Pecuária é principal causa do desmatamento na Amazônia, diz estudo lançado na Cop28

Um mapeamento inédito do MapBiomas Amazônia, divulgado nesta sexta-feira (8) na 28ª Conferência das Nações Unidas para Mudança do Clima (COP 28), em Dubai, mostra que a pecuária foi o principal vetor de derrubada de vegetação na América do Sul, no período de 1985 a 2022.

O mapeamento levou em consideração 844 milhões de hectares ou 47% da área da América do Sul. Incluiu o bioma amazônico no Brasil, na Colômbia e na Venezuela, a bacia amazônica no Equador, Peru e na Bolívia, as principais bacias hidrográficas que alimentam o bioma (Amazonas e Araguaia-Tocantins) e todo o território continental da Guiana, Guiana Francesa e Suriname, que não pertence à bacia do rio Amazonas, mas está coberto por floresta similar.

O levantamento mostra que dos 86 milhões de hectares de vegetação natural eliminados do território analisado, 84 milhões foram convertidos em áreas agropecuárias e de silvicultura, com destaque para pastagem, que ocupou 66,5 milhões de hectares da área devastada entre 1985 e 2022 – ou 77% da área transformada.

As áreas para a agricultura, por sua vez, ocuparam 19,4 milhões de hectares.

Os dados mostram ainda que, ao todo, o uso da terra pelo homem no território amazônico em 1985 correspondia a 51 milhões de hectares, ou 6% do bioma. Em 2022,  esse número passou a 136 milhões de hectares, ou 16% do total.  A eliminação da vegetação, segundo o estudo, atingiu prioritariamente a floresta: apenas 6 milhões de hectares suprimidos no período eram de formações não florestais.

“Embora o levantamento mostre que 81,4% da Amazônia ainda estejam cobertos por vegetação natural, apenas 73,4% são florestas – percentual que já está dentro da faixa estabelecida pela ciência como limite para que a Amazônia se mantenha ou se recupere, evitando o processo de savanização na região”, diz o texto do mapeamento.

As atividades de mineração na floresta também cresceram acentuadamente, de acordo com o levantamento: 1.367% entre 1985 e 2022, atingindo meio milhão de hectares.

(Com Agência Brasil)

Fraudes no mel são comuns e difíceis de identificar

Em live pilotada pelo agrônomo Aquila Schneider, que trabalha na Epagri dos Campos de Cima da Serra catarinense, a professora Ana Carolina Costa, do Departamento de Ciências e Tecnologia de Alimentos da UFSC, deu a uma centena de participantes virtuais uma excelente aula sobre as formas mais comuns de adulteração da qualidade do mel de abelhas, o terceiro produto natural mais fraudado no mundo (os maiores seriam azeites e vinhos).

“Um terço do mel consumido no mundo é falso ou adulterado”, disse ela, na abertura do encontro virtual que se prolongou  por mais de 60 minutos na quinta-feira à noite.

Em levantamento feito em março passado em Santa Catarina, detectaram-se irregularidades em cerca de metade das amostras analisadas.

As fraudes se tornaram mais importantes porque a partir da pandemia do coronavirus-19, o consumo de mel aumentou e o Brasil se tornou o quinto maior exportador do produto, com 36 mil toneladas embarcadas em 2022, volume que correspondente a mais da metade da produção nacional (o Brasil é o 11º do ranking liderado pela China).

Algumas partidas de mel brasileiro foram
devolvidas por conter fipronil, ingrediente de venenos usados na agricultura e proibidos na maior parte dos países; outras, por carregar antibióticos.
Apesar das dificuldades de controlar uma produção extremamente pulverizada dos campos e matos aos pontos de venda, passando ainda pelos entrepostos de processamento de mel, Ana Costa afirmou que as maiores
fraudes visam alterar os teores de glicose e sacarose do produto.

Os fraudadores adicionam diretamente açúcares e/ou xaropes à base de milho ou amido de mandioca, além de outros polissacarídeos. Mas não só isso: eles clonam selos e adulteram rótulos, nos quais registram endereços
falsos e indicam fontes apícolas irreais (as principais são eucalipto, flores do campo, laranjeira, melato da bracatinga, silvestre e uva do japão, “invasora” disseminada pela fauna na mata atlântica).

Tudo isso sem falar do enorme volume de méis vendidos em garrafas ou recipientes plásticos sem rótulo e sem procedência definida, geralmente atribuídas pelos vendedores a “um sitiante conhecido – de confiança”.
Todas essas manipulações poderiam redundar em punições legais, se fossem registradas e denunciadas junto a órgãos técnicos responsáveis como a Cidasc, Epagri, Emater, Federação das Associações Apícolas e
prefeituras, além do Ministério da Agricultura.

Ainda que desconfie da existência de maracutaias na produção e na venda de mel, a maioria dos consumidores não se mobiliza para denunciar as violações da qualidade
desse extraordinário produto natural feito pelos pequenos animais alados a partir do néctar e do pólen das flores.

A múltipla variedade das fontes apícolas parece ter gerado nos consumidores a convicção de que a
síntese feita pelas abelhas é naturalmente diferenciada. Na verdade, as mudanças de consistência, cheiro e sabor – entre outras qualidades — resultam de intervenções humanas voltadas para a obtenção de “ganho
econômico”, conforme a expressão da professora Ana.
Nem tudo que dizem ser mel é mel. Se é mel de verdade, não é preciso rotular como “mel puro”. Por mais rica que seja uma florada visitada pelas abelhas no esplendor de uma temporada de muito sol, o mel pode ficar devendo qualidade se for colhido antes de ficar maduro; ou se, nas
casas de mel, a filtração não for feita adequadamente; ou, ainda, se o mel for aquecido acima de 45 graus C por um tempo prolongado (mais de duas horas, citou a professora da UFSC). Nesse caso, pode acontecer uma
inversão da sacarose contida no mel. Segundo a professora, não é fácil detectar as fraudes porque os métodos de análise disponíveis são superados constantemente pelos picaretas que atuam na cadeia produtiva do mel.

A legislação referente à qualidade do mel vai completar 23 anos no próximo mês. Entrando em detalhes técnicos, a palestrante explicou que o método mais prático de detectar adulteração de um mel é mediante o uso de carbono 3 e carbono 4.

São testes químicos de custo elevado. O carbono 3 está presente em 85% das plantas mais procuradas pelas abelhas. O teste com Carbono 3 consiste em misturar
iguais quantidades de mel e água em um recipiente ao qual se adicionam duas gotas de tintura de iodo a 2%. “Se contém amido, o mel muda de cor, fica mais escuro”, esclareceu a mestra.
A dúvida mais óbvia — sobre a cristalização do mel — foi respondida no final da live pelo agrônomo Aquila Schneider, com mais de 20 anos em contato cotidiano com apicultores: “Sob baixa temperatura, todo mel
cristaliza”.
Geraldo Hasse

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Justiça proibe “contratos ou acordos” que alterem a destinação do Jardim Botânico

Cleber Dioni Tentardini

O juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, julgou parcialmente procedente o pedido do Ministério Público Estadual para que obrigue o Estado a preservar o patrimônio ambiental e cultural do Jardim Botânico de Porto Alegre (JBPOA) e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul (MCN).

A sentença foi publicada nesta segunda-feira, 31 de julho.

A Ação Civil Pública (ACP) foi movida pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre em fevereiro de 2017, logo após o governo de José Ivo Sartori decretar a extinção da Fundação Zoobotânica do RS e a demissão dos servidores do JBPOA, MCN e Parque Zoológico, as três instituições vinculadas a FZB.

Hoje, elas são administrados pela Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, a SEMA.

Quatro ongs ambientais constaram como assistentes do MPE: Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Igré Amigos da Água, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e União pela Vida (UPV).

Processo judicial/Cleber Dioni

Na decisão, o magistrado proíbe a rescisão de acordos ou contratos que impliquem as atividades de educação ambiental, preservação dos acervos ou pesquisa científica, e impede o desmembramento ou fracionamento da matrícula do imóvel do Botânico.

“A própria Lei Estadual nº 14.982/2017, em seu artigo 8º e parágrafo único, assegura e declara a preservação, proteção e vedação de destinação diversa da original ao Jardim Botânico de Porto Alegre (nele compreendido o Museu de Ciências Naturais). Neste sentido, qualquer alteração na área do Jardim Botânico se mostra inconstitucional e ilegal, sendo vedado o retrocesso ambiental, consoante normas supra elencadas que lhe garantem proteção especial”, diz a sentença.

O Estado deve garantir a continuidade e a mesma qualificação de todos os serviços e atividades do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, e providenciar imediatamente o conserto do muro que faz a divisa com a Vila Juliano Moreira.

A sentença impede que o governo do Estado se desfaça de qualquer bem, móvel, imóvel e de animais que constituem o patrimônio material e imaterial do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais. O Parque Zoológico não está contemplado nesta ação.

O acolhimento da demanda é parcial, porque os autores da ação pediam também a suspensão da extinção da Fundação Zoobotânica, que já estava consumada.

A promotora de Justiça Vera Sapko informou que o processo de concessão anunciado pelo Estado tem que atender às determinações da Justiça previstas na ação civil pública.

“Vamos garantir que a ACP seja cumprida de forma integral a decisão, assim como as obrigações que o futuro concessionário assumirá perante o Governo do Estado”, afirmou.

Juiz realizou duas inspeções

O juiz Eugênio Terra realizou duas inspeções judiciais nas instalações do Jardim Botânico de Porto Alegre. A primeira ocorreu no Núcleo Regional de Ofiologia de Porto Alegre (NOPA), o serpentário, que estava fechado, e em uma área restrita do JB que faz limite com a vila Juliano Moreira, cuja entrada é pela avenida Cristiano Fischer. Ali, o magistrado pode constatar a falta de segurança da área porque partes do muro que separa o JB das casas caiu e não foi reconstruído.

Juiz, promotores de Justiça e servidores conferem área sem muro no JB. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A segunda visita começou pelo Bromeliário e o Cactáreo do JB, e depois foi ao herbário, à coleção de insetos e da Paleontologia do Museu de Ciências Naturais. Estava acompanhado pelas promotoras de Justiça Annelise Steigleder e Ana Maria Marquesan, da Defesa do Meio Ambiente, pelo presidente da FZB e diretores do JB e MCN e por servidores da Fundação, especialmente os curadores das coleções.

Após as vistorias, o juiz realizou audiência com promotores de Justiça e representantes da SEMA no Foro Central de Porto Alegre.

No Departamento de Paleontologia
No Bromeliário do Jardim Botânico

Em quatro dias, promotores de Justiça produziram 60 páginas

A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre ingressou com a Ação Civil Pública com a intenção de preservar o patrimônio ambiental e cultural do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul. O Parque Zoológico não foi contemplado nesta ACP.

Audiência com promotores de Justiça e integrantes da SEMA, no Foro Central. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A ACP foi assinada por quatro promotores – Ana Maria Marquesan, Annelise Steigleder, Josiane Camejo e Alexandre Saltz – e tem mais de 60 páginas com os argumentos para justificar a manutenção dos servidores e das atividades de pesquisas e conservação das coleções científicas, além de garantir a integridade da área e dos bens imóveis.

juiz e promotora de justiça durante inspeção ao acervo do MCN. Foto: Divulgação MPRS.
Bióloga Vera Werner mostra catálogo de algas a promotoras de Justiça.

 

 

 

 

“Além de constituir o maior acervo de material-testemunho da biodiversidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos do Estado, ferramenta imprescindível para estudos que envolvam a flora e a fauna, recente e fóssil, vinculados ao Museu de Ciências Naturais, essas coleções subsidiam a descrição de novas espécies. Os ‘exemplares-tipo’ dessas coleções, que servem de base para as descrições, tornam-se essenciais para a identificação precisa de cada espécie e sua conservação futura na natureza.

Jardim Botânico é um museu vivo com mais de 4 mil plantas nativas

“Os acervos científicos são, portanto, bibliotecas da biodiversidade.”

Essenciais para a expansão do conhecimento por meio da pesquisa e da educação. Estudos que envolvem taxonomia, biotecnologia, biogeografia, perda e conservação da biodiversidade, invasões biológicas e mudanças climáticas, por exemplo, dependem das coleções biológicas. As coleções paleontológicas, por sua vez, são de grande relevância do ponto de vista científico e cultural para a reconstituição de paleoambientes e o entendimento da paleoecologia”, descrevem os promotores na ACP.

Promotores de Justiça inspecionam o Herbário Has, no MCN. Foto Divulgação MP-RS

O documento lista uma série de consequências do ponto de vista científico para o Rio Grande do Sul em caso de “descontinuidade das atividades”. Entre eles, a interrupção da socialização da informação para o mundo científico de um dos três maiores herbários do RS, o Herbário Prof. Dr. Alarich R. H. Schulz (HAS), que possui o maior número de lotes em líquido e tipos nomenclaturais do Brasil.

Jardim Botânico é indivisível, diz MP

O Jardim Botânico de Porto Alegre é um museu vivo com um patrimônio público inalienável, não privatizável, indivisível e que exige o máximo zelo dos gestores públicos na sua preservação para as gerações presentes e futuras, diz a Ação Civil Pública do MP.

O JB contempla um conjunto de 27 coleções vivas de plantas envasadas ou em arboreto. Dentre as atividades, estão a manutenção de coleções científicas de plantas vivas, o banco de sementes, os programas institucionais de iniciação científica envolvendo bolsistas do Pibic/CNPQ, Probic/Fapergs e convênios para estágios curriculares, o viveiro de mudas, a biblioteca, as atividades de educação ambiental, e o envolvimento em inúmeros projetos de pesquisa.

Bromeliario. Foto: Cleber Dioni Tentardini
Viveiro. Fotos: Cleber Dioni Tentardini
Orquidário

 

 

Cactário

 

 

 

 

Em função desse cipoal de atividades, dizem os promotores, o Jardim Botânico de Porto Alegre está entre os cinco do Brasil que se enquadram na categoria A, o que significa que atende a todas as 16 exigências previstas no artigo 6º da resolução Conama 339/2003. “Entre elas, a primeira e mais importante é possuir quadro técnico-científico compatível com suas atividades.”

Modelo de concessão é criticado pelos ambientalistas

Ambientalistas e servidores do Jardim Botânico de Porto Alegre e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul estão mobilizados para garantir a integridade do patrimônio das duas instituições.

O futuro das coleções científicas, do mobiliário e da própria área do JB e do MCN é incerto, diante da intenção do governo do Estado em conceder as suas gestões à iniciativa privada.

Desde que foi contratado o BNDES para realizar estudos visando à concessão, representantes da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMAI) e da Secretaria Extraordinária de Parcerias (SEPAR) vem ressaltando que “a administração do Museu e Jardim Botânico continuará sob responsabilidade do governo, que manterá a qualidade dos serviços prestados na conservação do meio ambiente”.

Além do BNDES, participaram o Instituto Semeia e o Consórcio Araucárias – Parques Brasileiros, registrado em abril de 2021, em São Paulo, para prestar consultoria em gestão empresarial. O quadro societário é formado por Vitor Amauri Antunes, administrador, SPIN Soluções Públicas Inteligentes Consultoria, Plantar Ideias, Vallya Advisors Assessoria Financeira e Queiroz, Maluf Sociedade de Advogados.

Jardim Botânico e Museu de Ciências Naturais. Foto: CMPA/Divulgação

O biólogo Jan Karel Júnior, presidente da Associação dos Funcionários da FZB, diz que o projeto não demonstra quais e de que forma serão realizadas as intervenções no Museu de Ciências Naturais e como as pesquisas, atividades e o acervo desse órgão serão mantidos se a própria intenção do Governo do Estado de demitir os funcionários especializados do JB e MCN é incoerente com uma proposta de concessão do uso público que promete manter as funções técnicas e de pesquisa sob sua responsabilidade.

