010, está registrado em cartório e foi pedido para distribuir pelo menos um volume para cada universidade brasileira saber cada coisa que tinha sido concluída.

E nós prestávamos conta a cada três meses numa entrevista coletiva e, muitas vezes, a imprensa com muito pouco interesse de tudo que estava feito: “Como é que tá a obra, por que que está paralisada, por que que andou, porque que não andou?” Ou seja, porque normalmente não é culpa de ninguém individualmente, mas é uma coisa do DNA, a imprensa tem um tesão maior pela coisa ruim do que pela coisa boa. Porque a coisa boa é obrigação fazer, a coisa ruim não é. Então, vamos dar destaque na coisa ruim.

O governador falou que sempre termina pedindo alguma coisa. Isso é bom quando agradece e depois pede. Duro é quando nem agradece e já pede. Então, a ideia aqui. Depois dessa exposição que foi feita, os ministros que falaram vão ficar aqui, a imprensa vai ter o direito de fazer as perguntas que quiserem fazer e os ministros vão responder as perguntas. Essa é a finalidade desse ato aqui. É uma prestação de conta para os estados. Por quê? Porque o Tarso Genro era a pessoa que mais falava em republicanidade. “Tem que ser republicano, tem que ser republicano”. E, às vezes, ser republicano tem um preço.

Eu vou lhe dar dois exemplos. O PAC Seleções, ele dá um preço pra nós. Porque, habitualmente, o Governo Federal atende os seus amigos. Aos adversários, aos inimigos, nada. Sempre foi assim no Brasil. Sempre foi assim. E quando a gente resolve mudar, a gente tem um preço.

“Nós estamos anunciando 100 novos Institutos Federais. Nós temos que fazer uma seleção para saber aonde a gente vai aplicar esses institutos. Qual é o critério adotado? O critério adotado é fazer o mapeamento em cada estado para saber qual é a zona do estado que está com deficiência naquele tipo de escola”.

E por isso nós fizemos uma seleção em função da necessidade de preencher os vazios educacionais. Ora, quando você faz isso, você pode fazer com que uma escola caia numa cidade de um cara que é teu inimigo, um cara que fala mal de você todo dia. E às vezes um cara que fala bem de você está um pouco ali a 50 km e ele fica puto na vida. Pô, como é que esse Lula vai fazer na cidade do cara que fala mal dele e eu que falo bem não vou ter? É um critério que a gente adota de republicanismo que às vezes nos causa prejuízo.

Mas que nós temos que ter uma forma coerente de fazer um processo de seleção até pra ver se a gente muda o comportamento político nesse país. Eu, governador, fui presidente oito anos e às vezes tinha governador que as ambulâncias do SAMU, as ambulâncias do SAMU era do jeito que é hoje, mas tinha governador que pintava de verde pra não colocar nada no Governo Federal. Tinha governador que eu ia no estado, no trajeto do aeroporto até onde eu ia inaugurar a obra, tinha placa “Governo Federal, Governo Estadual, Governo Federal, Governo Estadual”. Quando eu virava as costas, tirava tudo do Governo Federal, ficava só Governo Estadual. Eu acho que essa não é uma forma honesta da gente, de forma civilizada, manter uma relação entre os entes federados.

O correto é que a gente seja o mais verdadeiro possível. Então, a gente quer construir parceria, a gente não tem interesse de fazer todas as obras sozinho, muitas vezes a gente passa as obras para que o governo do estado administre, a prefeitura. Essa é uma forma republicana da gente mudar e dar uma certa civilidade à administração pública brasileira, sobretudo no momento em que a política no mundo inteiro está tomada pelo ódio. A política está tomada por um ódio que, certamente, a maioria de vocês que fazem política aqui nunca tinha vivido isso.

