O que comemorar nos 62 anos do Jardim Botânico de Porto Alegre

Cleber Dioni Tentardini
Texto e fotos

Seria bom apenas anunciar a visita virtual programada pela Secretaria do Meio Ambiente nesta quinta-feira, 10, para comemorar os 62 anos do Jardim Botânico de Porto Alegre.

Ou, então, acionar um ‘drone’ para filmar e fotografar seus jardins e canteiros bem cuidados. Boas iniciativas. Mas a situação ainda é bem delicada por lá e não me refiro às restrições para visitação pública devido à pandemia. As incertezas ainda rondam o presente e o futuro nesse que é um dos melhores e maiores centros de pesquisa e conservação da flora rio-grandense.

Depois que a Fundação Zoobotânica foi extinta, o Jardim Botânico perdeu a autonomia financeira e ficou praticamente impossível pleitear recursos junto aos órgãos de fomento para desenvolver projetos de pesquisa. Virou refém da lentidão estatal.

A burocracia da administração direta gera dificuldades inclusive para compra de materiais básicos usados no trabalho diário dos servidores.

Jardineiros, técnicos e pesquisadores desdobram-se para manter o padrão do JB, classificado na categoria A por atender às exigências estabelecidas pelo Conama, órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Uma das principais metas estabelecidas na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento é que os países disponibilizem 60% das espécies ameaçadas de plantas em coleções ex situ (fora do seu habitat natural), de preferência no país de origem, e incluam 10% delas em programas de recuperação e reintrodução.

E o Jardim Botânico de Porto Alegre cumpre com essa finalidade. É impensável hoje imaginar sua gestão sem o acompanhamento diário dos especialistas, como o técnico agrícola Ari Delmo Nilson, o mateiro, funcionário mais antigo do JB.  A experiência que ele detém aliada ao conhecimento dos biólogos, agrônomos, engenheiros florestais, garantem a qualidade dos serviços prestados.

Por isso, é preciso cobrar dos atuais gestores uma manutenção constante da infraestrutura do local. E lembrá-los dos erros graves cometidos pela gestão anterior.

A ex-secretária da SEMA, Ana Pellini, por exemplo, ainda responde a processo por provocar danos irreversíveis a espécies ameaçadas de extinção da coleção de cactos, simplesmente por não ter liberado recursos para o conserto do telhado do cactário. A ação tem como autores entidades ambientalistas como a Agapan e o INGÁ – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais.

O muro que permanece caído na altura da divisa do JB com a Vila Juliano Moreira, próximo à avenida Cristiano Fischer, é representativo do descaso de antigos e atuais administradores.

A presença de animais domésticos é constante na área desprotegida
Audiência na Justiça, com representantes do Ministério Público, SEMA e ONGs ambientais

O livre acesso de pessoas estranhas à instituição e de animais domésticos, coloca em risco a fauna silvestre e o patrimônio. Aliás, depois que ocorreram invasões, depredações e roubos no Jardim Botânico, um juiz e duas promotoras de Justiça realizaram vistorias e audiências entre 2017 e 2018. E, ao que parece, de nada adiantaram porque mudou o governo e o terreno continua desprotegido.

E os prejuízos não param por aí: através da Lei de Acesso à Informação, se descobriu que o governo pagou 700 mil reais para criar um banco de dados digital com as coleções científicas do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, que ficou incompleto e até hoje não funciona.

Tudo porque os administradores insistiram em contratar empresas para realizar serviços de digitação de livros tombo sem consultar os próprios curadores das coleções científicas.

Um ponto que merece toda a torcida é a expectativa de que a área anexa ao JB, onde funcionavam os laboratórios da Fepam, hoje servindo apenas como um depósito de veículos oficiais, seja revitalizada.

Tem-se como certa a parceria entre SEMA e Ibama para que o órgão federal transfira para essa área o Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS).

Área anexa do Jardim Botânico, e imóveis (abaixo) onde estavam os laboratórios da Fepam

 

 

 

 

 

A transferência do CETAS, que hoje funciona em um imóvel na esquina das ruas Baronesa do Gravataí e Miguel Teixeira, para essa área do Botânico é mais do que desejada.

Além de ser inadequado manter aquele tipo de serviço em plena Cidade Baixa, o imóvel é pequeno para o manejo e abrigo dos animais silvestres.

Especula-se também a possibilidade de retorno dos laboratórios da Fepam para o local, que foi descontaminado graças ao empenho de 161 mil reais de um fundo gerido pelo Ministério Público.

Termo de prestação de serviços/Arquivo Ministério Público Estadual

O inquérito civil que apurou responsabilidades e providências foi encerrado há menos de dois meses apenas, segundo a promotora de Justiça Ana Marchesan.

Laboratórios da Fepam no bairro Partenon

O retorno dos laboratórios da Fundação para o endereço antigo eliminaria os gastos com aluguéis dos imóveis na rua Aurélio Porto, números 37 e 45, no bairro Partenon, que somam R$ 11,9 mil, sem contar as demais despesas.

Uma questão crucial sobre o Jardim Botânico refere-se à permanência dos seus funcionários concursados.

Após várias reuniões de mediação no TRT, o governo do Estado e a Frente Jurídica em Defesa das Fundações fizeram um acordo para que ninguém fosse demitido, mesmo que as liminares sejam cassadas, até uma decisão final no STF sobre o direito à estabilidade dos servidores.

Mas, afinal, por que o governo Eduardo Leite ainda não desistiu de demitir os servidores? Quem irá manter o JB caso isso ocorra? Quais os planos do governo?

É preciso entender que o ​Jardim Botânico não é um mero espaço de lazer, um simples depósito de plantas ou um parque para conceder à exploração da iniciativa privada, como ​já anunciaram que farão com Itapuã, Itapeva​, Turvo e outros.

​O JB ​​é um guardião de espécies ​​​raras e ameaçadas de extinção​ de plantas e árvores nativas do Rio Grande do Sul​, com banco de sementes e viveiro valiosíssimos e um espaço sem igual na cidade para ações de educação ambiental.  Isso é motivo não só para comemorar, mas também para defender.

Mostruário do banco de sementes
Viveiro

E saudar os pioneiros, o irmão jesuíta Teodoro Luís, conservacionista espanhol que coordenou a implantação do Jardim Botânico, decidida pelo governador Ildo Meneghetti e efetivada pelo secretário de Obras, Euclides Triches, ao lado de cientistas, médicos, engenheiros, arquitetos e urbanistas, como Edvaldo Pereira Paiva, Alarich Schultz, padre Balduino Rambo, Curt Mentz, F. C. Goelzer, além do senador Mem de Sá e do jornalista Say Marques, um dos idealizadores da Feira do Livro de Porto
Alegre. E, claro, a todos os funcionários e pesquisadores que por lá passaram.

Jardim Botânico já perdeu mais da metade da área original

Dos 81 hectares originais, restam 36 ha. Foto: Cleber Dioni

O Jardim Botânico de Porto Alegre já perdeu mais da metade da sua área original. Eram 81,5 hectares em 1958, quando o JB foi aberto, hoje não passam de 36 hectares. E, com a extinção da Fundação Zoobotânica decidida pelo governo do Estado, o futuro da área é incerto.

O terreno original incluía uma colônia agrícola e a antiga chácara do Visconde de Pelotas, “compreendendo a elevação de um morrinho granítico a 50 metros sobre o nível do mar, vales de alguns arroios à sua periferia, marginados por várzeas de regular extensão”, na descrição do jesuíta Teodoro Luís, conservacionista espanhol que coordenou a implantação do Jardim Botânico.

Ir. Teodoro no Horto de Pelotas/Divulgação
Ir. Teodoro no Horto de Pelotas/Divulgação

“O terreno sobre o qual se assenta, diz Teodoro, é parte do complexo cristalino do Escudo Rio-grandense, uma das mais antigas formações da terra, revestida por um manto vegetativo sui-generis, que contém algumas espécies encontradas unicamente aqui.”

A implantação de um Jardim Botânico na capital gaúcha foi decidida pelo governador Ildo Meneghetti  e efetivada pelo secretário de Obras, Euclides Triches, que depois foi governador do Estado.
Irmão Teodoro Ramon de PEÑAFORT MALAGARRIGA y HERAS

Na comissão figuravam cientistas, médicos, engenheiros, arquitetos e urbanistas, como Edvaldo Pereira Paiva, Alarich Schultz, padre Balduino Rambo, Curt Mentz, F. C. Goelzer, Ruy B. Krug, Guido F. Correa, Nelly Peixoto Martins, Paulo Annes Gonçalves, Deoclécio de Andrade Bastos, além do senador Mem de Sá e do jornalista Say Marques, um dos idealizadores da Feira do Livro de Porto Alegre.

Foi no período do governo militar que o Jardim Botânico teve suas maiores perdas. Os governadores nomeados doaram partes do terreno do JB a várias instituições: o Clube Farrapos, da Brigada Militar ; o Hospital São Lucas, da PUC; o Círculo Militar, do Exército; a vila Juliano Moreira, a Escola de Educação Física da UFRGS; e aos laboratórios da Fepam, hoje desocupados.

Do alto do Botânico, era possivel ver o hospital da PUC
Do alto do Botânico, era possível ver o hospital da PUC
Na imagem de satélite, a área original do JB
Na imagem de satélite, a área original do JB

A ideia de organizar um Jardim Botânico em Porto Alegre era muito antiga. A primeira iniciativa foi de Dom João VI, o rei português que veio para o Brasil em 1808. Uma de suas primeiras iniciativas foi criar o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, um dos mais antigos do País.

D. João chegou a mandar as primeiras mudas para Porto Alegre. Mas as mudas ficaram retidas em Rio Grande, onde algumas foram plantadas das quais existe um único remanescente, que é o eucalipto histórico da cidade.
Outras tentativas foram feitas, sem sucesso. O agrônomo Paulo Schoenwald chegou a doar terras ao Estado para a criação de um Jardim Botânico.

Na década de 30, o professor e agrônomo Gastão de Almeida Santos chegou a iniciar um Jardim Botânico no bairro da Azenha, mas se tornou inviável devido à pressão da expansão imobiliária.

Só em 1953 ( Lei Nº 2.136), uma área de 81,5 hectares, originalmente ocupada pela Colônia Agrícola Juliano Moreira do Hospital Psiquiátrico São Pedro, foi destinada para a criação do Jardim Botânico de Porto Alegre.

Entrada do JB e, ao fundo, sede da Colônia Agrícola
Entrada do JB e, ao fundo, sede da Colônia Agrícola

A comissão apresentou o anteprojeto inicial do Jardim Botânico em 26 de outubro de 1956. Seis meses depois a área foi liberada e, em 10 de setembro de 1958, aberta ao público. Em 1959, a Lei n° 2.022 formalizou a denominação de Jardim Botânico.

Em 1960, foi iniciada a construção da Casa das Suculentas, também conhecida como Cactário, tendo sido inaugurado em 1° de maio de 1962, pelo governador Leonel Brizola.

Placa marca inauguração do cactário no governo Brizola/Cleber Dioni
Placa marca inauguração do cactário no governo Brizola/Cleber Dioni
Cactário/Arquivo JB/FZB
Cactário/Arquivo JB/FZB

Há uma outra placa que ficou escondida por 40 anos e marca um plantio de mudas no JB, no Dia da Árvore, em 1959, pelo governador Leonel Brizola, acompanhado de seus secretários, Alberto Hoffmann, da Agricultura, e Mário Maestri, de Obras Públicas. E só foi redescoberta porque o funcionário autor da proeza, seu Julião Prado, hoje aposentado, esteve em 2016 no Jardim Botânico e contou que alguns militares haviam ordenado que a placa fosse retirada e quebrada por constar o nome do líder trabalhista. Seu Julião optou por preservar a história e apenas virou a pedra com a inscrição voltada para o chão.