“O Poder concedente, no caso o Estado, sem a participação de curadores, pesquisadores e técnicos do JBPOA, não tem condições adequadas para considerar todas as questões necessárias relativas à transição para a concessionária sem colocar em risco o patrimônio ambiental e científico, material e imaterial, representado pelo Jardim Botânico”, completa o representante dos servidores.

O biólogo Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica, do Instituto de Biociências da UFRGS, e membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ), diz que o Estado vai transferir à futura concessionária uma série de compromissos e exigências técnicas rigorosas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para manter a qualificação na categoria “A” do JBPOA, obtida na década passada.

A bióloga Rosana Senna, uma das curadoras, explica que o HAS é um acervo botânico com cerca de 150 mil espécimes da flora gaúcha e 300 tipos nomenclaturais, com coletas que datam desde 1854 até os dias atuais.

“A reforma do telhado do prédio se mostra urgente para sanar os problemas de infiltração da água da chuva nas salas de coleções científicas do Museu. O Estado tem a obrigação de proteger esses registros que contam a história da nossa biodiversidade”, ressalta.

A bióloga Caroline Zank, do Instituto Curicaca, diz que os membros da entidade não são contra as concessões à iniciativa privada, mas exigem transparência e a possibilidade de as ONGs e funcionários das instituições participarem ativamente da elaboração do edital.

“O modelo de edital de concessão que foi à apresentado na primeira consulta pública é omisso em dar garantias sobre a manutenção do patrimônio e, por outro lado, dá uma série de possibilidades de intervenção direta na área do JB e do Museu, onde inclusive permite à concessionária a utilização de prédios e a apropriação das áreas, computadores, softwares e equipamentos que são fundamentais à manutenção das pesquisas e atividades técnico-científicas do JB e do MCN, sem demonstrar claramente de que maneira afetará ou não as atividades desses órgãos”, sublinha Caroline.

Outro ponto em que a bióloga chama a atenção é que o edital possibilita ao Estado alterar o Plano Diretor do JB, colocando em risco o patrimônio.

“O Estado concedeu parte da área da coleção científica viva do JB, composta por espécies ameaçadas de extinção, para o IBAMA utilizar na implantação de um CETAS, sem que houvesse qualquer restrição ou garantia de manutenção desta coleção no local”, critica. Essa área é ocupada por uma coleção da Floresta Ombrófila Mista, com espécies raras e ameaçadas de extinção.

CETAS é o Centro de Triagem de Animais Silvestres. Funcionava junto ao Parque Zoológico e, há seis anos, teve suas funções absorvidas pelo órgão federal sendo transferido para um imóvel na esquina das ruas Baronesa do Gravataí e Miguel Teixeira, na Cidade Baixa.

Aquela área do Jardim Botânico a que se refere Caroline tem entrada pela avenida Salvador França, também – distante cem metros do pórtico principal -, e já foi ocupada por laboratórios químicos da FEPAM. Desocupado e sem vigilância, foi invadido e teve dois prédios saqueados e incendiados. O local foi descontaminado graças ao empenho de 161 mil reais de um fundo gerido pelo Ministério Público. Agora, será cedido pela SEMA ao IBAMA.

 

Travessia de Viamão (4): Aos 50 anos, Parque de Itapuã é um ‘santuário’ da biodiversidade

Por Cleber Dioni Tentardini *

Não existe uma unidade de conservação no Rio Grande do Sul com a mesma diversidade de ecossistemas do Parque Estadual de Itapuã (PEI), que completa 50 anos neste 14 de julho.

Localizado na zona de transição entre os biomas Mata Atlântica e Pampa, o parque abrange ilhas, lagoas, praias, banhados, dunas, vegetação de restinga, floresta estacional e morros graníticos, distribuídos em 5.566 hectares.

Diferente de uma estação ecológica ou de um refúgio de vida silvestre, onde são permitidos visitantes somente para educação ambiental e pesquisa científica, a área é de uso público. Especialmente no verão, quando a população busca a calmaria das suas praias com águas balneáveis.

São nove praias: das Pombas, da Pedreira, da Onça, do Araçá, do Sítio, do Tigre, do Cascalho, de Fora e Prainha. Mas apenas as duas primeiras estão abertas. A Praia de Fora aguarda obras de infraestrutura. As demais têm limitações de acesso.

Praias da Pedreira, de Fora e das Pombas (abaixo, na sequência)) são as que, normalmente, estão liberadas para uso público. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

No parque, são encontrados animais como leão baio (puma), graxaim, ema, capivara, carcará, jacaré, serpente, bugio-ruivo, tuco-tuco, gato maracajá, 29 espécies de anfíbios, 39 espécies da flora endêmicas e com um algum grau na lista de espécies ameaçadas de extinção, como o topete de cardeal e a corticeira do banhado.

Caranguejeira.
Graxaim. Fotos: Mariano Pairet/SEMA

 

 

 

Ouriço
Puma captado por armadilha fotográfica

 

 

 

A bióloga Dayse dos Santos Rocha, analista ambiental da SEMA, assumiu a gestão da unidade faz seis anos e diz que trabalhar em uma área de preservação como essa, onde é permitida visitação pública, é um desafio diário para coibir atropelamentos dos animais, invasões, caça e pesca ilegais, supressão de árvores, subtração de plantas, pedras.

Dayse Rocha, a gestora do Parque Estadual de Itapuã/ Cleber Dioni

“O nosso trabalho é focado na conservação dos ecossistemas, pesquisa científica, uso público e educação ambiental. Temos que ser versáteis para conversar com escolas, pescadores, assentados, indígenas, pesquisadores, produtores rurais”, destaca a bióloga.

Segundo a gestora, já convenceram dois produtores convencionais a plantar o arroz orgânico no entorno da unidade.

– É importante essa redução do uso de pesticida na água, que vai para o solo, contamina as águas subterrâneas, enfatiza.

Ambientalistas salvaram a reserva

Itapuã significa ponta de pedra, na língua Guarani. Os primeiros habitantes de Itapuã foram os povos indígenas de tradição Umbu e Guarani.

Granito em abundância. Foto: Cleber Dioni

A extração do granito de Itapuã foi muito grande na década de 1960 e só não continuou porque a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), liderou uma campanha nos anos de 1970 para transformá-lo numa reserva ecológica.

– Aquilo é uma das paisagens mais bonitas e ricas do mundo. Mas estava praticamente abandonada. Tinha mais de trinta pedreiras atuando nos morros. Felizmente, parece que vamos conseguir impedir a destruição, disse José Lutzenberger, depois de realizar uma inspeção de rotina no parque de Itapuã, nos anos 1990, na época uma área de 1.500 hectares.

Parque Estadual de Itapuã, Lago Guaíba e Ilha do Junco (à dir.) e Lagoa Negra e Laguna dos Patos (à esq.). Google Earth

Hilda Zimmermann, uma das ativistas mais importantes do movimento ecológico do RS, registrou que havia muita extração de pedras e areia, pesca e caça predatórias. “Certa que certa vez fomos em dois ônibus e convidamos a imprensa para ir ver as pedreiras de Itapuã, que eram exploradas por um ministro de Brasília. Parem as marteladas, gritávamos. Saiu na primeira página um homem com cara de apavorado e eu com as mãos na cintura”, lembrou Hilda no livro Pioneiros da Ecologia (Editora JÁ).

Vista das praias do parque, a partir do Morro da Fortaleza. Foto: Cleber Dioni

A área foi declarada de utilidade pública em dois momentos, nos anos de 1973 e 1976.

O Parque Estadual de Itapuã (PEI) foi transformado em uma unidade de conservação de proteção integral do Estado somente em 1991, já com 5.566 hectares, incluindo a Lagoa Negra. Dois anos depois, incorporou as ilhas das Pombas, do Junco e da Ponta Escura.

Pesquisadores da SEMA na Lagoa Negra, dentro do Parque de Itapuã. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

 

 

 

 

 

Detalhe: a gestão era feita pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, pois não havia órgão específico do Estado para cuidar do meio ambiente.

Unidade foi fechada para retirada de moradias

Até 1990, havia 880 casas com moradores dentro do Parque de Itapuã. As praias recebiam ônibus turísticos aos finais de semana. A Praia das Pombas, por exemplo, que suporta 350 visitantes, chegava a ter mil pessoas.

“Lotearam, venderam terrenos e transformaram a reserva em um balneário, sem nenhum regramento sob aspectos ambientais. Isso, associado à extração do granito”, ressalta a gestora Dayse Rocha.

A desocupação começou em 1991, com o parque interditado para demolição das casas. O Estado indenizou os donos de imóveis regulares, com escrituras, e muita gente entrou em negociação com o governo. Dívidas viraram precatórios e algumas ainda não foram pagas.

“Isso explica, em parte, um certo inconformismo das comunidades do entorno com o Parque. Também, porque cortamos a extração de granito, a entrada de milhares de veranistas, coibimos a caça, a pesca predatória, especialmente na época da piracema (subida dos peixes nos rios para a reprodução), também chamada de período do defeso, a lei que protege as espécies.

Além disso, reclamamos dos resíduos sólidos deixados na praia externa ao parque, dos pesticidas nas lavouras”, explica Dayse. O parque foi reaberto em 2002 e vem se recuperando bem, segundo a gestora.

Aspilia montevidensis
Bromélia
Cattleya intermedia
Dickia
Gravatá
Mamica de cadela

 

Mandevilla coccinea
Cactus Parodia Ottonis
Topete-de-Cardeal

 

 

 

 

 

 

Um passeio até o Farol de Itapuã da Lagoa

Farol garante segurança aos navegadores, iluminando mais de 22 quilômetros. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A reportagem saiu de lancha, do terminal do Catamarã, em frente ao Mercado Público de Porto Alegre, em direção a Viamão, passando pelo Parque Estadual de Itapuã, pelo Farol, até entrar na Laguna dos Patos.

É uma das maiores do Brasil, com cerca de 300 km de comprimento e margens baixas. A profundidade máxima é de 7 metros. Diz-se que seu nome é proveniente da tribo dos índios patos, que habitavam a região. Atualmente, abriga uma ativa comunidade pesqueira.

Está separada do mar por uma faixa arenosa, com largura que varia de 10km a 36km. Diversas cidades desenvolveram-se às margens da lagoa e dos rios que ali deságuam, dentre elas, Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.

Na condução da lancha, Hugo Eugenio Fleck, empresário do setor de transportes terrestre (Ouro e Prata) e fluvial (Catamarã), e um auxiliar.

Gaúcho de Crissiumal, Fleck acumula experiência de 60 anos de navegação em vários países. Começou aos 15 anos, com um barco comprado pelo seu pai, navegando justamente pelas águas do Delta do Jacuí e do Guaíba.

Hugo Fleck navega desde criança pelo Guaíba. Foto: Cleber Dioni Tentardini

“Pela costa da Capital, em direção à zona Sul, só é possível atracar em dois clubes náuticos ou no ponto de embarque e desembarque do Catamarã, em frente ao Barra Shopping. Agora liberaram outro terminal no Pontal do Estaleiro, mas a burocracia é muito grande, demora uns cinco anos para aprovarem”, lamenta Fleck.

Passava das 9h, e o vento começara a virar do Norte para o Sul. Segundo Fleck, o microclima da região pode provocar ondas.

Ele também estava preocupado com os bancos de areia e as redes, levando em conta a sinalização deficitária. “As pedras são um problema somente próximo à terra firme, explicou o empresário.

Na travessia, é possível avistar os bairros Assunção, Ipanema, Ponta Grossa e Belém Novo até chegar em Viamão. Passados clubes náuticos, pequenas enseadas particulares e as praias da unidade de preservação, surge o Farol de Itapuã e, logo, a Laguna dos Patos. Alguns barcos com pescadores emolduravam a paisagem

Proximidades do farol são locais preferidos dos pescadores. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Atrás do Farol, embora encobertas pela mata, ainda podem ser vistas ruínas de um pequeno forte erguido pelos Farrapos para barrar a entrada dos inimigos do Império.

Pouco antes do meio-dia, o barco ancorou na Colônia de Pescadores e Agricultura Z4, em Itapuã, distrito histórico, à beira da Prainha, onde moradores e turistas têm à disposição escolas, igrejas, agências bancárias, lojas, bares e restaurantes, supermercados, posto policial, além de clube náutico e pousadas.

Farol ilumina até 22km

Farol de Itapuã da Lagoa. Foto: Egon Filter

Desde o início do século 19, os navegantes que se aventuravam por suas águas ressentiam-se da ausência de referências visuais que os ajudassem a alcançar aqueles portos em segurança. Requisitavam um farol, sobretudo, para a Ponta de Itapuã, que sinalizaria a foz do Guaíba, e o acesso a Porto Alegre.

Inaugurada somente em março de 1860, a torre de alvenaria tem forma octogonal, e mede 16,25 metros de altura. A sua volta ficam as casas dos faroleiros, protegidas do vento e das águas da lagoa por um paredão de pedras. Pintadas de branco, as construções contrastam com a vegetação e as pedras da Ponta de Itapuã, formando um dos cenários mais bonitos da Laguna dos Patos.

Construção cercada de pedras e vegetação do Parque Estadual de Itapuã. Foto: Cleber Dioni

Em 1903, após 40 anos de funcionamento, o obsoleto aparelho luminoso de Itapuã foi substituído por um Barbier, Benard & Turenne, com queimadores de vapor de petróleo comprimido.

Em 1914, uma comissão da Superintendência de Navegação aprovou, por unanimidade, o emprego de um revolucionário sistema de iluminação automático com gás acetileno.

Farol de Itapuã da Lagoa. Foto: Egon Filter

A partir de 1915, Itapuã da Lagoa, já modernizado, dispensava a assistência permanente do faroleiro.

Hoje, são utilizadas baterias como fonte de energia, e estas, alimentadas durante o dia por painéis solares (energia fotovoltaica).

baterias como fonte de energia, que são alimentadas por painéis solares. Foto: Cleber Dioni

O farol possui uma lanterna de lente de acrílico com um eclipsor no interior. Eclipsor é um dispositivo eletrônico.

O alcance luminoso é de 12 milhas náuticas, mais de 22km, suficiente para iluminar toda a foz do Guaíba. O acesso se dá somente pela água. A operação é de responsabilidade da Marinha do Brasil.

Vestígios farroupilhas no Morro da Fortaleza

A reportagem percorreu a trilha Fortaleza, um dos três percursos oferecidos pela administração do parque.

Godoy

O educador ambiental João Godoy Fagundes guiou a equipe em uma caminhada de quase três horas, levando em conta as paradas para fotos, vídeos, apontamentos da fauna e flora e de registros históricos.

A subida é íngreme em vários trechos dessa trilha e exige um bom preparo físico. O ronco dos bugios acompanha os visitantes durante quase todo o trajeto.

No caminho, há vestígios das trincheiras onde os soldados ficavam à espreita das tropas inimigas. Os Farrapos dominaram Viamão por quase toda a guerra. Tanto é que foi rebatizada de Vila Setembrina, 1838. E os morros permitiam uma visão ampla da região.

Morro da Fortaleza, onde os Farrapos posicionaram a artilharia para barrar a passagem dos imperiais. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

 

Vestígios das trincheiras

O líder dos farroupilhas, general Bento Gonçalves da Silva, tinha raízes em Viamão. Sua mãe, Perpétua da Costa Meireles, nasceu e foi batizada no município, e seu bisavô, Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcellos, povoou os campos de Viamão a partir de 1732.

Livros contam que os insurgentes posicionaram canhões no topo do Morro da Fortaleza voltados para um trecho do Guaíba defronte à Ilha do Junco a fim de impedir a passagem dos navios imperiais provenientes da Laguna dos Patos rumo à Porto Alegre.