O Olívio Dutra e eu talvez sejamos os mais idosos aqui, os mais experientes. Mas a gente não estava acostumado a fazer política assim. A gente tinha adversário, a gente brigava, eles falavam mal da gente, a gente falava mal deles, mas depois que terminavam os atos, a gente até se encontrava e quem sabe, se fosse aqui no Sul, tomava um chimarrão junto, colocando a boca na mesma cuia, sem nenhum problema. Ou seja, a gente vai ver um jogo Internacional e Grêmio, não importa quem ganhe, é plenamente possível que um gremista e um internacional sentem numa mesa para tomar um chope e discutir. Isso acabou no Brasil, acabou nos Estados Unidos. Tá acabando em Portugal, acabou na Espanha, acabou em outros países. E tá acabando em muitos outros países, Tarso Genro.

A democracia está correndo risco, possivelmente, porque nós mudamos de comportamento. A esquerda e os setores progressistas antes criticavam o sistema, na hora que ele ganha as eleições eles passam a fazer parte do sistema e a direita que fica fora vira contra o sistema. Quem é contra o sistema hoje que critica tudo é o Milei, na Argentina. Até o Banco Central ele quer fechar, quer cortar tudo com serrote. É aqui o Bolsonaro, que eu não queria falar o nome dele, mas é a negação. Até hoje ele não reconhece a derrota dele, até hoje não reconhece a derrota. Outro dia ele falou: “eu não sei como perdi”. Ele não sabe como perdeu porque ele gastou quase R$ 300 bilhões e achava que não ia perder, e perdeu.

Então, quando eu, aos meus 78 anos de idade, jovem, bonito, olho para o mundo, eu vejo a democracia correndo risco, e eu vejo qual é a resposta que a gente pode dar para a democracia. Eu fiz uma opção. Quando você ganha as eleições, você não tem tempo de ficar brigando, ficar todo dia falando mal do adversário, todo dia xingando. Não, eu tenho que governar. E o mandato tem prazo de validade. Tem hora da entrada, que nem produto alimentício. Tem hora da entrada e a hora da saída. Eu tenho um compromisso de recuperar esse país economicamente. É dar civilidade àqueles que não têm civilidade hoje. É recuperar o humanismo entre os seres humanos. E é fazer com que as pessoas que foram esquecidas historicamente tenham, outra vez, vez e voz nesse país.

É muito? Não! É o mínimo necessário que a gente tem que fazer. É a coisa mais simples e normal que nós temos que fazer. É respeitar o engajamento político das mulheres. Essa questão de gênero não é uma coisa trivial. Nós acabamos de aprovar uma lei de salário igual, de trabalho igual, salário igual. Tem muita gente entrando na justiça para não aceitar a lei, porque a mulher ainda é tratada como se fosse cidadã de segunda classe. E nós precisamos mudar. Nós vimos o que aconteceu com o Vini Jr. no jogo contra o Atlético de Madrid.

Ou seja, esses fanáticos, esses doentes, eles têm que perceber que quando eles vêem uma pessoa negra, não é uma pessoa negra, é um ser humano que está ali, independente da cor da pessoa. Independente se é branco, se é verde ou se é amarelo, é um ser humano e que a gente não tem que ficar colocando em questão as opções das pessoas para qualquer coisa, as escolhas das pessoas. Esse é o desafio, meus companheiros e minhas companheiras, que a gente tem que fazer hoje é lutar para recuperar o valor das instituições que são o garante da democracia. E eu só cheguei à Presidência da República por conta de uma coisa chamada democracia, porque senão um metalúrgico jamais seria presidente da oitava economia do mundo.

Então se a gente não valorizar isso, o que que a gente vai valorizar? Então eu tenho que cumprir uma tarefa. Eu fico muito feliz porque o Alckmin é uma espécie de alimento de expectativa positiva no meu lado. Por quê? Porque ele só me dá boa notícia. Ele e o Fávaro, ultimamente, só me dão boa notícia. Eu não sei se vocês sabem, o Fávaro todo dia me liga: “Presidente, mais um mercado. Presidente, mais um mercado. Presidente”. Olívio Dutra, nós, do dia 1º de janeiro até hoje, nós abrimos 98 novos mercados para os produtos brasileiros no exterior. Esta semana, o Fávaro me ligou duas vezes. Primeiro, 10 horas da noite. “Presidente, aconteceu uma coisa fenomenal. Nunca aconteceu na história do Brasil. Nunca antes.” “O que foi, Fávaro?” “Presidente, a China abriu de uma vez só o reconhecimento para importar carne de 38 frigoríficos brasileiros.”