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Placa escondida por 40 anos registra plantio de mudas no governo Brizola/Cleber Dioni
Seu Julião virou a pedra para que não quebrassem a placa/Cleber Dioni
Seu Julião virou a pedra para que não quebrassem a placa/Cleber Dioni

A partir da década de 1970, diante de crescentes evidências de ameaças à flora regional, o foco do trabalho do Jardim Botânico passou a ser a conservação das plantas nativas do Estado, enfatizando a manutenção de coleções “ex situ” (fora do ambiente de origem) e incrementando as incursões botânicas.

Nessa época, foi construído um prédio para a TV Educativa do Estado, que não vingou. Em 1972, o imóvel passou a abrigar a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, criada nesse ano através da Lei nº 6.497.

Produção de mudas
Produção de mudas/Arquivo JB/FZB
Antigo viveiro/Arquivo JB/FZB
Antigo viveiro/Arquivo JB/FZB
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Plantio / Arquivo JB/FZB

Em 1974, a área do JB estava reduzida a 43 hectares. No ano seguinte, passou a contar com um viveiro de produção de mudas e, em 1983, a ter uma sede administrativa e setor de serviços, abrigados no subsolo da FZB, onde permaneceu até o ano de 1997, quando foi construída a sede própria.

Com a criação, em 1986, do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), o Jardim Botânico foi registrado como órgão voltado para o fomento à cultura.

Placa marca início da FZB no governo do coronel Triches
Placa marca início da FZB no governo do coronel Triches

Em 1988, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do RS (Fapergs), foi inaugurado o Núcleo de Educação Irmão Teodoro Luis. A partir de 1997, o Jardim Botânico teve outro salto de crescimento através do projeto Pró-Guaíba. Foram construídas instalações para o Banco de Sementes e casas de vegetação para abrigar coleções de cactáceas, bromeliáceas e orquidáceas.

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Em 2003, o JB foi declarado Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul, pela Lei nº 11.917. Em 2004, foi publicado o Plano Diretor do Jardim Botânico de Porto Alegre.

Atualmente, é considerado como um dos cinco maiores jardins botânicos brasileiros, com um acervo significativo da flora regional. O local abriga mamíferos, répteis, anfíbios e peixes, mais de 100 espécies de aves, além das cerca de 3 mil espécies de plantas.

Além das pesquisas, o JB é referência em conservação e espaço de lazer dos gaúchos/Cleber Dioni
Além das pesquisas, o JB é referência em conservação e espaço de lazer dos gaúchos/Cleber Dioni

Nota de R$ 200 torna conhecido o “lobo guará”, uma das vítimas da degradação do cerrado

Em alta na visibilidade pública por estampar a nova nota de R$ 200, o lobo-guará, segundo os biólogos, precisa ser reconhecido também pelos benefícios que pode trazer para o setor produtivo rural.

Esse é um valor ainda pouco contabilizado, conforme os especialistas avaliam. Tanto que é um animal que está na categoria vulnerável em relação à elevada ameaça de extinção.

Isso ocorre principalmente pela perda do habitat primordial, o Cerrado, com a ampliação das áreas urbanas e também das plantações.

Estudiosos argumentam que não pode haver dois lados nas discussões sobre conservação da natureza: um embate entre meio ambiente e economia.

Projetos colocados em prática com o lobo-guará mostram que é possível a convivência adequada entre preservação e agroindústria.

Conscientização e ações equilibradas fazem bem para as plantações, para o animal a para os negócios.

“O que a gente precisa e está buscando nos projetos é construir as pontes entre os diversos interesses, o econômico e o de conservação. É necessário mostrar para os setores de produção que não existem dois lados. Existe um lado só. Se eles trabalharem de forma sustentável na produção, eles vão ganhar e a fauna também”, explica o biólogo Rogério Cunha de Paula.

Ele pesquisa o lobo-guará há quase 25 anos e, por isso, um dos maiores conhecedores do animal na América Latina. Cunha atua como analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no Centro Nacional de Pesquisas para Conservação dos Predadores Naturais (Cenap).

Para ele, o desafio presente é fazer com que o setor econômico entenda a necessidade e seja parceiro. Um fato é que a velocidade da degradação do habitat é bem mais rápida do que a de recomposição da espécie.

“Com o tempo, ele vai desaparecer de vários lugares. Quando a gente fala da descaracterização do Cerrado, ambiente principal do animal, temos que é uma realidade muito preocupante. Mas não adianta falar apenas que o animal é importante e por isso não é possível converter áreas do bioma em plantações, sendo que sabemos que o forte do nosso PIB [Produto Interno Bruto] é a exportação de produtos agrícolas.”

Entre os projetos de conservação, está o Lobos da Canastra, que existe desde 2004, no Parque Nacional da Serra na Canastra, em Minas Gerais. Segundo Rogério Cunha, trata-se do espaço de Cerrado com a maior concentração de animais na América Latina (aproximadamente 200).

Ele explica que o local é apropriado para a conservação em vista das características nativas do lugar e por ser ocupada por pequenos produtores rurais, em diferentes atividades. “Quanto mais diversificado, melhor para o animal”. destaca.

O desafio é o de conscientizar esses empreendedores de que o lobo (que é onívoro, alimenta-se de tudo) poderia comer pequenos animais, como ratos e cobras, por exemplo, que causam doenças em outros animais das propriedades.

O Lobos da Canastra envolveu dez instituições lideradas pelo Instituto Pró-Carnívoros. No contexto da pesquisa com o lobo-guará, o projeto cuida de informar a comunidade e também motivar a discussão dos problemas e busca por soluções.

“Fazer parcerias é fundamental. Na Serra da Canastra, uma das maiores ameaças ao lobo era a caça. Isso porque os animais comiam as aves dos produtores e isso levava a serem caçados. A gente conseguiu acabar com essa prática mostrando para as pessoas que as galinhas poderiam ser presas no galinheiro. Mostramos para as pessoas que os lobos poderiam ser aliados porque comiam os ratos e as cobras. Convencemos os produtores, mas era necessário proteger as galinhas. Eles viram que isso poderia dar lucro. Incluindo atrativo turístico.”

Ele defende ainda a “conservação pelo encantamento”, ao associar os produtores aos animais. “É necessário olhar a vida que há em volta. Seja na Canastra ou em São Paulo, na região de São José do Rio Pardo, em área de plantação de cana, ou na Bahia, em região de soja e turística [próximo à cidade de Luis Eduardo Magalhães]. Os produtores rurais têm grande responsabilidade porque sabem o que pode ser feito na terra.”

Para Rogério Cunha, o cidadão comum deve ser informado e, com o tempo, a sociedade passou a ser mais conscientizada. “Há algum tempo, aparecia o lobo e os donos da terra davam tiro. Isso reitera a importância da visibilidade da nota de R$ 200”.

O biólogo criou, em 2012, ainda o selo Amigo do Lobo, para empresários que trabalhavam em prol da preservação do animal.

O presidente da Instituição Pró-Carnívoros, o biólogo Ricardo Pires Boulhosa, concorda que é necessário, sobretudo, estabelecer conexões com os produtores rurais para informar adequadamente sobre a importância do lobo-guará.

A organização não governamental atua no campo da pesquisa para conhecer mais sobre o animal desde 1996, com trabalhos pioneiros com o lobo, para ajudar a proteger o animal. Entre os argumentos utilizados é que o bicho, considerado resiliente, resistente e não agressivo, demonstra ser aliado para a produção. Uma das características mais conhecidas é o seu potencial de semeador.

“Como é onívoro, come de tudo, incluindo frutas, e anda grande distâncias, acaba defecando e contribuindo com a natureza ao espalhar as sementes por quilômetros. Dentro da sua dieta, a lobeira [fruta semelhante a um tomate] está entre as preferidas do lobo”. Ao todo, calcula-se que 73% dos lobos estejam no Brasil, principalmente no Cerrado. Pampas e Pantanal são outros biomas onde a espécie está mais ameaçada. “Já tivemos registros também na Mata Atlântica e até Amazônia descaracterizadas.”

Projetos de conservação da espécie ratificam monitoramento no habitat  –  Ricardo Boulhosa/IPC/AES/CENAP
O especialista explica que um dos projetos está em andamento no interior de São Paulo, nas proximidades da Bacia do Rio Pardo (SP), o Lobos do Pardo.”O local que estamos trabalhando hoje não é de unidade de conservação. Trata-se de uma área de mancha de Cerrado que está sofrendo alterações. Estamos vendo como o animal utiliza o canavial para caçar e se proteger. É o primeiro trabalho que é realizado em uma região assim, totalmente transformada, e podemos comparar com os lobos em unidades de conservação.”

O trabalho tem a parceria da AES Tietê, geradora de energia elétrica  interessada em conhecer o comportamento do lobo na região de quatro reservatórios. “Precisamos gerar dados para compreender a realidade onde ele está. É importante manter essas manchas de Cerrado para proteger. Ao conhecer, podemos trabalhar com o produtor rural para uma ação mais sustentável. Podemos desenvolver técnicas que minimizem a pressão sobre o animal”, afirma Ricardo Boulhosa.

O biólogo acrescenta que há também uma atenção internacional sobre como os países cuidam do meio ambiente, e essa imagem é um ativo nas exportações.

O projeto mantém lobos monitorados por um colar que captura informações por 24 horas. As informações chegam via GPS para o instituto. Todas as movimentações são observadas para entender o uso do ambiente. “Aqui nós temos uma plantação de cana em que há produção durante a madrugada. Estamos olhando se isso interfere na saúde do animal.” A ideia é que, com essas informações, os proprietários sejam sensibilizados para que a colheita, por exemplo, seja mais gradual. As informações são utilizadas para colaborar com as políticas públicas e também educação ambiental das comunidades. Identificamos na área pelo menos 22 lobos”.

Persuasão

Os especialistas consideram que a escolha do animal para ilustrar a nota de R$ 200 é positiva para promover mais discussões e visibilidade. Para o professor de ecologia Eduardo Bessa, da Universidade de Brasília (UnB), esse simbolismo pode promover mais conhecimento. Até porque o lobo-guará tem aparecido com frequência em áreas urbanas e também é vítima de atropelamentos com a expansão da malha rodoviária.

“Temos uma estimativa de 17 mil indivíduos. Mesmo estando a maior parte no Brasil, há também na Argentina, Paraguai e Uruguai. É um bicho tímido que come de tudo, inclusive cupim. Mas esse nome de lobo não tem relação com animais que levam esse nome em outros países. Ele é tranquilo. Mas os atropelamentos e as caças ainda ameaçam muito a sua existência principalmente nos Pampas e no Cerrado.”

O professor defende que a demarcação de áreas é fundamental para formar corredores de forma que ele possa migrar de uma região para outra. “Fiscalizar as reservas legais é muito importante e conscientizar os fazendeiros para manter os espaços de passagem”, afirma o professor.

A escola é espaço fundamental para aumentar o conhecimento sobre a biodiversidade do Cerrado. O professor de biologia Saulo Mandel, de ensino secundarista, em Brasília, testemunha que alunos comentam mais sobre animais de fora do país do que da própria região.

“Por isso é positivo que a nota tenha a imagem de um animal brasileiro. O caminho de invasão de habitat e os conflitos entre homem e meio ambiente são as causas dessas perdas. No Cerrado, temos monoculturas e é necessário que os problemas sejam sanados. Entendo que essa geração atual pode ser influenciada para se conscientizar.”

Entre os estudantes, o terreno é fértil desde que sejam provocados. “Mas podemos insistir mais nesse tema. O nosso papel de professor é muito desafiador também por causa disso. E devemos trazer situações do cotidiano para sala de aula.”

O biólogo Mateus Sousa, do Zoológico de Brasília, avalia que os seis lobos-guará que estão no local estão entre os preferidos entre os visitantes. “São animais que foram resgatados de situações como queimadas ou que estavam sob risco.