Em 1836, uma força imperial conseguiu desembarcar na praia das Pombas – chamada de Saco do Faria, na época – e seguiu por terra até a Fortaleza, onde as refregas provocaram 32 mortes e vários foram presos. O comandante farrapo Simão Barreto teria sido colocado pelos legalistas no cais da vela de um dos barcos, onde morreu.

Balas de canhão, adagas, espora encontradas nas praias do parque

Foram encontradas balas de canhão, adagas, espadas, ganchos, até esporas, indicando que os revolucionários ocuparam os morros também a cavalo. Muitos desses materiais estão no museu do parque estadual. Outros, ficaram soterrados ou perdidos em meio à mata, de difícil acesso.

Há ruínas da época dos Farrapos também atrás do Farol de Itapuã, na embocadura do Guaíba.

Passo do Vigário

Em uma das escaramuças morreu o revolucionário italiano Luiz Rossetti, um dos principais redatores do jornal O Povo, órgão oficial da República Riograndense.

Carbonário e companheiro de Garibaldi, Rosseti, foi vítima de uma lança*, durante a tomada de Viamão pelos imperiais no dia 24 de novembro de 1840, na Batalha do Passo do Vigário (*site Viamão Antigo, editado por Paulo Lilja).

*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.  

Travessia de Viamão (2): Programa alia produção de alimentos a práticas socioambientais

Por Cleber Dioni Tentardini *

Com a abundância de terra, água e reservas naturais, é natural que a vocação do município se volte para a produção de alimentos. Mas, que alimentos?

O engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, coordenador do Programa EcoViamão – curso de extensão do IFRS Campus Viamão – defende que o município esteja cada vez mais voltado para práticas ecológicas, criando zonas de amortecimento no entorno das reservas com produção orgânica.

– É o potencial natural de Viamão, diz o professor.

EcoViamão surgiu em 2016 com o propósito de implantar  atividades agroecológicas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.

Fioreze lembra que 37% do território é composto por unidades de conservação, de proteção integral e de desenvolvimento sustentável. Ou seja, mais de um terço do município.

– Os assentados estão provando que é possível a convivência da produção com a conservação. Começaram a primeira lavoura de soja orgânica certificada de Viamão. Outros tantos produzem arroz orgânico. Lá em Itapuã, o biólogo Lizandro Pelegrini também está plantando arroz orgânico, na propriedade do O Butiá, ressalta Fioreze.

Fioreze (à dir.) visita produção de soja orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir /Emater
Soja Orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir/Emater

Mas ainda faltam incentivos, segundo ele. O professor cita a cidade de Nova Santa Rita, onde os assentados tiveram apoio do poder público e estão bem organizados, têm agroindústria, abatedouros para carne suína, bovina, frango e outras coisas.

– E Viamão, com esses ativos ambientais poderosíssimos, algo raro de se ver no Brasil afora, precisa do apoio dos governos. Tem que incentivar os produtores com boas práticas ecológicas com a redução do imposto CDO – Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura. Eles já estão prestando um serviço ecossistêmico importante para a APA do Banhado Grande, para o Gravataí, deixando a água mais limpa, menos turva, ao reduzir o uso de agrotóxicos, ao não utilizar adubos industriais solúveis, ao não mobilizar demais o solo, destaca o professor.

Fiorezi integra o Conselho do Parque Estadual de Itapuã, o Conselho da APA do Banhado Grande, é vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, e também é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, cuja coordenação é do Ministério Público Federal.

APA dp Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

O professor ressalta que Viamão está no estômago de uma Região Metropolitana com cerca de 4 milhões de habitantes, num raio de 60km. Se incluir todo o litoral Norte, segundo ele, são mais seis milhões de pessoas num raio de 100km.

– E quem alimenta esse povo, questiona o ex-extensionista rural da Emater. “Toda a produção de arroz orgânico do Estado dá 5 mil hectares em um universo de um milhão de hectares, então nós temos meio porcento do arroz gaúcho ecológico, enquanto nós poderíamos ter muito mais, diminuindo custos e agregando valor para quem produz. Viamão poderia plantar entre 30 e 40 mil hectares de arroz e todo orgânico, ecológico, e sem muito trabalho. Mas ainda existe muito preconceito com a agroecologia, com o MST, e está dentro das universidades, da Academia, com aquele discurso que a produção de base ecológica pode não sustentar a alimentação do mundo, o que é uma grande bobagem. Primeiro, porque a fome no mundo não é por falta de comida, mas por desigualdade de renda. O que se produz hoje dá para alimentar duas vezes a população mundial. Segundo, porque só o que é desperdiçado – segundo a FAO/ONU representa 30 a 40% do que é produzido -, daria para alimentar todos que passam fome. O desperdício se dá por preconceito cultural, desinformação.

Outra pauta em curso é a cobrança pelo uso da água.

– A Bacia do Gravataí é pioneira em implementar essa política com a ideia de premiar as boas práticas. Não é um debate fácil, tem muitos atores com interesses diferentes, mas têm que ir costurando. Se houvesse mais poderes, mais instrumentos econômicos nas mãos desse e de outros comitês, os resultados seriam muito melhores, não só para o Gravataí, mas para todas bacias hidrográficas do Estado.

Assentamento Filhos de Sepé prioriza comida orgânica

A maior plantação de arroz orgânico da América Latina fica em Viamão, no Assentamento Filhos de Sepé, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Mais de 1,5 mil hectares plantados de arroz,, que rendem em torno de 100 sacas por hectare.. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

Orgânico quer dizer que não há uso de agrotóxicos ou culturas transgênicas.

De acordo com o presidente da Associação dos Assentados Filhos de Sepé, o técnico agrícola Ivan Prado Pereira, há 376 famílias, registradas no Incra e, dessas, 130 estão envolvidas com o arroz. São 1,6 mil hectares plantados, o que rende em torno de 100 sacas por hectare.

Agricultores mais antigos, do Assentamento A Reforma, em Itapuã, da época do governo Leonel Brizola (1959-1962), também produzem arroz orgânico.

Pereira diz que é difícil precisar quantas pessoas vivem hoje no assentamento porque muitos foram para lá solteiros, ou somente o casal, aí separaram um pedacinho para a casa do filho e da filha, que também formaram família, e trabalham na mesma terra.

– A estimativa é que morem aqui umas 750 famílias, afirma Pereira.

O assentamento surgiu no final de 1998. Este assentamento é diferente dos demais no Brasil. Está dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Banhado Grande. E totalmente livre de produto químico na lavoura, tanto na horta como no arroz.

Barragem

A terra livre de agrotóxicos pertence ao INCRA e é cedida para os assentados trabalharem. Possui 9,6 mil hectares, e desses, cerca de 2,3 mil integram o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Só a barragem tem 500 hectares de lâmina d’água.

O tamanho dos lotes gira entre de 1 a 3 hectares a parte alta, no entorno da casa, onde as famílias têm sua horta, pomar, galinhas, porcos, e entre 13ha e 16ha na parte baixa, da lavoura. Muitos têm criação de gado de corte, alguns têm vaca de leite. Há famílias ligadas à produção de hortaliças orgânicas, mel.

O Filhos de Sepé possui a escola municipal Nossa Senhora de Fátima, o colégio Josué de Castro, uma escola técnica, e faculdades de Agronomia, Medicina Veterinária, História, e o EJA, com cerca de 150 alunos ao todo.

A associação mantém parceria com a Emater, IRGA, Instituto Federal e UFRGS na área de biotecnologia, estudos para melhoramento do solo e da produção.

O casal Itor e Lurdes Cardoso chegou no Filhos de Sepé em 2013, quando passou a trabalhar somente com produtos orgânicos e pecuária.

Lurdes garante que só trabalha com produtos orgânicos. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

O lote da família é de 10,7 hectares, dividido em duas áreas, a parte da casa e o entorno, onde estão as hortaliças, legumes e as árvores frutíferas, e a outra, maior, onde cria 12 vacas, de leite e de corte, e produz milho.

Itor na feirinha no centro de Viamão

As duas filhas já casadas, Iara e Ana Claudia, permanecem no assentamento, e a mais nova, Ionara, ajuda os pais após o colégio. A produção é vendida na Praça Júlio de Castilhos, no centro de Viamão, e através de entregas à domicílio.

– A demanda aumentou bastante durante a pandemia, agora diminuiu um pouco, mas ainda levamos para Porto Alegre e muitos nos encomendam e buscam lá na nossa banca, explica Lurdes.

Nilza Padilha e Elói Kremer vivem no Filhos de Sepé faz 23 anos. Produzem numa área de 12 hectares hortaliças, frutas, legumes e o arroz orgânico, que é beneficiado na agroindústria da cooperativa em Eldorado do Sul, o Terra Livre. Também criam galinhas e vendem ovos.

Comercializam os produtos em duas feiras de Viamão e também entregam à domicílio. Faz pouco tempo, Elói introduziu a agroflorestal em suas hortas.

Elói

Nilza

 

 

 

 

 

O casal é jovem, idades em torno dos 53 anos, mas o trabalho duro no campo já preocupa o futuro, pois as duas filhas, de 17 e 22 anos, não permanecerão no assentamento. Jéssica, a mais nova, faz curso técnico de enfermagem, e Renata cursa Direito em Florianópolis.

José Derli de Alves, de Nonoai, é outro assentado com mais de 20 anos em Viamão. Além do hortifruti, cria vacas e produz derivados do leite. Vende em feiras e por encomendas. Seu Deco é um homem de sorte, tem vários ajudantes. Trabalha ele e mais quatro, às vezes cinco filhos. Os outros sete filhos já casaram e arrumaram outras ocupações.

Deco na feira do Centro

– Tem que ser, né, porque não dá para parar, as verduras estragam, as vacas não esperam, como dizem, quer ter vaca de leite, casa com ela, se diverte seu Deco.

 

 

“É possível produzir alimentos sem venenos”

Trinta anos atrás, o casal Valcir Carpenedo e Ingrid Bergman Inchausti de Barros decidiu mudar de vida de forma radical. Trocou a rotina em um apartamento na movimentada avenida Cristiano Fischer, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por um sítio de meio hectare no bairro Tarumã, em Viamão. Compraram e reformaram a casa que era a sede da fazenda de Tarumã.

Carpenedo

– Buscamos o meio rural como projeto de vida e queríamos provar para nós mesmos que era possível produzir alimentos sem veneno, afirma Carpenedo.

O casal implantou um viveiro com a proposta de produzir hortaliças, chás, temperos isentos de qualquer química.

Carpenedo tem mudas de hortaliças, vegetais, chás e, dependendo da época. algumas frutas,

O pessoal leva ou encomenda as sementes de alfaces, rúculas, brócolis, alho-poró, beterraba, dependendo da época começa as melancias, abóboras, pepino, melão.

– Este espaço nos ajuda a pagar algumas contas, mas o objetivo é reconectarmos à terra. As escolas aqui no entorno trazem os pequenos e a gente nota que ficam admirados em saber como nascem as plantas. Não é de hoje que as crianças estão desconectadas da realidade do campo, as pessoas não sabem plantar um pé de alface, tomate, milho que seja.

Geólogo, especialista em solos, Carpenedo era professor da UFRGS e, hoje, aposentado, ainda dá aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), onde também estudou.

– Acredito que para produzir é preciso ter um saber holístico das coisas.  Desde a semente até como controlar uma irrigação. A agricultura convencional é bem mais fácil do que a ecológica, porque tu tens que entender todo o processo, entender a planta, a interação com o ambiente. É possível produzir nas bases mais naturais. Aprendemos que se der vida ao solo, ele faz o resto sozinho. Este modelo de agricultura está em prol da comida e da saúde, reforça o professor.

Carpenedo lembra que a localização de Viamão é privilegiada pela quantidade e qualidade da água de que dispõe.

– Nós temos a água que vem do granito, nós estamos no Aquífero Mar de Dentro. Ao arborizar um espaço, a água começa a brotar. A hora que Viamão acordar, vai dar um salto, porque a vocação do município é produzir comida, em vez de commodities. E abrir as portas para as agroindústrias, fazer com que o viamonense trabalhe aqui.

Há cerca de sete anos, ele aceitou convite do amigo Valdon para vender suas mudas na FAE. Gostou tanto que começou a participar de outra feira de orgânicos, no centro de Viamão, com a ajuda do Ricardo Oliveira, seu auxiliar no viveiro.

“As feiras são locais de trocas de saberes muito fortes, cada um ali tem a sua história, sua vivência, ainda temos que conectar mais, trocar mais”, diz.

 

Falta memória das plantas medicinais

Ingrid, engenheira agrônoma, deu aulas durante 39 anos na UFRGS. Especialista em olericultura, ela introduziu o estudo das plantas medicinais na Faculdade de Agronomia e orientou o pessoal sobre as ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais).

Seu primeiro contato com Viamão foi como estudante da Universidade na antiga estação experimental da Fepagro – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária -, com o professor José de Almeida Soares. Depois, trabalhou com o técnico agrícola Luiz Osório de Castro, segundo ela, um visionário.

– Ele tinha um conhecimento incrível da flora daqui. Reuniu a maior coleção de plantas medicinais nativas naquela estação experimental e espalhamos por vários lugares, antes de acabarem com a estação e com tudo. Nós temos essa riqueza enorme em Viamão, de fauna e flora, temos esses recursos e mesmo assim ficamos sem registro. Nós trabalhamos muito toda a estruturação da fitoterapia no SUS. Tivemos projetos grandes, no final dos anos 90, com parceria entre UFRGS e Prefeitura de Viamão, Fepagro e UFRGS, e o município esqueceu disso tudo, lamenta a agrônoma.

Segundo Ingrid, duas pessoas conseguiram potencializar o trabalho do Luiz Osório, a Vera Chemale e a Ana Rosa reuniram em livro (Plantas Medicinais Condimentares e Aromáticas) o conhecimento acumulado de muitos anos.

Pioneiros da FAE

Valdon, Lisiane e a filha Lilian colhendo as hortaliças para vender em Porto Alegre. Fotos: Cleber Dioni

A família Wegner é uma das pioneiras da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece todos os sábados pela manhã na avenida José Bonifácio, em frente à Redenção.

A reportagem acompanhou o trabalho da família meses antes dela arrendar o sítio e sair da FAE. Seu Valdon e a esposa Lisiane decidiram se aposentar e voltar para Santa Cruz do Sul, de onde partiram rumo a Viamão em 1977. Ele trabalhou seis anos como empregado em um tambo de leite, depois arrendou um sítio e começou a plantar verduras. Vendia em Viamão mesmo e, em 1987, foi convidado a participar da feira Tupambaé, que estava sendo realizada desde o ano anterior na área central do Parque Farroupilha (ao longo do espelho d’água) para comercializar produtos e falar sobre ecologia.

No sítio
Na FAE

A feira Tupambaé (palavra de origem tupi-guarani que significa lavoura do comum) foi o embrião da Feira da Coolmeia, e hoje, a FAE – Feira dos Agricultores Ecologistas.

No sítio de dez hectares, plantavam hortaliças, abóbora, acerola, aipim, batata doce, beringela, cebola, entre outros. E contavam com a ajuda da filha Lilian, que alternava no trabalho como fisioterapeuta e na produção e venda dos produtos. O que não vendia na feira, ficava para consumo da família e uma parte era doada.

O que não vende na feira, fica para consumo da família e uma parte é doada.

– Viamão é uma cidade abençoada com a melhor água,  limpa, impressionante. Temos um poço artesiano lá no sítio com 38 metros de profundidade e tem vertentes por tudo, em cinco hectares de mata nativa. Certa vez, fui visitar um sítio na região da Pimenta, e vi a água brotando, cristalina, conta seu Wegner.

Ovos sem hormônios

Na Quinta da Passiflora, a produção de ovos e mel é isenta de aditivos como hormônios, antibióticos ou drogas veterinárias.