No dia seguinte, ele me liga. “Presidente, outra boa notícia. As Filipinas. Presidente, as Filipinas”. E eu: “O que tem as Filipinas, Fávaro? As Filipinas, presidente, acabou de anunciar, abriu mercado para todos os frigoríficos de frango e de porco nesse país, porque eles estão com peste suína nas Filipinas e querem comprar carne no Brasil”. Então a gente está numa fase, a gente está numa fase de muita, mas de muita possibilidade da gente virar uma economia desenvolvida. E isso é o que me incomoda. O que que me incomoda? É que a gente tem pouco tempo, por isso a gente tem que trabalhar demais.

Esses dias vocês viram que saiu uma pesquisa e a imprensa ficou incomodada. “Mas o Lula perdeu popularidade”. A imprensa me perguntou: “o Lula perdeu popularidade”. Eu falei: “Tudo bem. É porque eu tô aquém do que o povo esperava que eu tivesse.” Eu não tô cumprindo aquilo que eu prometi, e eu tenho consciência que eu não tô cumprindo. Porque quando eu planto um pé de jabuticaba, eu não chupo a jabuticaba no dia seguinte. Eu tenho que esperar ela crescer, eu tenho que esperar ela aflorar, eu tenho que esperar brotar pra eu poder.

E é esse ano que a gente começa a colher o que a gente plantou o ano inteiro, é esse ano que a gente vai começar a colher tudo que nós prometemos fazer a esse povo. E vocês pensam que eu parei de prometer? No lançamento dos 100 institutos eu lembrei do Túlio Maravilha que queria marcar mil gols, lembrei do Pelé que marcou mil e cento, duzentos e não sei quantos, e lembrei do Romário que queria marcar mil gols. Eu falei pro Camilo: “pois eu vou assumir o compromisso de fazer mil Institutos Federais nesse país”. Quando eu cheguei na presidência, o Brasil tinha 140 Institutos Federais. O primeiro deles feito em 1909 pelo presidente Nilo Peçanha em Campo de Goytacazes, no Rio de Janeiro.

De 1909 até 2003 foram feitos nesse país 140 Institutos Federais. Pois bem, companheiro Tarso, de nós pra cá, com o anúncio desse 100, estamos chegando a 782 Institutos Federais, e por isso que a gente vai chegar aos mil, porque quem saiu de 140 e chegou a 800, para chegar a mil, faltam só duzentos. E o que que é 200 institutos para um país de 200 milhões de habitantes, que está vendendo tudo para a China, que está vendendo tudo para todos os países.

E esse é o Brasil que eu quero construir. Esses números que o Alckmin citou aqui, que o Pimenta citou, sabe, não valem muito que são do meu governo. Mas o dado concreto é o seguinte, gente, há uma expectativa com relação ao Brasil. Eu vinha dizendo para o governador, eu recebi só numa semana a diretora-geral do FMI, que diferentemente do tempo que eles vinham frequentar para visitar o Malan, eles vinham com duas pessoas para fiscalizar a contabilidade brasileira. Era uma vergonha. Um país do tamanho do Brasil receber todo ano a missão do FMI, que descia no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e ia para Brasília para fiscalizar as contas do governo.

Eu tive um embaixador em Londres que me disse o seguinte: “Presidente Lula, eu sentia vergonha. Eu vinha com o nosso ministro da Fazenda conversar com o FMI, os caras não recebiam. Não recebia, mesmo estando na sala, mandava dizer que não estava. Às vezes o ministro da Fazenda do Brasil ficava dois dias e voltava para o Brasil sem conversar com o presidente do FMI”. E de repente eu recebo a diretora-geral do FMI na minha sala, toda sorridente: “Como vai, presidente Lula?”