Além disso, o zoológico faz o papel de backup porque, se faltar na natureza, eles podem ajudar a repovoar alguma região. Sem dúvida, aqui no Centro-Oeste, os casos de atropelamentos são ameaças à espécie. Cada vez que alguém visita nossa reserva fica mais consciente do que ocorre.” O biólogo explica que, nas visitas, é enfatizado o quanto o lobo é importante na cadeia alimentar e na proteção das plantações.

Cuidar do lobo gera benefícios para as plantações e estimula também o ecoturismo. Um projeto coordenado pela ONG Onçafari, há nove anos, atua pela sensibilização e conservação também dessa espécie.

“A atividade faz com que empregos sejam gerados por causa da proteção ao lobo. As pessoas passam a entender que a preservação faz muito bem para todos os lados da história. O que eu gosto do ecoturismo é que as pessoas entendem que vale muito para a economia da região. A família descobre que pode ter emprego mais qualificado. Temos histórias em que a renda aumentou muito”. afirma o presidente da entidade, Mário Haberfeld, ex-piloto de automobilismo e apaixonado pela proteção da vida selvagem.

O projeto monitora atualmente dois lobos com colares: Nhorinhá e Diadorim, ambos personagens de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e fornece informações para educação ambiental e produtos culturais, conscientizando de crianças a produtores rurais.

A iniciativa bem-sucedida de ecoturismo ocorre em uma parceria com uma pousada (Trijunção), em área de Cerrado na Bahia, próximo à divisa com Goiás e Minas Gerais.

“Nossos guias são zootecnistas, ornitólogos, engenheiros florestais, agrônomos, veterinários e são eles que contam as histórias do Cerrado, de sua flora e fauna.

O lobo-guará é um dos personagens importantes da vida animal no Cerrado, a atividade de avistamento é feita com os guias do Projeto Onçafari que está estudando conosco o comportamento desse animal, importante e que precisa ser conservado no seu habitat”, afirma a gerente da pousada, Jane Assis.

Para os produtores rurais ou para as crianças de uma comunidade, o desafio é espalhar as sementes de uma lição de biologia simples: esse lobo não é nada mau.

( Da Agência Brasil/Edição: Beatriz Arcoverde / Valéria Aguiar)

Duas aves ameaçadas de extinção são vistas no Paraná

A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) comunicou novos registros de duas espécies de aves: o gavião-pombo-pequeno (Amadonastur Iacernulatus), ameaçado de extinção, e o pica-pau-rei (Campephilus robustus). Ambas estão na área de reservas naturais mantidas pela SPVS em Antonina (PR).

Quem fotografou as aves foi o técnico do Programa Desmatamento Evitado, desenvolvido pela SPVS, Romulo Cícero Silva.

Na foto, a fêmea de pica-pau-rei está tamborilando. “Tamborilar” é uma forma de comunicação que consiste em dar batidas curtas com o bico no tronco da árvore. Pode ser usado como comunicação com outros indivíduos da mesma espécie e também para a marcação de território.

O habitat natural do pica-pau-rei vai da Bahia e Goiás  ao Rio Grande do Sul, nas áreas do bioma Mata Atlântica. Chega a medir 36 centímetros de comprimento, considerado como o maior pica-pau brasileiro.

Gavião-pompo-pequeno

O gavião-pombo-pequeno é uma ave mundialmente ameaçada de extinção, de porte médio e habita regiões da Mata Atlântica, do sul da Bahia a Santa Catarina.

Para o técnico Romulo Silva foi uma surpresa. ‘‘É uma ave difícil de ser avistada em pouso’’, diz. “Áreas naturais conservadas propiciam a sobrevivência de espécies raras e ameaçadas de extinção. Mas também é necessário eliminar outros fatores de pressão que atingem as áreas conservadas, como a caça’’, afirma Silva .

Mata Atlântica perdeu 14,5 mil hectares no primeiro ano do governo Bolsonaro

Depois de longo período de redução, o desmatamento em áreas da Mata Atlântica voltou a crescer no último ano, refletindo a orientação do governo Bolsonaro, enunciada já na campanha eleitoral, de relaxar as políticas de contenção.

Relatório divulgado nesta quarta-feira, 27, mostra que o desmatamento aumentou 27% entre 2018 e 2019.

O relatório é da Fundação SOS Mata Atlântica com base em informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nesta quarta-feira (27).

Foram 14.502 hectares de mata derrubados entre 1º de outubro de 2018 e 30 de setembro de 2019. No mesmo período, entre 2017 e 2018, foram desmatados 11.399 hectares. Os números vinham caindo desde 2016.

Desmatamento cresce depois de longo período em quedaMinas Gerais foi o Estado que mais desmatou, com 4.972 hectares destruídos, seguido da Bahia, com 3.532; depois vêm Paraná (2.767) e Piauí (1.558). Os estados também ocupavam os primeiros postos no ano passado.

Fonte: SOS Mata Atlântica

Já Alagoas e Rio Grande do Norte conseguiram zerar o desmatamento, conforme os parâmetros da ONG. (O “Atlas da Mata Atlântica” consegue mapear desmatamentos acima de 3 hectares, o equivalente a 30 mil m²).

Mario Mantovani, geógrafo e diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, explicou que os estados com os piores índices já eram, historicamente, aqueles onde o desmatamento criminoso era mais comum.

“Em Minas Gerais, é a queima de árvores para carvão vegetal. Na Bahia, é a soja. No Paraná, há a pressão dos grandes agricultores em relação aos pequenos”, segundo o geógrafo.

Ele credita a continuidade da situação à eleição do presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2018.

Ainda na época da campanha, Bolsonaro afirmou, entre outras declarações, que “não aceitava” as multas ambientais. “Ele sinalizou um vale-tudo. E esse pessoal [que já desmatava antes] se sentiu inspirado”, avalia Mantovani.

“E, agora, o despacho do ministro [Ricardo Salles] comprovou: o que ele falava na campanha lá atrás, o ministro não entrou para cuidar do meio ambiente do Brasil. Ele entrou com o plano de acabar com o meio ambiente. Esse Atlas já sinalizou que a situação é ruim”, afirma Mantovani.

O despacho, emitido pelo Ministério do Meio Ambiente em abril, recomendou a órgãos ambientais do país que não levassem em consideração a Lei da Mata Atlântica, de 2006, e aplicassem no lugar dela o Código Florestal.

O Ministério Público Federal disse ao Ibama para descumprir o documento do governo, considerando que ele fere a lei de proteção do bioma.

Com a pandemia, Mantovani acredita que o próximo relatório da ONG também não será favorável. “A prova maior foi a autodenúncia do ministro [Salles] naquela reunião”, afirma.

Na reunião com outros ministros e o próprio presidente, no dia 22 de abril, Ricardo Salles defendeu “passar a boiada” e “mudar” regras de proteção ambiental enquanto a atenção da imprensa está concentrada na cobertura da Covid-19 (veja vídeo).

A Mata Atlântica é o bioma brasileiro mais desmatado, segundo a SOS Mata Atlântica: apenas 12,4% da área de floresta original ainda sobrevive – cerca de 16,3 milhões de hectares.

Do ponto de vista da conservação de biodiversidade, explica Mario Mantovani, um percentual abaixo de 20% já coloca as espécies ali praticamente em extinção.

E, se o bioma se extinguir por completo, pode haver consequências como falta de água nas cidades, assoreamento de rios e piora na qualidade do ar.

Para tentar reforçar a proteção do bioma é que foi aprovada a Lei da Mata Atlântica, em 2006, explica explica Pedro Avzaradel, professor adjunto de direito ambiental da Universidade Federal Fluminense em Volta Redonda (RJ).

O texto acrescentou à lei de crimes ambientais brasileira, de 1998, o artigo sobre crimes contra o bioma da Mata Atlântica, com pena de até 3 anos de detenção. Mas a aplicação é complexa.

“Pelo fato de a pena ser de detenção menor que 4 anos, muitas vezes essas são substituídas por outra coisa – penas restritivas de direitos, como o pagamento de uma determinada quantia”, explica Avzaradel.

Ele acrescenta que há uma série de dificuldades em processos penais ambientais, inclusive do ponto de vista técnico. “Por exemplo: quando você analisa um furto, um roubo, vai pegar uma pessoa, ou um grupo de pessoas que atuam juntas. Os crimes ambientais, muitas vezes, estão sendo praticados por corporações enormes – uma cadeia enorme de pessoas, que às vezes nem se conhecem”, lembra Avzaradel.

Relatório inédito mostra que 99% do desmatamento feito no Brasil em 2019 foi ilegal

No caso da aplicação de multas ainda há a diferença entre as multas administrativas (aplicadas, por exemplo, pelo Ibama) e as que são determinadas por um juiz. “A multa aplicada pelo Poder Judiciário é a que decorre de um crime. E o critério não é o mesmo [da multa administrativa]”, explica.

A maior parte da Mata Atlântica do Brasil está em Minas Gerais, que tem 17% do bioma (cerca de 2,8 milhões de hectares).

Em seguida vêm São Paulo e Paraná (com cerca de 2,3 milhões cada), Santa Catarina (2,2 milhões), Bahia (2 milhões) e Rio Grande do Sul, com 1 milhão de hectares.

A Mata Atlântica se estende por 11 Estados brasileiros: Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Atividades do Museu de Ciências, Jardim Botânico e Zoológico estão mantidas, garante titular da SEMA

Por Cleber Dioni Tentardini

A Fundação Zoobotânica foi extinta na semana passada, mas o Museu de Ciências Naturais (MCN), o Jardim Botânico de Porto Alegre (JB) e o Parque Zoológico mantêm suas atividades funcionando normalmente, levando em conta as restrições sanitárias neste momento de pandemia.

A garantia é do secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), Artur Lemos Júnior. Ele informou através de sua assessoria que não há prejuízos ou descontinuidade de pesquisas, concentradas agora no Departamento de Biodiversidade da Secretaria.

Artur Lemos/Foto:Tiago Trindade/SEMA

Lemos, no entanto, não quis comentar sobre a ação que o governo do Estado mantém na Justiça do Trabalho com o intuito de demitir os servidores das três instituições que permaneceram vinculadas à Zoobotânica por mais de quatro décadas.

Fontes da SEMA asseguram que o governo já decidiu manter a lei que autoriza a demissão dos funcionários.

Para o cientista e professor Ludwig Buckup, representa uma ameaça ao patrimônio ambiental do Estado na medida em que inviabiliza a manutenção das coleções científicas e das pesquisas.

“A extinção da Fundação e o desmonte de uma estrutura de conservação da biodiversidade rio-grandense não ameaçam apenas esses acervos de valor incalculável. Fica incerto também o futuro das pesquisas, muitas delas contavam com apoio de entidades do Brasil e do exterior”, diz Buckup.

O Museu de Ciências Naturais, aberto em 1955, e o Jardim Botânico, em 1959, detêm o maior acervo de material-testemu­nho da biodiversidade dos ecossiste­mas terrestres e aquáticos do Estado. As coleções do MCN e do JB somam mais de 600 mil exemplares da fauna e flora nativas.

Biólogo Patrick fala dos anfíbios a alunos em evento de educação ambiental/Mariano Pairet

O Jardim Botânico possui 29 coleções científicas que somam mais de 4.300 plantas, incluindo espécies raras, ameaçadas de extinção e endêmicas – encontradas apenas no RS. É um dos cinco melhores e maiores do Brasil, e serve de modelo para criação de outros JBs por sua organização e conservação da flora riograndense.

Área de preservação está reduzida a 36 hectares. Foto: Cleber Dioni Tentardini

O Zoológico, que completou 58 anos , tem sob seus cuidados 900 animais nativos e exóticos de 115 espécies de todos os continentes, com exceção da Antártida.

