Aquecimento global aumenta risco de expansão da dengue, segundo OMS

Genebra (EFE)

Mais de 5 milhões de casos de dengue foram registrados em todo o mundo em 2023, incluindo 5 mil mortes, informou nesta sexta-feira a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que elevou para alto o risco dessa doença, cujo raio de expansão está aumentando devido a fatores como a mudança climática.

O aquecimento global está expandindo o habitat dos mosquitos que transmitem essa infecção viral, explicou em entrevista coletiva Diana Rojas, especialista em arbovírus do departamento de prevenção de epidemias e pandemias da OMS.

Como resultado, metade da população mundial, ou cerca de 4 bilhões de pessoas, corre o risco de ser infectada pela dengue, a doença mais comum transmitida por mosquitos.

“A maioria das pessoas não apresenta sintomas, mas as que apresentam podem sofrer de febre alta, dor de cabeça, dores no corpo, náuseas, etc. Em muitos casos, elas se recuperam em uma ou duas semanas, mas às vezes a situação pode piorar”, analisou.

Rojas também lembrou que 80% dos casos em 2023 (4,1 milhões) foram registrados na América, enquanto as outras regiões mais afetadas foram o sul e o leste da Ásia.

O país americano com mais casos neste ano foi o Brasil (2,9 milhões), seguido por Peru (271 mil) e México (235 mil), enquanto a Colômbia diagnosticou as formas mais graves da doença (1.500, 1,35% do total), seguida pelo Brasil (1.474, 0,05%).

Rojas também alertou que as transmissões locais da dengue estão começando a ser detectadas em países antes considerados não endêmicos, incluindo europeus como Itália (82 positivos em 2023), França (43) e Espanha (três).

“Normalmente, os casos são detectados nesses países por viajantes da América, do Leste Asiático e de outras regiões endêmicas, mas neste ano vimos alguns surtos limitados de transmissão local”, alertou.

Os surtos em países em conflito e em contextos frágeis, como Afeganistão, Paquistão, Sudão, Somália e Iêmen, juntamente com a transmissão de outras doenças, ondas de deslocamento interno e infraestrutura de saúde precária, também foram motivo de preocupação.

A elevação de risco decidida pela OMS busca “maximizar a atenção e a resposta para ajudar os países a controlar os surtos atuais e prepará-los para responder às próximas altas temporadas de dengue”, que geralmente coincidem com períodos quentes e úmidos.

Nesse sentido, a OMS pede aos países membros que fortaleçam os mecanismos de monitoramento de casos, condições ambientais e colônias de mosquitos, e atualizem as diretrizes e melhorem o treinamento dos profissionais de saúde para responder à doença.

A OMS recomenda o uso de repelente de mosquitos para a população em geral, especialmente durante o dia, além da eliminação de áreas com alta presença de mosquitos perto de áreas residenciais nas comunidades.

Entrevista: “Brasil precisa da Antártica tanto quanto da Amazônia”

Em entrevista exclusiva, glaciólogo gaúcho explica a interdependência entre os pólos e os trópicos

Por Márcia Turcato

Jefferson Cardia Simões, 64 anos, é glaciólogo, estuda o gelo. Foi o primeiro brasileiro a ter essa especialização, ainda na década de 80, quando o Brasil vivia uma ditadura.

Longe de ser um pesquisador caricato, daqueles que aparecem em filmes, Simões é conversador e é um entusiasta da popularização da ciência, por isso sempre oferece exemplos cotidianos para explicar seu trabalho. Ele é casado há 40 anos com Ingrid Lorenz Simões, tem dois filhos e dois netos e é natural de Porto Alegre.

Foi em sua sala de vice-Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que me recebeu por mais de duas horas para falar de seu trabalho mais recente.

O professor retornou dia nove de janeiro da Antártica, uma expedição iniciada no último dia quatro de dezembro. Ele viaja ao Polo Sul desde os anos 90 e também já esteve no Ártico e em outras regiões geladas do planeta. O trabalho consiste, basicamente, na realização de análises químicas da atmosfera e na coleta de testemunhos de gelo, que é uma espécie de paleontologia glacial, ou técnica palio climática.

De acordo com Simões, “o Brasil precisa parar de achar que é um país tropical isolado, isso não existe, é uma fantasia, foi uma fantasia geopolítica das décadas de 50 e 60. Para o meio ambiente global, as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos”.

O professor salienta “que não teríamos clima se não houvesse essa diferença de temperatura entre os trópicos e os pólos. Centrar a visão só na Amazônia, evidentemente está errado”.

“A questão da Amazônia é mais ampla porque é território nacional, tem a biodiversidade de fauna e flora e tem população humana, mas nós também temos responsabilidade na Antártica”.

Simões explica que do ponto de vista ambiental, a Antártica e a Amazônia são regiões interdependentes e que mudanças climáticas sempre ocorreram e vão continuar ocorrendo, “mas a estratégia que precisamos adotar é de ações mitigadoras e de adaptação”.

O professor Simões tem graduação em Geologia pela UFRGS. Isso em 1983, quando recebeu uma bolsa do CNPq, e foi estudar Glaciologia em Cambridge, na Inglaterra, onde ficou por seis anos. Chegou a trabalhar no Serviço Antártico Britânico. Naquela época o Programa Antártico Brasileiro – Proantar, era recente, e precisava de especialistas. “Eu cheguei no momento certo e as coisas se encaixaram”.

O gelo antártico tem até 2 km de espessura, são cerca de 27 milhões de km cúbicos de gelo na Antártica, o suficiente para cobrir o Brasil com um manto de gelo de 3 km de espessura em toda a sua extensão. O território brasileiro tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

A pesquisa

Para chegar na Antártica, o custo da viagem de Simões é de 800 mil dólares, enquanto pesquisadores de outros países viajam por cerca de um milhão de dólares e às vezes até o triplo desse valor.

A última expedição do brasileiro contou com parcerias financeiras do CNPq, National Geographic e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS- Fapergs.

As pesquisas feitas pelo Brasil alcançaram um período de três mil anos e as amostras coletadas estão guardadas no Instituto de Mudanças do Clima, no Maine, nos Estados Unidos, na temperatura de 20 graus centígrados negativos.

Cem metros de perfuração no gelo equivalem a 400 anos de tempo. As informações contidas no gelo coletado mostram qual é a concentração de água, isótopos, minerais e outros elementos.

Com isso, os cientistas têm condições de avaliar como era o clima e a vida naquele período, comparar com outras épocas e fazer projeções, por exemplo.

Pesquisas recentes na Antártica indicam que o gelo continha traços de contaminação por urânio, resultado de uma mina a céu aberto na Austrália no século 19. Também foram encontrados traços de cobre no gelo, por conta de minas no Chile, mas que diminuíram graças a intervenção recente do governo de Gabriel Borić  que adotou medidas de mitigação da poluição.

Pesquisadores da França e da Itália já alcançaram testemunhos de gelo de 800 mil anos na Antártica, com perfurações de 3.200 metros na área do Domo C, também conhecido como Dome Circe, Dome Charlie ou Dome Concordia, que está a uma altitude de 3.233 metros acima do nível do mar, é um dos vários cumes ou cúpulas do manto de gelo antártico.

Em breve, pesquisadores da China, em parceria com europeus, pretendem alcançar 1,5 milhão de anos no Domo A, perfurando 4 mil metros no meio do continente Antártico com uma temperatura de  93 graus centígrados negativos durante o inverno.

A água do oceano austral está ficando acidificada por excesso de  CO2, cerca de 30% dele já foi parar nos oceanos desde a primeira Revolução Industrial no século 18, e isso altera toda a flora e fauna dos mares, pode modificar correntes marítimas, mudar a temperatura na costa e tem efeito sobre o clima nos continentes.

“As regiões polares são mais sensíveis às mudanças climáticas e elas nos dão sinais do que está acontecendo”, explica o professor. O derretimento das geleiras expõe as rochas e elas aquecem a região porque propagam calor.

A temperatura subiu no Ártico 3 graus, em relação ao ano de 1900. A navegação marítima é afetada com o degelo no mar, surgem novos portos, novas rotas comerciais, nova geopolítica e até militarização em novas fronteiras.