A Quinta surgiu em 1984, quando dois irmãos da família Bos Wolff iniciaram a criação de abelhas em parceria. Aos poucos a família foi diversificando as atividades e começou a plantar frutas e hortaliças, aves e ovos, além do mel, própolis e derivados.

Hoje, é administrada por Edson Marcelo Garcia, a esposa Claudia Wolff e os filhos Marina e Maurício. O casal é outro pioneiro da FAE, na Redenção.

 

Edson Marcelo, produtor de ovos orgânicos da Quinta da Passiflora. Fotos: Cleber Dioni

A Quinta trabalha com 800 frangos. A vida útil das poedeiras é de 120 semanas. Depois, são abatidas, algumas são aproveitadas para o consumo da família e as demais transformadas em adubo.

“Esse é um problema que nós, pequenos produtores, enfrentamos, porque não tem abatedouro para poucos frangos. É um investimento muito alto. Além disso, tem que ter toda uma limpeza específica para lidar com o produto no sistema orgânico e agroecológico”, completa Marcelo.

A veterinária Lisiane Feck Ávila, consultora da Emater de Viamão, explica que a linhagem de frango Izabral é a mais comum entre as poedeiras.

– É um animal pequeno. Começa a pôr ovos a partir dos 5 meses e tem vida útil entre 1,5 a 2 anos, afirma a veterinária.

Os desafios da Emater

O engenheiro agrônomo Gladimir Ramos de Souza, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), diz que o público em um município grande como Viamão abarca diferentes grupos, como indígenas, quilombos, pescadores, assentados, pecuaristas familiares, produtores orgânicos, grandes produtores de arroz, de soja.

Gladimir registro a visita,com o professor Fioreze à plantação de soja orgânica no Filhos de Sepé.

O extensionista ressalta que estão trabalhando com o sistema SPDH – Sistema de Plantio Direto de Hortaliças. Viamão tem hoje o maior grupo de produtores de foliosas da Ceasa do RS. Segundo ele, é utilizado muito insumo químico, que ocasiona a degradação do solo, então adotaram a experiencia do plantio direto, feito há muito tempo em Santa Catarina e introduzido no estado pela UFRGS, para, futuramente, o produtor trabalhar com orgânicos.

– Prestamos auxílio, capacitação, ajudamos a desenvolver as comunidades dando ênfase à produção orgânica e ecológica. Por exemplo, na Costa do Oveiro, orientamos a produção do leite a pasto, ou seja, com as vacas livres e, não, confinadas. O custo é bem mais baixo. A tendência é que esses confinamentos de suínos, galinhas, acabe logo porque é muito oneroso, explica.

Souza lembra que o primeiro assentamento do Estado foi em Itapuã, “A Reforma”. Três famílias remanescentes dos primeiros assentados moram próximas ao parque de Itapuã e produzem arroz orgânico.

Alguns agricultores do Assentamento Filhos de Sepé também estão produzindo arroz orgânico, de forma experimental , em parceria com o IRGA, Instituto Federal e Emater.

Plantação de soja orgânica

– Estamos trabalhando também com a agrofloresta. No Filhos de Sepé, plantamos meio hectare. Produzir hortaliças no meio de árvores frutíferas, por exemplo, ou eucalipto. Isso, a médio prazo, melhora muito o solo, até chegar no ponto que não é preciso colocar insumos químicos. Os galhos e folhas das árvores que caem vão fertilizando o solo. Isso vai crescer muito nos próximos anos”, acredita o agrônomo.

Colaboraram com a série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Mattedi é nova marca gaúcha de azeite de oliva orgânico

A família Mattedi Soares apresenta no próximo sábado, dia 10 de junho, na banca do Grupo Pampa Saudável, na Feira de Agricultores Ecologistas, a FAE, seu azeite de oliva extravirgem orgânico e biodinâmico.

Encantado com o mundo do azeite, após uma viagem à Turquia, em 2017, o empresário Carlos Alberto Soares, retornou a Cachoeira do Sul decidido a plantar oliveiras. E envolveu toda a família, sua mulher Luciana Mattedi e os filhos Adriana e Gabriel.

“Como sempre consumimos produtos orgânicos, só investiríamos se fosse nesse sistema”, diz Soares.

Foram em busca de conhecimento e descobriram os elementos centrais da pratica da agricultura biodinâmica, desenvolvida por Rudolf Steiner.

O calendário astronômico serve como guia das atividades, como semeadura, podas, aplicação de insumos.

O preparado de chifre com esterco direciona-se ao solo e as raízes, proporcionando maior atividade biológica e vitalidade. É enterrado em outono e desenterrado no início da primavera.

Elaboração do Fladen, utilizado que contribui para um solo mais equilibrado em nutrientes
Carlos e os chifres com o preparado de esterco

O preparado de sílica carrega as forças da luz e do calor. Garante qualidade nutritiva das plantas e resistência a doenças, por exemplo. É enterrado na primavera e desenterrado no final do verão.

“O alimento biodinâmico é mais nutritivo, levando as boas energias do céu e da terra para a saúde do consumidor. Adubar consiste em Vivificar a Terra”, afirma.

Os sete mil pés plantados na propriedade da família, com quatro variedades de oliveiras – arbequina, koroneike, frontoio e picual – renderam na primeira produção 75 litros de azeite este ano, produzidos no Olivas do Sul.

Os filhos Adriana e Gabriel ajudando na poda

Com a avaliação da Associação Ecovida de Certificação Participativa – Rede Ecovida, já obteve o selo do SisOrg, Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica, do Ministério da Agricultura.

A FAE é realizada todos os sábados de manhã na avenida José Bonifácio, defronte à Redenção, em Porto Alegre.

RS é o maior produtor do Brasil

Olival da vivenda Scapini, em Viamão. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A produção gaúcha de azeite de oliva extravirgem ainda não tem um balanço final da safra deste ano, mas a expectativa é que passe de 500 mil litros. Pode representar em torno de 10% a 11% acima do registrado no ano passado, que ficou em 448,5 mil litros de azeite.

A olivicultura se tornou uma atividade atraente no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, que concentra 80% da produção do país.

O RS leva vantagem porque a oliveira é resistente ao frio rigoroso e à estiagem.

Dentre os 500 olivicultores e 200 marcas de azeite no Brasil, no ano de 2022, 321 produtores são gaúchos, com 70 marcas de azeite, processado em 17 fábricas (lagares).

Os olivais ocupam 5.986 hectares, em 108 municípios gaúchos.

O presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura – Ibraoliva, Renato Fernandes, acredita que há potencial no Estado para alcançar 10 mil hectares de área plantada até 2025.

Os municípios que se destacam na cultura são Encruzilhada do Sul, disparado o maior olival, com 1.008 hectares, depois vem Canguçu, Pinheiro Machado, Bagé, Cachoeira do Sul e Santana do Livramento. Viamão vem logo abaixo, na 7ª posição, com 239 ha.

Pode-se estimar que 57,87% dos olivais já estejam em produção, pois têm idade superior a quatro anos. Em termos de área, seriam 3.464 hectares de cultivo produtivo, e 2.522 hectares que devem entrar em produção nos próximos anos.

As variedades de azeitona mais cultivadas no estado são Arbequina (variedade espanhola) e Koreneiki (grega), que estão presentes em 96 e 90%, respectivamente, nos olivais. Há também Picual (Espanha), Arbosana (Espanha), Frantoio (Itália).

Além do volume crescente, a qualidade do produto nacional tem se destacado. Os azeites produzidos no RS são caracterizados como extravirgens de alta gama. O ponto de colheita, a rapidez até a extração, além de todos os demais cuidados no processamento e envasamento, tem sido alguns dos fatores diferenciais. Muitas marcas nacionais receberam medalhas de ouro e platina em concursos internacionais importantes, entre os quais o EVO International Olive Oil Contest Italy, New York Olive Oil Competition World 2021, Athena International Olive Oil Competition, London International Olive Oil Competitions, Olive Japan International Extra Virgin Olive Oil Competition, TerraOlivo/Israel, OliVinus/Argentina.

Caso exemplar de empresa pública, Embrapa lucra vendendo conhecimento

A  Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) completa 50 anos nesta quarta-feira, 26, como um caso raro no Brasil, de empresa pública que cumpre com méritos a sua finalidade, mantendo-se acima das turbulências do poder.

Foi criada, em 1973, na gestão do gaúcho Luiz Fernando Cirne Lima no Ministério da Agricultura, para “desenvolver a base tecnológica de um modelo de agricultura e pecuária genuinamente tropical”.

O atual presidente, Celso Moretti, disse que o foco da empresa para os próximos anos seguirá no contexto da segurança alimentar, conceito que foi posto de lado pelo último governo, mas do qual a Embrapa não se afastou.

Segundo Moretti, a empresa vai intensificar as pesquisas nas áreas de biotecnologia (com destaque para a edição genômica), nanotecnologia (como o uso de nanopartículas bioestimulantes para melhorar o desempenho de culturas agrícolas e controlar doenças em animais), insumos biológicos, na intensificação dos sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta.

Atualmente, o Brasil possui em torno de 18 milhões de hectares ocupados por sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta, A previsão da Embrapa é chegar a 35 milhões de hectares ocupados por esse sistema em 2030.

“É um sistema onde se integra, na mesma área, os complementos de lavoura, pecuária e floresta em sistemas de rotação, consórcio ou sucessão. A grande vantagem é que o solo é explorado econômica e sustentavelmente durante todo o ano, aliando produtividade com a conservação de recursos naturais”, destacou

O presidente da empresa pública ressaltou ainda que os desafios envolvem o avanço na descarbonização das culturas e da intensificação de tecnologias digitais, com o uso de drones, sensores, internet das coisas e inteligência artificial, entre outras.

A Embrapa desenvolveu um sistema que permite o rastreamento dos alimentos, desde a sua origem até a prateleira dos supermercados. Batizada de Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar), a ferramenta é atualmente aplicada no processo de rastreamento do açúcar demerara de uma empresa. Com ele, é possível obter dados como a procedência do produto, sistema de produção, processos industriais, laudos de qualidade até dados sobre logística. As informações são visíveis a partir de QR Code impresso na embalagem.

“Dá segurança para rastrearmos diversos produtos, como açúcar, carne, soja, dentre outras coisas. Cada lote recebe uma assinatura digital que ajuda a combater em casos de adulteração, entre outros”, disse.

A empresa também desenvolveu uma plataforma de inteligência artificial para solos para medir a pegada de carbono. A tecnologia integra diferentes softwares e sensores avançados que permitem a digitalização do solo e das atividades agrícolas, permitindo medir, reportar, verificar e comercializar (MRVC) o carbono na agricultura. A plataforma também faz a gestão da fertilidade do solo e nutrição das plantas, para o gerenciamento de indicadores de sustentabilidade e produtividade agrícola.

“Os nossos clientes vão seguir preocupados em comprar produtos do Brasil, mas que sejam produzidos por sistemas de forma sustentável”, complementou.

O presidente também destacou soluções elaboradas pela empresa para a produção de alimentos a partir da aplicação de bioinsumos em substituição aos agrotóxicos. O uso dos bioinssumos reduzem assim a dependência do Brasil em relação às importações de produtos químicos. Outro ponto destacado e o teste de sexagem genética para o pirarucu e para o tambaqui, que permite o

aumento da produção de peixes.

Lucro de R$ 125 bilhões

Moretti ainda divulgou o resultado do balanço social da Embrapa, com o impacto das principais tecnologias desenvolvidas e transferidas à sociedade.

Em 2022, foi registrado lucro social de R$ 125,88 bilhões, gerados a partir do impacto econômico no setor agropecuário de 172 tecnologias e de cerca de 110 novas cultivares desenvolvidas por pesquisas da empresa. Foram gerados 95.171 empregos.

Em 2021, o lucro social ficou em R$ 81,56 bilhões. Entre os fatores que contribuíram para aumento do resultado em relação ao ano anterior está o impacto econômico da tecnologia Fixação Biológica do Nitrogênio na cultura da soja, pois os produtores de soja brasileiros economizaram mais de R$ 72 bilhões, em 2022, deixando de comprar fertilizantes nitrogenados.

“Para cada R$ 1 aplicado na Embrapa em 2022, foram devolvidos R$ 34,70 para a sociedade”, comemorou Moretti.

(Com informações da Agência Brasil)

A visita de Lula vista pela imprensa estatal da China

Ao contrário da imprensa brasileira que deu mais importância às reclamações dos americanos do que aos acordos firmados na China, a principal agência estatal  chinesa deu excepcional destaque à visita do presidente Lula.

As matérias sobre a presença de Lula estiveram entre as mais lidas do portal chinês.

“A cooperação entre o Brasil e a China está em terreno sólido, e a relação entre os dois países é extraordinária, disse o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva”, destacou a agência na quinta-feira, quando Lula desembarcou em Shangai.

“Lula, que está em visita de Estado à China, disse que a China desempenha um papel muito importante na causa do desenvolvimento e paz globais, e que se esforçará para promover o desenvolvimento da parceria estratégica abrangente Brasil-China em seu mandato”.

“Lula elogiou as relações Brasil-China e a cooperação do BRICS. A amizade é como uma garrafa de vinho, quanto mais velho, melhor, disse ele, citando um provérbio brasileiro”.

“Lula participou da cerimônia de posse da nova presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil, na sede do banco em Pudong, Shanghai, nesta quinta-feira”.

“Ele elogiou a cooperação do BRICS e depositou grandes esperanças nas perspectivas de desenvolvimento do NBD”.

“O NBD é o produto de uma parceria entre os países do BRICS com o objetivo de criar um mundo com menos pobreza, menos desigualdade e mais sustentabilidade, o que é muito diferente dos bancos tradicionais dominados pelos países desenvolvidos”, disse ele.

O NBD é um banco multilateral de desenvolvimento estabelecido pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS) em 2015. Mobiliza recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável no BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento. Desde a sua criação, o NBD aprovou 98 projetos, com o investimento total no valor de US$ 33,2 bilhões.

“Por muito tempo, os países em desenvolvimento tiveram o sonho de criar suas próprias ferramentas de investimento e financiamento. O Novo Banco de Desenvolvimento realizou esse sonho, pois sabe realmente o que os países em desenvolvimento precisam e onde precisam investimento”, disse Lula.

Ele acrescentou que o NBD tem as qualidades para se tornar um dos maiores bancos para os países do Sul e tem grande potencial para melhorar a situação dos países em desenvolvimento.

O presidente brasileiro também visitou a filial da Huawei em Shanghai e se reuniu com representantes de empresas chinesas na quinta-feira. Ele deixou Shanghai para Beijing (Pequim) na noite da quinta-feira para continuar sua visita na China.

Pequim,  14 abr (Xinhua) — O presidente chinês, Xi Jinping, realizou conversas com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que está em visita de Estado à China, no Grande Palácio do Povo, em Beijing, nesta sexta-feira.

Xi disse que a China trabalhará com o Brasil para criar um novo futuro para suas relações na nova era, gerar maiores benefícios aos dois povos, e desempenhar um papel importante e positivo para a paz, a estabilidade e a prosperidade em suas regiões e em todo o mundo.

Lula disse que está honrado e orgulhoso de liderar uma grande delegação em sua quarta visita à China. Trata-se de sua primeira visita fora das Américas desde que foi eleito presidente no ano passado. Essa escolha reflete a afeição do Brasil pela China e o compromisso com as relações Brasil-China.

LAÇOS BILATERAIS

Xi deu as calorosas boas-vindas a Lula por sua visita de Estado à China. Ele ressaltou que a China e o Brasil são os dois maiores países em desenvolvimento e mercados emergentes nos hemisférios oriental e ocidental. Como parceiros estratégicos abrangentes, a China e o Brasil compartilham amplos interesses comuns. A influência abrangente, estratégica e global das relações China-Brasil continua a crescer.

A China sempre vê e desenvolve as relações com o Brasil a partir de uma perspectiva estratégica e de longo prazo, e vê o relacionamento como uma alta prioridade em sua agenda diplomática, disse Xi.