Então, aí ela vai embora e eu recebo o presidente do Banco Asiático, que é um banco que tem mais dinheiro, com juros mais baratos do que o Banco Mundial. Aí ele vai embora e eu recebo a presidenta do CitiBank Mundial, a mulher, todos muito simpáticos, dizendo: “Presidente, o que está acontecendo no Brasil? Porque a expectativa de investimento estrangeiro no Brasil é muito grande, presidente. Essa questão da transição energética, essa questão climática, essa questão do biodiesel verde está levando o mundo a uma loucura. Ninguém consegue competir com o Brasil nessa área de energia renovável. Ninguém consegue competir. Ninguém.”

Então, nós temos uma oportunidade tão excepcional, tão excepcional para a indústria, para a agricultura. Quem é que pode produzir mais agricultura de baixo carbono do que nós? Quem é que tem a floresta que nós temos para cuidar e nós temos que transformar essa floresta numa coisa de investimento e parar com a imbecilidade do desmatamento? Uma árvore em pé vale mais do que qualquer outra coisa se a gente souber utilizar o debate mundial. Então, esse país está para ser construído. Daí porque esse investimento no Pé-de-Meia. Tem muita gente que faz crítica: “Nossa, esse Lula fica dando Bolsa Família, fica dando bolsa não sei das quantas, agora vai dar bolsa estudante”. Vamos dar.

Porque eu prefiro dar uma bolsa para o menino de 16 anos, de 15 anos, de 14 anos estudar do que eu ter que gastar mais do que a bolsa para tirá-lo do narcotráfico, para tirá-lo da droga, para tirá-lo do crime organizado. Então, é por isso que eu vejo, até pedi desculpa outro dia. Queria que vocês soubessem que outro dia eu pedi desculpas ao Brizola. Eu queria dizer para vocês, porque quando o Brizola criou o CIEP no Rio de Janeiro, muitos educadores, inclusive do PT, eram contra o CIEP. Muitos. E a gente nunca adotou o CIEP. Agora, virou unanimidade discutir a necessidade da escola do tempo integral, não apenas pela qualidade do ensino, mas pela segurança da família. Pela tranquilidade da mãe, pela segurança da criança.

Então, se a gente tivesse começado a fazer, lá pra mil novecentos e pouco, quem sabe a gente já tivesse o Brasil inteiro com a Escola de Tempo Integral. Então como pedir desculpa é uma coisa muito nobre, é uma coisa que só gente grande tem coragem de pedir desculpas, eu peço desculpa ao Brizola e ao Darcy Ribeiro, pela gente não ter implantado a Escola de Tempo Integral há 20 anos atrás, há 30 anos atrás. Vocês estavam certos e a gente estava equivocado. Então eu quero que vocês saibam disso.

Outro dia eu pedi desculpa ao Getúlio. Ô gente, eu nasci no movimento sindical contra o Getúlio. Aqui o Tarso era advogado trabalhista se lembra. Porque eu sou contra a Carta del Lavoro de Mussolini, eu sou contra a estrutura sindical brasileira e pau no Getúlio. Aí você vai crescendo, vai ficando com o cabelo grisalho, vai tendo acesso a novas literaturas, vai conhecendo mais as pessoas, e eu falo: “Puta merda, quem é que teve a ousadia de em 1939 criar o salário mínimo nesse país quando a gente vivia num trabalho de regime escravo? Quem é que, em 1943, teve a coragem de criar a Consolidação das Leis do Trabalho que até hoje em São Paulo não tem uma viela com o nome do Getúlio?”

Qual é o ódio que se ficou do Getúlio Vargas por conta da relação dele com os trabalhadores? E quem é que teve a coragem de criar a Petrobras quando a elite brasileira dizia que a gente não deveria criar? Eu estou dizendo isso porque nós precisamos aprender, de vez em quando, com muito pouca humildade, a reconhecer que teve muita gente antes de nós que fez coisas. Eu nasci na política brigando com o meu amigo Brizola. Eu lembro que o Brizola não me perdoava porque eu ganhei dele em Carazinho. Eu ganhei as eleições. Eu falei: “Brizola, não é tenho culpa, cara. Eu nem conheço Carazinho, mas o povo votou em mim”. Eu lembro das divergências quando o Brizola me chamava de sapo barbudo, mas eu lembro que uma pessoa como o Brizola faz falta nos tempos de hoje para a política brasileira.