A expedição

A expedição mais recente de Simões chegou à Antártica no dia 4 de dezembro de 2022, como parte de projetos de redes de pesquisa internacionais. O grupo contribuiu com estudos que monitoram a resposta do gelo da Antártica às mudanças globais e busca  conexões entre o clima do Brasil e o do continente.

A região onde o grupo ficou recebe sua precipitação de dois mares, o de Amundsen, com uma camada de gelo que pode chegar a três metros de espessura, e o de Bellingshausen.  Nesses dois mares se formam grande parte das frentes frias que chegam ao Brasil.

A expedição foi liderada por Simões, com os colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Fernando Magalhães Reis, 65 anos; Ronaldo Torma Bernardo, 54 anos, e Filipe Ley Lindau, 35 anos. Integram o grupo Ellen de Nazaré Souza Gomes, 50 anos, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jandyr de Menezes Travassos, 70 anos, da Coppe/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O grupo ficou acampado na geleira da Ilha Pine, no meio do manto de gelo da Antártica Ocidental. O objetivo era obter um testemunho de gelo dos últimos 400 a 500 anos da história climática da região.

Um outro grupo ficou encarregado de fazer a manutenção do módulo Criosfera 1, o laboratório latino-americano mais ao Sul na Terra, a 640 km ao Norte do Pólo Sul Geográfico. O módulo mede dados meteorológicos, concentração de micropartículas, composição da atmosfera, estudos sobre a concentração de gases e raios cósmicos.

Faz também estudos de micro-organismos encontrados na neve. Todas as pesquisas são essenciais para entender o impacto das mudanças ambientais na Antártica e como elas se refletirão na América do Sul.

Essa equipe foi liderada por Heitor Evangelista, 59 anos, físico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e contou com os pesquisadores Heber Passos, 60 anos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Franco Nadal Junqueira Villela, 46 anos, do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Um terceiro grupo chegou à Antártica no dia 9 de dezembro para complementar a instalação do módulo Criosfera 2, o segundo laboratório remoto brasileiro no interior da Antártica.

Participantes da equipe: o professor Simões, que se juntou ao grupo no dia 30 de dezembro, os gaúchos Francisco Eliseu Aquino, geógrafo e climatologista, 52 anos, professor da UFRGS; a geógrafa Venisse Schossler, 46 anos, pós-doutora da UFRGS; o geógrafo Isaías Ullmann Thoen, 40 anos, técnico em geoquímica e eletrônica, da UFRGS; e o chileno Marcelo Arevalo, 62 anos, engenheiro mecânico.

Amazônia  e gelo

Além dos pólos (Antártica e Ártico), Simões também faz pesquisas em outras regiões geladas, como na cordilheira dos Andes. Ele coletou amostras na maior calota de gelo da América do Sul, a Quelccaya, no Peru, em perfurações de 120 metros, a 5.700 metros de altitude, para avaliar como se dá a circulação atmosférica na amazônia e conhecer como era o clima antes dos portugueses e do espanhóis chegarem à América. O Peru concentra 70% do gelo tropical do mundo.

Esse trabalho é recente, começou em setembro de 2022 e deve trazer muito conhecimento à tona. Quelccaya também é conhecida como a maior geleira tropical do mundo, tem 17 km de extensão, uma área de 44 km quadrados e está apenas 5,1 km da cidade de Cusco, mas o acesso é muito difícil e exige preparo físico. A temperatura média na região é de zero grau. É um lugar muito procurado por turistas praticantes de montanhismo.

A calota de gelo de Quelccaya é a maior área glaciar dos trópicos, cobrindo aproximadamente 44 km² nos Andes peruanos. Desde 1978, Quelccaya perdeu 20% de seu tamanho, fenômeno que costuma ser citado por pesquisadores como um sinal das mudanças climáticas.

Porém, existe a dúvida se o derretimento do glaciar é consequência do aquecimento global ou de alguma outra alteração climática, como a diminuição da precipitação de neve.

Glaciólogos de outros países estudam Quelccaya desde 1970 e já perceberam um forte derretimento do glaciar e um consequente aumento do volume de água dos riachos locais, o que pode até provocar inundações no futuro.

O futuro

“Milagrosamente é preciso dizer que o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) sempre foi muito apoiado pelos governos”, revela o professor, explicando que no primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2006) os recursos para pesquisas chegavam por intermédio do então Ministério do Meio Ambiente/Ibama e depois pelo Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação  (MCTI). O Proantar é administrado pela Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar.  No entanto, o último edital para pesquisas do Proantar é de 2018, “estamos esperando a publicação de um novo edital para breve”, diz Simões.

O pesquisador explica que a questão do meio ambiente é global e que os pólos estão inseridos na nossa vida, assim como a Amazônia, há uma interdependência.  Mudanças climáticas sempre existirão, mas é necessário reduzir o impacto sobre a sociedade. Mesmo que parassem todas atividades que geram impacto sobre o clima agora, mesmo assim o nível do mar subirá 30 cm até o ano 2100.

Para Simões, “os pesquisadores precisam ter mais interação com o Poder Legislativo porque é lá que as leis são feitas, a comunidade científica não pode ficar isolada. O reconhecimento ao trabalho científico não vem sozinho, o cientista precisa ir à sociedade e falar.  Precisamos inserir a ciência na linha de produção mas, veja, ainda há trabalho análogo à escravidão no Brasil. Estamos muito atrasados.”

E completa:  “precisamos inserir a ciência no Ensino Médio. A crise ambiental faz parte de uma crise civilizatória. Há concentração de renda, trabalho escravo, mas o planeta é finito, não pode ser explorado como se estivesse numa linha de produção. O futuro de qualquer país é o investimento massivo em ciência e tecnologia, não concentrar renda e ter qualidade na educação e na produção”.

De acordo com o professor, toda a comunidade científica está esperando mais recursos e que o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, criado para financiar a construção do conhecimento, seja de fato implementado com a publicação de editais.

Simões diz que o Brasil precisa financiar projetos inovadores tanto para ciências básicas como para ciência aplicada para o uso de tecnologia na indústria, no agronegócio e na agricultura e pecuária em geral, em diferentes escalas, ter um ensino médio que tenha ciência na sua grade curricular e, para isso, “é necessário acabar com essa reforma ridícula que o governo passado fez, que destruiu a educação”.

O professor Jefferson Cardia Simões é titular de Glaciologia e Geografia Polar da UFRGS, é vice-Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e é pioneiro da Ciência Glaciológica no Brasil. Atualmente é Vice-Presidente do Scientific Committee on Antarctic Research/Conselho Internacional de Ciências (SCAR/ISC), com sede em Cambridge, Inglaterra. Ele obteve seu PhD pelo Scott Polar Research Institute, University of Cambridge, em 1990. É pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l’Environnement (LGGE) du CNRS/França e pelo Climate Change Institute (CCI), University of Maine, EUA. Leciona e orienta alunos de graduação e pós-graduação em Geociências e Geografia.

Toda sua carreira foi dedicada às Regiões Polares, tendo publicado 210 artigos científicos, principalmente sobre processos criosféricos. Pesquisador do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), é consultor ad-hoc da National Science Foundation – NSF (Office of Polar Programs).

Simões participou de 28 expedições científicas às duas regiões polares, criou o Centro Polar e Climático da UFRGS, a instituição que lidera no Brasil a pesquisa sobre a neve e o gelo. Ele coordena a participação brasileira nas investigações de testemunhos de gelo antárticos e andinos e faz parte do comitê gestor da iniciativa International Partnerships in Ice Core Sciences (IPICS). Recebeu o Prêmio Pesquisador Destaque da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) por sua contribuição à pesquisa antártica.

Fotógrafo registra degelo nas montanhas em todo o mundo; leia entrevista

Por Márcia Turcato

Ele é cidadão do mundo. Mas seus documentos dizem que é brasiliense, apesar de ter nascido em Curitiba e ter parentes em Porto Alegre. Quando menino viajava para a praia de Torres com a família. O diploma universitário, da UnB, entrega que é bacharel em História. Mas ele combina o conhecimento acadêmico com atividades de fotografia, escalada, navegação, organizador de expedições antárticas ou para qualquer outro canto do planeta onde a curiosidade possa provocá-lo.