Xi observou que este ano marca o 30º aniversário do estabelecimento da parceria estratégica entre a China e o Brasil, e os dois países celebrarão o 50º aniversário de suas relações diplomáticas no próximo ano.

“A China está agora promovendo o desenvolvimento de alta qualidade e a abertura de alto padrão, e promovendo a revitalização nacional em todas as frentes através de um caminho chinês para a modernização. Isso abrirá novas oportunidades para o Brasil e países ao redor do mundo”, disse Xi.

Xi pediu aos dois lados que mantenham uma comunicação estratégica regular e aumentem o compartilhamento de experiências sobre a governança nacional. As duas partes têm de ser firmes em verem-se mutuamente como importantes oportunidades de desenvolvimento, em apoiarem os respectivos caminhos de desenvolvimento que se adaptem às realidades nacionais e em apoiarem uma maior solidariedade e colaboração entre os países em desenvolvimento.

Os dois lados devem aprofundar a cooperação, promover constantemente os principais projetos de cooperação e liberar ainda mais o potencial de cooperação em agricultura, energia, infraestrutura, espaço, aviação, inovação e outros, disse Xi, acrescentando que os dois lados precisam explorar maneiras de uma cooperação mais forte em economia verde, economia digital, energia limpa, etc.

“A China dá as boas-vindas a mais produtos de alta qualidade do Brasil no mercado chinês. A China explorará ativamente uma maior sinergia entre sua Iniciativa do Cinturão e Rota e a estratégia de reindustrialização do Brasil”, disse o presidente chinês, acrescentando que ambos os lados precisam capitalizar o 50º aniversário de suas relações diplomáticas no próximo ano para realizar mais intercâmbios interpessoais e cultivar um apoio público mais forte à amizade sino-brasileira.

“A China é uma força indispensável na política, economia e comércio, ciência e tecnologia globais, e desempenha um papel vital na promoção da paz e do desenvolvimento mundiais. O Brasil está comprometido em construir relações mais estreitas com a China a partir da perspectiva estratégica de dar forma a uma ordem internacional justa e equitativa”, disse Lula, acrescentando que a legislatura e a sociedade do Brasil compartilham esse forte desejo de construir relações fortes e multifacetadas com a China.

Mencionando sua visita à Huawei, onde se encontrou com representantes empresariais chineses, Lula expressou profunda admiração pelo progresso 5G da China e sua esperança de expandir a cooperação Brasil-China em campos relevantes. Ele saudou o investimento chinês em apoio à transformação digital e ao desenvolvimento de baixo carbono do Brasil.

Lula expressou a crença de que uma cooperação mais profunda e maior com a China contribuirá para a reindustrialização do Brasil, ajudará a enfrentar a pobreza e outras questões e gerará benefícios aos povos. O Brasil está pronto para desenvolver intercâmbios e cooperação mais estreitos com a China em educação e cultura para melhorar a compreensão mútua entre seus povos.

Após as conversas, os dois presidentes testemunharam a assinatura de vários documentos de cooperação bilateral sobre comércio e investimento, economia digital, inovação científica e tecnológica, informação e comunicações, redução da pobreza, quarentena, espaço e outras áreas.

Os dois lados divulgaram uma Declaração Conjunta entre a República Popular da China e a República Federativa do Brasil sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Global.

Reindustrialização do Brasil

Xi prometeu o firme apoio da China aos países da América Latina e do Caribe (ALC) para cimentar o sólido ímpeto de paz, estabilidade, independência, solidariedade e desenvolvimento, promover a integração regional e desempenhar um papel maior nos assuntos internacionais. A China trabalhará com o Brasil para garantir o sucesso contínuo do Fórum China-CELAC, levar a cooperação entre a China e os países da ALC a um novo nível e alcançar o desenvolvimento comum.

A China também trabalhará com o Brasil para fortalecer a cooperação com o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Enfrentando mudanças globais de uma magnitude nunca vista em um século, a China e o Brasil estão decididos a ficar do lado certo da história, praticar o verdadeiro multilateralismo, defender os valores comuns da humanidade, trabalhar por um sistema de governança internacional mais justo e equitativo, salvaguardar verdadeiramente os interesses comuns dos países em desenvolvimento e a justiça e equidade internacionais e construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. A China intensificará a coordenação estratégica com o Brasil em questões globais de interesse mútuo na ONU, BRICS, G20 e outras instituições multilaterais, e aumentará a coordenação sobre a resposta climática, de acordo com Xi.

Lula disse que o Brasil e a China compartilham pontos de vista e interesses comuns em muitas questões internacionais importantes. Os dois lados defendem o multilateralismo e a equidade e justiça internacionais. O Brasil está pronto para trabalhar com a China para fortalecer a coordenação estratégica no G20, BRICS e outras instituições multilaterais, melhorar a coordenação e a cooperação em finanças internacionais, resposta climática e proteção ambiental, e contribuir para o esforço dos países em desenvolvimento para se livrar de regras injustas e realizar um desenvolvimento mais justo e equilibrado. Lula expressou sua plena confiança de que as relações Brasil-China abraçarão um futuro melhor.

Os dois presidentes também trocaram opiniões sobre a crise na Ucrânia. Ambas as partes concordaram que o diálogo e a negociação são a única forma viável de resolvê-la e que todos os esforços conducentes à sua resolução pacífica devem ser encorajados e apoiados. Eles pediram que mais países desempenhem um papel construtivo para uma solução política da crise na Ucrânia. Os dois presidentes concordaram em manter a comunicação sobre o assunto.

Antes das conversas, Xi realizou uma cerimônia de boas-vindas a Lula na praça exterior ao portão leste do Grande Palácio do Povo.

Quando Lula chegou, uma guarda de honra fez fila em saudação. Os dois presidentes subiram em um palanque, logo a seguir uma banda militar tocou os hinos nacionais da China e do Brasil enquanto se realiza uma saudação com 21 tiros na Praça Tiananmen. Lula passou em revista a guarda de honra do Exército de Libertação Popular e assistiu ao desfile na companhia de Xi.

A senhora Peng Liyuan, esposa de Xi, e a senhora Rosângela Lula da Silva, esposa de Lula, também estiveram na cerimônia de boas-vindas.

Xi e a senhora Peng ofereceram um banquete de boas-vindas para Lula e sua esposa no Salão Dourado do Grande Palácio do Povo na noite.

O presidente chinês, Xi Jinping, realiza uma cerimônia de boas-vindas para o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, na praça exterior ao portão leste do Grande Palácio do Povo, antes de suas conversas em Beijing, capital da China, em 14 de abril de 2023. (Xinhua/Liu Weibing)

13 abr (Xinhua) — O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, já está na China, onde buscará estreitar o relacionamento com seu principal parceiro comercial, não só no que tange à economia, mas também em temas como o multilateralismo, a manutenção da paz mundial e promoção do desenvolvimento global, temas em que os dois países mantêm posições convergentes. Na véspera da viagem, em entrevista exclusiva à Xinhua, Lula falou sobre suas expectativas nesta sua quarta visita (2004, 2008, 2009) ao país asiático como presidente brasileiro e o que mudou na relação entre os dois países e no mundo desde então.

“Quando visitei Beijing pela primeira vez, em 2004 (durante seu primeiro mandato presidencial 2003-2006), poucos analistas vislumbravam que a parceria sino-brasileira assumiria a relevância que possui hoje. Desde então, nosso comércio cresceu 16 vezes e a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil. Para além das relações econômicas, nosso relacionamento adensou-se politicamente, à medida que estreitamos nossa coordenação em instâncias como o BRICS”, recordou Lula.

O presidente brasileiro, que assumiu seu terceiro mandato em janeiro deste ano, enfatizou que “tenho certeza de que teremos um diálogo muito produtivo com a China, com quem compartilhamos muitos pontos de vista”.

Para Lula, há muito a comemorar na relação com seu maior parceiro comercial desde 2009: “o valor das nossas exportações para a China é maior do que a soma das nossas exportações para os Estados Unidos e para a União Europeia. A China é um grande motor do agronegócio brasileiro”.

E, segundo Lula, há espaço para mais parcerias. “Gostaria que ela fosse também um grande motor da reindustrialização do Brasil, em bases sustentáveis. Há espaço para iniciativas conjuntas em biocombustíveis e hidrogênio verde, por exemplo. Também queremos redobrar esforços em ciência, tecnologia e inovação, desenvolvendo aplicações práticas a partir das fronteiras do conhecimento científico”.

“O governo brasileiro vem promovendo um programa de parcerias e investimentos que tem por objetivo melhorar a infraestrutura do país, com uma carteira abrangente de projetos em áreas como as de portos e aeroportos, rodovias, ferrovias e energia. Há vasto espaço para a ampliação de investimentos chineses nessas áreas, preferencialmente em parceria com as empresas brasileiras. Os investimentos chineses ainda são muito tímidos em relação ao patamar que poderiam atingir. Se no comércio já conquistamos marcas inéditas, nos investimentos ainda temos muito o que construir”, ressaltou.

Questionado sobre a comparação entre o plano de “reindustrialização” do Brasil lançado por ele e a “modernização ao estilo chinês” promovida pela China e se as economias altamente complementares dos dois países podem ser aproveitadas para construir uma ponte para futuras cooperações, Lula comentou que não há uma receita única para o desenvolvimento.

“Creio que o sucesso do ‘caminho chinês para a modernização’ mostra que não há uma receita única para o desenvolvimento e que boas soluções podem estar em toda parte, e cada país deve trilhar seu próprio caminho, conforme seus desafios históricos e suas potencialidades”.

“O Brasil está engajado em criar o ‘caminho brasileiro para a modernização’, que consiga conjugar crescimento econômico, redução da pobreza e das desigualdades sociais, sustentabilidade dos nossos recursos naturais extraordinários e eliminação do racismo e da discriminação racial. Queremos crescer com justiça social, sustentabilidade ambiental e respeito à democracia e aos direitos humanos”, afirmou.

Sobre o papel desempenhado pela China no cenário internacional nos últimos dez anos, Lula comentou que o país asiático foi “o que mais tirou pessoas da pobreza na história. Foram centenas de milhões de pessoas nos últimos 40 anos. É algo extraordinário e que serve de inspiração para todos os países em desenvolvimento. A China é um exemplo impressionante de desenvolvimento que aconteceu beneficiando diversos parceiros comerciais no mundo, inclusive o Brasil, nesse processo”.

Apesar de estarem geograficamente distantes, a China e a América Latina têm expandido e aprofundado intercâmbios e a cooperação nas áreas de economia, comércio, cultura, educação e desenvolvimento social. Perguntado sobre como fortalecer ainda mais esta cooperação, Lula enfatizou que a integração da América Latina e Caribe e, em especial da América do Sul “é uma grande prioridade” para o continente e disse que a China pode desempenhar um papel muito positivo para ajudar essa integração.

“Não há integração regional possível se não há estradas, ferrovias, linhas de transmissão, telecomunicações e conexões aéreas e marítimas ligando nossos países. Uma integração efetiva precisa de uma base material. A China pode desempenhar um papel muito positivo na integração da infraestrutura da região”, ressaltou.

Com relação à estratégia que China e Brasil devem adotar para expandir e aprofundar a cooperação para aumentar ainda mais a influência global do grupo BRICS (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Lula enfatizou que “a importância global do BRICS não deve ser subestimada”.

O presidente brasileiro destacou a importância de manter a identidade e a coerência do grupo BRICS, o que significa apoiar o multilateralismo, promover um papel mais significativo dos países em desenvolvimento no sistema internacional e trabalhar por reformas nas instituições globais, de modo a torná-las mais democráticas e representativas, inclusive no Conselho de Segurança da ONU.

Durante a entrevista, Lula foi perguntado sobre sugestões de planos que Brasil e China podem realizar para fortalecer a cooperação em mecanismos de governança global como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas e a Conferência de Biodiversidade da ONU, para promover desenvolvimento global, redução da pobreza e proteção ambiental.

“Cada um deles tem suas particularidades e requer uma estratégia específica. Mas a Agenda 2030 continua a ser um bom guia para orientar nossas ações nessas diferentes instâncias. Ela é abrangente e aborda de forma articulada as três dimensões – econômica, social e ambiental – da noção de desenvolvimento sustentável, traduzindo um ideal de sustentabilidade com inclusão e prosperidade para todos”, disse.

“Poderíamos nos coordenar mais em organizações como a OIT, a UNESCO e a FAO para promover iniciativas de cooperação trilateral. Uma pauta importante que tem sido negligenciada pela comunidade internacional, mas que o Brasil e a China valorizam, é o combate à fome. É um tema muito caro para mim. Gostaria muito de lançar uma grande iniciativa de combate à fome voltada para África, com o apoio da China e da FAO”, acrescentou o presidente brasileiro.

Treze anos após o término de seu segundo mandato e diante das mudanças no cenário mundial relativas à estrutura política e econômica globais ocorridas desde então, Lula, perguntado sobre quais assuntos internacionais China e Brasil devem fortalecer sua cooperação e colaboração, destacou a promoção do desenvolvimento, o fortalecimento do multilateralismo e a defesa da paz.

“Essas questões continuam mais relevantes do que nunca. É importante que Brasil e China continuem somando suas vozes nesses assuntos. A esses, eu agregaria, hoje, o combate à mudança do clima. Trata-se de uma ameaça concreta, que afetará especialmente as populações mais vulneráveis e poderá fazer retroceder nossos esforços em prol da erradicação da pobreza e da fome. Brasil e China podem liderar pelo exemplo, avançando na transição para uma economia de baixo carbono. O Brasil tem uma matriz energética limpa, que pode ser ampliada e integrada com investimentos chineses”, acrescentou.

Encontro de Xi e Lula abre novo capítulo das relações China-Brasil na nova era, dizem especialistas

2023-04-16 19:10:30丨portuguese.xinhuanet.com

Por correspondentes Zhu Chao, Bi Yuming e Shao Yibo

Beijing, 16 abr (Xinhua) — A convite do presidente Xi Jinping, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez uma visita de Estado à China de 12 a 15 de abril. Na tarde do dia 14, o presidente Xi Jinping manteve conversações com o presidente Lula e os dois lados concordaram em aprofundar ainda mais a confiança política mútua, expandir a cooperação pragmática, consolidar a amizade tradicional e fortalecer a comunicação e a coordenação estratégicas em importantes questões internacionais e regionais. Após as negociações, os dois lados emitiram uma declaração conjunta sobre o aprofundamento da parceria estratégica global.

Em entrevistas à Agência de Notícias Xinhua, vários especialistas internacionais disseram que a reunião entre os chefes de Estado da China e do Brasil liderou a abertura de um novo futuro para as relações bilaterais e alcançou resultados positivos na promoção do conhecimento mútuo, no aprimoramento da aprendizagem mútua e na expansão da cooperação pragmática, e que o encontro mostrou ao mundo a postura de unidade e automelhoramento das grandes países em desenvolvimento, o que desempenha um papel ativo importante para a paz, a estabilidade, a prosperidade e o desenvolvimento da região e até do mundo.

 

UM NOVO CAPÍTULO NOS LAÇOS AMIGÁVEIS

Durante o encontro, os dois chefes de Estado expressaram grande importância às relações bilaterais. Segundo o presidente Xi Jinping, a China sempre vê e desenvolve as relações com o Brasil a partir de uma perspectiva estratégica e de longo prazo, e vê o relacionamento China-Brasil como uma alta prioridade em sua agenda diplomática.

O presidente Lula indicou que esta é a sua primeira visita a um país fora das Américas desde que assumiu o cargo. A visita reflete o amor do lado brasileiro pela China e a importância atribuída ao desenvolvimento das relações entre o Brasil e a China.