AÇÃO PARA DEMITIR SERVIDORES AGUARDA PARECER DO STF

Uma série de ações judiciais nas esferas cível e trabalhista está em andamento desde o início de 2017, logo após a aprovação do projeto que autorizou a extinção das fundações e demissão de seus funcionários.

A Frente Jurídica de Defesa das Fundações Estaduais reivindica a manutenção das fundações, o direito à estabilidade dos servidores públicos dessas instituições ou à necessidade de negociação prévia com os trabalhadores antes de demiti-los. É formada pelos sindicatos dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS), dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi), dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Sindradialistas) e dos Jornalistas (Sindjors).

Juíza Valdete Severo/Reprodução

No dia 5 de janeiro de 2017, a juíza Valdete Souto Severo, titular da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, acolheu os pedidos de antecipação de tutela (liminar) feitos pelos advogados dos servidores para impedir o governo de demitir sem prévia negociação coletiva.

São seis processos, que envolvem a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), Fundação Zoobotânica (FZB), Fundação de Economia e Estatística (FEE), Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec) e Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan). Todos estão com andamento suspenso.

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) entrou com mandados de segurança para cassar as liminares concedidas pela magistrada, mas os pedidos foram indeferidos no segundo grau, pelos magistrados da 1ª Seção de Dissídios Individuais do (TRT-RS).

As decisões foram publicadas nos dias 9 e 10 de janeiro de 2017. O desembargador Marcelo D´Ambroso, responsável pelas decisões relacionadas à FZB e à Metroplan, disse que a extinção desses órgãos não justifica a dispensa da negociação coletiva e lembrou que os servidores poderiam, inclusive, ser alocados em outros setores da Administração Pública. O magistrado ressaltou as graves consequências das demissões em massa, que ocorrem quando todas partem de uma mesma justificativa e não levam em consideração as questões específicas de cada caso.

“O enfrentamento do tema, necessariamente, perpassa pelo forte impacto social que o mesmo irradia, não podendo, sob tal ótica, merecer tratamento idêntico às dispensas individuais”, analisou.

A desembargadora Tânia Reckziegel, ao decidir sobre as ações da Cientec e da FDRH, considerou bem fundamentada a determinação da juíza Valdete Severo de proibir as demissões em massa sem prévia negociação coletiva nas fundações. A magistrada afirmou que os documentos apresentados e as notícias amplamente divulgadas pelos meios de comunicação demonstram a urgência da medida.

“A demora na entrega da prestação jurisdicional poderia acarretar prejuízos irreparáveis aos trabalhadores”, declarou.

O juiz convocado Luis Carlos Gastal, por sua vez, ao analisar a ação da FEE, também concluiu que a autorização do Legislativo para a extinção dos órgãos não desobriga as Fundações à negociação coletiva com os empregados. O magistrado reiterou que a intenção das demissões em massa já está demonstrada e também alertou que todo empreendimento possui uma função social.

“A decisão não veda o intento de extinção e consequente rescisão dos respectivos contratos de trabalho, apenas determina a prévia negociação coletiva a fim de reduzir o impacto das dispensas”, afirmou.

Diante dessas decisões, Governo e Frente Jurídica realizaram audiências com mediação do desembargador do TRT João Pedro Silvestrin, mas não houve avanços significativos, até que ambas as partes aceitaram suspender as negociações, e o governo comprometeu-se a não demitir enquanto não houvesse o julgamento definitivo (trânsito em julgado). As ações encontram-se, atualmente, na 18ª. Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região.

Audiência teve mediação do desembargador do TRT. Foto: Inácio do Canto/Secom/TRT-RS

Concomitante aos processos no TRT, a PGE havia ingressado com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), no Supremo Tribunal Federal, que é um pedido de medida cautelar para suspender as decisões judiciais favoráveis à negociação coletiva prévia e, assim, demitir os servidores. O ministro do STF Gilmar Mendes acolheu o pedido da Procuradoria.

Ao mesmo tempo, Semapi e Senge recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a liminar do ministro Gilmar Mendes. Argumentaram que as decisões liminares da Justiça do Trabalho não contrariam a decisão do ministro Gilmar Mendes. “As ações que foram agora ajuizadas pelos Sindicatos dos trabalhadores discutem exatamente quem são os funcionários estáveis que não poderão, então, ser demitidos. Frise-se que foi o próprio Estado quem autolimitou-se na lei 14982 e vedou a demissão de funcionários estáveis e as decisões da Justiça do Trabalho apenas aplicaram a pacífica jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho na matéria.”

Nesse ínterim, a PGE fez um pedido de aditamento ao processo, para que o ministro desconsiderasse a estabilidade dos servidores públicos. Mendes, resolveu, então, submeter a decisão ao plenário do Supremo.

“O processo passa pela Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da República, depois vai para as mãos do presidente do STF, e só ele pode pautar esse processo”, explicou o advogado Délcio Caye, representante do Semapi na Frente Jurídica.

Outro processo tramita no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). O julgamento da ação iniciou em 6 de setembro de 2017 e o primeiro voto, do relator, o conselheiro Cezar Miola, foi favorável ao pleito do procurador Da Camino que defendeu a manutenção dos servidores.

Conselheiro Cezar Miola. Foto: Divulgação TCE

Miola havia solicitado “a instauração de uma auditoria operacional junto à Secretaria Estadual de Planejamento, para acompanhar as medidas voltadas ao cumprimento dos contratos em andamento firmados pelas instituições e à manutenção de serviços públicos essenciais bem como a abstenção, em sede de medida cautelar, de qualquer ato de demissão de pessoal e de desmobilização das estruturas administrativas e operacionais”.

Em 25 de outubro de 2017, os conselheiros do TCE decidiram, por quatro votos a dois, que o processo sobre a extinção das fundações estaduais não terá uma definição de mérito no órgão até o julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul está oficialmente extinta

Cleber Dioni Tentardini

A Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, uma das instituições de pesquisa em meio ambiente mais respeitadas do Brasil, foi oficialmente extinta na manhã desta sexta-feira pela Receita Federal. O órgão deu baixa no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – nº 87.912.929/0001-75, registrado há 46 anos, em 16 de maio de 1974.

A data de criação da FZB, no entanto, é anterior.  A Lei Estadual 6.497, de 20 de dezembro de 1972, incorporou à Fundação o Museu de Ciências Naturais, o Jardim Botânico de Porto Alegre e o Parque Zoológico.

De acordo com Ubiratan Azambuja, ex-agente administrativo da FZB, atualmente na SEMA, e um dos diretores do Semapi Sindicato, não existia qualquer impedimento legal para a Receita fechar a fundação, pois o governo do Estado tomou todas as medidas contábeis necessárias.

 

“Após o balanço financeiro, de contabilidade e certidão em cartório de negativas, foi aberto processo na Receita Federal para dar baixa do CNPJ. Era questão de tempo”, explicou Azambuja.

Desde o dia 17 de outubro de 2018, os 151 servidores da Zoobotânica integram um “Quadro Especial” vinculado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), portaria assinada pela então secretária Ana Maria Pellini, que encaminhou o fechamento da instituição.

O dirigente do Semapi diz que a transferência dos trabalhadores para um quadro especial da SEMA, se por um lado manteve os direitos trabalhistas previstos pela CLT – a manutenção dos planos de cargos e salários de cada instituição -, por outro, retirou destes trabalhadores os direitos previstos nos acordos coletivos da categoria. “Não só direitos financeiros mas também sociais”.

Azambuja lembra que o processo judicial que diz respeito à estabilidade dos servidores da FZB está no Supremo Tribunal Federal (STF), aguardando julgamento, mas sem data prevista  para ocorrer. “Foi assinado um acordo entre governo e trabalhadores, mediado pelo sindicato, onde os trabalhadores só poderão ser desligados em caso de decisão desfavorável depois de transitado em julgado, ou seja, só depois de encerrado todos os recursos possíveis”, completa.

O jornal JÁ tentou contato com o secretário da SEMA, Artur Lemos Júnior, mas não obteve retorno.

Conservação do meio ambiente

O biólogo Jan Karel, até então presidente da Associação dos Funcionários da FZB, destaca os prejuízos para o Estado frente ao desmonte de uma estrutura de conservação do meio ambiente, fundamental para a pesquisa científica e a conservação da biodiversidade rio-grandense.

Karel observa que algumas questões relativas à atuação junto à SEMA não foram totalmente esclarecidas. A participação de técnicos da FZB em alguns grupos de trabalho (mineração do Jacuí e do Guaíba, por exemplo), afirma ele, se deu somente porque houve recomendação judicial. Em outros casos nossa participação junto à Secretaria parte de iniciativas individuais de colegas de outras divisões do Departamento de Biodiversidade, o DBIO.

“E, permanece a dúvida e grande preocupação no caso de sermos demitidos de como muitas coisas seguirão. Às vezes, somos excluídos de atribuições de coordenação porque estamos em um quadro e divisão provisórios, que se pretende extinguir. A FZB tinha enorme importância para a formulação e a execução de políticas públicas em várias áreas”, ressalta Karel.

Pesquisador Leandro Dal Ri no Banco de Sementes do Jardim Botânico. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Entre os serviços prestados pela instituição que podem ser extintos estão a extração de veneno para a produção do soro antiofídico, laudos paleontológicos, manutenção do banco de sementes da flora do estado, biomonitoramento da qualidade do ar, elaboração da lista de espécies ameaçadas de extinção e a execução da política estadual de educação ambiental.

O fato inexplicável pelo governo, segundo o biólogo, é que a extinção da Zoobotânica não gerou qualquer economia para o Estado. Dados disponibilizados pelo Semapi apontam que a nova formatação jurídica, com vinculação à administração direta, impede ao órgão a captação de recursos externos. Com a Fundação, o custeio era pago com recursos próprios. Hoje, precisa ser bancada pelo Tesouro.

“Além disso, o fim do estatuto de fundação, extingui, também, a possibilidade de captação de recursos externos, oriundos de instituições financiadoras de projetos ambientais e proteção à flora e à fauna. Conforme dados do Semapi, entre 2011 e 2016, houve a captação de R$ 3 milhões em projetos de pesquisa, além da contribuição decisiva da Fundação na captação de R$ 884 milhões em dois grandes projetos internacionais, o do Pró-Guaíba e o Projeto de Conservação da Mata Atlântica. As bolsas de Iniciação Científica estavam sendo disponibilizadas para a FZB. O curso de pós-graduação em parceria com a UERGS está acertado, atividades que dependerão agora de questões jurídicas junto à SEMA”, afirma.

Karel destaca que os servidores da Fundação, no quadro especial da SEMA, estão impossibilitados de realizar serviços e consultorias ao próprio Estado, com vantagens financeiras para os cofres públicos. Os pesquisadores atuavam, por exemplo, nos Zoneamentos da Silvicultura e Parques Eólico, cujos dados subsidiaram fortemente o Zoneamento Ecológico Econômico do RS.

“Para se ter uma ideia, o custo da FZB para elaborar e manter atualizado a lista de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção, uma obrigação legal do Estado, era de R$ 150 mil, enquanto o mesmo serviço é realizado pela iniciativa privada com um custo de R$ 4,6 milhões. O custo da FZB, neste caso, é 97% menor”, explica.

“A atual gestão da SEMA desencoraja ações e projetos do Museu e do Jardim Botânico, não definiu claramente o que espera da Divisão de Projetos e Manutenção de Coleções Científicas e não envolve essa Divisão em ações estratégicas, reforçando a ideia de que trabalham com a hipótese de poderem demitir os funcionários e se desfazerem da estrutura e terceirizar parte do patrimônio no futuro”, conclui o biólogo.