Quanta falta, gente, fazem pessoas que fazem história. Como está medíocre a política nos dias de hoje. Eu tive o prazer de ser presidente em 2008, quando a América do Sul tinha 10 presidentes progressistas. Eu tive o prazer de ser presidente quando a França era governada pelo Chirac, que era um conservador. A Inglaterra pelo Tony Blair. Eu tive a honra de conhecer o Prodi, tive a honra de conhecer o Schröder na Alemanha. Ora, eram pessoas que tinham estatura política, que davam uma certa dimensão à arte chamada política. E não era tão medíocre como é hoje.

O que é que está reduzida a América do Sul hoje? Se eu quisesse fazer uma reunião de governo progressista não tem, a não ser o Arce, da Bolívia, a não ser o companheiro da Colômbia e o Boric, no Chile. Acabou o progressismo. Quem é progressista hoje no mundo? Eu fiz reunião com o Tony Blair, com o Bill Clinton, sabe, tudo, até na África do Sul. Então, companheiros, eu tô querendo chamar a atenção de vocês de que, em todas as lutas que a gente tem que fazer daqui pra frente, é importante a gente lembrar que o que corre risco no mundo é a democracia, e corre risco pelo fascismo, corre risco pelo nazismo, pela extrema direita raivosa, ignorante, bruta, que ofende as pessoas, que não acredita nas pessoas.

E nós, nós temos obrigação de dizer isso para nossa juventude, que muitas vezes é muito imediatista, muitas vezes é mais fácil a gente ser contra do que a gente pensar. Porque uma bobagem você não tem que pensar, você não tem que raciocinar, você fala. Agora, numa proposta política, você tem que pensar, elaborar, para convencer as pessoas de que a coisa é boa. É mais fácil negar. Num mundo em que ainda tem 735 milhões de pessoas passando fome, e nesse mesmo mundo que tem 735 milhões de pessoas passando fome, o mundo rico gastou US$ 2 trilhões, 220 bilhões em armas no ano passado, as pessoas têm o direito de negar as coisas, é mais fácil negar, é mais fácil dizer que todos os políticos são ladrões, todo político não presta, as instituições não funcionam, a Suprema Corte atrapalha a democracia, a Justiça não sei das quantas, os sindicatos não valem nada. Nada vale nada. O que vale é o besteirol que você fala.

Então, vocês percebem que a nossa responsabilidade aumentou. A gente não tem apenas que brigar contra um governador, contra um presidente. A gente tem que brigar contra um pensamento perverso, malvado, um pensamento que odeia. Eu estive recentemente, ainda nos últimos quatro meses, eu tive uma reunião com toda a União Europeia. Depois, eu saí da União Europeia, tive uma reunião no G20, na Índia. Depois, eu tive uma reunião com toda a União Africana, 54 países. Depois, eu tive uma reunião com o CARICOM, 15 países, de todos os países do Caribe. Depois, eu fui em São Vicente e Granadinas, tive uma reunião com todos os países da América Latina. O pensamento é um só. A democracia está correndo risco.

Agora, para que a gente salve a democracia, nós temos que convencer o povo e temos que convencer os democratas de que não é possível defender a democracia com fome. Não é possível defender a democracia com racismo, não é fácil defender a democracia com a desigualdade estampada no mundo que tem hoje. É desigualdade na saúde, desigualdade na educação, desigualdade no transporte, desigualdade de gênero, desigualdade de raça, desigualdade de tudo. Nós precisamos voltar a ser humanistas, nós não queremos ser algoritmos, nós queremos pensar, nós queremos amar, nós queremos ter fraternidade e solidariedade com as pessoas. Eu não sou número, eu não sou objeto, eu tenho sentimento.