O dono desse perfil é João Paulo Barbosa, 49 anos de idade, primogênito do químico Antônio e da advogada Joy, tem três irmãos, casado com a professora Aline Bacelar, pai do pré-adolescente Ian, e atualmente tendo a capital paulista como endereço residencial.

João Paulo atuou como pesquisador convidado da Faculdade de Educação da UnB e foi curador do Museu Virtual de Ciência e Tecnologia. Desde 1999, promove cursos, palestras e expedições ao redor do mundo.

Seu trabalho foi premiado, exibido e publicado em cerca de 50 países e reconhecido pela National Geographic Society (EUA, Alemanha e Itália), Smithsonian Institution (EUA), Bruckmann (Alemanha), Banff Centre (Canadá), CICI (Coreia do Sul), The Guardian (Inglaterra),  Glénat (França), Patagon Journal  (Chile) e ICMBio, WWF e Greenpeace no Brasil, entre outros.

Suas fotografias fazem parte de coleções particulares e de acervos como o National Museum of the American Indian, em Washington DC, Museu de Fotografia de Fortaleza (Ceará), Instituto Moreira Salles, Itamaraty e Memorial dos Povos Indígenas.

A partir de 2011, João Paulo começou a fazer viagens rotineiras à Antártica e atualmente está dedicado à documentação fotográfica e histórica das zonas frias do planeta para registrar as alterações provocadas pela ação humana.

Tem 10 livros publicados. O último, de crônicas de viagem, é Caminhos Imprevisíveis, edição limitada, onde ele diz “se eu tivesse que ter apenas um livro, teria um Atlas”.

Conheci o João Paulo há cerca de 30 anos. Estávamos no mesmo grupo que fazia uma trilha de jeep pelo Cerrado. Ele ainda era estudante de História e desde já apaixonado pela Antártica, onde eu já estivera para escrever ampla reportagem para a revista Isto É (edição 582, de 17 de fevereiro de 1988)  e este foi nosso laço em comum. Também estivemos juntos em algumas competições off road e numa reportagem sobre turismo de aventura no Amapá.

Depois perdemos o contato porque João Paulo não parou mais de viajar. E se fosse possível percorrer a galáxia, com certeza ele já teria feito.

Por tudo isso, foi um enorme prazer reencontrá-lo e fazer essa entrevista para que os leitores do JÁ possam conhecê-lo e também o  trabalho que realiza.

JÁ- Qual o principal foco das tuas viagens?

JP-Faço viagens e faço expedições. As expedições envolvem muita logística, equipamentos e pessoas, também tomam mais tempo de preparação e organização.  Varia muito o meu foco, às vezes eu estou participando de um projeto para fazer um livro ou uma exposição fotográfica. Às vezes eu viajo só para fazer uma escalada, como aconteceu recentemente no Paquistão. Mas preciso destacar que a viagem para o Paquistão também envolveu a relação com o clima, porque estou envolvido em um projeto sobre o gelo, é um projeto de quatro anos, estou fotografando o gelo ao redor do mundo e os glaciares do Paquistão fazem parte do projeto. Também faço viagens com cunho social porque  trabalho para algumas organizações não governamentais (ongs), principalmente inglesas, para fazer reportagens. Já participei de expedições científicas, como o projeto Darwin, programas antárticos do Brasil e também do Chile, e projetos com universidades. É bem variado meu leque de temas mas todos eles têm viagens.

JÁ- Como é esse projeto sobre o gelo no mundo?

JP-  O N’Ice Planet​ é um projeto pessoal e consiste na realização, ao longo de quatro anos, ​de ​expedições ao redor do mundo para documentar zonas frias e divulgar as principais questões relativas ao gelo, como os dilemas populacionais​, as migrações por conta de mudanças climáticas e o risco de extinção dos povos árticos. Também mostro ativistas​ ambienta​is que trazem mensagens importantes​​, que fazem alertas sobre os riscos que o planeta experimenta, relato conversas com cientistas e mostro trabalhos de geoengenharia que eles desenvolvem, e também procuro documentar o que está sendo feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e o consequente derretimento do gelo. É um projeto inédito e relevante por sua proposta abrangente e popular. Os conteúdos produzidos serão divulgados ​regularmente em redes sociais e diversas mídias com o objetivo de instigar o público a refletir, discutir, indagar e atuar por soluções junto aos governantes.

Documentar a urbanização das mais altas montanhas geladas do planeta é dos mais tristes temas que compõem a minha pesquisa sobre o gelo no Antropoceno (termo empregado pelo químico holandes Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de química de 1995, para designar uma nova época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra).

Será que logo mais haverá um hotel sofisticado na montanha K2 (também chamada Qogir Feng, no Himalaia), a exemplo do que já acontece no Aconcágua e no Everest? O black carbon (concentração de fuligem na atmosfera) acelera o derretimento das geleiras. Há 30 mil refugiados do clima na região do Himalaia apenas no último Verão.

JÁ- Qual foi a tua primeira grande viagem?

JP- A primeira grande viagem foi o nascimento, a segunda grande viagem foi minha adoção (João Paulo foi adotado em Curitiba quando tinha  pouco mais de um ano de idade, e veio com os pais  para Brasília. Se considera brasiliense.) A terceira grande viagem  foram os sete meses que vivi na França (João Paulo acompanhou a família durante o pós-doutorado do pai em Paris). Depois disso vieram inúmeras viagens, todas também importantes e inesquecíveis.

JÁ- Quais as melhores viagens e qual a sua região preferida?

JP- Existem muitas melhores viagens. Inclusive a da imaginação, que é viajar quietinho. A viagem a Ásia, que comento em meu último livro (“Caminhos Imprevisíveis”, Editora Caseira e Ateliê Casa das Ideias), foi entre 2007 e 2008.  Fiz uma viagem de 480 dias que foi muito importante pra mim, quando vi o Himalaia pela primeira vez e fiquei alguns meses na região, mas eu gosto muito do deserto do Atacama, gostei muito das duas expedições que fiz ao Pico da Neblina, em Roraima, na área Yanomami, que chamamos de Yaripo, que significa Montanha do Vento. A Patagônia, principalmente os fiordes da Terra do Fogo, que são lugares em que eu frequento de veleiro, é um lugar lindíssimo (veleiro Kotik, de 40 toneladas,  60 pés, cinco camarotes e  espaço para  10 pessoas). E claro, meu lugar preferido é a Antártica, a Península Antártica e a costa oeste da península, que acho muito especial.

JÁ- Quantas vezes você esteve na Antártica?

JP- Neste mês de fevereiro de 2023 eu vou participar da minha nona expedição antártica e será minha sétima embarcado no  veleiro Kotik, do comandante francês Igor Bely.

JÁ- Qual a melhor experiência que você experimentou numa dessas viagens?

JP- Quando eu tinha 18 anos de idade e estava no norte do Canadá,  em Quebec, e vi a aurora boreal foi uma experiência fantástica, eu estava acampado com seis amigos. A aurora boreal durou horas, muito colorida, foi emocionante. Os primeiros mergulhos utilizando garrafa (cilindro com oxigênio) também foram emocionantes. Escalar o Aconcágua (maior montanha da cordilheira do Andes, na Argentina, com 6.961 metros de altura), sozinho, aos 20 anos, também foi muito emocionante. Em 2014, na minha terceira viagem para Antártica a bordo do veleiro Kotik foi incrível porque eu sonhava em viajar nesse barco e com uma galera que eu sonhava muito em estar junto. Durante muito tempo eu chorei de emoção ao chegar na Antártica e chorava de tristeza quando tinha de ir embora. Também preciso falar de uma outra  experiência ótima, quando subo montanhas e vulcões com amigos, sem mídia, sem publicidade, só por amizade e com esforço físico. Em 2020 eu tive a experiência de remar por nove dias, na Antártica, numa canoa polinésia para três pessoas, a V3, e eu remei com dois campeões brasileiros de canoa.  Inclusive eles são representantes do Brasil no campeonato mundial de canoagem  (os remadores  Marcelo Bosi e Rudah Caribe).  Isso foi muito bom.

JÁ- Qual a maior dificuldade que você experimentou?