Plano de extinguir FZB foi omitido da campanha de Sartori

Desde que assumiu o Palácio Piratini, em janeiro de de 2015, o governador José Ivo Sartori tomou uma série de medidas referentes à Secretaria do Meio Ambiente que levou os servidores da Fundação Zoobotânica a acreditar que a ideia de extinguir a FZB começou a ser formatada ainda em 2014, durante a campanha eleitoral. Nunca tornado público, no entanto.

Abraço simbólico na Fundação ocorrido em 11 de agosto de 2015. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A primeira medida ocorreu no dia da posse do novo governo, em 1º de janeiro de 2015, quando é publicada Lei nº14.672 que altera a Lei nº 13.601 de 1º de janeiro de 2011, que dispõe sobre a estrutura administrativa do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul. Na Seção XV, o nome da SEMA é modificado para Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e não inclui as suas vinculadas: FEPAM e FZB.

No dia dia seguinte, é publicado Decreto Estadual nº52.230, que adota medidas de contenção no âmbito da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Estado. Neste Decreto, entre outras medidas estão a proibição de contratação de terceirizados, prejudicando o serviço de segurança no Jardim Botânico e Parque Zoológico.

No dia 23 janeiro de 2015, uma das primeiras ações da secretária da SEMA, Ana Pellini, foi integrar os setores jurídicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), da Fundação de Zoobotânica do Rio Grande do Sul e da própria secretaria – atendendo a uma orientação do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que, numa reunião com a titular da pasta, sugeriu a “padronização e integração de setores importantes da Pasta e da Fepam”. Além disso, a secretaria passa a ter um membro da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Andrea Flores Vieira, para encaminhar as demandas jurídicas.

E seguiram-se outras ações até resultar no Projeto de Lei nº 300 /2015, tornado público no dia 6 de agosto de 2015, que envolvia a extinção de apenas quatro instituições, incluindo a FZB, e a rescisão de todos os contratos de trabalho dos empregados e dos contratos emergenciais ainda vigentes.

Aquele PL foi retirado da Assembleia Legislativa e substituído mais tarde pelo Projeto de Lei do Executivo 246, que teve aprovação pelo Parlamento gaúcho em 21 de dezembro de 2016, determinando a extinção da Zoobotânica e de outras sete instituições como a FEE. Foi sancionado pelo governador Sartori em janeiro de 2017.

Votação terminou na madrugada do dia 21 de dezembro de 2016. Foto: Juarez Junior/Agência ALRS

Outros fatos nesse ano de 2015 indicavam intenção do governo em propor a extinção:

28 janeiro de 2015 – “Grupo estuda extinção de fundações, sociedades de economia mista e autarquias do Estado – Desgaste político, eventuais passivos trabalhistas e até necessidade de plebiscito podem dificultar iniciativa”.

05 fevereiro de 2015–A Comunicação Social também foi centralizada no prédio da SEMA.A transferência do funcionário não foi oficializada em nenhum documento. O Diretor Administrativo também é apenas um para as três Instituições (SEMA, FZB e FEPAM) e fica centralizado no prédio da SEMA.

31 março de 2015 – A possível concessão do Zoológico foi noticiada na mídia, sem que os técnicos fossem consultados ou informados. Declarações do vice-governador José Cairoli, dão conta de que já existe uma empresa interessada em assumir a unidade, “que gera prejuízos que têm de estancar”.

3 de junho de 2015 –  Publicado Decreto Estadual nº 52.388 que institui o Programa de Reorganização, Aperfeiçoamento e Promoção da Eficiência da Administração Pública Estadual (PRAE). No Conselho Gestor do PRAE é presidido pelo Secretário-Geral de Governo e integrado pelos titulares dos seguintes órgãos: Casa Civil; Secretaria da Fazenda; Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento Regional; Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia; Secretaria da Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos e Procuradoria Geral do Estado. No artigo 2º entre os objetivos do PRAE destaca-se “…a extinção ou a reorganização, sob as formas admitidas em lei, de órgãos e de entidades do Estado cujas atividades estejam sendo exercidas de modo concorrente, ou que possam, por sua natureza, ser incorporadas por outras já existentes…”

06 de julho de 2015–Somente nesta data foram nomeados os Diretores do Museu de Ciências Naturais e do Parque Zoológico. Portaria nº 2932/2015.

07 de julho de 2015 – Foi revogada Portaria nº 2932/2015, da nomeação do Diretor do Museu de Ciências Naturais. DOU, 09/07/2015.

PATRIMÔNIO AMEAÇADO

As origens da Fundação Zoobotânica remontam aos primeiros tempos das ciências naturais no Rio Grande do Sul e estão ligadas a um dos maiores nomes da pesquisa científica no Estado, o padre jesuíta gaú­cho Balduíno Rambo.

Padre Balduino Rambo

Foi ele o primeiro titular da Diretoria de Ciências, criada em 1955, onde deu início ao Museu de Ciências Naturais, reunindo algumas coleções particulares.

Em entrevista ao jornal JÁ, em 9 de março de 2017 , o cientista e professor Ludwig Buckup, um dos idealizadores do então Museu Rio-grandense de Ciências Naturais, a partir de 1955, ao lado de Rambo e do professor Thales de Lema, lembrou o início das coleções científicas.

“Tudo isso nasceu por iniciativa de um dos mais ilustres políticos do Rio Grande, que se chamava José Mariano de Freitas Beck. Ele foi secretário de Educação e Cultura do governo do general Ernesto Dornelles. Mas de Cultura só havia o Museu Julio de Castilhos. Então ele criou a Divisão de Cultura e três subdiretorias, e nomeou para a diretoria de Ciências o padre jesuíta Balduíno Rambo. A Divisão de Cultura começou num prédio na Praça Dom Feliciano onde funcionava o V Comar (da Aeronáutica). Eu, recém-formado, fui um dos auxiliares do padre Rambo. Então sugeri a ele que criasse um museu para reunirmos acervo biológico a fim de fazer pesquisas. Esboçamos um projeto bem simples, foi aprovado pelo secretario Mariano Beck e mandamos para a Assembleia, que em uma semana aprovou por unanimidade, graças à liderança do deputado Siegfried Heuser, um político excepcional. Criado o Museu Riograndense de Ciências Naturais, saímos a campo para coletar material. Fui falar com o historiador Dante de Laytano para recolher o material zoológico do Museu Julio de Castilhos. Ele nos cedeu uma coleção famosa de borboletas, uma série grande de obras sobre ciências e assim por diante. Fundamos uma revista chamada Iheríngia, em homenagem ao naturalista Hermann von Ihering. Em cinco anos era considerado o terceiro melhor Museu de Ciências Naturais do Brasil.”

Buckup em visita ao MCN, na companhia de pesquisadores. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Foi ainda o padre Rambo quem escolheu a área para implantar o Jardim Botânico de Porto Alegre, atualmente, um dos três maiores do Brasil.

“No final da década de 50, a convite do padre Balduíno Rambo, fui acompanhado do então secretário de Obras, João Caruso, olhar aquela área destinada ao Jardim Botânico. Estendia-se da avenida Ipiranga à atual Salvador França, e no outro lado, a Cristiano Fischer. Eram, no início, mais de 80 hectares, agora, reduzidos a 36 hectares, resultado de sucessivas doações e ocupações.”

Hoje, o Museu e o Jardim Botânico detêm o maior acervo de material-testemu­nho da biodiversidade dos ecossiste­mas terrestres e aquáticos do Estado. Há exemplares também de outros esta­dos e países, a maioria doada.

O Parque Zoológico, a terceira insti­tuição vinculada à FZB, completou 58 anos em 1º de maio de 2020, tendo sob seus cuidados 900 animais nativos e exóticos de 115 espécies de todos os continentes, com exceção da Antártida.

“A extinção da Fundação e o desmonte de uma estrutura de conservação da biodiversidade rio-grandense não ameaçam apenas esses acervos de valor incalculável. Fica incerto também o futuro das pesquisas, muitas delas contavam com apoio de entidades do Brasil e do exterior.”

 

Harpias de Itaipu vão ganhar lar em zoológico da França

Depois de se consolidar como o maior programa de reprodução de
harpias (Harpia harpyja) em cativeiro do mundo, o Refúgio Biológico Bela
Vista, da Itaipu Binacional, alçou hoje novos voos em relação à espécie.

Na manhã desta segunda-feira (11), um casal de harpias, ave que está em extinção e é símbolo do Paraná, começou uma viagem inédita rumo ao seu novo lar: o ZooParc Beauval, maior zoológico da França.

Até a nova casa serão mais de 10 mil quilômetros, entre avião e viagem terrestre.

O envio a uma instituição internacional se deve à reprodução continuada da espécie, mantida e iniciada pela usina de Itaipu há 20 anos.

A empresa é reconhecida internacionalmente pelo sucesso na reprodução de harpias. Recentemente, registrou o nascimento do filhote de número 50 em cativeiro.

O resultado desse trabalho permitiu a reprodução de duas gerações de harpias. Segundo normas internacionais, somente a segunda geração pode ser exportada – o que posiciona a Itaipu como a única instituição do mundo, na atualidade, com disponibilidade de envio de harpias para outros países.

A exportação consolidará o trabalho de conservação exercido pela empresa nas últimas décadas. Para o diretor de Coordenação, Luiz Felipe Carbonell, que acompanhou o acondicionamento das aves nas caixas de transporte, nesta manhã, a exportação “mostra a materialização de todo o trabalho desenvolvido em nome da preservação das espécies, desde a criação da usina”. E reforça: “Um trabalho desempenhado com muita dedicação e excelência pelos técnicos e tratadores”.

O programa de cooperação internacional de harpias prevê a transferências de animais entre instituições como zoológicos e criadouros, para manutenção da viabilidade de genética dos planteis, aprimorando a conservação em cativeiro e permitindo que no futuro existam espécies em quantidade suficiente e saudáveis para possíveis projetos de reintrodução em natureza.

Levantando voo

As harpias devem chegar ao novo lar na tarde de quarta-feira (13), mas a preparação para o embarque já começou há um bom tempo. “São várias etapas que tivemos que percorrer. São necessários certificados internacionais, autorização de órgãos como o Ibama, documentos de vacinação e atestado sanitário”, explicou o biólogo da Divisão de Áreas Protegidas da Itaipu, Marcos de Oliveira, especialista no manejo de aves de rapina.

Também foram confeccionadas caixas especiais para o transporte, de acordo com padrões internacionais. As caixas de madeira, com medidas de 70cm x 60cm x 70cm, têm forro de grama sintética no chão e um tapete higiênico, “janelas” para visualização e recipientes para água e comida. No caso das harpias, porém, não será fornecida alimentação. “Esses animais têm uma boa reserva de energia e podem passar vários dias sem se alimentar”, explicou Marcos.

Depois de acondicionados nas caixas, os animais seguem até o Porto Seco para realizar os trâmites aduaneiros junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária e à Receita Federal. Na sequência, são levados de carro até São Paulo, aos cuidados da HS Consultoria Ambiental, empresa especializada no transporte de animais silvestres.

Na manhã do dia 12, as aves serão levadas ao aeroporto de Guarulhos. O voo da Air France para Paris está previsto para as 18h55. A chegada será no dia 13, às 11h15min (horário local – 7h15 no horário de Brasília). Dali, as aves vão para o novo lar, em uma viagem via terrestre que deve levar cerca de duas horas.

Todos os custos relacionados ao transporte das aves foram pagos pelo ZooParc Beauval, com apoio do Projeto Harpia, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Parque Zoológico completa 58 anos com futuro incerto

Cleber Dioni Tentardini

O Parque Zoológico, em Sapucaia do Sul, completa 58 anos nesta sexta-feira, 1º de maio, no Dia do Trabalhador.

Ele está fechado para visitação desde o dia 17 de março, devido à pandemia.

Os 106 funcionários – metade terceirizados – estão trabalhando em dias intercalados para manter os cerca de 160 hectares e cuidar dos 900 animais de 115 espécies de todos os continentes, com exceção da Antártida.