Lula iria fazer uma visita de Estado à China de 26 a 31 de março, mas adiou sua viagem devido a desconforto físico. Logo após a recuperação, o presidente Lula liderou uma delegação que incluiu o presidente do Senado, vários ministros do gabinete, governadores, membros do parlamento e mais de 200 líderes empresariais para visitar a China. Antes de visitar Beijing, Lula também participou no dia 13 da cerimônia de posse de Dilma Rousseff, a nova presidente do Novo Banco de Desenvolvimento e ex-presidente brasileira, em Shanghai, onde visitou também o Instituto de Pesquisa de Shanghai de Huawei e se reuniu com empresários chineses.

“Apesar do impacto da emergência anterior, os dois lados rapidamente reorganizaram a visita, o que reflete plenamente a importância que os dois lados atribuem a esta visita e a sua forte vontade de desenvolver as relações China-Brasil e de reforçar a cooperação entre os dois países”, disse Song Junying, diretor do Departamento de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos do Instituto Chinês de Estudos Internacionais.

A China e o Brasil são grandes países em desenvolvimento e importantes mercados emergentes, e são parceiros estratégicos abrangentes um do outro. Desde o estabelecimento de laços diplomáticos, há quase meio século, em face das mudanças internacionais, as relações China-Brasil sempre têm mantido um desenvolvimento estável, e a cooperação pragmática em vários campos produziu resultados frutíferos. O presidente Xi Jinping descreveu repetidamente as relações China-Brasil com o “modelo de relações entre grandes países em desenvolvimento”.

Este ano marca o 30º aniversário da parceria estratégica entre a China e o Brasil e celebrará o 50º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países no próximo ano. Na declaração conjunta, os dois lados chegaram a um importante consenso sobre o aprofundamento conjunto da parceria estratégica global China-Brasil caracterizada pela abertura, tolerância, cooperação e ganha-ganha.

“Neste importante momento, o presidente Xi Jinping e o presidente Lula realizaram um encontro estratégico, o que abriu um nova capítulo na cooperação de amizade entre os dois países, disse Yuan Dongzhen, vice-diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais.

 

UM NOVO IMPULSO À COOPERAÇÃO BILATERAL

De acordo com o vice-ministro das Relações Exteriores, Xie Feng, os dois chefes de Estado testemunharam a assinatura de 15 documentos de cooperação nos campos de redução da pobreza, inovação científica e tecnológica, aeroespacial, informação e comunicação, investimento, inspeção e quarentena aduaneiras, finanças, economia digital, facilitação do comércio, produção de televisão e mídia. A Declaração Conjunta entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Global emitida pelos dois lados tem um total de 49 itens, cobrindo todos os aspectos do desenvolvimento das relações China-Brasil.

“Enquanto avançam de forma constante os importantes projetos de cooperação existentes, aprofundando o potencial nas áreas de cooperação de agricultura, construção de infraestruturas e de aviação e aeroespacial, os dois lados também estão explorando para aumentar cooperação nas novas áreas, como a economia verde, a economia digital e a energia limpa”, disse. Song Junying, acrescentando que as áreas de cooperação entre os dois lados serão mais abrangentes e diversificadas, o que efetivamente promoverá o desenvolvimento econômico e social dos dois países e trará mais benefícios para os dois povos.

As estatísticas mostram que a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil por 14 anos consecutivos e, em 2022, o volume de comércio bilateral atingiu um recorde de US$ 171,5 bilhões, um aumento anual de 4,9%. O Brasil é também o primeiro país da América Latina a ter um volume comercial de mais de US$ 100 bilhões em relação à China. Os especialistas disseram que, em um novo ponto de partida, as perspectivas de cooperação econômica e comercial China-Brasil são mais brilhantes.

“Durante a visita do presidente Lula a Shanghai, foi feita uma visita especial ao Instituto Huawei, que mostrou a grande expectativa do Brasil de introduzir a tecnologia avançada da China e ajudar o Brasil a acelerar o ritmo da ‘reindustrialização'”, disse Sun Yanfeng, vice-diretor e pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos do Instituto Chinês de Relações Internacionais Contemporâneas. “O governo Lula fez da construção da infraestrutura de comunicação uma das prioridades futuras de desenvolvimento econômico. A China e o Brasil têm um enorme espaço para cooperação nesse campo”.

Sun Yanfeng observou que os dois lados indicaram na Declaração Conjunta que manifestar interesse em examinar sinergias entre as políticas de desenvolvimento e os programas de investimento do Brasil, inclusive nos esforços da integração sul-americana, e as políticas de desenvolvimento e as iniciativas internacionais da China, inclusive a “Iniciativa do Cinturão e da Rota”. “A cooperação industrial entre a China e o Brasil vai receber mais dividendos de políticas e oportunidades de desenvolvimento”, adianta.

No início deste ano, a China e o Brasil assinaram um memorando de cooperação para estabelecer um acordo de liquidação de RMB no Brasil. Antes da visita do presidente Lula à China, a filial do Banco Industrial e Comercial da China no Brasil fez com sucesso o primeiro negócio de liquidação transfronteiriça de RMB, marcando um progresso substancial no negócio transfronteiriço de RMB no mercado brasileiro. Na Declaração Conjunta emitida pela China e pelo Brasil, os dois lados concordaram em aprofundar o diálogo no campo econômico e financeiro e fortalecer o comércio em moeda local.

“A liquidação em moeda local é um produto do desenvolvimento da cooperação econômica e comercial sino-brasileira para um novo patamar, refletindo o nível de confiança mútua entre as duas partes. A prática do mecanismo de liquidação do RMB no Brasil promoverá ainda mais o comércio bilateral, facilitará o investimento, reduzirá os custos de transação e reduzirá a dependência de moedas de terceiros ou de uma única moeda”, disse Yuan Dongzhen.

 

FORTALECIMENTO DA COORDENAÇÃO ESTRATÉGICA EM QUESTÕES GLOBAIS

Na Declaração Conjunta, os dois lados reafirmaram seu compromisso de promover a democratização das relações internacionais e a prática do multilateralismo, avaliaram positivamente o diálogo e a coordenação entre os dois países em organizações internacionais e mecanismos multilaterais e indicaram que continuarão a fortalecer os intercâmbios sob organizações multilaterais e mecanismos multilaterais, como as Nações Unidas, o G20 e o BRICS. A Declaração Conjunta também se refere a conteúdos específicos, como a reforma das Nações Unidas e do Conselho de Segurança, a expansão do BRICS e a expansão do Novo Banco de Desenvolvimento.

De acordo com os especialistas, o alcance panorâmico, estratégico e global das relações China-Brasil é cada vez mais proeminente. A reunião entre os dois chefes de Estado não diz apenas respeito ao desenvolvimento das relações bilaterais, mas também é importante para salvaguardar os interesses comuns dos vários países em desenvolvimento e promover o estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e racional.

“O mundo de hoje vive um período de grande desenvolvimento, grande mudança e grande ajustamento, com o aumento do unilateralismo e do proteccionismo. Os países do mundo, especialmente os mercados emergentes e os países em desenvolvimento, enfrentam uma série de desafios comuns”, disse Song Junying. “A China e o Brasil são países do BRICS, membros do G20, assim como os dois maiores países em desenvolvimento do hemisfério ocidental e oriental. O fato de os dois países andarem juntamente ajudará a fortalecer o direito de palavras e a representação dos países em desenvolvimento nos assuntos internacionais e promover o desenvolvimento da governança global em uma direção mais justa e mais razoável.”

Os dois chefes de Estado também trocaram pontos de vista sobre a crise na Ucrânia. Ambas as partes concordaram que o diálogo e as negociações são a única saída viável para a solução da crise na Ucrânia e que todos os esforços em prol de uma solução pacífica da crise devem ser encorajados e suportados. Os dois países pedem que mais países desempenhem função construtiva em promover a solução política da crise na Ucrânia e decidiram manter comunicação sobre isso.

“A China e o Brasil são ambos países amantes da paz e advogam ativamente pela persuasão e a promoção de negociações, promovendo uma solução política para a crise na Ucrânia, o que contrasta fortemente com ações para a escalada da situação por parte de alguns países”, disse Sun Yanfeng. “A China e o Brasil não são partes da crise. No encontro, os dois chefes de Estado expressaram uma voz comum sobre a promoção de uma solução política para a crise na Ucrânia, o que ajudou a comunidade internacional a reunir consensos e formar forças conjuntas, e demonstrou o papel construtivo desempenhado pelos dois grandes países em desenvolvimento na manutenção da paz e estabilidade do mundo.”

Embaixador da China no Brasil: Se abre um novo futuro para a parceria estratégica abrangente China-Brasil na nova era

2023-04-12 15:08:00丨portuguese.xinhuanet.com

Por correspondentes da Xinhua, Bian Zhuodan e Chen Weihua

Brasília, 11 abr (Xinhua) — Em entrevista exclusiva à Xinhua, o embaixador chinês no Brasil, Zhu Qingqiao, disse que, sob a liderança estratégica dos chefes de Estado da China e do Brasil, os dois países fortalecerão a cooperação e avançarão lado a lado, abrindo um novo futuro para a parceria estratégica abrangente China-Brasil na nova era e estabelecendo um verdadeiro modelo de cooperação Sul-Sul.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, fará uma visita de Estado à China de 12 a 15 de abril, a primeira dele ao Oriente desde que tomou posse. Zhu disse: “Isso reflete a grande importância que ambos os lados atribuem ao aprofundamento das relações bilaterais sob novas condições históricas”.

Revisando o desenvolvimento das relações entre China e Brasil no último meio século desde o estabelecimento das relações diplomáticas, Zhu apontou que, os dois países sempre aderiram ao respeito mútuo, igualdade de tratamento e cooperação de ganhos mútuos, considerando o desenvolvimento um do outro como uma oportunidade para seu próprio desenvolvimento, vendo as relações bilaterais a partir de uma perspectiva estratégica e aumentando constantemente a confiança política mútua; sempre estiveram comprometidos com uma cooperação prática de base sólida, altamente complementar, enérgica e resiliente; mantiveram um conceito comum ou similar de desenvolvimento, de segurança e de ordem internacional e compartilharam uma ampla gama de interesses e ideias comuns nos assuntos internacionais.

“O Brasil tornou-se o primeiro grande país em desenvolvimento a estabelecer uma parceria estratégica com a China e o primeiro país latino-americano a estabelecer uma parceria estratégica abrangente com a China”, lembrou Zhu, acrescentando que o Brasil é o primeiro país latino-americano cujo comércio com o país asiático superou US$ 100 bilhões, e é o maior parceiro comercial e o maior destino de investimentos deste na América Latina; a China tem mantido sua posição como o maior parceiro comercial e o maior mercado de exportação do Brasil há muitos anos. Atualmente, os dois lados estão desfrutando de frutífera cooperação em uma ampla gama de campos, como petróleo e gás, eletricidade, agricultura, infraestrutura, comunicações, ciência e tecnologia, contribuindo efetivamente para os respectivos desenvolvimentos.

Ao mesmo tempo, os dois lados também se comunicam e coordenam estreitamente sob as estruturas de Nações Unidas, OMC, BRICS, G20, BASIC, entre outras organizações e mecanismos, para salvaguardar os interesses gerais dos países em desenvolvimento e promover o desenvolvimento de uma ordem internacional mais justa, equitativa e razoável. “Hoje o mundo está passando por mudanças sem precedentes em um século, e, sob o contexto de ajuste acelerado no cenário internacional, as relações China-Brasil transcenderam a esfera bilateral e têm importantes implicações globais”, avaliou.

A cooperação econômica e comercial é uma parte importante da parceria estratégica abrangente China-Brasil e um grande destaque da expansão e do aprofundamento das relações bilaterais na nova era. Nos últimos anos, diante dos desafios como epidemia da COVID-19, frequentes conflitos geopolíticos e turbulência econômica mundial, a cooperação econômica e comercial China-Brasil tem mantido um desenvolvimento estável, mostrando forte resistência e vitalidade abundante, e apoiando ambos os países a lidar com as mudanças, manter o desenvolvimento e melhorar a vida das pessoas.

“Na véspera da visita do presidente Lula à China, um grande número de empresários brasileiros de diversos setores já visitou a China, refletindo a ávida expectativa da comunidade empresarial brasileira de aproveitar as novas oportunidades trazidas pelo caminho chinês para a modernização”, ressaltou Zhu, assinalando que os dois lados precisam aproveitar esta oportunidade para fortalecer o acoplamento estratégico, explorar o potencial de cooperação, inovar modelos de cooperação, estreitar os laços de interesse e criar novos pontos de crescimento com base na expansão e no fortalecimento da cooperação em áreas tradicionais, de modo a impulsionar os respectivos desenvolvimentos com uma cooperação bilateral de maior qualidade, de campos mais amplos e mais benéfica para os povos, promovendo conjuntamente o processo histórico de busca de modernização pelos países em desenvolvimento.

Nos últimos anos, o intercâmbio entre o Brasil e a China tem se tornado cada vez mais ativo em áreas como o alívio e redução da pobreza, a proteção ambiental e a saúde; enquanto isso, o intercâmbio e a cooperação entre universidades, grupos de reflexão, mídia e grupos de arte dos dois países têm se tornado cada vez mais ricos. Segundo o embaixador, em resposta ao entusiasmo do povo brasileiro pelo aprendizado da língua e cultura chinesas, a China construiu 14 Institutos e Aulas de Confúcio no Brasil, o maior número entre os países latino-americanos.

“Não faz muito tempo, a China propôs a Iniciativa de Civilização Global, defendendo a igualdade, aprendizado mútuo, diálogo e tolerância entre as civilizações, bem como o fortalecimento de troca e cooperação internacionais de cultura e entre pessoas”, lembrou o embaixador, destacando que, o acúmulo cultural distinto da China e do Brasil e a rica e colorida história dos intercâmbios culturais e interpessoais entre ambos os lados provam que o desenvolvimento e o progresso humano não podem ser separados dos intercâmbios culturais e interpessoais e do aprendizado mútuo entre as civilizações.

Zhu finalizou que, embora a China e a América Latina estejam longe uma da outra, elas compartilham a busca comum pela autoconfiança e autossuficiência, revitalização e desenvolvimento e melhora da vida da população. Há muito tempo, tendo a igualdade e o benefício mútuo como princípio e o desenvolvimento comum como objetivo, os dois lados vêm fortalecendo a confiança política mútua, com florescimento da cooperação em vários campos e melhoria constante do mecanismo geral de cooperação entre a China e a América Latina, enquanto um número crescente de países da região coopera com a China para construir o “Cinturão e Rota”, apoiando e participando da Iniciativa de Desenvolvimento Global e da Iniciativa de Segurança Global, trabalhando em conjunto com a China para criar uma comunidade de futuro compartilhado entre a China e a América Latina. Isto não só beneficia os povos dos dois lados, mas também injeta mais estabilidade e energia positiva no mundo, acrescentou.

(Informações da agência Xinhua)

Entrevista: “Brasil precisa da Antártica tanto quanto da Amazônia”

Em entrevista exclusiva, glaciólogo gaúcho explica a interdependência entre os pólos e os trópicos

Por Márcia Turcato

Jefferson Cardia Simões, 64 anos, é glaciólogo, estuda o gelo. Foi o primeiro brasileiro a ter essa especialização, ainda na década de 80, quando o Brasil vivia uma ditadura.

Longe de ser um pesquisador caricato, daqueles que aparecem em filmes, Simões é conversador e é um entusiasta da popularização da ciência, por isso sempre oferece exemplos cotidianos para explicar seu trabalho. Ele é casado há 40 anos com Ingrid Lorenz Simões, tem dois filhos e dois netos e é natural de Porto Alegre.

Foi em sua sala de vice-Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que me recebeu por mais de duas horas para falar de seu trabalho mais recente.