JP- Essa é fácil. É o estreito de Drake (também chamado de mar ou passagem). Passar o estreito de Drake em um veleiro não é brincadeira não. Eu já passei quase 20 vezes, contando ida e volta. A travessia leva cerca de quatro dias, então é inevitável passar por pelo menos uma grande tormenta. Três vezes foram terríveis, de terror e pânico. Pensei que ia morrer, mas lembrei que estava num barco feito para essa situação adversa, com mono casco de aço, feito por um ex-cientista da Nasa, com uma tripulação incrível, e então não me entreguei emocionalmente, reagi. O corpo fica acabado, mas o espírito aguenta. O estreito de Drake é o maior perrengue da galáxia.

JÁ- Qual a melhor forma de viajar, sozinho ou em grupo?

JP- Eu tenho quatro formas de viajar: sozinho, com a família, com  amigos e por conta do trabalho. Todas são muito legais. Mas eu gosto muito de viajar sozinho e recomendo que todo mundo tenha essa experiência. É muito importante viajar sozinho para aprender, para se misturar com a população local. Entretanto, tem lugares que é muito bom viajar com um grupo de amigos para se divertir com eles, como eu fiz nos fiordes da Terra do Fogo.

JÁ- Você tem parentes em Porto Alegre. Como é essa relação?

JP- Eu tenho uma tia avó, Marília Escosteguy, ela tem 102 anos de idade, mora na rua Jacinto Gomes, no bairro Santana. Ela é uma mulher fantástica, ela apresentava um programa na antiga TV Tupi, quando viveu no Rio de Janeiro. Foi casada com o artista plástico e escritor Pedro Geraldo Escosteguy – de Santana do Livramento-  que também é médico, já falecido. O Pedro tinha um acervo literário e artístico incrível, e que agora está disponível ao público no Departamento de Literatura da UFRGS.

Eu aprendi muitas coisas com a minha avó e também viajei com ela para praias gaúchas, lembro bem de Torres. Aprendi principalmente a ter cuidado com as coisas, a ter carinho com os objetos e com tudo, com as pessoas também, obviamente. Na casa dela tudo é muito cuidado, tudo merece respeito, uma coisa meio assim oriental. E por conta dela eu tenho muito carinho por Porto Alegre.

O MAR DE DRAKE

Mar onde há mudanças bruscas nas condições de temperatura, visibilidade e, principalmente, do vento.  Comandantes de aeronaves e de navios passam por processo de treinamento especial para operar nessa área. O Mar de Drake é o terror dos navegantes. Estima-se que 800 embarcações tenham naufragado em suas águas.

É o ponto mais austral da América do Sul e mais próximo da Península Antártica, com 650 km de extensão e quase cinco mil metros de profundidade, onde os oceanos Atlântico e Pacífico se encontram, se afunilam e se confrontam num grande espetáculo, provocando ondas gigantes.  Até a base brasileira, a Comandante Ferraz, são 900 km de distância.

Mais informações no Instagram: @ joaopaulobarbosaphotography

Camboriu, uma das praias mais bonitas do Brasil foi destruída pela especulação imobiliária

A prefeitura de Balneário Camboriú informou que vai instalar “geotubos” para conter a erosão que cavou um “degrau” na faixa de areia da praia.

A escarpa, de 1,80 m de altura, surgiu na Praia Central na quinta-feira (20), dez meses depois de uma mega obra que alargou de 25 para 70 metros a faixa de areia ao longo de 5,8 quilômetros de praia.

A construção desenfreada de prédios  nos últimos 30 anos desfigurou completamente Camboriú,  que já foi considerada uma das praias mais bonitas do Brasil.  Os arranha-céus construídos sem respeitar os limites das dunas, além de fazer sombra na praia, estreitaram a faixa de areia, que foi ainda mais reduzida pela elevação do nível do mar, fenômeno causado pelo aquecimento global, segundo os especialistas. A vegetação de restinga, que estabiliza as areias da praia foi praticamente suprimida.

A solução encontrada pela prefeitura foi alargar artificialmente  a faixa de praia, dragando areia do fundo do mar para a beira-dágua.  Agora, dez meses depois de concluída a obra,  a ação do mar está pondo em´dúvida a solução.

A prefeitura emitiu nota afirmando que o fenômeno era esperado e que com os tais “geotubos” – bolsas com grande volume de areia usadas para conter a erosão marinha – a praia será recuperada.

Se a erosão era esperada,  a prefeitura não se previniu. Segundo o engenheiro e diretor de planejamento e gestão orçamentária do município, Toni Fausto Frainer, ainda não há um projeto colocação dos geotubos.
De acordo com a prefeitura, o desnível que apareceu nume de 200 metros de comprimento. Em março deste ano, degraus e desníveis já haviam sido visualizados na orla de Balneário Camboriú.
Falando ao G1, o geólogo e professor da Universidade Regional de Blumenau, Juarês José Aumond, a estrutura de geotubo será “paliativa” já que o degrau ocorre por um evento localizado, que deve desaparecer, mas vai voltar, conforme as ondas e ressacas.
“O engordamento da praia não eliminará a elevação do nível do mar que ocorre em escala mundial”, afirma o professor.

De acordo com o especialista que estuda o tema há cerca de 40 anos, nem mesmo o engordamento da praia vai conseguir impedir o processo de erosão, que é natural das áreas marítimas. O estudioso ressalta a importância da vegetação de restinga, que mantém a estabilidade da praia e que foi removida em Camboriu.
No local, há um planejamento para o plantio da restinga, que é uma exigência do IMA para dar o licenciamento ambiental para a obra de alargamento.
Conforme o engenheiro que trabalhou na obra de alargamento da praia, o desnível visto por moradores e banhistas na quinta foi resultado da ação das ondas mais fortes dos últimos dias.

 

 

157 países encaram a guerra à poluição plástica na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente

Representantes de 175 nações aprovaram hoje uma resolução histórica na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente (UNEA-5), em Nairóbi, pelo Fim da Poluição Plástica. A resolução visa a estabelecer um acordo internacional juridicamente vinculante até 2024. Além disso, aborda todo o ciclo de vida do plástico, incluindo sua produção, design e descarte.

“No cenário atual de turbulência geopolítica, a Assembleia da ONU para o Meio Ambiente mostra o melhor da cooperação multilateral”, disse o Presidente da UNEA-5 e Ministro de Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide. “A poluição plástica se transformou em uma epidemia. Com a resolução de hoje, estamos oficialmente no caminho certo para uma cura”.

A resolução, que se baseia em três propostas iniciais de várias nações, estabelece um Comitê Intergovernamental de Negociação (INC, na sigla em inglês), que entrará em funcionamento em 2022, com a meta de concretizar uma proposta para um acordo global juridicamente vinculante até o fim de 2024.

A expectativa é de que seja apresentado um instrumento juridicamente vinculante, que atenda a diversas alternativas para abordar todo o ciclo de vida do plástico, o design de produtos e materiais reutilizáveis e recicláveis, e a necessidade de uma maior colaboração internacional para facilitar o acesso à tecnologia, à capacitação e à cooperação científica e técnica.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) convocará, até o final de 2022, um fórum aberto a todas as partes interessadas, em conjunto com a primeira sessão do INC, para trocar conhecimentos e melhores práticas entre as diferentes partes do mundo. O fórum facilitará discussões abertas e garantirá que estas serão fomentadas pela ciência, com registros quanto aos progressos atingidos ao longo dos próximos dois anos. Por fim, ao fim do trabalho do INC, o PNUMA organizará uma conferência diplomática para a aprovação do resultado e disponibilizará as assinaturas.

“O dia de hoje marca um triunfo para o planeta com relação aos plásticos de uso único. Este é o acordo ambiental multilateral mais importante desde o acordo de Paris. É uma política de seguro para esta geração e outras futuras, para que possam viver com o plástico e não ser condenados por ele”, afirmou Inger Andersen, Diretora Executiva do PNUMA.

“Que fique claro que o mandato do INC não permite a nenhuma parte interessada uma pausa de dois anos”. Em negociações paralelas sobre um acordo juridicamente vinculante, o PNUMA trabalhará em conjunto com todos os governos e empresas interessados que estejam envolvidos na cadeia de valor para substituir os plásticos de uso único, assim como para mobilizar o financiamento privado e remover barreiras de investimento na pesquisa e em uma nova economia circular do plástico”, acrescentou a diretora.