Casal de rinocerontes brancos vive há muitos anos no Zoo. Foto: Eduardo Polanczyk da Silva

O Zoo é administrado pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado (SEMA), por meio do Departamento de Biodiversidade, e desde quando o governo Sartori extinguiu a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul – que ainda não aconteceu formalmente – se planeja repassar a gestão do parque para a iniciativa privada.

O governo estadual lançou em junho de 2018 consulta pública e depois  publicou um edital de concessão para analisar propostas de empresas interessadas em administrar o parque por 30 anos, com um investimento mínimo de R$ 59 milhões, mas não apareceram interessados.

Os estudos estão sendo revisados para aumentar a sua viabilidade econômica e financeira, de acordo com a SEMA. O segundo edital ainda não foi lançado.

“A revisão dos estudos resultará em novo edital de licitação com modificações em relação ao anterior, mas sem abrir mão dos investimentos necessários para melhorar a qualidade de vida dos animais e a infraestrutura geral do zoológico. O critério de julgamento no edital anterior era maior outorga, que é um valor pago pela concessionária ao Estado. Isso deverá ser alterado, provavelmente passando a menor valor de ingresso, limitado a um teto que será definido nos estudos, ou maior valor de investimentos no Parque Zoológico. Será também tornada mais clara a possibilidade de utilização da faixa junto à BR116 para que a concessionária possa desenvolver atividades que gerem receitas e ajudem na viabilidade econômica e financeira do projeto. Outra alteração possível do novo edital é em relação ao plantel de animais, que poderá ser flexibilizado”, diz a nota enviada ao JÁ pela secretaria do meio ambiente.

Um grupo de biólogos, veterinários e advogados, reunidos na Associação Zoo Melhor, elaborou um documento no qual apontou uma série de críticas e sugestões ao estudo de viabilidade e às minutas do edital e do contrato de concessão.

Há incerteza quanto à manutenção da qualidade na prestação dos serviços e dos servidores concursados, caso uma empresa assuma a administração do parque. Dentre os itens abordados, os profissionais destacam a forma displicente como os indicadores de qualidade foram sugeridos; a negligência a diversas espécies nativas e ameaçadas de extinção na lista que comporá o plantel obrigatório do Zoo e a ênfase a espécies exóticas. Também são sugeridas a atualização e a correção de dados do estudo de viabilidade e dos critérios de habilitação das empresas.

Padre Balduíno Rambo, botânico gaúcho homenageado

Quanto à Reserva Florestal Padre Balduíno Rambo, com mais de 600 hectares, contínua à área do Zoo, está em processo de recategorização como Unidade de Conservação nos termos da Lei Federal 9985/2000 (SNUC), segundo a SEMA. “Por estar nesta situação, não tem gestor nem servidores específicos. De acordo com a da Lei Federal 9985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) e Decreto Federal nº 4340/2002, as unidades de conservação e áreas protegidas criadas com base nas legislações anteriores a atual e que não pertençam às categorias previstas nesta Lei devem ser reavaliadas, no todo ou em parte, realizadas por ato normativo do mesmo nível hierárquico que a reconheceu.”

Animais de cinco continentes 

Alguns animais do Zoo: camelo (Ásia), leão (África), tigre (Ásia), rinoceronte branco (África), chimpanzé (África), babuíno sagrado (África), avestruz (África), casuar (Oceania), cervo vermelho (Europa). Possui diversas espécies consideradas ameaçadas de extinção.

tigres. Foto: Mariano Pairet

Entre as nativas do Brasil, destaca-se o lobo guará, onça pintada, mico leão da cara dourada, macaco aranha de testa branca, papagaio charão, papagaio do peito roxo, anta brasileira.

Lobo Guará. Foto: Mariano Pairet
Os bugios-ruivos, espécie nativa ameaçada. Foto: Caroliny Oliveira

Não há mais girafas no Zoo e a última elefanta,a Pink, morreu em fevereiro desse ano.

Elefante Pink morreu este ano

Mas os rinocerontes, hipopótamos, leão e tigres estão lá. E muitos outros. O mais antigo é um condor dos andes, que chegou no parque em 1972.

Irara (ou papa-mel), é um carnívoro silvestre.

Desde 14 de maço de 2018, o Zoo não recebe animais da comunidade porque o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) foi desativado. O local recebia animais machucados, vítimas de atropelamentos, choques elétricos, órfãos e apreendidos junto a traficantes para serem tratados e reconduzidos  aos seus habitats.

A atual gestora é a médica veterinária Caroline Gomes, especialista em manejo de animais silvestres. Assumiu em 25 de novembro de 2019.

Segundo ela, a receita total nos meses de janeiro, fevereiro e março foi de R$ 724,1 mil. As despesas ficam em torno de R$ 11 milhões por ano, contabilizados aí os salários.

O Zoo produz uma parte da alimentação dos animais, como couve, alfafa, aveia, cana de açúcar, milho e outros tipos de pasto. São consumidos por dia em torno de 7.000 kg de ração, 12.000 kg de frutas e verduras, mais carne e pasto, além de 1.500 kg de carne por mês, entre frango e bovina. A dieta é feita por biólogos e veterinários do parque.

Chimpanzé. Foto: Mariano Pairet

Governador Brizola inaugurou Zoo

Com cerca de 900 hectares situados em São Leopoldo, a área do Parque Zoológico pertencia à Companhia Geral de Indústrias e, em 1930, foi adquirida pelo Estado. Em 1934 o espaço foi consolidado como uma propriedade da antiga Viação Férrea do Rio Grande do Sul.

Mais de 25 anos depois, no dia 16 de março de 1957, foi promulgada pelo presidente Juscelino Kubitschek a Lei Federal nº 3.115 passando todos os bens da Viação Férrea para a União. Somente a área atual do Zoológico permaneceu sob domínio do Rio Grande do Sul.

No dia 27 de julho de 1959, o engenheiro João Caruso, secretário de Obras Públicas do governo de Leonel Brizola, entregou um estudo contendo sugestões para criar um parque público. A partir de então, a responsabilidade da área ficou com a Comissão Estadual de Prédios Escolares (CEPE), sob a denominação de Grupos de Parques e Jardins. A sede era em São Leopoldo, no próprio Horto Florestal.

Em 1º de maio de 1962, o Parque Zoológico, situado em Sapucaia do Sul foi inaugurado. No começo contava com poucas espécies que viviam em uma praça de São Leopoldo. Também foram adquiridos grandes animais como felinos e elefantes.

 

Poucos municípios gaúchos trazem dados precisos sobre suas Áreas de Preservação

Por Bruna Lago
Colaboraram: Lorenzo Panassolo, Caroline Tentardini, Lucas Lanzoni, Lianna Kelly Kunst, Stephany Foscarini, Thiago Greco, André Martins e Pedro Hameister
Beta Redação *

O meio ambiente é, historicamente, pauta de discussões. O ano de 2019 deixou latente problemas recorrentes, como as queimadas na floresta Amazônica e o derrame ilegal de óleo no mar. Infelizmente, essas discussões ganharam destaque com a ocorrência de tragédias de grandes proporções que repercutiram internacionalmente. Mas além desses eventos (inesperados ou não), o Brasil precisa se preocupar com as suas áreas de preservação de mata nativa.
Segundo estudo publicado pela Embrapa, em 2018, mais de 60% da vegetação nativa brasileira estava protegida, metade dela no interior de propriedades particulares, como fazendas. O estudo “Why Brazil needs its Legal Reserves”, publicado pela revista Science Direct, foi elaborado por mais de 400 pesquisadores e mostrou como a preservação dentro das propriedades privadas influencia, positivamente, a agricultura e a economia.
No Rio Grande do Sul, o Inventário Florestal de 2018 indica que a área verde total chega a 4 milhões de hectares, o equivalente a 15% do território do estado. O estudo também chama a atenção para a venda ilegal de madeira nativa e para a destruição de mata preservada, nem sempre impedidas pelos órgãos de proteção ambiental.

As Áreas de Proteção Ambiental respondem por 83% das florestas existentes em Unidades de Conservação (UC). Já as que apresentam maior proporção de floresta por unidade de área são os Monumentos Naturais (100%) e os Refúgios de Vida Silvestre (91%).

Ainda segundo o Inventário, o Rio Grande do Sul tem 653.977,63 hectares de área protegida em Unidades de Conservação (UC). Isso corresponde a 2% do território do estado, que abrange 41 UCs: nove federais, 18 estaduais, sete municipais e sete reservas particulares. Do total das áreas protegidas, 40% são áreas florestais, o que corresponde a 259.030,57 hectares. As Áreas de Proteção Ambiental respondem por 83% das florestas existentes em UCs. Já as regiões que apresentam maior proporção de floresta por unidade de área são os Monumentos Naturais (100%) e os Refúgios de Vida Silvestre (91%).

Áreas de Preservação

O Rio Grande do Sul possui cerca de 653.977,63 hectares de área protegida em Unidades de Conservação (UC). Isso corresponde a 2% do território do estado.

Do total das áreas protegidas, 40% são de floresta, mais ou menos 259.030,57 hectares.

Os dados ilustram a situação da mata nativa e os locais de preservação de biomas regionais e, dentro desse espectro, se localizam as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP). Essas áreas foram instituídas pelo Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, e são espaços territoriais legalmente protegidos. São ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicos ou privados, urbanos ou rurais, cobertos ou não por vegetação nativa. As APPs têm a função de preservar os recursos hídricos, paisagem, estabilidade geológica e biodiversidade. Servem, ainda, para facilitar o fluxo natural da flora e da fauna, proteger o solo e também, por consequência, assegurar o bem-estar humano.

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Para fazer um levantamento de áreas preservadas no Rio Grande do Sul, a Beta Redação entrou em contato com as Secretarias de Meio Ambiente de dez cidades, todas com 200 mil habitantes ou mais. As secretarias se baseiam no Código Florestal para definir o que é uma Área de Preservação Permanente.

Lagoa do Cocão, em Alvorada, passou por recente processo de revitalização. Foto: Prefeitura Alvorada/Divulgação

Em Alvorada, o engenheiro civil Felipe Gauze Bowns disse que a prefeitura não tem um levantamento de quantas APPs existem na cidade. “São muitos arroios e o Rio Gravataí. Toda área de 30 metros a partir dos cursos d’água e nascentes são considerados Áreas de Preservação”, explica. As duas principais APPs da cidade são a área da Várzea do Rio Gravataí e a Lagoa do Cocão.
A primeira possui uma área de preservação de 100 metros nas margens, já que a sua geografia favorece a ocorrência de alagamentos. A Lagoa do Cocão, que tem sua nascente em área urbana, chama atenção pela recente revitalização.
Em Gravataí, município com mais de 280 mil habitantes, o cenário é parecido com o de Alvorada: não existem dados exatos sobre a quantidade de áreas preservadas. A mais importante APP da cidade, contudo, é a Reserva Ecológica Banhado Grande, que totaliza 3,3 mil hectares e se localiza ao longo do Rio Gravataí até a divisa com Glorinha.
Reserva Ecológica Banhado Grande, em Gravataí, possui 3,3 mil hectares. mapa da Prefeitura de Gravataí/Divulgação