O professor retornou dia nove de janeiro da Antártica, uma expedição iniciada no último dia quatro de dezembro. Ele viaja ao Polo Sul desde os anos 90 e também já esteve no Ártico e em outras regiões geladas do planeta. O trabalho consiste, basicamente, na realização de análises químicas da atmosfera e na coleta de testemunhos de gelo, que é uma espécie de paleontologia glacial, ou técnica palio climática.

De acordo com Simões, “o Brasil precisa parar de achar que é um país tropical isolado, isso não existe, é uma fantasia, foi uma fantasia geopolítica das décadas de 50 e 60. Para o meio ambiente global, as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos”.

O professor salienta “que não teríamos clima se não houvesse essa diferença de temperatura entre os trópicos e os pólos. Centrar a visão só na Amazônia, evidentemente está errado”.

“A questão da Amazônia é mais ampla porque é território nacional, tem a biodiversidade de fauna e flora e tem população humana, mas nós também temos responsabilidade na Antártica”.

Simões explica que do ponto de vista ambiental, a Antártica e a Amazônia são regiões interdependentes e que mudanças climáticas sempre ocorreram e vão continuar ocorrendo, “mas a estratégia que precisamos adotar é de ações mitigadoras e de adaptação”.

O professor Simões tem graduação em Geologia pela UFRGS. Isso em 1983, quando recebeu uma bolsa do CNPq, e foi estudar Glaciologia em Cambridge, na Inglaterra, onde ficou por seis anos. Chegou a trabalhar no Serviço Antártico Britânico. Naquela época o Programa Antártico Brasileiro – Proantar, era recente, e precisava de especialistas. “Eu cheguei no momento certo e as coisas se encaixaram”.

O gelo antártico tem até 2 km de espessura, são cerca de 27 milhões de km cúbicos de gelo na Antártica, o suficiente para cobrir o Brasil com um manto de gelo de 3 km de espessura em toda a sua extensão. O território brasileiro tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

A pesquisa

Para chegar na Antártica, o custo da viagem de Simões é de 800 mil dólares, enquanto pesquisadores de outros países viajam por cerca de um milhão de dólares e às vezes até o triplo desse valor.

A última expedição do brasileiro contou com parcerias financeiras do CNPq, National Geographic e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS- Fapergs.

As pesquisas feitas pelo Brasil alcançaram um período de três mil anos e as amostras coletadas estão guardadas no Instituto de Mudanças do Clima, no Maine, nos Estados Unidos, na temperatura de 20 graus centígrados negativos.

Cem metros de perfuração no gelo equivalem a 400 anos de tempo. As informações contidas no gelo coletado mostram qual é a concentração de água, isótopos, minerais e outros elementos.

Com isso, os cientistas têm condições de avaliar como era o clima e a vida naquele período, comparar com outras épocas e fazer projeções, por exemplo.

Pesquisas recentes na Antártica indicam que o gelo continha traços de contaminação por urânio, resultado de uma mina a céu aberto na Austrália no século 19. Também foram encontrados traços de cobre no gelo, por conta de minas no Chile, mas que diminuíram graças a intervenção recente do governo de Gabriel Borić  que adotou medidas de mitigação da poluição.

Pesquisadores da França e da Itália já alcançaram testemunhos de gelo de 800 mil anos na Antártica, com perfurações de 3.200 metros na área do Domo C, também conhecido como Dome Circe, Dome Charlie ou Dome Concordia, que está a uma altitude de 3.233 metros acima do nível do mar, é um dos vários cumes ou cúpulas do manto de gelo antártico.

Em breve, pesquisadores da China, em parceria com europeus, pretendem alcançar 1,5 milhão de anos no Domo A, perfurando 4 mil metros no meio do continente Antártico com uma temperatura de  93 graus centígrados negativos durante o inverno.

A água do oceano austral está ficando acidificada por excesso de  CO2, cerca de 30% dele já foi parar nos oceanos desde a primeira Revolução Industrial no século 18, e isso altera toda a flora e fauna dos mares, pode modificar correntes marítimas, mudar a temperatura na costa e tem efeito sobre o clima nos continentes.

“As regiões polares são mais sensíveis às mudanças climáticas e elas nos dão sinais do que está acontecendo”, explica o professor. O derretimento das geleiras expõe as rochas e elas aquecem a região porque propagam calor.

A temperatura subiu no Ártico 3 graus, em relação ao ano de 1900. A navegação marítima é afetada com o degelo no mar, surgem novos portos, novas rotas comerciais, nova geopolítica e até militarização em novas fronteiras.

A expedição

A expedição mais recente de Simões chegou à Antártica no dia 4 de dezembro de 2022, como parte de projetos de redes de pesquisa internacionais. O grupo contribuiu com estudos que monitoram a resposta do gelo da Antártica às mudanças globais e busca  conexões entre o clima do Brasil e o do continente.

A região onde o grupo ficou recebe sua precipitação de dois mares, o de Amundsen, com uma camada de gelo que pode chegar a três metros de espessura, e o de Bellingshausen.  Nesses dois mares se formam grande parte das frentes frias que chegam ao Brasil.

A expedição foi liderada por Simões, com os colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Fernando Magalhães Reis, 65 anos; Ronaldo Torma Bernardo, 54 anos, e Filipe Ley Lindau, 35 anos. Integram o grupo Ellen de Nazaré Souza Gomes, 50 anos, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jandyr de Menezes Travassos, 70 anos, da Coppe/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O grupo ficou acampado na geleira da Ilha Pine, no meio do manto de gelo da Antártica Ocidental. O objetivo era obter um testemunho de gelo dos últimos 400 a 500 anos da história climática da região.

Um outro grupo ficou encarregado de fazer a manutenção do módulo Criosfera 1, o laboratório latino-americano mais ao Sul na Terra, a 640 km ao Norte do Pólo Sul Geográfico. O módulo mede dados meteorológicos, concentração de micropartículas, composição da atmosfera, estudos sobre a concentração de gases e raios cósmicos.

Faz também estudos de micro-organismos encontrados na neve. Todas as pesquisas são essenciais para entender o impacto das mudanças ambientais na Antártica e como elas se refletirão na América do Sul.

Essa equipe foi liderada por Heitor Evangelista, 59 anos, físico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e contou com os pesquisadores Heber Passos, 60 anos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Franco Nadal Junqueira Villela, 46 anos, do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Um terceiro grupo chegou à Antártica no dia 9 de dezembro para complementar a instalação do módulo Criosfera 2, o segundo laboratório remoto brasileiro no interior da Antártica.

Participantes da equipe: o professor Simões, que se juntou ao grupo no dia 30 de dezembro, os gaúchos Francisco Eliseu Aquino, geógrafo e climatologista, 52 anos, professor da UFRGS; a geógrafa Venisse Schossler, 46 anos, pós-doutora da UFRGS; o geógrafo Isaías Ullmann Thoen, 40 anos, técnico em geoquímica e eletrônica, da UFRGS; e o chileno Marcelo Arevalo, 62 anos, engenheiro mecânico.

Amazônia  e gelo

Além dos pólos (Antártica e Ártico), Simões também faz pesquisas em outras regiões geladas, como na cordilheira dos Andes. Ele coletou amostras na maior calota de gelo da América do Sul, a Quelccaya, no Peru, em perfurações de 120 metros, a 5.700 metros de altitude, para avaliar como se dá a circulação atmosférica na amazônia e conhecer como era o clima antes dos portugueses e do espanhóis chegarem à América. O Peru concentra 70% do gelo tropical do mundo.

Esse trabalho é recente, começou em setembro de 2022 e deve trazer muito conhecimento à tona. Quelccaya também é conhecida como a maior geleira tropical do mundo, tem 17 km de extensão, uma área de 44 km quadrados e está apenas 5,1 km da cidade de Cusco, mas o acesso é muito difícil e exige preparo físico. A temperatura média na região é de zero grau. É um lugar muito procurado por turistas praticantes de montanhismo.

A calota de gelo de Quelccaya é a maior área glaciar dos trópicos, cobrindo aproximadamente 44 km² nos Andes peruanos. Desde 1978, Quelccaya perdeu 20% de seu tamanho, fenômeno que costuma ser citado por pesquisadores como um sinal das mudanças climáticas.

Porém, existe a dúvida se o derretimento do glaciar é consequência do aquecimento global ou de alguma outra alteração climática, como a diminuição da precipitação de neve.

Glaciólogos de outros países estudam Quelccaya desde 1970 e já perceberam um forte derretimento do glaciar e um consequente aumento do volume de água dos riachos locais, o que pode até provocar inundações no futuro.

O futuro

“Milagrosamente é preciso dizer que o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) sempre foi muito apoiado pelos governos”, revela o professor, explicando que no primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2006) os recursos para pesquisas chegavam por intermédio do então Ministério do Meio Ambiente/Ibama e depois pelo Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação  (MCTI). O Proantar é administrado pela Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar.  No entanto, o último edital para pesquisas do Proantar é de 2018, “estamos esperando a publicação de um novo edital para breve”, diz Simões.

O pesquisador explica que a questão do meio ambiente é global e que os pólos estão inseridos na nossa vida, assim como a Amazônia, há uma interdependência.  Mudanças climáticas sempre existirão, mas é necessário reduzir o impacto sobre a sociedade. Mesmo que parassem todas atividades que geram impacto sobre o clima agora, mesmo assim o nível do mar subirá 30 cm até o ano 2100.

Para Simões, “os pesquisadores precisam ter mais interação com o Poder Legislativo porque é lá que as leis são feitas, a comunidade científica não pode ficar isolada. O reconhecimento ao trabalho científico não vem sozinho, o cientista precisa ir à sociedade e falar.  Precisamos inserir a ciência na linha de produção mas, veja, ainda há trabalho análogo à escravidão no Brasil. Estamos muito atrasados.”

E completa:  “precisamos inserir a ciência no Ensino Médio. A crise ambiental faz parte de uma crise civilizatória. Há concentração de renda, trabalho escravo, mas o planeta é finito, não pode ser explorado como se estivesse numa linha de produção. O futuro de qualquer país é o investimento massivo em ciência e tecnologia, não concentrar renda e ter qualidade na educação e na produção”.

De acordo com o professor, toda a comunidade científica está esperando mais recursos e que o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, criado para financiar a construção do conhecimento, seja de fato implementado com a publicação de editais.

Simões diz que o Brasil precisa financiar projetos inovadores tanto para ciências básicas como para ciência aplicada para o uso de tecnologia na indústria, no agronegócio e na agricultura e pecuária em geral, em diferentes escalas, ter um ensino médio que tenha ciência na sua grade curricular e, para isso, “é necessário acabar com essa reforma ridícula que o governo passado fez, que destruiu a educação”.

O professor Jefferson Cardia Simões é titular de Glaciologia e Geografia Polar da UFRGS, é vice-Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e é pioneiro da Ciência Glaciológica no Brasil. Atualmente é Vice-Presidente do Scientific Committee on Antarctic Research/Conselho Internacional de Ciências (SCAR/ISC), com sede em Cambridge, Inglaterra. Ele obteve seu PhD pelo Scott Polar Research Institute, University of Cambridge, em 1990. É pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l’Environnement (LGGE) du CNRS/França e pelo Climate Change Institute (CCI), University of Maine, EUA. Leciona e orienta alunos de graduação e pós-graduação em Geociências e Geografia.

Toda sua carreira foi dedicada às Regiões Polares, tendo publicado 210 artigos científicos, principalmente sobre processos criosféricos. Pesquisador do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), é consultor ad-hoc da National Science Foundation – NSF (Office of Polar Programs).

Simões participou de 28 expedições científicas às duas regiões polares, criou o Centro Polar e Climático da UFRGS, a instituição que lidera no Brasil a pesquisa sobre a neve e o gelo. Ele coordena a participação brasileira nas investigações de testemunhos de gelo antárticos e andinos e faz parte do comitê gestor da iniciativa International Partnerships in Ice Core Sciences (IPICS). Recebeu o Prêmio Pesquisador Destaque da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) por sua contribuição à pesquisa antártica.

Acervos ameaçados: pesquisadores criticam modelo de concessão do Jardim Botânico e do Museu de Ciências

Cleber Dioni Tentardini

Ambientalistas e servidores do Jardim Botânico de Porto Alegre e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul estão mobilizados para garantir a integridade do patrimônio das duas instituições.

O futuro das coleções científicas, do mobiliário e da própria área do JB e do MCN é incerto, diante da intenção do governo do Estado em conceder a gestão de ambos à iniciativa privada.

Nesta sexta-feira, 27, representantes da Secretaria Extraordinária de Parcerias (SEPAR) e do grupo de empresas contratado para elaborar o modelo de concessão promovem a segunda audiência pública para tratar do tema.

O grupo é formado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pelo Instituto Semeia e o Consórcio Araucárias – Parques Brasileiros, registrado em abril de 2021, em São Paulo, para prestar consultoria em gestão empresarial.

O quadro societário é formado por Vitor Amauri Antunes, administrador, SPIN Soluções Públicas Inteligentes Consultoria, Plantar Ideias, Vallya Advisors Assessoria Financeira e Queiroz, Maluf Sociedade de Advogados.

Jardim Botânico e Museu de Ciências Naturais. Foto: CMPA/Divulgação

Antes vinculados à Fundação Zoobotânica do RS (FZB), que foi extinta, em 2017, pelo governo de José Ivo Sartori, hoje JBPOA e MCN são administrados pela Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, a SEMA.

O biólogo Jan Karel Júnior, presidente da Associação dos Funcionários da FZB, critica vários itens do projeto de concessão por apresentar de forma vaga como serão os mecanismos de gestão do Jardim Botânico.

“A proposta prevê que a empresa concessionária poderá ser dispensada de anuência prévia ou comunicação ao Estado em situações a serem definidas futuramente. Quer dizer, não há critérios ou parâmetros técnicos de como isso será feito, quem vai acompanhar esse processo e garantir a integridade do JB e do interesse público, questiona o biólogo.

Jan diz que o projeto não demonstra quais e de que forma serão realizadas as intervenções no Museu de Ciências Naturais e como as pesquisas, atividades e o acervo desse órgão serão mantidos se a própria intenção do Governo do Estado de demitir os funcionários especializados do JB e MCN é incoerente com uma proposta de concessão do uso público que promete manter as funções técnicas e de pesquisa sob sua responsabilidade.

“O Poder concedente, no caso o Estado do Rio Grande do Sul, sem a participação de curadores, pesquisadores e técnicos do JBPOA, não tem condições adequadas para considerar todas as questões necessárias relativas à transição para a concessionária sem colocar em risco o patrimônio ambiental e científico, material e imaterial, representado pelo Jardim Botânico”, completa o representante dos servidores.

Bromeliario. Foto: Cleber Dioni Tentardini

O biólogo Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica, do Instituto de Biociências da UFRGS, e membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ), diz que o Estado vai transferir à futura concessionária uma série de compromissos e exigências técnicas rigorosas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para manter a qualificação na categoria “A” do JBPOA, obtida na década passada.

Brack lembra que a Ação Civil Pública em tramitação na Justiça determina obrigações do Estado para manter o Jardim Botânico como um centro de pesquisa e conservação da flora rio-grandense, sendo considerado um dos cinco melhores do país, inclusive com espécies raras, endêmicas (que se encontram apenas em uma determinada região) e ameaçadas de extinção.

“Além disso, o Estado tem que manter a integridade da área, e não é o que está acontecendo, pois uma parte do muro do terreno até hoje não foi reconstituída, possibilitando invasões de animais domésticos ou de pessoas mal intencionadas, para depredar e roubar, ocorrências que já aconteceram”, observa. “Tudo isso tem de ser cobrado de um futuro gestor, além da manutenção das bolsas de iniciação científica e dos jardineiros, técnicos e pesquisadores”, completa.

Outro problema estrutural, antigo, ocorre no telhado do prédio do Museu de Ciências Naturais, especialmente no Herbário Prof. Dr. Alarich R. H. Schultz (HAS). Foi feito um conserto provisório, mas quando chove, os servidores precisam improvisar para não perder itens do acervo histórico.