A produção de plástico subiu de dois milhões de toneladas em 1950 para 348 milhões em 2017, tornando-se uma indústria global avaliada em 522,6 bilhões de dólares, e esse número está previsto para duplicar até 2040. Os impactos da produção do plástico e da poluição resultante na tripla crise planetária de mudança climática, perda da natureza e poluição são uma catástrofe prestes a acontecer:

A resolução histórica, denominada “Fim da Poluição Plástica: rumo a um instrumento internacional juridicamente vinculante” foi adotada com a conclusão da reunião de três dias da UNEA-5.2, na qual participaram mais de 3.400 pessoas presencialmente e 1.500 de forma on-line, oriundas de 175 Estados membros da ONU – incluindo 79 ministros e 17 funcionários de alto nível.

A Assembleia será sucedida pelo “PNUMAaos50”, uma sessão extraordinária de dois dias da Assembleia que celebrará o aniversário de 50 anos do PNUMA, no qual Estados membros deverão abordar como construir um mundo pós-pandêmico resiliente e inclusivo.

Leia a resolução aprovada na íntegra.

PNUMA aos 50: Um momento para refletir sobre o passado e imaginar o futuro

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 em Estocolmo, Suécia, foi a primeira da ONU cujo título trouxe a palavra “meio ambiente”. A criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) foi um dos resultados mais notórios dessa conferência, que teve diversas iniciativas pioneiras. O PNUMA foi criado basicamente para ser a consciência ambiental da ONU e do mundo. As atividades que ocorrerão ao longo de 2022 analisarão os avanços relevantes já realizados, bem como o que está por vir nas próximas décadas.

Fonte: Envolverde

COP repete sua barganha faustiana em Glasgow

“Temos que criar um consenso para as mudanças em transporte, indústria e agricultura, sob o argumento de evitar maiores custos no futuro”, declarou o bilionário-filantropo Bill Gates numa entrevista para o Think-Tank britânico Policy Exchange durante a COP26. “Este encaminhamento está bastante prejudicado”, acrescentou ele, citando as crescentes emissões de CO2 como o principal indicador dessa realidade. 

Gates aponta como positiva a transição da produção de energia na Europa do carvão para o gás. Aço verde, hidrogênio barato, usinas eólicas em alto mar são outras tecnologias carecendo de inovação, e por isso de “muito dinheiro” para trazerem os resultados necessários. “Duvido que conseguiremos limitar o aumento da temperatura média do planeta a 1,5 grau, mas 2 graus será melhor que 3 graus”, admite o bilionário.

Nível do mar

Os negociadores em Glasgow trabalharam com uma vertente da ciência climática que empurra para 2040 o “ponto de não retorno” (tipping point). Na verdade, esse prazo faz uma generosa concessão analítica, protelando o limite das emissões em pelo menos uma década.

Estudos até hoje não contestados apontam para uma premência muito maior. “Seja por qual razão, a estabilidade do nível do mar determinou o desenvolvimento da civilização. O nível estável do mar não apenas proveu os primeiros humanos com proteína animal marinha, mas também tornou possível a produção de grãos em estuários e ecossistemas alagados. Com essas condições, alimentos para a população humana puderam ser produzidos por uma fração das pessoas, permitindo assim a transição do estilo Neolítico de vida para a vida social urbana e o desenvolvimento de complexas sociedades governadas pelo Estado”, ensina o Dr. James Hansen, ex-chefe do Instituto Goddard de Pesquisas Espaciais da NASA, e pioneiro na divulgação dos alertas relacionados à mudança climática na década de 1980.

No livro “Tormentas dos meus netos”, Dr. James Hansen alerta para a insensatez da política e do lobby fóssil.

Em seu livro “Tormentas dos meus netos” (Storms of my grandchildren, Bloomsbury 2009) ele conta sua experiência como pesquisador e a luta contra o que ele chama de “Barganha Faustiana”. “O aquecimento global (Desde 2000) precisa ficar em menos de um Grau para evitar o desastre”, escreveu Dr. Hansen ao relatar seu enfrentamento com o lobby politico-corporativo para divulgar suas pesquisas.

“Infelizmente, o que desde então ficou claro é que um aquecimento global de 2 graus Celsius, ou mesmo 1,7 grau Celsius é um cenário de desastre”, insiste no livro, explicando porque o período de estabilidade para o nível do mar “quase certamente” acabou. Incerto apenas é a que velocidade esse aumento ocorrerá. “Um metro e alguma coisa, ou dezenas de metros por século, com desintegração de geleiras resultando em contínuo redesenho das ocupações costeiras.”

Indústria das RP

Fato é que mais de uma década se passou desde que Dr. Hansen publicou seu alerta, “a verdade sobre a vindoura catástrofe climática”. De lá pra cá, os governos responsáveis do mundo se reuniram dezenas de vezes. Assinaram inúmeros protocolos e acordos. Todos, como o primeiro, o de Kyoto em 1997, não reduziram as emissões. Elas na verdade continuam aumentando.

Hoje como em 2009, essa realidade contrasta com a impressão criada pela mídia, alimentada fartamente pela indústria das Relações Públicas (Public Affairs). Como Jansen denuncia no livro, o papel do dinheiro continua sendo o principal obstáculo às medidas de estabilização do clima, e por consequência da conscientização das pessoas. Pouco antes do encerramento da conferência, ativistas denunciaram a presenca mais de 500 lobistas das empresas poluidoras em Glasgow. Dias antes, a BBC já havia alertado para a tentativa de alterar o texto do acordo a ser negociado na Escócia.

Ponto de inflexão

Segundo os cientistas a regiao do Mar Mediterrâneo se tornou um Hotspot para incêndios florestais. Em 2021 eles consumiram florestas, casas e infra-estrutura. As chamas arderam durante Agosto e Setembro pela Espanha, Itália, Grécia, Turquia e quase todos os países banhados por suas águas. (Mahmut Alakus/Turquia)

Com ou sem tráfico de influência, a pergunta que a COP evitou responder é: já ultrapassamos o ponto de não retorno (“tipping point”)? Seriam as enchentes da Europa e os incêndios florestais em toda a costa do Mediterrâneo na última temporada de verão um sinal disso? O jornalista britânico George Monbiot acredita que, “se já não passamos, estamos mais próximos do que esperamos”.

“A velha suposição de que os pontos de inflexão da Terra estão muito distantes começa a parecer insegura. Um artigo recente na revista Nature  adverte que a circulação meridional do Atlântico – o sistema que distribui calor ao redor do mundo e impulsiona a Corrente do Golfo – pode agora estar “perto de uma transição crítica”.”escreveu ele em Setembro.

Monbiot lembra que outros sistemas também parecem estar se aproximando de seus limites: os mantos de gelo da Antártica, a floresta amazônica e a tundra ártica e as florestas boreais, que estão perdendo rapidamente o carbono que armazenam, gerando uma espiral de aquecimento ainda maior. 

A tese é a mesma defendida há décadas por James Hansen. Os sistemas terrestres não ficam em suas caixas. Se um passar para um estado diferente, isso poderá desencadear a inversão de outros. Mudanças repentinas de estado podem ser possíveis com apenas 1,5 ° C ou 2 ° C de aquecimento global. 

Detalhe, o aumento médio da temperatura na Europa no último verão foi justamente 1,5°C.

Segundo o Serviço Meteorológico Alemão , o continente europeu apresenta um aumento da temperatura três vezes maior que o aumento verificado na média global. Exatos 1,5 grau Celsius acima da média histórica. (ARD)

Planos e Tecnologias

Se há uma coisa que sabemos sobre o colapso do clima, é que não será linear, suave ou gradual. Assim como uma placa tectônica continental pode empurrar outra, causando terremotos e tsunamis periódicos, nossos sistemas atmosféricos irão absorver o estresse por um tempo, depois mudar repentinamente. 