A principal Área de Preservação Permanente de Canoas é um lago formado por nascentes, que dá início ao Arroio Guajuviras, localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) Fazenda Guajuviras. A APA compreende cerca de 560 hectares e se destaca pela preservação do local.
São Leopoldo tem uma estimativa populacional de 236 mil habitantes, segundo matéria do Jornal VS baseada em dados do IBGE. Suas Áreas de Preservação estão divididas em duas macrozonas: a Leste e a Oeste. De acordo com diretor de Áreas Protegidas e de Gestão e Planejamento da Secretaria do Meio Ambiente (Semmam), Joel Garcia, a cidade conta com um Sistema Municipal de Áreas Protegidas que “prevê toda a gestão das áreas ambientais, sendo as mais importantes os 4 mil arroios e banhados do Rio dos Sinos”.
Segundo Joel, o município entende como APP as margens preservadas ao longo de 30 metros do Rio dos Sinos. O crescimento urbano nas áreas de inundação do rio ocasionou a divisão das áreas protegidas em Leste e Oeste. A Macrozona Oeste tem como principal APP o Parque Natural Municipal Imperatriz Leopoldina, onde existe uma UC para a proteção de 170 hectares em recuperação. Inaugurado em 2006, o ambiente é um exemplo de recuperação ambiental.
Parque Municipal Natural Imperatriz Leopoldina é opção de lazer para moradores de São Leopoldo. Foto: Prefeitura de São Leopoldo/ Divulgação

“Ali moravam mais de 230 famílias vivendo em péssimas condições, agora realocadas para o bairro Tancredo Neves. Depois disso, foram retiradas 1.194 toneladas de resíduos para recuperar o parque”, esclarece Joel.
Em 2018, São Leopoldo integrou o Sistema Estadual de Unidades de Conservação, quando a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) cadastrou o Parque Natural Municipal Base Ecológica do Rio Velho. Além dessa base, existem outras três unidades que compõem o município: Matinho do Padre Reus, Parque Natural Municipal Mata do Daniel e Unidade de Conservação Rebil Scharlau.
O superintendente de Licenciatura, Controle Ambiental e Animal de Santa Maria, Gerson Peixoto, informou em entrevista que, no momento, o município passa por um processo de levantamento de todas as áreas de preservação. Contudo, estima, a cidade tem cerca de 25 UCs. Entre elas, se destaca a APP Parque Natural Municipal dos Morros, que por se localizar distante da zona urbana, acaba não sendo tão afetado pela presença humana. Apesar da grande quantidade de UCs em Santa Maria, a maioria fica em perímetro urbano, sendo utilizada para a construção de moradias irregulares. Com poucos agentes ambientais, o município não consegue agir antes que as APPs sofram com os processos de ocupação.
Em Porto Alegre, o Diretor-Geral de Desenvolvimento Urbano e Sustentável da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, biólogo Marcelo Grunwlad, destaca três UCs como as principais: a Reserva Biológica do Lami José Lutzemberger, o Refúgio de Vida Silvestre São Pedro e o Parque Natural do Morro do Osso.
Reserva Biológica do Lami José Lutzemberger é uma das principais APPs de Porto Alegre. Foto: Prefeitura de Porto Alegre/Divulgação

“Essas localidades estão situadas dentro de Unidades de Conservação. Ou seja, têm limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”, pontua Grunwald.

A Reserva Biológica do Lami foi criada em 1975 e, atualmente, possui uma área de cerca de 200 hectares. Aproximadamente, 300 espécies de aves já foram registradas na reserva, entre as quais, várias são migratórias. Os banhados e juncais servem como berçários para muitos organismos aquáticos, como peixes, anfíbios e moluscos. Nas elevações arenosas podem ser encontrados ovos de cágados.

O Refúgio de Vida Silvestre São Pedro foi criado em 2014 e é habitat de espécies animais raras e ameaçadas de extinção, como o mão-pelada, o graxaim e o bugio-ruivo. Ele está inserido no maior fragmento de Mata Atlântica de Porto Alegre, com vegetação florestal e campestre.

O Parque Natural Morro do Osso tem uma área de 127 hectares e está localizado no Morro do Osso. Aproximadamente, 60% da vegetação natural do parque é constituída por formações florestais de dois tipos: a floresta alta e a floresta baixa. O restante é constituído por comunidades herbácea-arbustivas, formadas pelos campos pedregosos e pelas capoeiras e vassourais.

Em Passo Fundo, o Chefe do Núcleo de Fiscalização e Licenciamento Ambiental, Glauco Roberto Marins Polita, cita três importantes áreas de preservação. O Parque Pinheiro Torto e o Parque Arlindo Haas estão em processo de regularização fundiária e possuem plano de manejo. O Parque da Gare, por sua vez, está devidamente estruturado, e é considerado o espaço de maior relevância dentre o patrimônio histórico da cidade.

O Parque Natural Municipal do Pinheiro Torto abrange uma área de quase 32 hectares, e foi a primeira UC de Proteção Integral instituída pelo Poder Público de Passo Fundo. Por estar inserido na microbacia hidrográfica de mesmo nome, ele garante proteção necessária de importantes ambientes compostos por maciços florestais, campos sulinos, banhados, nascentes e o corpo hídrico formador da bacia hidrográfica do Rio Jacuí.

O Parque Urbano Municipal Arlindo Hass engloba uma área de 23 hectares e é uma importante área florestal, localizado junto ao Distrito Industrial Invernadinha. O espaço foi transformado em parque para incentivar a preservação dos ambientes naturais, com destaque para os remanescentes de Mata de Araucárias e de Campos Sulinos.

Parque Municipal Henrique Luís Roessler, em Novo Hamburgo. Foto: Lu Freitas/Secretaria de Meio Ambiente de Novo Hamburgo

Em relação às APPs em Novo Hamburgo, a bióloga e diretora de Licenciamento Ambiental, Viviane Corteletti, não sabe quantificar o número exato, pois margens de arroios e topos de morros podem ser considerados. Porém, ela aponta o Parque Municipal Henrique Luís Roessler, conhecido como Parcão. Além desta UC, o destaque vai para os arroios em Lomba Grande e o Morro da Fundação, em Hamburgo Velho.
Segundo a bióloga, atualmente há locais em Novo Hamburgo que passam por processo de restauração. “Em alguns casos, temos atividades e residências irregulares, mas estão sendo feitos planos de regularização fundiária”, esclarece a bióloga.
A bióloga e Fiscal Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Rio Grande, Daiane Marques, indica que a cidade tem três APPs. “Hoje temos uma Área de Proteção Ambiental, a APA da Lagoa Verde, legalmente instituída na modalidade de uso sustentável. Estamos em fase de instituição de outra UC, potencialmente na categoria Parque Municipal, bem como implementando o Sistema Municipal de Unidades de Conservação, um dos programas previstos no Plano Ambiental do município. Em nível estadual temos o Banhado do Maçarico e, em nível Federal, a Estação Ecológica do Taim”, destaca.
Para Daiane, a Reserva Ecológica do Taim é uma das mais importantes áreas pelo aporte financeiro e recursos humanos mobilizados em torno dela. “Abriga uma grande biodiversidade, sendo uma das últimas áreas verdes preservadas no município e que sofre grande pressão antrópica”, acrescenta.
Parque Estadual Itapuã, em Viamão. Foto: Divulgação

De acordo com o secretário de Meio Ambiente de Viamão, Gilberto Fraga, a cidade conta com 6 mil açudes, três bacias hidrográficas (a bacia do rio Gravataí, bacia do rio Guaíba e bacia do Litoral Médio), três comunidades indígenas (Estiva, Cantagalo e Horto Florestal), e três quilombos (Peixoto dos Botinhas, Cantão das Lombas e Anastácia). O Parque Estadual de Itapuã, localizado no município de Viamão, a 57 Km de Porto Alegre, é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral e abriga uma das últimas amostras dos ambientes originais da Região Metropolitana. O Parque foi reaberto em abril de 2002, após permanecer fechado por mais de dez anos para a recuperação de seus ecossistemas e sua estruturação administrativa.

As Áreas de Preservação Permanente são uma ideia antiga e mal compreendida no Brasil, único país que tem essa figura na legislação. Conforme o agrônomo Arno Leandro Kayser, o planejamento dessas formas de preservação começou há bastante tempo, mais precisamente na época do Brasil Colônia.

“O rei Felipe de Portugal decretou as faixas junto aos rios como propriedade da Coroa e que só poderiam ser cortadas por ordem do rei. Esse decreto visava garantir madeira para a manutenção da frota real, base do poder do Império”, elucida.

Essa ideia foi adaptada na criação do primeiro Código Florestal Brasileiro, em 1934, como um instrumento de proteção ambiental. “A fiscalização para o seu cumprimento começou na época, mas sempre enfrentou resistência no meio rural e a quase total ignorância no meio urbano”, relata Kayser.

O Código Florestal foi atualizado com a criação da Lei 4.771, em 15 de setembro de 1965, tornando-se mais rigoroso e completo em relação ao cultivo do solo.

Unidades de Uso Sustentável

Área de Proteção Ambiental: Unidades de Conservação de Uso Sustentável que conciliam ocupação moderada da área e proteção ambiental.
Área de Relevante Interesse Ecológico: Área com o objetivo de preservar os ecossistemas naturais de importância regional ou local, pode ser constituída por terras públicas e privadas.
Floresta Nacional: Área com cobertura florestal nativas, visando o uso sustentável dos recursos florestais e a pesquisa. 
Reserva Extrativista: Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, assegurando o uso sustentável dos recursos existentes e a proteção dos meios de vida dessas populações. Permite visitação pública e pesquisa científica.
Reserva de Fauna: Área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas. Adequada para estudos sobre o manejo econômico sustentável de recursos da fauna.
Reserva de Desenvolvimento Sustentável: Área onde vivem populações tradicionais que se baseiam em sistemas sustentáveis de exploração de recursos naturais desenvolvidos ao longo de gerações. Permite visitação pública e pesquisa.
Reserva Particular do Patrimônio Natural: Área protegida administrada não pelo poder público, mas por particulares interessados na conservação ambiental. Permite visitação e pesquisas.
As normas e estudos sobre os benefícios da preservação da mata nativa e locais geologicamente afetáveis não são recentes. Então, por que ainda é tão difícil conscientizar a população, e, principalmente, os gestores de empresas e municípios?
Para a doutora em Arquitetura e Urbanismo, Cibele Vieira Figueira, a questão ambiental não está relacionada com a criação de mais leis, mas sim com o montante de investido nessa temática. “Talvez um dos grandes entraves é que o governo vigente encara algumas questões como diretrizes focadas na temática ambiental. O orçamento é para isso, mas engloba muito mais do que o trabalho de fiscalização”, explica Cibele, que também é professora e pesquisadora na área de urbanismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Por esse motivo, muitas das áreas reservadas para preservação acabam sendo ocupadas de forma ilegal, por famílias em situação de vulnerabilidade social. “Essa área perde sua proteção e acaba sendo prejudicada”, arrola. “Essas situações são difíceis de regularizar em função de problemas econômicos e sociais que enfrentamos”.

Unidades de Proteção Integral
Estação Ecológica: Área destinada à preservação da natureza e à realização de pesquisas científicas. Permite visitas de objetivo educacional.
Reserva Biológica: Área natural instituída pelo poder público para preservar integralmente todos os seres vivos daquele ambiente e demais atributos naturais. Tem caráter integral e proíbe a intervenção humana. Permite visitas de objetivo educacional.
 
Parque Nacional: Áreas naturais ao ar livre, que pelas particularidades biológicas são administradas pelo Estado, geralmente com limitações de participação humana, como a proibição de construções. Permite pesquisas.
Monumento Natural: Unidade de Conservação para preservar a integridade de um elemento natural único. De caráter integral, é proibida a intervenção humana.
Refúgio da Vida Silvestre: Área destinada à proteção de ambientes naturais para assegurar condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna. Permite atividades de visitação e pode ser particular.
O economista Fabian Scholze Domingues concorda com a posição de Cibele. Ele acrescenta, porém, que do ponto de vista da teoria econômica, a poluição é uma forma de externalidade negativa. “O tratamento dos resíduos não ocorre e torna-se lucro para o empresário poluidor”, pontua. Ao invés de pagarem pelo prejuízo ambiental, as empresas poluidoras repassam para a sociedade parte dos seus custos, porque os reflexos ambientais se tornam responsabilidade coletiva a longo prazo.