A bióloga Rosana Senna, uma das curadoras, explica que o HAS é um acervo botânico com cerca de 150 mil espécimes da flora gaúcha e 300 tipos nomenclaturais, com coletas que datam desde 1854 até os dias atuais.

 

 

 

 

Acervo do herbário HAS danificado

“A reforma do telhado do prédio se mostra urgente para sanar os problemas de infiltração da água da chuva nas salas de coleções científicas do Museu. O Estado tem a obrigação de proteger esses registros que contam a história da nossa biodiversidade”, ressalta.

A bióloga Caroline Zank, do Instituto Curicaca, diz que os membros da entidade não são contra as concessões à iniciativa privada, mas exigem transparência e a possibilidade de as ONGs e funcionários das instituições participarem ativamente da elaboração do edital.

“O modelo de edital de concessão que foi à apresentado na primeira consulta pública é omisso em dar garantias sobre a manutenção do patrimônio e, por outro lado, dá uma série de possibilidades de intervenção direta na área do JB e do Museu, onde inclusive permite à concessionária a utilização de prédios e a apropriação das áreas, computadores, softwares e equipamentos que são fundamentais à manutenção das pesquisas e atividades técnico-científicas do JB e do MCN, sem demonstrar claramente de que maneira afetará ou não as atividades desses órgãos”, sublinha Caroline.

Orquidário. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Outro ponto em que a bióloga chama a atenção é que o edital possibilita ao Estado alterar o Plano Diretor do JB, colocando em risco o patrimônio.

“O Estado concedeu parte da área da coleção científica viva do JB, composta por espécies ameaçadas de extinção, para o IBAMA utilizar na implantação de um CETAS, sem que houvesse qualquer restrição ou garantia de manutenção desta coleção no local”, critica. Essa área é ocupada por uma coleção da Floresta Ombrófila Mista, com espécies raras e ameaçadas de extinção.

CETAS é o Centro de Triagem de Animais Silvestres. Funcionava junto ao Parque Zoológico e, há seis anos, teve suas funções absorvidas pelo órgão federal sendo transferido para um imóvel na esquina das ruas Baronesa do Gravataí e Miguel Teixeira, na Cidade Baixa.

Área será cedida ao IBAMA. Foto: Cleber dioni

Aquela área do Jardim Botânico a que se refere Caroline tem entrada pela avenida Salvador França, também – distante cem metros do pórtico principal -, e já foi ocupada por laboratórios químicos da FEPAM. Desocupado e sem vigilância, foi invadido e teve dois prédios saqueados e incendiados. O local foi descontaminado graças ao empenho de 161 mil reais de um fundo gerido pelo Ministério Público. Agora, será cedido pela SEMA ao IBAMA.

A diretora do SEMAPI-RS Sindicato, Cecília Bernardi, ressalta que o Jardim Botânico e o Museu de Ciências sempre prestaram um serviço de excelência quando estavam vinculados à Fundação Zoobotânica, mas os últimos governos, desde Sartori, vêm tentando precarizar e privatizar tudo.

“Essa concessão é uma temeridade, retira autonomia de trabalho dos pesquisadores que estão nos quadros do Estado e passa a gestão dos acervos científicos para a iniciativa privada. Qual o interesse da empresa, que visa o lucro, em manter esse patrimônio ambiental dos gaúchos”, questiona a dirigente sindical.

Ação Civil Pública corre desde fevereiro de 2017

A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre ingressou com a Ação Civil Pública em fevereiro de 2017, um mês após o governo estadual extinguir a Zoobotânica. A intenção é preservar o patrimônio ambiental e cultural do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul. O Parque Zoológico não está contemplado nesta ACP.

Juiz e promotoras de Justiça em vistoria na área do Jardim Botânico desprotegida. Foto: Cleber Dioni

Não há previsão de quando ocorrerá o julgamento da Ação, segundo a assessoria do juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública, do Foro Central.

A promotora de Justiça Vera Sapko solicitou nos autos do processo que o Estado fosse intimado a prestar informações quanto às providências que está adotando, ou adotará, para informar no edital a existência da ação civil pública e as obrigações que o futuro concessionário assumirá perante o Governo do Estado.

“Estamos acompanhando com atenção o processo de concessão anunciado pelo Estado para garantir que, em caso de procedência da ACP, seja cumprida de forma integral a decisão”, afirmou.

No dia dois deste mês de maio, a Procuradoria-Geral do Estado respondeu ao pedido de informações do MP junto ao processo, negando a necessidade de mencionar no edital de licitação a existência da ACP. “O risco relacionado a demandas judiciais que “impactem, onerem, impeçam ou impossibilitem a concessionária de executar integral ou parcialmente o objeto contratual” está alocado ao Poder Concedente (Estado)”, consta no documento, assinado pelos procuradores César Marsillac, que atua junto à SEPAR, Victor Herzer da Silva e Gustavo Petry.

A SEPAR foi procurada pela reportagem, mas não respondeu ao pedido de informações.

A ACP foi assinada por quatro promotores e tem mais de 60 páginas com os argumentos para justificar a manutenção dos servidores e das atividades de pesquisas e conservação das coleções científicas, além de garantir a integridade da área e dos bens imóveis.

Representantes do MP e da Justiça…
….realizaram vistorias no Museu de Ciências

A ação requer que o Estado apresente em juízo um plano que garanta a continuidade e a mesma qualificação de todos os serviços e atividades do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, após a extinção da FZB, e providencie o conserto do muro que faz a divisa com a Vila Juliano Moreira. E determina ao IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul) a inscrição do Jardim Botânico no Livro Tombo, por já ter sido declarado patrimônio cultural do Estado, em 2003.

Todo o arboreto é identificado. Foto: Cleber dioni

“Além de constituir o maior acervo de material-testemunho da biodiversidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos do Estado, ferramenta imprescindível para estudos que envolvam a flora e a fauna, recente e fóssil, vinculados ao Museu de Ciências Naturais, essas coleções subsidiam a descrição de novas espécies. Os ‘exemplares-tipo’ dessas coleções, que servem de base para as descrições, tornam-se essenciais para a identificação precisa de cada espécie e sua conservação futura na natureza. Os acervos científicos são, portanto, bibliotecas da biodiversidade. Essenciais para a expansão do conhecimento por meio da pesquisa e da educação. Estudos que envolvem taxonomia, biotecnologia, biogeografia, perda e conservação da biodiversidade, invasões biológicas e mudanças climáticas, por exemplo, dependem das coleções biológicas. As coleções paleontológicas, por sua vez, são de grande relevância do ponto de vista científico e cultural para a reconstituição de paleoambientes e o entendimento da paleoecologia”, descrevem os promotores na ACP.

Biólogo Patrick fala dos anfíbios a alunos em evento de educação ambiental /  Fotos: Mariano Pairet
Engenheiro agrônomo José Fernando Vargas
em oficina de educação ambiental

O documento lista uma série de consequências do ponto de vista científico para o Rio Grande do Sul em caso de “descontinuidade das atividades”:

Butiazeiro, árvore mais antiga do JB, com 200 anos. Foto: Cleber Dioni Tentardini

* Perda de patrimônio científico, histórico e cultural que integra o conhecimento científico nacional;

* Comprometimento do maior conjunto de amostras biológicas e paleontológicas do Bioma Pampa;

* Interrupção da rede de colaboração científica estabelecida há décadas entre os curadores/pesquisadores da FZB com universidades e instituições de pesquisa do país e do exterior;

* Perda irreparável em Taxonomia (ciência que descreve e classifica novos organismos) no caso de perda de material-tipo (material que embasa a descrição da espécie. A perda de material-tipo aconteceu pela última vez durante a 2ª Guerra Mundial, o que trouxe dificuldades taxonômicas até hoje para toda comunidade científica mundial;

* Perda de informações sobre a biodiversidade que deveriam subsidiar políticas públicas voltadas à gestão da biodiversidade, no âmbito estadual e nacional;

* Interrupção da socialização da informação para o mundo científico de um dos três maiores herbários do RS. Em 2016, o Herbário HAS do MCN teve quase três milhões de acessos (2.909.189), através da Rede Herbário Virtual da Flora e dos Fungos do Brasil;

* Perda de geração de conhecimento aplicado à gestão ambiental. Atualmente, os registros da coleção de anfíbios do MCN estão sendo utilizados na revisão do Plano de Manejo do Parque Estadual de Itapeva, na elaboração do Plano de  Manejo da Reserva Biológica Estadual da Mata Paludosa e na elaboração do Plano de Manejo da APA do Banhado Grande;

* Perda dos registros que subsidiam o Plano de Ação Nacional para a Conservação da Herpetofauna do Sul (PAN Herpetofauna do Sul);

* Perda da capacidade de descoberta de usos potenciais da biodiversidade. Recentemente estudos desenvolvidos pelo MCN com espécies nativas de anfíbios revelaram novas substâncias com potencial para uso farmacêutico. Esse serviço não existe na iniciativa privada, portanto não há como reparar a sua perda;

* A perda da coleção de microalgas continentais do Herbário Prof. Dr. Alarich R. H. Schulz (HAS), que possui o maior número de lotes em líquido e tipos nomenclaturais do Brasil, significa a perda de acervo fundamental para obtenção de conhecimento e testemunho da biodiversidade do Rio Grande do Sul;

* Desaparecimento de local com condições de receber espécimes coletados por ocasião de EIA/RIMA, conforme legislação;

* Perda de banco genético de representantes de cianobactérias da flora do RioGrande do Sul;

* Interrupção de trabalhos realizados em parceria com outras instituições brasileiras no estudo das cianobactérias(Centro de Energia Nuclear na Agricultura, USP, Piracicaba, SP;

* Impossibilidade de descrição de novos táxons de cianobactérias sul-rio-grandenses (gêneros e espécies) para a ciência;

* Perda de banco amostral de referência de florações de cianobactérias registradas em distintos sistemas hídricos do Rio Grande do Sul, dentre outras.

Jardim Botânico é indivisível, diz MP

O Jardim Botânico de Porto Alegre é um museu vivo com um patrimônio público inalienável, não privatizável, indivisível e que exige o máximo zelo dos gestores públicos na sua preservação para as gerações presentes e futuras, diz a Ação Civil Pública do MP.

O JB contempla um conjunto de 27 coleções vivas de plantas envasadas ou em arboreto. Dentre as atividades, estão a manutenção de coleções científicas de plantas vivas, o banco de sementes, os programas institucionais de iniciação científica envolvendo bolsistas do Pibic/CNPQ, Probic/Fapergs e convênios para estágios curriculares, o viveiro de mudas, a biblioteca, as atividades de educação ambiental, e o envolvimento em inúmeros projetos de pesquisa.

Dyckia reitzii, espécie de bromélia, na lista de espécies ameaçadas de extinção. Fotos: Priscila Ferreira
Tillandsia winkleri, na lista de espécies ameaçadas de extinção
Parodia claviceps, cacto. Foto Cleber Dioni
Muda de Pau Ferro, ameaçada de extinção

Em função desse cipoal de atividades, dizem os promotores, o Jardim Botânico de Porto Alegre está entre os cinco do Brasil que se enquadram na categoria A, o que significa que atende a todas as 16 exigências previstas no artigo 6º da resolução Conama 339/2003. “Entre elas, a primeira e mais importante é possuir quadro técnico-científico compatível com suas atividades.”

Outras considerações da ACP

O Jardim Botânico possui em seu acervo um conjunto de plantas que integram a Flora Gaúcha ameaçada de extinção. Esse conjunto somado a outras plantas raras compreende um total de mais de quatro mil plantas.

Viveiro. Foto Cleber Dioni

A perda do registro na Agenda Internacional de Jardins Botânicos do Botanic Gardens Conservation International (BGCI), o que dificultará a captação de recursos para pesquisa; ocorrerá a perda de exemplares de espécies raras, endêmicas e ameaçadas, dificultando a ampliação do conhecimento voltado à conservação; haverá o desaparecimento de ambiente controlado para desenvolvimento de pesquisas com universidades nacionais e internacionais interessadas na flora do RS.

Viveiro

Em relação ao Banco de Sementes, eventuais danos serão incomensuráveis. Haverá o encerramento das atividades de análise fisiológica e morfológica de sementes de espécies arbóreas e arbustivas nativas do RS.

Sementes sendo catalogadas
Mostruário da coleção científica do banco de sementes

 

 

 

 

O Laboratório de Análise de Sementes do Banco de Sementes/JB é o único no RS que procede, rotineiramente, essas funções, inclusive no tocante às espécies ameaçadas.

Haverá profunda perda em termos de sistematização de dados gerados em experimentos nos últimos 20, podendo comprometer a lista de Index Seminum, pois não existirão sementes armazenadas.

Esse conjunto de perdas e reduções certamente implicará a perda de pré-requisitos para a obtenção da categoria “A”, por parte do JB.

A par do acervo, o patrimônio imaterial do Museu de Ciências Naturais se alimenta de seu corpo funcional extremamente qualificado. Esse corpo técnico mantém a instituição viva e capaz de nutrir o Estado do Rio Grande do Sul com informações sobre a biodiversidade, patrimônio paleontológico, patrimônio genético, dentre outros bens culturais e ambientais de suma relevância para a preservação da vida humana, animal e vegetal.

O Conama foi criado pela lei n. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente. Esta lei foi regulamentada pelo decreto n. 99.274/90, com alterações feitas pelo decreto n. 3.942/01, disciplinando finalidades consultivas e deliberativas, bem como as competências do conselho.

Art. 2° Os jardins botânicos terão por objetivo:

I – promover a pesquisa, a conservação, a preservação, a educação ambiental e o lazer compatível com a finalidade de difundir o valor multicultural das plantas e sua

utilização sustentável;

II – proteger, inclusive por meio de tecnologia apropriada de cultivos, espécies silvestres, ou raras, ou ameaçadas de extinção, especialmente no âmbito local e regional, bem como resguardar espécies econômica e ecologicamente

importantes para a restauração ou reabilitação de ecossistemas;

III – manter bancos de germoplasma ex situ e reservas genéticas in situ;

IV – realizar, de forma sistemática e organizada, registros e documentação de

plantas, referentes ao acervo vegetal, visando plena utilização para conservação e

preservação da natureza, para pesquisa científica e educação;

V – promover intercâmbio científico, técnico e cultural com entidades e órgãos

nacionais e estrangeiros; e

VI – estimular e promover a capacitação de recursos humanos.

Art. 6° Serão incluídos na categoria “A”, os jardins botânicos que atenderem às seguintes exigências:

I – possuir quadro técnico – científico compatível com suas atividades;

II – dispor de serviços de vigilância e jardinagem, próprios ou terceirizados;

III – manter área de produção de mudas, preferencialmente de espécies nativas da

flora local;

IV – dispor de apoio administrativo e logístico compatível com as atividades a

serem desenvolvidas;

V – desenvolver programas de pesquisa visando à conservação e à preservação

das espécies;

VI – possuir coleções especiais representativas da flora nativa, em estruturas

adequadas;

VII – desenvolver programas na área de educação ambiental;

VIII – possuir infra-estrutura básica para atendimento de visitantes;

IX – dispor de herbário próprio ou associado a outras instituições;

X – possuir sistema de registro informatizado para seu acervo;

XI – possuir biblioteca própria especializada;

XII – manter programa de publicação técnico-científica, subordinado à comissão de

publicações e/ou comitê editorial, com publicação seriada;

XIII – manter banco de germoplasma e publicação regular do Index Seminum;

XIV – promover treinamento técnico do seu corpo funcional;

XV – oferecer cursos técnicos ao público externo; e

XVI – oferecer apoio técnico, científico e institucional, em cooperação com as unidades de conservação, previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza-SNUC, instituído pela Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000.