Os planos apresentados na COP contam com a tecnologia e a natureza para absorver o dióxido de carbono que continuamos produzindo. As tecnologias consistem na captura e armazenamento de carbono de usinas de energia e fábricas de cimento em estratos geológicos, ou captura direta de ar (sugando o dióxido de carbono do ar e enterrando-o também). Seu uso em larga escala é descrito pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) como “sujeito a múltiplas restrições de viabilidade e sustentabilidade”. Por isso, é improvável que sejam implantados em grande escala no futuro pelo mesmo motivo que não estão sendo implantados em grande escala hoje, apesar de 20 anos de conversa.

Segundo o colunista do The Guardian, mesmo contando todas as soluções tecnológicas e compensações prometidas, as políticas atuais apontam para calamitosos 2,9 ° C de aquecimento global. Arriscar uma mudança irreversível ao prosseguir com as emissões atuais, confiar em tecnologias não entregues e capacidades inexistentes é a fórmula para a catástrofe.

Sacrifícios modestos

Na foto apertando a mao do príncipe de Wales, Bill Gates foi a Glasgow sondar as possibilidades de investimento em inovacao. A energia nuclear entre elas.

O impacto social da mudança climática, parte do relatório do IPCC a ser divulgado em fevereiro de 2022, não é novidade nenhuma. Na verdade, como das vezes anteriores, o IPCC apresenta a previsão mais branda da já certa catástrofe climática. Cerca de 130 milhões de pessoas serão jogadas na pobreza pelas mudanças no clima até 2030. 

Think thanks como o Institute for Economics and Peace (IEP) anunciam 1.2 bilhão de desabrigados pelo aquecimento global antes de 2050. Nada novo para muitos dos mais sérios cientistas debruçados sobre a questão do clima há décadas. Em 2006, James Lovelock, conhecido como pai da teoria de Gaia, escreveu em seu livro “A vinganca de Gaia” que antes do final deste século as mudanças do clima, causadas pela queima de combustíveis fósseis, reduzirão a população global a 10% do seu total hoje.

“Inovação é o único caminho para passarmos por sacrifícios modestos e com isso atingir o objetivo de zerar as emissões”, acredita Bill Gates. Qual o salto tecnológico a ser dado para eliminar 51 bilhões de toneladas/ano de gases de efeito estufa? Um mistério para as próximas conferências do clima. Até lá, o bilionário se engaja na campanha para ampliar a geracao atômica em todo o mundo.

O aquecimento global e as mudanças do ciclo da água no planeta

The Guardian

Os problemas da água – seca, com os incêndios florestais que a acompanham, e inundações – provavelmente se agravarão em todo o mundo à medida que o colapso do clima se estabelecer, de acordo com a maior avaliação da ciência do clima até hoje .

O aquecimento global de pelo menos 1,5ºC deve ocorrer nas próximas duas décadas , de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

O aumento da temperatura será acompanhado por grandes mudanças no ciclo da água do planeta, com áreas que já estão úmidas se tornando muito mais úmidas e áreas já áridas sujeitas a secas maiores.

As chuvas extremas se intensificam em 7% para cada 1C adicional de aquecimento global, constatou o relatório.

O professor Mike Meredith, líder científico do British Antarctic Survey e principal autor do IPCC, disse:

“À medida que a atmosfera continua a aquecer por causa do aquecimento global, ela pode reter e transportar mais umidade – portanto, em maior escala, esperamos uma aceleração do ciclo hidrológico : evaporação mais forte nos trópicos e chuvas mais intensas nas latitudes altas e algumas regiões equatoriais. Isso levará a eventos extremos de chuva mais frequentes em áreas já úmidas e a uma maior incidência e severidade de inundações”.

“Já há fortes evidências de que estamos vendo essas mudanças. Em algumas regiões secas, as secas se tornarão piores e durarão mais. Esses riscos são agravados por consequências indiretas, como maior risco de incêndios florestais, como já estamos vendo . ”

O professor Ralf Toumi, codiretor do Grantham Institute on Climate Change no Imperial College London, disse: “O princípio de um mundo mais quente é que mais água evaporará, o que agravará as secas, e essa água enriquecida na atmosfera aumentará a quantidade de chuva quando chove. ”

Os efeitos serão sentidos em todo o mundo, desde os Estados Unidos, onde a seca é um problema crescente no oeste e no sul, até a Índia, onde as monções podem se tornar mais variáveis. A África Subsaariana também deve sofrer um aumento na seca em muitas áreas, enquanto enchentes e secas atingirão a China e a Europa.

Ilan Kelman, professor de desastres e saúde da University College London, disse: “A mudança climática tornará os regimes úmidos e secos mais extremos. A umidade do solo diminuirá e os períodos de seca aumentarão em regiões já áridas, como o Mediterrâneo e o sul da África. Espera-se que a variabilidade sazonal da chuva aumente, com menos dias de chuva ao lado do aumento da intensidade das chuvas ”.

Mudanças nos padrões naturais de chuva do planeta são um dos maiores impactos da crise climática, e o histórico relatório do IPCC , que foi publicado na semana passada, contém mais de 200 páginas somente sobre este assunto. Uma discussão mais completa sobre os impactos esperados da crise climática sobre a água virá em fevereiro próximo, na segunda parte do relatório – a sexta da autoridade mundial em ciência do clima desde 1988 – mas as descobertas até agora contêm os avisos mais contundentes sobre os problemas o mundo enfrenta.

As monções no sul da Ásia – que são fundamentais para a vida e a agricultura de mais de um bilhão de pessoas – são uma fonte particular de preocupação, assim como as áreas alimentadas por geleiras, onde primeiro as inundações e depois a escassez de água provavelmente se tornarão cada vez mais comuns como geleiras encolhem e algumas geleiras menores desaparecem.

O IPCC foi cauteloso quanto aos impactos potenciais nas monções, com alguns estudos apontando para um enfraquecimento potencial e alguns para um fortalecimento. As monções provavelmente se tornarão mais variáveis ​​no futuro. “Por um lado, sabemos que para um determinado padrão de vento de monção haverá mais chuva, mas o padrão de vento de monção pode enfraquecer, de modo que o efeito líquido é incerto”, disse Toumi.

O Dr. Andy Turner, professor associado em sistemas de monções na Reading University e principal autor do IPCC, disse: “Particularmente para as monções no sul e sudeste da Ásia, leste da Ásia e no Sahel central [na África], a precipitação das monções é projetado para aumentar até o final do século. No entanto, as mudanças de monção de curto prazo serão dominadas pelos efeitos da variabilidade interna. Cada grau adicional de aquecimento irá exacerbar a frequência e a gravidade dos eventos extremos nas regiões das monções, como períodos de chuvas fortes, inundações e secas. ”

Centenas de milhões de pessoas também dependem diretamente das geleiras para obter água e agricultura , e provavelmente também estão entre os sistemas hídricos mais afetados.

Roger Braithwaite, pesquisador sênior honorário da Universidade de Manchester, disse: “As medições mostram que as geleiras em muitas partes do mundo atualmente têm balanços de massa negativos, mesmo com as temperaturas médias globais atuais. As geleiras, portanto, não são ‘seguras’ sob o acordo de Paris [que limita o aquecimento a 1,5 ° C como uma ambição e 2 ° C como um limite externo]. ”

Meredith acrescentou:

“As geleiras em todo o mundo recuaram desde a década de 1990; isso não tem precedentes em pelo menos dois milênios e é um sinal claro dos impactos do aquecimento global. Para muitas comunidades rio abaixo, as geleiras de alta montanha são fundamentais para seu modo de vida, fornecendo uma fonte confiável de água doce para beber e irrigar as plantações. À medida que essas geleiras continuam a recuar, inicialmente o degelo mais forte causará maior risco de inundações, avalanches e deslizamentos de terra – riscos diretos para quem vive rio abaixo. No devido tempo, a diminuição da disponibilidade de água doce mudará o risco para seca. Existem milhões de pessoas que vivem a jusante de grandes sistemas glaciares de montanha, como o Himalaia; isso é uma preocupação extrema para suas vidas e meios de subsistência. ”

Esses impactos nos sistemas de água já estão causando devastação a milhões de pessoas em todo o mundo, agravando a pobreza, desestruturando sociedades e transformando a vida em uma luta diária para alguns dos mais vulneráveis, disse Jonathan Farr, analista sênior de políticas para mudanças climáticas da instituição de caridade WaterAid .

