A série de reportagens do GDI/RBS sobre as compras da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre pegando “carona” em licitações de outros municípios, é um caso exemplar de como funciona o ecossistema de comunicação.
Embora o GDI, por cacoete monopolista, se auto-atribua o mérito de ter “revelado” o assunto, o caso, na verdade, prova como a diversidade dos meios é fundamental para a circulação das informações de interesse social.
Em maio de 2022, o prefeito Sebastião Melo autorizou por decreto as compras de “carona” para atender a “necessidade de celeridade das adesões pretendidas pela Smed”.
A Smed poderia fazer compras aderindo ao pregão de licitações semelhantes feitas por outros municípios.
Nenhum repórter investigativo atentou para esse decreto e a “carona” que a Smed podia pegar para fazer compras sem licitação. Faltou o release.
As compras de material recreativo e educativo pegando carona em editais de licitação de outros municípios começaram em junho de 2022 .
Foram 11 operações até dezembro, num total de 73,5 milhões, segundo apurou agora o GDI.
Tampouco chamou atenção de qualquer repórter a causa de toda a pressa para “acelerar gastos públicos” : recursos do orçamento que a Secretaria de Educação não conseguira executar “por conta da pandemia”. Por que a Secretaria da Educação não consegue gastar os recursos previstos no orçamento, quando é flagrante e generalizada a carência em todas as escolas?
Nem os materiais adquiridos às pressas e acumulados em galpões e depósitos chamaram a atenção. Faltou o release.
Foram as pequenas editoras de Porto Alegre que trouxeram a público as primeiras informações, em denúncias nas redes sociais, no final do ano passado, mostrando inclusive foto dos livros comprados e que estavam empilhados nas escolas. Blogs e sites independentes repercutiram a denúncia, o vereador Jonas Reis discursou na Câmara pedindo esclarecimentos à Smed. Em resposta assinada por Melo, a Prefeitura minimizou o fato: justificou a compra simplesmente reproduzindo textos extraídos do site da empresa que vendeu os livros.
No dia 16 de dezembro, o repórter Demétrio Jorge, do Matinal, deu o furo: “Prefeitura comprou 9 milhões em livros de empresa investigada pelo TCU”. Relatava que os diretores das 98 escolas municipais foram surpreendidos com a chegada dos livros, sobre os quais não foram consultados.
A Smed havia comprado 230 mil exemplares ao preço de R$ 41 o exemplar, pegando carona numa licitação feita em Sergipe. As obras, sem relação com o plano pedagógico das escolas, iam desde clássicos, como Machado de Assis, até quadrinhos de Calvin & Haroldo.
A reportagem constatou que a Smed pegara carona num “ônibus” com outras 15 prefeituras que compraram um pacote de 4 milhões de livros. Mais grave: de um único fornecedor, a empresa Inca Tecnologia, de Curitiba, que desde maio de 2020 estava sob investigação do Tribunal de Contas da União, por suposto sobrepreço numa licitação de aventais.
A partir daí, começou a ganhar força na Camara Municipal a proposta de uma CPI para esclarecer o assunto das compras sem licitação.
No dia 5 de junho*, vendo que a CPI era inevitável, o prefeito Sebastião Melo se antecipou e orientou sua bancada a pedir uma CPI sobre as “caronas”. A oposição protocolou o seu pedido no mesmo dia.
No dia 6, o GDI/RBS entrou no assunto. A série de reportagens, assinadas por Adrian Irion e Carlos Rollsing, revela a amplitude do caso. E por sua repercussão obrigou o prefeito a reagir.
A linha da investigação privilegia o enfoque do “desperdício do dinheiro público”, mostrando os materiais acumulados em escolas e até depósitos alugados, como se o problema se reduzisse a uma pane logística, que o prefeito resolve criando uma “força-tarefa” para que o material chegue às escolas e aos alunos.
A pertinência e a licitude das “compras de carona”, a licitação em que um único fornecedor vendeu 4 milhões de livros para várias prefeituras, tudo isso fica pouco esclarecido e relegado a segundo plano.
Ainda há muito a apurar. As compras da Smed são apenas metade das 21 operações via carona feitas pela Prefeitura de Porto Alegre.
Nota da redação: Na primeira versão do texto saiu 5 de dezembro a data do prieiro pedido da CPI. O correto é:5 de junho.