Fabian enfatiza que outro agravante da questão ambiental é que o seu gerenciamento depende da coordenação entre União, Estado e Municípios. “Por exemplo, sobre a poluição das águas: quando um determinado rio passa por diversos estados, a competência é da União, embora não deixe de ser também dos municípios e dos estados. Contudo, o controle e a atribuição das responsabilidades é, digamos assim, diluída, deixando margem para vazios de responsabilidade administrativa”, assinala.

Para ele, representantes que veem a origem do problema na legislação estão prestando um desserviço. Essa ideia cria espaço para empresas e indivíduos se sentirem no direito de danificar o meio ambiente, sem medo de que as leis sejam aplicadas. “Tal caso é observável com o esvaziamento de órgãos de controle ambiental, como o IBAMA e a FEPAM”, lamenta Fabian.

O agrônomo Kayser esclarece que, no Rio Grande do Sul, o Código Florestal Estadual está em vias de revisão. “Nosso estado foi o que mais devastou suas florestas. Temos pouco mais de 2% de florestas nativas e 5 % de matas em recuperação. Talvez mais de 50% delas estejam cortadas. Onde elas existem, cumprem uma série de serviços ambientais de proteção aos corpos d’águas, apoio à biodiversidade, harmonia paisagística, apoio da agricultura e despoluição”, explica.

Ele concorda com os demais especialistas ao afirmar que ainda é preciso investir na conscientização da população a fim de que ela entenda a importância de proteger as áreas existentes e recuperar as que foram destruídas. “Para isso, é importante uma fiscalização eficiente, educação ambiental e pressão da população”, finaliza.

Cibele lembra que as APPs protegem principalmente os recursos hídricos, fator de importância para o futuro da população. “Com o aumento populacional, a água é cada vez mais demandada, pois necessitamos dela tanto para o consumo como para irrigar as plantações. Por isso, cuidar do ambiente onde a água é produzida, gerada e fornecida é extremamente importante para o futuro das cidades”, ensina. “As APPs, nesse caso, têm uma relevância fundamental, porque nessas áreas se retém, se nutrem e se alimentam os nossos recursos hídricos”, explica.

Kayser destaca como positivo o trabalho realizado por entidades profissionais, órgãos públicos e escolas para reverter o quadro de degradação. Ele aponta, como exemplo, o Projeto Verdesinos de recuperação ambiental, coordenado pelo Comitesinos e pelo Ministério Público, no qual o Movimento Roessler de defesa ambiental tem participação. Muitos resultados positivos têm sido alcançados nesse processo, que já recuperou perto de 1 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente no Vale dos Sinos.

*Os dados utilizados na matéria são procedentes do Ministério do Meio Ambiente, Inventário Florestal 2018 e levantados com as Secretarias Municipais de Meio Ambiente das cidades mencionadas.

* A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias. Sob a orientação de professores, os estudantes produzem e publicam aqui conteúdos jornalísticos de diversos gêneros.

 

Estudantes de Rio Grande criaram projeto que já devolveu ao mar 40 milhões de tartarugas

Cinco das sete espécies de tartarugas marinhas desovam na costa brasileira e todas elas estão ameaçadas de extinção.
Foi com a meta de reverter esse cenário que um grupo de estudantes de oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) criou em 1980 o Projeto Tamar, que deu início neste fim de semana às comemorações de seus 40 anos.
Mesmo diante de ameaças cotidianas, estudos científicos já são capazes de apontar uma melhora do cenário.

Projeto Tamar comemora marca de 40 milhões de tartarugas marinhas protegidas e devolvidas ao oceano. – Fernando Frazão/Agência Brasil
De acordo com dados do Projeto Tamar, há uma tendência de recuperação das populações de tartaruga-cabeçuda, tartaruga-de-pente, tartaruga-oliva e tartaruga-de-couro.
Já a população de tartaruga-verde apresenta atualmente sinal de estabilidade. Ainda assim, a tartaruga-de-couro e a tartaruga-de-pente estão em estado crítico, conforme a lista vermelha de espécies ameaçadas elaborada pela União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Entre as outras quatro, algumas são classificadas como em risco de extinção e outras como vulneráveis.
Pesca incidental
A pesca incidental, sobretudo durante o arrasto do camarão, é considerada atualmente a principal ameaça a essas populações.
Estudos realizados pela organização não-governamental Conservação Internacional (CI) em parceria com universidades dos Estados Unidos já estimaram que 85 mil tartarugas marinhas capturadas em todo o mundo incidentalmente morreram ao longo das décadas de 1990 e 2000.

Soltura de filhotes monitorada pelo Projeto Tamar – Fernando Frazão/Agência Brasil

No Brasil, uma pesquisa conduzida na Universidade Federal Fluminense (UFF) pela bióloga Suzana Machado Guimarães acompanhou quatro barcos entre julho de 2010 e dezembro de 2011.
Foram capturados nesse período 44 animais, o que aponta para uma taxa de 5,3 tartarugas afetadas a cada mil horas de pesca.
O Tamar desenvolve programa específico que inclui educação ambiental e orientação aos pescadores, além de desenvolver novos recursos e petrechos que possam minimizar as mortes.
Foi desenvolvido, por exemplo, o chamado anzol circular em substituição ao anzol em forma de J.
“Fizemos um corpo a corpo com as empresas de pesca industrial que trabalham, por exemplo, com captura de atum. Conseguimos que elas aderissem antes mesmo que viesse a regulamentação. Nós provamos que não afetava a pesca da espécie alvo, além de ser benéfico a elas já que faziam um esforço grande quando capturavam tartaruga. Essa mudança reduz em 70% a captura das tartarugas neste tipo de pesca. Então, todo mundo ganha”, diz a oceanógrafa Neca Marcovaldi, coordenadora de pesquisa e conservação do Projeto Tamar e uma das fundadoras da iniciativas.
A coordenadora do Projeto Tamar, Neca Marcovaldi, participa da soltura de filhotes que comemora a marca de 40 milhões de tartarugas marinhas protegidas e devolvidas ao oceano.

Medidas normativas também buscam enfrentar o problema. O anzol circular se tornou obrigatório na costa brasileira em novembro de 2018, conforme portaria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Já o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proíbe em algumas localidades do Nordeste o arresto do camarão durante a temporada reprodutiva de tartarugas.
Outras ameaças às tartarugas
Não é só a pesca que ameaça as tartarugas. A coleta de ovos nas praias para alimentação durante muito tempo colocava em risco as espécies, mas com a conscientização e o envolvimento das comunidades no trabalho de conservação, esse hábito já não acontece nos pontos onde há presença do Tamar.
A poluição, por outro lado, é um problema que demanda maior atenção: envolve desde os plásticos, que uma vez descartados no oceano podem ser ingeridos e causar sufocamento, até derramamento de óleo, como o ocorrido recentemente na costa brasileira, que já levou à morte mais de 20 tartarugas.
Curiosamente, um dos tipos de poluição mais ameaçadores a essas espécies é a fotopoluição, já que se tratam de animais sensíveis à luz. O excesso de luminosidade nas praias pode afugentar fêmeas que chegam para desovar.
Porém, ainda mais agravante, é o risco de morte de ninhadas inteiras. Quando recém-nascida, após sair do ovo, a tartaruga se dirige ao oceano se orientando para o horizonte de maior claridade.
Filhotes recém nascidos – Fernando Frazão/Agência Brasil

Se houver um holofote na praia, por exemplo, os filhotes vão se locomover em direção a ele. O dono de uma casa de praia em área de desova, se usar iluminação excessiva, poderá se surpreender pela manhã com dezenas de tartarugas recém-nascidas mortas em sua casa. Por esta razão, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece, por meio da Resolução 10/1996, normas a serem observadas. Na Bahia, também foi definida em lei estadual restrições de incidência de luz artificial em praias onde ocorrem desova.
Aquecimento global
Pesquisas ainda estão em desenvolvimento para se compreender efeitos do aquecimento global sobre as tartarugas marinhas. Sabe-se que o sexo dos animais é definido pela temperatura da areia onde está a ninhada: por volta de 29 °C, cerca de metade dos filhotes será formada por fêmeas e a outra metade por machos.
Acima dessa temperatura, mais fêmeas são geradas, e abaixo dela, nascerão mais machos.
O receio é de que uma simples mudança de 1 °C na média global impacte a distribuição dos sexos nas populações de tartarugas. Estudos preliminares, no entanto, revelam que isso ainda não está ocorrendo.
Pesquisadores do Tamar lembram que as tartarugas são seres de milhões de anos, que já enfrentaram eras glaciais. Com uma grande capacidade de adaptação, poderiam, por exemplo, mudar as áreas de desova para preservar a composição sexual.
“Temos aparelhos monitorando as temperaturas nas praias, para que possamos sempre pensar em possíveis ações. Mas eu sou otimista, acho que tudo tem jeito. Esses animais já passaram por muitas mudanças e conseguiram sobreviver”, diz Neca.
No entanto, outros desdobramentos do aquecimento global podem ser mais preocupantes. “A mudança climática pode ocasionar o desvio de correntes marinhas. E o fluxo das tartarugas também é gerido pelas correntes. Alterações climáticas podem impactar ainda na disposição de alimentos em áreas onde elas visitam”, observa a oceanógrafa.
Recuperação
Estudos coordenados pelo projeto Tamar revelam um crescimento populacional da tartaruga-cabeçuda de cinco vezes entre as temporadas reprodutivas de 1988/1989 e 2003/2004. Trata-se da espécie que mais se reproduz na costa brasileira. O litoral do país é seu terceiro destino predileto, atrás apenas das praias da Flórida, no Estados Unidos, e de Masirah, em Omã, no Oriente Médio.
A tartaruga-oliva aumentou o número de ninhos em 15 vezes, passando de 252 na temporada de 1991/1992 para 3.742 na temporada 2002/2003. A menor espécie de tartaruga marinha do mundo, que historicamente tem as praias de Sergipe como ponto de desova, expandiram sua presença para boa parte da Bahia, o que levou os pesquisadores do Tamar de cunharem o apelido de “novas baianas”.
As ninhadas de tartaruga-pente cresceram sete vezes entre as temporadas 1991/1992 e 2005/2006, passando de 199 para 1.345.
Também para esta espécie, o Brasil é um dos principais destinos para desova, sendo que Bahia e Rio Grande do Norte são seus estados preferidos. Já a tartaruga-couro concentra suas ninhadas na região de Regência, distrito de Linhares (ES). No local, há um número reduzido de desovas, mas que aumentou.
O salto foi de uma média de 25 ninhos por temporada no final dos anos 1980 para uma média de 90 nos últimos cinco anos. Esta espécie é a maior do mundo e pode medir até dois metros de comprimento e pesar até 750 quilos.
Já a tartaruga verde, cujas populações apresentam sinal de estabilidade, desova principalmente em ilhas e arquipélagos como Atol das Rocas e Fernando de Noronha. Na costa continental, encontrar ninhos é raro, mas ela marca presença para se alimentar, principalmente próximo a corais.
Cada ninhada costuma ter cerca de 120 ovos e a fêmea desova de três a sete vezes em cada período reprodutivo, geralmente sempre retornando à mesma praia. “O animal pode transitar e ir se alimentar em outro país. Mas na época da desova ele retorna ao mesmo local do ano anterior”, diz Neca. Essa característica da espécie faz com que a contagem das ninhadas sejam um bom referencial para medir o aumento populacional.
Apesar do grande número de filhotes que nascem a cada ano, o desafio da conservação não é simples. Isso porque apenas uma em cada mil tartarugas consegue chegar à fase madura, iniciada por volta dos 30 anos.
* Repórter e repórter fotográfico viajaram a convite da Petrobras
(Da Agência Brasil)