Ele apontou para o Malauí, onde o segundo maior lago, o Lago Chilwa, é fundamental para a vida de 1,5 milhão de pessoas. “Embora seus níveis sempre tenham oscilado, agora está acontecendo com mais frequência e em extremos maiores, afetando as comunidades locais. As mulheres, na maioria das vezes responsáveis ​​por garantir água para suas famílias, muitas vezes podem fazer fila no poço por muitas horas, às vezes durante a noite, esperando que os níveis voltem a encher até o ponto em que possam tirar água. ”

Os governos reunidos para a cúpula do clima da ONU Cop26 em Glasgow, em novembro, devem tomar medidas não apenas sobre as emissões de gases de efeito estufa, mas também fornecer financiamento para que as nações pobres se adaptem aos impactos da crise climática que já estão ocorrendo, acrescentou.

Infestação de peixes carnívoros ameaça pesca e ecossistema no Rio Jacuí

Milos Silveira, O Correio , Cachoeira do Sul *

O aparecimento de palometas, peixes carnívoros considerados exóticos nos sistemas hídricos da Região Central do Rio Grande do Sul, ameaça o ecossistema e atividade econômica de pescadores do Rio Jacuí que têm na pesca profissional a principal ou a única fonte de renda.

Em Cachoeira do Sul, a infestação se acentuou nos últimos meses e as consequências desse fenômeno são percebidas por quem pesca diariamente no Rio Jacuí.

O pescador Rodrigo Rodrigues Barbosa, 32 anos, e o pai Hélio Pinto Barbosa, 68, sentiram no bolso os efeitos da proliferação desses peixes na manhã desta terça-feira (6), quando foram revisar espinhéis na região da Praia Velha colocados no final da tarde de segunda-feira (5).

Pintados e jundiás presos às redes foram devorados, o que deixou pai e filho preocupados, já que a família possui peixaria e a renda da pesca é fundamental no orçamento doméstico. “Por enquanto, a gente ainda não sabe ao certo o tamanho prejuízo que isso vai nos dar, mas estamos preocupados porque pelo que estamos percebendo essa infestação só vai aumentar”, lamenta.

SEM PREDADOR NATURAL

Como a palometa praticamente não possui predador natural, acredita-se que a população desses peixes aumente consideravelmente com o passar do tempo. Uma possibilidade, dizem biólogos e pescadores, seria o dourado agir como predador natural. No entanto, como a espécie está praticamente em extinção, acredita-se que a população desses peixes é considerada insuficiente para fazer frente à proliferação de palometas. Pescadores profissionais que fisgam peixes de linha de fundo relatam também que já pescaram espécies nativas, como jundiá, pintado, tilápia e traíra, entre outros, com barbatanas, nadadeiras e caudas mordiscadas.

Jundiás e pintados capturados em espinhéis foram devorados na Praia Velha do Rio Jacuí / Foto: Rodrigo Barbosa/Divulgação

Em entrevista recente à Rádio Rio Pardo, o biólogo Andreas Köhler, professor do Departamento de Ciências da Vida da Unisc, disse acreditar que uma das possíveis causas da proliferação no Rio Jacuí seja o desequilíbrio ambiental. “Há relatos do surgimento de piranhas por pescadores há mais de dez anos no Rio Jacuí. No entanto, a captura de predadores naturais das palometas, como o próprio peixe dourado, que está em extinção, propicia a multiplicação dessa espécie”, afirmou Köhler.

“Outro fator é o aquecimento global. A cada ano ficando mais quente, o clima muda, assim como a temperatura. As águas que antigamente eram mais frias agora ficam mais quentes, e esse clima favorece a proliferação das populações de peixes. Falta um controlador biológico”, explicou o biólogo.

Embora seja uma espécie carnívora, as palometas não têm por hábito atacar humanos, a não ser banhistas que apresentem algum tipo de ferimento ou corte, já que esses peixes são atraídos pelo sangue.

Exemplares das próprias palometas também já foram pescados de linha no Rio Jacuí e afluentes, como o Irapuá. Em meados no mês passado, um banhista que pescava por esporte na região conhecida como Poço da Laje, próximo ao Baleneário Irapuá, ficou surpreso ao fisgar uma palometa com linha, anzol e isca usados para fisgar espécies nativas.

ENTREVISTA:

Deividi Kern, biólogo-chefe do Departamento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) de Cachoeira do Sul e licenciador ambiental

1) Nos últimos meses, vem aumentando o número de relatos em redes sociais e em reportagens de jornais e portais de notícias a respeito de infestação de palometas no Rio Jacuí. A Secretaria de Meio Ambiente de Cachoeira do Sul já foi acionada a respeito para averiguar essa situação?

A secretaria Municipal de Meio Ambiente não foi acionada oficialmente para averiguar a situação de ocorrência de possível desequilíbrio ecológico da ictiofauna do rio. Apenas acompanhamos os fatos noticiados na mídia local e regional. Atualmente existem relatos de ocorrência ao longo do Rio Jacuí e Rio Pardo.

2) Nesse caso específico das palometas, existe algum tipo de intervenção por parte da Secretaria que possa se mostrar eficaz para controlar a disseminação desses peixes?

As medidas de controle passam necessariamente pelo monitoramento inicial de locais de ocorrência destes animais e, diretamente, pela fiscalização de ações que envolvem pesca predatória. O desequilíbrio ocasionado pela pesca predatória, ou até pela piscicultura sem o devido controle ambiental, podem contribuir para o desequilíbrio ecológico da ictiofauna. Existem algumas hipóteses a serem consideradas em relação a ocorrência de possível aumento da frequência da espécie no rio. Entre as hipóteses, a principal está relacionada ao desequilíbrio ambiental do ecossistema, seja ele ocorrente através da pesca predatória, introdução de novas espécies e/ou através do aquecimento global, em que a alteração da temperatura das águas pode ser capaz de alterar o ciclo reprodutivo de determinadas espécies de peixes, favorecendo determinadas espécies em detrimento de outras. No caso das palometas, a espécie predadora é o peixe-dourado (Salminus brasiliensis), no entanto, esta espécie está na listagem oficial das ameaçadas em extinção. Portanto, é importante salientar que o recurso hídrico possui uma determinada dinâmica e capacidade de suporte alimentar para sustentar os animais existentes e que, ao surgir, por algum motivo, proliferação de determinada espécie, por introdução ou diminuição de outra, esta passa a competir em nível trófico com as naturalmente ocorrentes em frequência menor. O impacto ambiental causado pela introdução de animais exóticos ou extermínio de determinada espécie nativa predadora pode ser, portanto, um fator determinante na conservação de espécies nativas ocorrentes no recurso hídrico envolvido.

É importante também ser destacado que, conforme registro em pesquisa de bibliografia científica consultada, foi reportado a ocorrência nas Bacias Hidrográficas do Rio Jacuí e Uruguai de duas espécies que são popularmente denominadas de palometas, entre elas estão Pygocentrus nattereri popularmente conhecida como piranha/palometa vermelha, e a Serrasalmus maculatus popularmente conhecida como piranha/palometa amarela.  A piranha/palometa vermelha possui ocorrência natural nas bacias do Amazonas, Araguaia-Tocantins, Prata, São Francisco e em açudes do Nordeste brasileiro. Já a piranha/palometa amarela ocorre naturalmente nas bacias do Paraguai, Paraná e Amazônica. Portanto, as espécies de palometa são exóticas ao ecossistema local em relação à ictiofauna, especialmente, do Rio Jacuí. Os resultados da pesquisa em relação a ocorrência de espécies decorrente da pesca artesanal, para o ano de 2016 foi de 1,3 a 1,5% conforme dados consultados.

3) Como o pescador profissional pode agir para se adaptar a este novo momento, já que há relatos de que espécies como traíra, pintado e jundiá – bastante apreciados na nossa gastronomia – estão entre os alvos das palometas?

Deve ser respeitado primeiramente o período reprodutivo das espécies conhecido como período de piracema ou defeso da pesca, que no estado do Rio Grande do Sul ocorre entre os meses de outubro a janeiro. Também deve-se conhecer o ecossistema envolvido na atividade e respeitar os níveis tróficos (posição que cada um ocupa na cadeia alimentar), evitando promover mais desequilíbrio. Também devem ser respeitadas as recomendações dos órgãos ambientais competentes, neste caso, a jurisdição sobre a fauna do estado do Rio Grande do Sul pertence à Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Órgão locais (municípios) podem colaborar e contribuir com políticas públicas necessárias.