É isso que nós vamos passar pro nosso povo no dia de hoje. Nós nem chegamos a utilizar a nossa inteligência toda, a nossa inteligência já está sendo substituída por inteligência artificial. Puta merda. Eu nem consegui utilizar aquela inteligência que Deus me deu, já inventaram uma coisa mais esperta que eu, que não precisa ser honesta, sabe, é só um malandro fazer as coisas maldades, fazer eu falar o que eu não tô falando, fazer eu pensar o que eu não tô pensando. É esse mundo que está em risco, e é por isso que eu quero dizer pra vocês que nós temos a obrigação de fazer esse país dar certo, nós temos a obrigação, a obrigação de terminar o mandato, a gente concluindo tudo que é nosso compromisso, a gente cuidando das nossas crianças.

Não é possível uma criança no quarto ano escolar não ser alfabetizada ainda, não é possível. Não é possível 500 mil alunos do ensino médio desistirem da escola porque têm que trabalhar. O que que nós estamos fazendo nesse país? Se a gente não cuida dos velhos, não cuida das crianças, não cuida das mulheres, não cuida dos negros, o que que a gente tá fazendo nesse país? Então, companheiros, isso aqui é um desabafo de alguém que já passou por todas as experiências que um político pode ter passado, e que nunca vi nada tão grotesco como o que a gente tá vivendo nesse instante, aonde a verdade não vale nada e a mentira vale tudo. Aonde a ofensa vale mais do que o bom tratamento que a gente tem por seres humanos. Então, nós precisamos ter consciência disso.

É por isso que nós estamos vindo aqui, para que cada mulher e cada homem, cada mulher e cada um desse estado, que é um estado que tem história, é um estado que tem gente de muita importância para a história brasileira, na política brasileira, no movimento sindical brasileiro, no movimento social brasileiro, nas várias batalhas que vocês tiveram aqui. Então eu vim aqui para que cada pessoa saiba, cada coisa que a gente está fazendo, cada centavo que a gente está colocando, não é nenhum favor, não é nenhum benefício, é obrigação. Nós estamos devolvendo ao povo do Rio Grande do Sul um pouco daquilo que a gente arrecada do trabalho do povo do Rio Grande do Sul e por isso nós estamos determinados a sentar com os governadores, renegociar as dívidas dos estados para que a gente conceda a todo mundo o direito de respirar.

Eu aqui, governador, nesse estado eu vou terminar dizendo o seguinte. Nesse estado, eu já ouvi Pedro Simon falar da dívida do estado, eu já ouvi o governador que esteve almoçando conosco mais antigo. Não o Rigotto, não, nem a Yeda Crusius, todos esses eu conheço. Um mais velho. Jair Soares. também falava da dívida. Pedro Simon falava da dívida. O Pedro Simon foi falar da dívida que os estados contraíram com a União de Getúlio Vargas. Queria que eu pagasse. Eu falei: “Pô, cara, eu nem cheguei você já quer que eu pague a dívida do Getúlio Vargas, vai devagar comigo”.

Então, o Tarso Genro falava da dívida, o Olívio Dutra falava da dívida, todo mundo, e você fala da dívida. Então alguma coisa tá errada. Se todo mundo fala a mesma coisa, alguma coisa está errada. Então, eu queria dizer pra você, governador, não será nenhum favor, será obrigação do Governo Federal sentar e tentar encontrar uma solução porque, pra mim, a boa governança passa pelos prefeitos ter um pouco de dinheiro pra fazer as coisas na sua cidade, passa pelo governador ter um pouco de recurso para fazer as coisas e passa pela cumplicidade, a boa cumplicidade entre os entes federados para que esse país deixe de ser um país pobre e se transforme num país rico.

Por isso, companheiros, muito obrigado pelo carinho. E a imprensa se prepare para fazer as perguntas porque os ministros ficarão sentados aqui para responder às perguntas de vocês.

Um abraço e obrigado, companheiros.