INVASÃO DE PALOMETAS NO RIO JACUÍ – AS LAGOAS DO LITORAL SÃO AS PRÓXIMAS?

Os biólogos e professores da UFRGS, Luiz R. Malabarba (Departamento de Zoologia) e Fernando Gertum Becker (Departamento de Ecologia) e os servidores do Museu de Ciências Naturais/SEMA, especialistas em peixes Marco Aurélio Azevedo e Vinícius Araújo Bertaco, explicam os tipos comuns de piranhas e palometas no Rio Grande do Sul.

“Neste verão foram veiculadas informações com registros de captura de palometas ou piranhas no rio Jacuí, principalmente nos municípios de Cachoeira do Sul e Rio Pardo, na região central do estado, e mais recentemente no município de Vale Verde.

No Rio Grande do Sul ocorrem naturalmente duas espécies do grupo das piranhas (família Serrasalmidae), a Palometa (Serrasalmus maculatus) e a Piranha (Pygocentrus nattereri), mas somente na bacia do rio Uruguai.

O rio Uruguai faz parte da bacia do rio da Prata, assim como os rios Paraná e Paraguai, e compartilha algumas espécies de peixes de água doce com o Pantanal do Mato Grosso, como por exemplo o Surubim, arraias de água doce, a Palometa e a Piranha. O rio Jacuí faz parte da bacia da laguna dos Patos e apresenta uma fauna de peixes de água doce marcadamente diferente daquela do rio Uruguai. São cerca de 275 espécies de peixes na bacia do rio Uruguai e 200 na bacia da laguna dos Patos; dessas, apenas 86 espécies ocorrem nas duas bacias. Já a bacia do rio Tramandaí é a terceira maior bacia hidrográfica do estado, com cerca de 100 espécies. Somente 53 espécies ocorrem simultaneamente nas bacias do rio Uruguai, laguna dos Patos e rio Tramandaí.

A Palometa (Serrasalmus maculatus), mostrada nas fotos dos registros para o rio Jacuí, não é nativa da bacia da laguna dos Patos, correspondendo a uma espécie alóctone e invasora nesta bacia. Nas últimas 2 a 3 décadas tem sido registrada a presença de espécies alóctones invasoras na bacia da laguna dos Patos.  Estas incluem principalmente o Peixe-cachorro (Acestrorhynchus pantaneiro) (link), o Porrudo (Trachelyopterus lucenai), e a Corvina-de-Água-Doce (Pachyurus bonariensis)(link), todas nativas da bacia do rio Uruguai .

Duas destas espécies (Acestrorhynchus pantaneiro e Trachelyopterus lucenai) se dispersaram posteriormente até a bacia do rio Tramandaí e lagoas costeiras do nordeste do estado (link).

Recentemente foi demonstrado que a presença de uma pequena espécie alóctone de Peixe-banjo na bacia do rio Tramandaí foi ocasionada pela conexão artificial entre a lagoa do Casamento (bacia da laguna dos Patos) e a lagoa Fortaleza (bacia do rio Tramandaí) por canais de irrigação(link). E este foi provavelmente o mesmo caminho de dispersão das duas espécies da bacia do rio Uruguai invasoras na laguna dos Patos e na bacia do rio Tramandaí (Acestrorhynchus pantaneiro e Trachelyopterus lucenai).

Caso essas rotas  artificiais de dispersão não sejam investigadas e interrompidas, é previsível que as palometas venham a invadir as lagoas costeiras do litoral norte em um futuro próximo.

E não podemos nos esquecer de outras quase 200 espécies que ocorrem na bacia do rio Uruguai e não ocorrem no rio Jacuí, como a piranha do Pantanal, que podem se tornar invasoras na bacia da laguna dos Patos se possíveis conexões não forem detectadas e interrompidas.

* Com informações complementares 

 

Cai pela metade a poluição do ar com redução de ônibus nas ruas de São Paulo

Caiu pela metade a emissão de poluentes pelos ônibus do transporte público na cidade de São Paulo no período da pandemia de covid-19, iniciada em março.

A constatação é do Instituto de Energia e Meio Ambiente. Os dados foram divulgados hoje (22), Dia Mundial Sem Carro.

O estudo compara os índices de um dia útil  de fevereiro, antes da pandamia, com um dia médio de abril, no auge da quarentena em São Paulo.

Resultado: as emissões de dióxido de carbono (CO2), um dos causadores do aquecimento global, caíram 52%.

A emissão de material particulado (MP), formado por fuligem e outras partículas sólidas ou líquidas em suspensão que podem causar problemas cardiorrespiratórios, foi reduzida em 51%; e os óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes responsáveis por problemas pulmonares, tiveram suas emissões diminuídas em 56%.

“Isso ocorreu por conta da redução da frota em circulação, mas também graças ao aumento da velocidade média dos ônibus que permaneceram rodando”, destaca o texto do estudo. “Isso aponta para um fato já amplamente conhecido que é a importância de se investir na qualidade da mobilidade urbana como forma de reduzir a poluição do ar”, acrescenta.

Segundo a pesquisa, a velocidade da frota aumentou por dois motivos: diminuição do número de carros particulares nas ruas, e pontos de paradas menos lotados, com menor quantidade de passageiros entrando no veículo de uma só vez.

Velocidade dos ônibus aumenta
Pelo levantamento, na primeira semana após o início oficial da quarentena em São Paulo, a velocidade média dos ônibus no horário de pico, entre 7he e 10h da manhã, chegou a 22 km/h, número 46,6% maior que a média de velocidade registrada no início de 2020, no período pré-pandemia (15 km/h).

Os dados também demonstram uma queda acentuada no número de passageiros nos ônibus no período da pandemia: a partir de abril até junho, 237 milhões de pessoas utilizaram o transporte público. No mesmo período do ano passado, esse número foi de 674 milhões, valor quase três vezes maior.

Atualmente, a frota de ônibus em circulação em São Paulo, nos dias úteis, é de 12 mil veículos por dia, em média. Esse número chegou a 13,8 mil, em média, no período pré-pandemia e a apenas 6,8 mil, em média, no início dela.

Para chegar aos dados da pesquisa, o Iema utilizou a ferramenta Monitor de Ônibus SP,  criado para auxiliar o acompanhamento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de poluentes provenientes dos ônibus de São Paulo.

O monitor ajuda a verificar se as operadoras e o poder público estão conseguindo reduzir em 50% as emissões de CO2 (dióxido de carbono) do transporte por ônibus paulistano; em 90% as de material particulado; e em 80%, as de NOx (óxidos de nitrogênio) até 2028, tendo como base o ano de 2016 – compromissos expressos na Lei Municipal 16.802 de 2018.

(Com Agência Brasil)

Aquecimento no Polo Sul é três vezes maior do que o aumento global

As temperaturas estão subindo rapidamente no Polo Sul, considerado o ponto mais frio da Terra.

Tão rápido que Kyle Clem e outros pesquisadores do clima começaram a se preocupar e perguntar se a mudança climática causada pelo homem está desempenhando papel maior do que o esperado na Antártida.

Dados de temperatura mostram que o aquecimento da região foi três vezes a taxa de aquecimento global nas últimas três décadas até 2018, o ano mais quente já registrado no Polo Sul, disseram os pesquisadores em estudo publicado nessa segunda-feira (29) na revista Nature Climate Change.

Observando dados de 20 estações meteorológicas na Antártida, a taxa de aquecimento do Polo Sul foi sete vezes maior que a média geral do continente. O aquecimento do Polo Sul está parcialmente ligado ao aumento natural das temperaturas no Pacífico tropical ocidental, sendo impulsionado para o sul por ciclones nas águas geladas do Mar de Weddell, disseram os pesquisadores.

Esse padrão, no entanto, que se acredita ser parte de um processo natural de várias décadas, explica apenas algumas das tendências de aquecimento. O restante, segundo os pesquisadores, foi devido às mudanças climáticas provocadas pelo homem.